Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 15/01/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0103903-84.1998.4.03.6181/SP
1998.61.81.103903-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : ERMINIO APARECIDO NADIN
ADVOGADO : JOSÉ MAGNO RIBEIRO SIMÕES e outro
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 01039038419984036181 8P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. PRESCRIÇÃO PARCIAL. ARTIGO 168-A DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO. INEXISTÊNCIA DE CAUSA DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE. DOSIMETRIA. PENA DE MULTA READEQUADA. APELO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Verifica-se que entre os fatos praticados em 08/92, 12/93 e 05 a 08 de 1994, e o recebimento da denúncia, em 30 de agosto de 2002, transcorreu lapso temporal maior que 08 (oito) anos, motivo pelo qual se reconhece a prescrição da pretensão punitiva, persistindo a persecução penal em relação aos fatos havidos de 10 a 12 de 1994 e 02 de 1995 a 01 de 1997.
2. Inaplicável o artigo 2º, II da Lei 8.137/90 em relação às condutas praticas antes da vigência do artigo 168-A do Código Penal, pois tratam de objetos jurídicos distintos. Enquanto a Lei 8.137/90 versa sobre tributo ou contribuição social não recolhidos, o artigo 168-A do Código Penal trata de contribuição previdenciária. Tratando-se de crime continuado, aplica-se a lei nova, ainda que mais gravosa, porquanto já estava o agente ciente da maior severidade da sanção ao insistir continuar a prática delitiva, nos moldes da súmula 711 do STF.
3. Materialidade comprovada por diversos documentos que instruíram o procedimento fiscalizatório.
4. Autoria demonstrada pelo conjunto probatório que aponta o réu, sócio majoritário, como responsável pela gerência e administração da empresa.
5. Dolo configurado na vontade livre e consciente de deixar de repassar as contribuições, extraído do teor dos interrogatórios prestados em juízo. O tipo penal da apropriação indébita exige apenas o dolo genérico, e não o animus rem sibi habendi dos valores descontados e não repassados. A consumação do delito se dá com a mera ausência de recolhimento dessas contribuições.
6. Ausente demonstração de que as dificuldades financeiras, vivenciadas pela empresa à época das apropriações indébitas, tenham sido diferentes daquelas comuns a qualquer atividade de risco de modo a caracterizar a inexigibilidade de conduta diversa.
7. A pena-base foi fixada acima do mínimo legal por conta de maus antecedentes, não comportando redução.
8. Ante o reconhecimento da prescrição, as omissões do período remanescente perduraram, ao total, por 27 (vinte e sete) meses, de 10 a 12 de 1994 e 02 de 1995 a 01 de 1997, e sendo ausente recurso por parte da acusação, reduzo o aumento da pena em decorrência da continuidade delitiva, prevista no artigo 71 do Código Penal, para 1/6 (um sexto), o que torna definitiva a pena privativa de liberdade em 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, em regime aberto, substituída por restritivas de direito.
9. Observando os critérios adotados para a fixação da pena corporal, a pena de multa foi readequada a 15 (quinze) dias-multa, no piso legal.
10. Prestação pecuniária substitutiva destinada, de ofício, à União Federal, conforme entendimento desta Turma.
11. Apelação da defesa a que se dá parcial provimento para acolher a preliminar, declarando extinta a punibilidade dos fatos ocorridos em 08/92, 12/93 e 05 a 08 de 1994 pela prescrição da pretensão punitiva, reduzindo a pena do período remanescente, pela continuidade delitiva, para 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 15 (quinze) dias-multa e, de ofício, destino a prestação pecuniária à União Federal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria,

dar parcial provimento ao recurso para acolher a preliminar, declarando extinta a punibilidade dos fatos ocorridos em 08/92, 12/93 e 05 a 08 de 1994, pela prescrição da pretensão punitiva e reduzir a pena do período remanescente, pela continuidade delitiva, para 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 15 (quinze) dias-multa e, de ofício, destinar a prestação pecuniária à União Federal, nos termos relatório e do voto do Relator que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, acompanhado pelo voto do Juiz Federal Convocado PAULO DOMINGUES, vencido o Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA, que negava provimento à apelação.¶

Declarará voto o Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA.¶


São Paulo, 27 de novembro de 2012.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0103903-84.1998.4.03.6181/SP
1998.61.81.103903-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : ERMINIO APARECIDO NADIN
ADVOGADO : JOSÉ MAGNO RIBEIRO SIMÕES e outro
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 01039038419984036181 8P Vr SAO PAULO/SP

VOTO VENCIDO

O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA:


Trata-se de apelação interposta contra sentença que condenou o réu ERMÍNIO APARECIDO NADIN como incurso artigo 168-A, §1º, inciso I, c/c artigo 71, ambos do Código Penal, à pena de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão (sendo oito meses relativos ao acréscimo decorrente da continuidade delitiva), em regime aberto, e 50 (cinqüenta) dias-multa, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 13 dias-multa, no valor unitário mínimo; substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, a saber, prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária de 1 salário-mínimo.

O feito foi levado a julgamento na sessão de 27.11.2012.

Em seu voto, o E. Relator Desembargador Federal José Lunardelli deu parcial provimento ao recurso para acolher a preliminar, declarando extinta a punibilidade dos fatos ocorridos em 08/92, 12/93 e 05 a 08 de 1994, pela prescrição da pretensão punitiva e reduzir a pena do período remanescente, pela continuidade delitiva, para 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 15 (quinze) dias-multa e, de ofício, destinar a prestação pecuniária à União Federal, no que foi acompanhado pelo voto do E. Juiz Federal Convocado Paulo Domingues.

Acompanhei o E. Relator, pelas razões expendidas em seu voto, na negativa de provimento à apelação do réu, quanto ao mérito. Ousei divergir, contudo, quanto ao reconhecimento parcial da prescrição, mantendo a pena originalmente imposta.


Passo a proferir o voto condutor.


O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 81.611, em 10/12/2003 (DJ 13/05/2005, pg.06), entendeu que o delito descrito no artigo 1º da Lei nº 8.137/1990, por ser material, demanda, para sua caracterização, o lançamento definitivo do débito tributário. Assim, estabelece o lançamento definitivo como condição objetiva de punibilidade ou, ainda, como um elemento normativo do tipo.

Tal entendimento foi consagrado na Súmula Vinculante nº 24 do STF, que dispõe que "não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo".

Vinha sustentando a inaplicabilidade de tal entendimento quanto ao crime de apropriação indébita previdenciária, tipificado no artigo 168-A do Código Penal. E assim o fazia por entender que o crime do artigo 168-A do Código Penal é delito de natureza formal, que se consuma com o não repasse, à Previdência Social, das contribuições descontadas dos segurados empregados, prescindindo da constituição definitiva do crédito para sua configuração, na esteira de precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, v.g.: STJ, 5ª Turma, RHC 23152-SP, Rel.Min. Felix Fischer, j.01.04.2008, DJ 02.06.2008 p.1.; TRF-3a Região, 1ª Turma, ACR 1999.61.10.002496-5, Rel. Des.Fed. Vesna Kolmar, DJ 17/07/2007, p.292; TRF-3ª Região, 1ª Turma, ACR 1999.61.81.007403-2, Rel. Des.Fed. Johonsom di Salvo, j.29.04.2008, DJF3 26.05.2008.

Contudo, não me é dado desconhecer que o Supremo Tribunal Federal acabou por consagrar o entendimento de que o crime do artigo 168-A é omissivo material, não sendo possível a persecução criminal antes do encerramento definitivo do procedimento administrativo:


APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA - CRIME - ESPÉCIE. A apropriação indébita disciplinada no artigo 168-A do Código Penal consubstancia crime omissivo material e não simplesmente formal. INQUÉRITO - SONEGAÇÃO FISCAL - PROCESSO ADMINISTRATIVO. Estando em curso processo administrativo mediante o qual questionada a exigibilidade do tributo, ficam afastadas a persecução criminal e - ante o princípio da não-contradição, o princípio da razão suficiente - a manutenção de inquérito, ainda que sobrestado.
STF, Pleno, Inq 2537 AgR/GO, Rel.Min. Marco Aurélio, j. 10/03/2008, DJe 12/06/2008

Em que pese a polêmica instaurada quanto à infidelidade da ementa do acórdão supra transcrito ao decidido no julgamento, o certo é que os embargos de declaração em que se suscitava justamente essa questão foram rejeitados.

E, em decisões monocráticas, da lavra dos Ministros Cármen Lúcia e Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal Federal vem aplicando o entendimento consagrado no Inq 2537, vg:


AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1) IMPROCEDÊNCIA DA ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE AO ART. 93, INC. IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 2) PENAL. CONTROVÉRSIA SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA E SOBRE A EXISTÊNCIA DE CONDIÇÕES DA AÇÃO PENAL. NECESSIDADE DE ANÁLISE DE NORMAS DO CÓDIGO PENAL E DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. AGRAVO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. Relatório 1. Agravo de instrumento contra decisão que não admitiu recurso extraordinário, interposto com base no art. 102, inc. III, alínea a, da Constituição da República. 2. O recurso inadmitido tem como objeto o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
"Apropriação indébita previdenciária (caso). Esfera administrativa (Lei nº 9.430/96). Processo administrativo-fiscal (pendência). Inquérito (extinção). 1. A propósito da natureza e do conteúdo da norma inscrita no art. 83 da Lei nº 9.430/96, o prevalente entendimento é o de que a condição ali existente é condição objetiva de punibilidade, aplicando-se tanto aos crimes contra a ordem tributária quanto ao de apropriação indébita previdenciária. 2. Na pendência de processo administrativo-fiscal no qual se discute a ocorrência de apropriação indébita previdenciária, não há falar em procedimento penal. 3. Habeas corpus concedido para se extinguir o inquérito sem prejuízo de outro, se e quando oportuno" (fl. 23 - grifos nossos)(...)
5. Apreciada a matéria trazida na espécie, DECIDO.(...) 8. A solução da controvérsia sobre a natureza jurídica do crime de apropriação indébita previdenciária e sobre a existência de condições da ação penal demandaria a análise de normas do Código Penal e do Código de Processo Penal, o que não se admite em recurso extraordinário. Nesse sentido: (...) 9. Ademais, cumpre ressaltar que o entendimento manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgado recorrido foi positivado pela Medida Provisória n. 497/2010, a qual conferiu a seguinte redação ao caput do art. 83 da Lei n. 9.430/96: "A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente" (grifos nossos). Assim, considerando-se o disposto no art. 5º, inc. XL, da Constituição da República, o caput do art. 83 da Lei n. 9.430/96 - de natureza não meramente processual - incidiria necessariamente na espécie vertente...
STF, AI 820748/RS, Rel.Min. Cármen Lúcia, j. 20/10/2010, DJe 03/11/2010
Cuida-se de Inquérito Policial instaurado por Delegado de Polícia Federal lotado na SR/DP/RR, sediada em Boa Vista-RR, em cumprimento de requisição do Ministério Público Federal encaminhada pelo Ofício n.º 045/2010/3º Ofício Criminal /PR-RR/MPF. (...) É o relatório. Passo a Decidir. (...) Além disso, em mínimo juízo de admissibilidade, não se verificam, na espécie, elementos suficientes aptos a permitir a abertura de inquérito judicial contra os investigados em relação aos delitos insculpidos nos arts. 299, 168-A, ambos do Código Penal e art. 1º da Lei 8.137/90. (...) A jurisprudência desta Corte é uníssona no sentido de que o inquérito com o objetivo de apurar ilícito contra a ordem tributária somente pode ser instaurado quando findo o procedimento fiscal para a constituição do crédito tributário. Em outras palavras, enquanto o Estado-Administração não determinar - com respeito ao devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa - definitivamente a existência do débito fiscal e seu montante devido, não poderá o Estado-Polícia investigar o crime contra a ordem tributária, pois não estará ainda configurada a sua tipicidade. Nas palavras do Ministro Celso de Mello, "enquanto não se constituir, definitivamente, em sede administrativa, o crédito tributário, não se terá por caracterizado, no plano da tipicidade penal, o crime contra a ordem tributária, tal como previsto no art. 1º da Lei n.º 8.137/90." ( HC 86032 / RS, DJe-107 DIVULG 12-06-2008 PUBLIC 13-06-2008.) Ou seja, é elemento constitutivo do tipo penal o débito comprovadamente existente e líquido, o que só é possível com a confirmação do credito tributário, findo o procedimento Administrativo-Fiscal. Essa regra alcança, também, o antigo fato típico previsto no artigo 95, alínea "d", da Lei 8.212/95, hoje previsto no Código Penal, artigo 168-A. Para a instauração de Inquérito Policial há de ser concluído o procedimento administrativo prévio. Sem a finalização do Procedimento Administrativo e Fiscal, não há justa causa para este Inquérito Policial, nos termos da Súmula Vinculante n° 24: "Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1o, incisos I a IV, da Lei no 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo."...
STF, Inq 2963/RR, Rel.Min. Gilmar Mendes, j. 04/06/2010, DJe 17/06/2010

No mesmo sentido, acabou por firmar-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, v.g:


RECLAMAÇÃO. PENAL. FORMAÇÃO DE QUADRILHA, FALSIDADE IDEOLÓGICA E LAVAGEM DE DINHEIRO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. DESRESPEITO À DECISÃO PROFERIDA NO PEDIDO DE EXTENSÃO NO HC N. 53.033/BA. INEXISTÊNCIA. SONEGAÇÃO FISCAL E APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. DESCUMPRIMENTO PARCIAL. NECESSIDADE DE CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO. 1. A ordem concedida em favor do paciente, quando do deferimento do pedido de extensão no HC n. 53.033/BA, limitou-se a obstar a deflagração de inquérito policial, enquanto não constituído definitivamente o crédito tributário, tão somente quanto ao delito de sonegação fiscal (...) 7. Hipótese, contudo, em que, segundo a denúncia, alguns tributos cuja sonegação nela é descrita ainda careceriam de inscrição definitiva, razão pela qual, em relação a elas, a instauração da persecução penal desrespeitou a ordem concedida por esta Corte. 8. A individualização de qual imputação está amparada por crédito tributário definitivamente constituído exige exame aprofundado das provas que lastrearam a acusação, o que é incompatível com a via estreita da Reclamação constitucional, razão pela qual caberá ao Juízo de primeiro grau proceder a essa análise. 9. Reclamação parcialmente procedente para determinar o trancamento parcial da ação penal, apenas em relação à imputação de prática dos crimes tipificados nos arts. 1º, I e III, da Lei n. 8.137/1990 e 168 e 168-A do Código Penal que digam respeito a créditos tributários pendentes de constituição definitiva na data do oferecimento da denúncia.
STJ, 3ª Seção, Rcl 5064/BA, Rel.Min. Sebastião Reis Júnior, j. 23/05/2012, DJe 01/06/2012
HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA (ART. 168-A DO CPB). CRIME OMISSIVO MATERIAL. DÉBITO EM DISCUSSÃO NO INSS. APLICAÇÃO DO ART. 83 DA LEI 9.430/96. DECISÃO ADMINISTRATIVA DEFINITIVA. CONDIÇÃO OBJETIVA DE PUNIBILIDADE. AÇÃO PENAL INICIADA ANTES DO ENCERRAMENTO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO-FISCAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM CONCEDIDA, NO ENTANTO, PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL. 1. O crime de apropriação indébita previdenciária é espécie de delito omissivo material, exigindo, portanto, para sua consumação, efetivo dano, já que o objeto jurídico tutelado é o patrimônio da previdência social, razão porque a constituição definitiva do crédito tributário é condição objetiva de punibilidade, tal como previsto no art. 83 da Lei 9.430/96, aplicável à espécie. Precedentes do STF e do STJ. 2. Parecer do MPF pela denegação do writ. 3. Ordem concedida, no entanto, para trancar a Ação Penal 2005.61.81.005020-0, em curso perante a 4a. Vara Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo, sem prejuízo de sua ulterior renovação, em sendo cabível.
STJ, 5ª Turma, HC 102596/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 09/03/2010, DJe 12.04.2010
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. 1. TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO PENDENTE. DISCUSSÃO DO DÉBITO. AUSÊNCIA DE ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO. ATIPICIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. Enquanto houver processo administrativo questionando a existência, o valor ou a exigibilidade de contribuição social, atípica é a conduta prevista no artigo 168-A do Código Penal que tem, como elemento normativo do tipo a existência da contribuição devida a ser repassada. 2. Não importa violação à independência das esferas administrativa e judiciária o aguardo da decisão administrativa, a quem cabe efetuar o lançamento definitivo. 3. Ordem concedida para suspender o inquérito policial até o julgamento definitivo do processo administrativo.
STJ, 6ª Turma, HC 128672/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 05/05/2009, DJe 18/05/2009

Acresce-se que a Lei nº 12.250/2010 deu nova redação do artigo 83 da Lei nº 9.430/1996, que dispunha sobre a necessidade de decisão final administrativa para encaminhamento de representação fiscal para fins penais, para nele incluir também o crime do artigo 168-A do CP:


Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal, será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.

Dessa forma, em prol da uniformidade na interpretação do Direito e da celeridade da prestação jurisdicional, cumpre prestigiar tal orientação.

Assim, não sendo possível a persecução penal enquanto não definitivamente encerrada a esfera administrativa, não se inicia a contagem da prescrição da pretensão punitiva.

Logo, o termo inicial do prazo prescricional da pretensão punitiva estatal, para o crime do artigo 168-A do CP, é a constituição definitiva, na esfera administrativa, do crédito tributário correspondente às contribuições descontadas dos segurados e não recolhidas à Previdência Social.

Nesse sentido, aponto precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:


HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PENDÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE LANÇAMENTO DEFINITIVO DO DÉBITO. DELITO NÃO CONSUMADO. FALTA DE JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. 1. Não há justa causa para a instauração da ação penal para apurar o crime previsto no art. 168-A, § 1.º, do Código Penal, quando o suposto crédito previdenciário ainda pende de lançamento definitivo,uma vez que a inexistência deste impede a configuração do delito e, por conseguinte, o início da contagem do prazo prescricional. Precedentes do Pretório Excelso e Superior Tribunal de Justiça. 2. No caso dos autos, constata-se o constrangimento ilegal, tendo em vista que o processo administrativo, no qual se imputou a existência de débitos previdenciários, ainda não havia chegado ao seu termo quando do recebimento da denúncia. 3. Habeas corpus concedido para determinar o trancamento da ação penal n.º 5013327-75.2010.404.7000, em curso na 1.ª Vara Federal de Curitiba, ficando suspenso o prazo prescricional
STJ, 5ª Turma, HC 216414/PR, Rel.Min. Laurita Vaz, j. 11/10/2011, DJe 19.10.2011
APELAÇÃO CRIMINAL. DEFESA. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. CRIME MATERIAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA NÃO CONSUMADA. DESNECESSIDADE DE DOLO ESPECÍFICO DE APROPRIAÇÃO. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE NÃO COMPROVADA. MULTA E MULTA SUBSTITUTIVA REFORMADAS DE OFÍCIO. RECURSO DESPROVIDO. 1. Preliminar afastada. A apropriação indébita previdenciária, atualmente considerada crime material pelo STF e STJ, insere-se no rol dos tributos sujeitos à lançamento por homologação, motivo pelo qual a consumação e o início do prazo prescricional dessa infração dependem da consolidação da dívida no âmbito da Administração Fiscal, atualmente a cargo da Secretaria da Receita Federal do Brasil (Lei nº 11.941/2009). No caso dos autos, houve o lançamento de ofício, devendo-se considerar a data da consolidação da dívida como termo inicial do lapso prescricional. Como o réu foi condenado a 2 anos de reclusão, excetuado o aumento pela continuidade delitiva, na sentença condenatória que transitou em julgado para a acusação, ao teor dos artigos 109, V, e 110, §1º, do Código Penal, o prazo prescricional corresponde a 4 anos, não consumados entre a data da consolidação da dívida (1/3/2000) e do recebimento da denúncia (29/11/2004), excluindo-se o tempo de permanência no REFIS (28/4/2000 a 1/10/2002); entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença (9/6/2008) e nem dessa data em diante. (...)
TRF 3ª Região, 1ª Turma, ACR 0001374-16.2000.4.03.6181, Rel. Des.Fed. Johonsom di Salvo, j. 10/04/2012, DJe 18.04.2012

No caso dos autos, conforme se verifica do extrato de fl. 192, a a NFLD 32.068.639-6 descrita na denúncia, foi lavrada em 31.03.1997, sendo o crédito inscrito em dívida ativa em 24.09.1997. Embora não haja elementos nos autos para precisar a data da constituição definitiva do crédito tributário, é certo que ocorreu após a lavratura da NFLD e antes da inscrição em dívida ativa, devendo portanto a primeira data (mais favorável ao réu), ser considerada como o termo inicial do prazo prescricional.

O réu foi condenado à pena de dois anos e oito meses de reclusão, já descontado o aumento decorrente da continuidade delitiva, nos termos da Súmula 497 do Supremo Tribunal Federal, tendo a sentença transitado em julgado para a acusação, pelo que o prazo prescricional regula-se pela regra do artigo 109, inciso IV, do Código Penal, pelo período de oito anos.

Assim, não se consumou a prescrição da pretensão punitiva, pois entre a data da constituição definitiva do crédito na esfera administrativa (31/03/1997) e a do recebimento da denúncia (30/08/2002, fl. 419), causa interruptiva nos termos do artigo 117, inciso I, do Código Penal, não transcorreu prazo superior a oito anos. Tampouco transcorreu tal prazo da data do recebimento da denúncia e a da publicação da sentença condenatória (23.04.2010, fl. 805) e deste marco para a presente data, desconsiderado o período que o prazo prescricional permaneceu suspenso, nos termos do artigo 366 do CPP (14.01.2003 a 08.02.2007, fls. 474 e 652).

Por conseguinte, nada há de se alterar em relação ao patamar da continuidade delitiva.


Pelo exposto, pelo meu voto nego provimento à apelação.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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Data e Hora: 09/01/2013 16:37:11



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0103903-84.1998.4.03.6181/SP
1998.61.81.103903-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : ERMINIO APARECIDO NADIN
ADVOGADO : JOSÉ MAGNO RIBEIRO SIMÕES e outro
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 01039038419984036181 8P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelação interposta pela Defensoria Pública da União em favor de ERMÍNIO APARECIDO NADIN em face da sentença que o condenou pela prática do crime previsto no artigo 168-A, c.c. artigo 71, ambos do Código Penal.

De acordo com a denúncia, ERMÍNIO APARECIDO NADIN, sócio-gerente e responsável pela administração da empresa "SUNDEK INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE ARTIGOS ESPORTIVOS LTDA.", deixou de recolher, no prazo legal, contribuições destinadas à Previdência Social e que foram descontadas dos salários de seus empregados, referentes aos períodos de 08/92, 12/93, 05 a 08 de 1994, 10 a 12 de 1994 e 02 de 1995 a 01 de 1997. Os fatos originaram a Notificação Fiscal de Lançamento de Débito - NFLD nº 32.068.639-6, cujo débito totaliza a cifra de R$83.301,62 (oitenta e três mil, trezentos e um reais e sessenta e dois centavos), em março de 1997.

Houve a suspensão do processo e do lapso prescricional de 14.01.2003 (fl.474) a 08.02.2007 (fl.652), nos moldes do artigo 366 do Código de Processo Penal.

A denúncia foi recebida em 30 de agosto de 2002 (fl.419).

Após regular instrução, sobreveio sentença (fls.782/8004), que condenou o réu à pena de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime aberto, e 50 (cinqüenta) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo. A pena corporal é substituída por duas restritivas de direitos, sendo uma de prestação de serviços à comunidade ou entidade pública e outra de prestação pecuniária no valor de um salário mínimo, a ser destinada a entidade ou programa com destinação social designada pelo Juízo das Execuções.

Sustenta o réu (fls.807/809), em síntese, a ocorrência da prescrição parcial, com a conseqüente readequação da pena, o que conta com a consonância do Parquet (fls.811/813).

Em suas razões recursais (fls.818/829) postula o réu:

a) a inaplicabilidade do artigo 168-A do Código Penal, que não era vigente à época dos fatos, dada a irretroatividade da lei penal, requerendo a aplicação do artigo 2º. II da Lei8.137-90 em relação às condutas praticas antes da vigência do artigo 168-A;

b) o reconhecimento da prescrição, pois o último fato praticado sob o artigo 2º. II da Lei8.137-90 ocorreu em 01/1997 e a denúncia só foi recebida em 30/08/2002;

c) inexigibilidade de conduta diversa em função das dificuldades enfrentadas pela empresa;

d) absolvição por ausência de dolo específico;

e) redução da pena ao mínimo.

O Parquet Federal apresenta contrarrazões (fls.832/834) a fim de ser negado provimento ao apelo da defesa.

Com novo defensor, o réu apresenta nova apelação (fls.860/867), com os mesmo fundamentos. Contrarrazões pelo improvimento (fls.897/904).

Parecer da Procuradoria Regional da República (fls.906/912) em prol do parcial provimento para se reconhecer a prescrição parcial.

É o relatório.

À revisão.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0103903-84.1998.4.03.6181/SP
1998.61.81.103903-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : ERMINIO APARECIDO NADIN
ADVOGADO : JOSÉ MAGNO RIBEIRO SIMÕES e outro
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 01039038419984036181 8P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

O recurso comporta parcial provimento.

1. Da prescrição. A defesa requer que seja declarada extinta a punibilidade de parte dos fatos, no que é endossada pela Procuradoria Regional da República em seu parecer.

No caso dos autos, verifica-se que o período de não recolhimento equivale a 08/92, 12/93, 05 a 08 de 1994, 10 a 12 de 1994 e 02 de 1995 a 01 de 1997, sendo o débito previdenciário consolidado na NFLD nº 32.068.639-6.

A denúncia foi recebida em 30 de agosto de 2002 (fl.419).

Houve a suspensão do processo e do lapso prescricional de 14.01.2003 (fl.474) a 08.02.2007 (fl.652), nos moldes do artigo 366 do Código de Processo Penal.

A publicação da sentença condenatória recorrível ocorreu em 23.04.2010 - fl.805.

Com efeito, observa-se que a pena-base cominada, de 02 (dois) anos e 08 (oito) meses, prescreve em 8 (oito) anos, conforme previsão do artigo 109, IV do Código Penal.

Desse modo, encontram-se abrangidas pela prescrição da pretensão punitiva, ocorrida entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia, as condutas delitivas anteriores a 29/08/1994, persistindo a persecução penal em relação aos fatos havidos de 10 a 12 de 1994 e 02 de 1995 a 01 de 1997.

2. Da materialidade. Diversos documentos comprovam a materialidade delitiva, constantes de procedimento administrativo apuratório: termo de início e encerramento de ação fiscal (fls.22 e 24), NFLD nº32.068.639-6 (fls.13), no valor de R$83.301,62 (oitenta e três mil, trezentos e um reais e sessenta e dois centavos), discriminativos do débito (fls.14/19), Relatório Fiscal da Infração (fls.26/27), folhas de pagamento da empresa (fls.78/183) e representação fiscal para fins penais (fls.07).

De tal modo que a materialidade delitiva é questão amplamente configurada.

3. Da capitulação legal. Aduz o apelante a inaplicabilidade do artigo 168-A do Código Penal, que não era vigente à época dos fatos, dada a irretroatividade da lei penal, requerendo a aplicação do artigo 2º, II da Lei 8.137/90 em relação às condutas praticas antes da vigência do artigo 168-A.

O artigo 2º, II da Lei 8.137/90 prevê:

"Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:
(...)
II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Por sua vez, o artigo 168-A do Código Penal estipula, com redação dada pela Lei 9.983/2000:
"Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo é forma legal ou convencional:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
No entanto, tratam os excertos legais de objetos jurídicos distintos. Enquanto a Lei 8.137/90 versa sobre tributo ou contribuição social não recolhidos, o artigo 168-A do Código Penal trata de contribuição previdenciária.

A respeito, embora sob fundamento diverso, esteve bem amparada a sentença:

"Destarte, aplica-se a lei nova, ainda que mais gravosa, porquanto já estava o agente ciente da maior severidade da sanção ao insistir continuar a prática delitiva.
Este é o entendimento consolidado na súmula 711 do Supremo Tribunal Federal (...)".
Anteriormente à vigência do artigo 168-A do Código Penal, a lei 8.212/90, em seu artigo 95, dispunha sobre o tema. Nem por isso aplicável ao caso em testilha. Nesses termos:
"PROCESSO PENAL E PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 168-A, DO CÓDIGO PENAL - APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. PRESCRIÇÃO PARCIAL RECONHECIDA DE OFÍCIO. TIPIFICAÇÃO. ABOLITIO CRIMINIS. IMPOSSIBILIDADE DE DESCLASSIFICAÇÃO. DOLO. PRISÃO POR DÍVIDA NÃO CARACTERIZADA. QUITAÇÃO DO TRIBUTO NÃO COMPROVADA. DIFICULDADES ECONÔMICAS NÃO CONFIGURADAS. APELAÇÕES IMPROVIDAS.
1. (...)
2. Sobre a tipificação da conduta descrita na denúncia, aplica-se ao caso vertente o disposto no art. 168-A do Código Penal. É verdade que o não recolhimento dos tributos em tela se deu entre o período de 04/1994 a 08/1998, de maneira que ocorreu na vigência do art. 95, "d", da Lei 8.212, válida a partir de 24.07.91. Todavia, com a edição do art. 168-A, do Código Penal, na redação dada pela Lei 9.983, DOU de 17.07.00 (cuja eficácia se deu após 90 dias de sua edição), tratando-se de norma penal mais branda no tocante ao preceito secundário, há retroatividade benéfica nos moldes do art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal de 1988.
3. Não ocorreu a abolitio criminis em razão de a Lei 9.983/00 ter revogado o art. 95, "d", da Lei 8.212/91, pois visivelmente essas previsões têm o mesmo padrão normativo no tipo penal, havendo claro prolongamento nas suas disposições, inexistindo solução de continuidade na proteção dos bens jurídicos tutelados, sendo que as pequenas alterações promovidas não foram estruturais. São inaplicáveis ao presente as disposições da Lei 8.137/90, em face de o art. 168-A, do Código Penal, dispor especificamente a propósito das contribuições previdenciárias. Oportunamente, cabe destacar que a Lei 8.866/94 (que disciplina a figura do depositário infiel de tributos e contribuições) não revogou a Lei 8.212/91, art. 95, "d", pois esses textos legais têm âmbitos diversos de abrangência (um tratando de matéria cível e tendo por fim a instituição de meios para a recuperação dos valores não recolhidos, e outro, cuida de tema penal).
4. Por fim, pelo princípio da especificidade da norma, não se deve cogitar na aplicação do crime de apropriação indébita simples descrito no art. 168 do Código Penal. Como é cediço, o pressuposto material para ocorrência do crime de apropriação indébita simples do art. 168, do Código Penal (doloso, por sua natureza) é a justa posse ou detenção de coisa - corpórea - alheia móvel (excluídos os bens imóveis, os imóveis por acessão física ou legal, os direitos, os trabalhos físicos etc.), assim obtida sem clandestinidade, violência, erro ou outra irregularidade, vale dizer, com o consentimento não viciado de quem de direito. Ulteriormente, completando o delito, dá-se a consciente inversão desautorizada da posse ou detenção pelo agente que, "motu proprio", assume postura de proprietário (mesmo que não transfira o bem para seu nome).
5. (...)
11. Apelações improvidas".(TRF 3ª Região, 2ª Turma, ACR 200061810014866ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 15506, Rel. Des. Fed. Cotrim Guimarães, DJU 22/09/2006, p. 433)

E, ainda:

"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA: DESCRIÇÃO GENÉRICA. FALTA DE JUSTA CAUSA. EXIGÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO (ANIMUS REM SIBI HABENDI). OFENSA AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DA LEI. ALEGAÇÕES IMPROCEDENTES. (...) 2. Ao contrário do crime de apropriação indébita comum, o delito de apropriação indébita previdenciária não exige, para sua configuração, o animus rem sibi habendi. 3. Inocorrência de ofensa ao princípio da anterioridade da lei: a jurisprudência desta corte firmou-se no sentido de que "[o] artigo 3º da Lei n. 9.983/2000 apenas transmudou a base legal da imputação do crime da alínea 'd' do artigo 95 da Lei n. 8.212 /1991 para o artigo 168-a do Código penal , sem alterar o elemento subjetivo do tipo, que é o dolo genérico'. É dizer: houve continuidade normativo-típica. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento."
(STF, RHC 88144, Relator Ministro Eros Grau, j. 04/04/2006, DJ 16/06/2006, p. 28).

4. Da autoria. A autoria do delito restou plenamente comprovada nos autos.

Cópias do contrato social e suas respectivas alterações encontram-se acostadas às fls.58/76, onde se verifica ser o réu sócio majoritário da empresa à época. A cláusula sexta prevê, além disso, que a gerência e a administração cabiam exclusivamente a ele.

A testemunha ouvida em Juízo (fls.529), Izelísio Fracari, tendo trabalhado como empregado na empresa, declara que somente o acusado gerenciava a pessoa jurídica.

No âmbito de processo falimentar, o acusado asseverou ser o responsável pela gerência da empresa (fl.324).

Todos esses fatos demonstram que ERMÍNIO APARECIDO NADIN possuía amplos poderes como administrador, inclusive para efetuar o repasse de contribuições previdenciárias, não se eximindo, pois, da culpabilidade do delito em tela.

5. Do dolo. A conduta descrita no artigo 168-A, caput, do Código Penal é "deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional". Pela dicção legal, trata-se crime omissivo próprio (omissivo puro), que se consuma com a mera transgressão da norma ("deixar de repassar/recolher"), independentemente do resultado da conduta do agente ou qualquer outro efeito distinto da omissão em si mesma (v.g., auferir proveito patrimonial pessoal). Não se exige o dolo específico, consistente na vontade livre e consciente de ter a coisa para si (animus rem sibi habendi)

Daí ser lícito concluir que o elemento subjetivo do tipo descrito no artigo 168-A do Código Penal é o dolo genérico, assim entendido como a vontade livre e consciente de descontar contribuição previdenciária da folha de salário dos empregados e deixar de repassar os valores à Previdência Social.

Nesse sentido já decidiu esta C. Primeira Turma:

"PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ARTIGO 168-A DO CÓDIGO PENAL. ARGÜIÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA: INADMISSIBILIDADE. INEXIGIBILIDADE DE PROVA DE DOLO ESPECÍFICO. INEXISTÊNCIA DE CAUSA DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE OU DA CULPABILIDADE. (...).5. No crime de apropriação indébita previdenciária, tipificado no artigo 168-A do Código Penal, exige-se apenas o dolo genérico, ou seja, a vontade livre e consciente de deixar de recolher, no prazo legal, contribuição descontada de pagamentos efetuados a segurados, não sendo de exigir-se intenção de apropriar-se das importâncias descontadas, ou seja, não se exige o animus rem sibi habendi. Precedentes. (...)"
(ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 3267, Processo: 2003.61.07.003555-8 UF: SP Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA Relator: JUIZA CONVOCADA SILVIA ROCHA Data do Julgamento: 22/02/2011, DJF3 CJ1 DATA:28/02/2011 PÁGINA: 150).
Esse entendimento encontra amparo na jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal:
"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA: DESCRIÇÃO GENÉRICA. FALTA DE JUSTA CAUSA. EXIGÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO (ANIMUS REM SIBI HABENDI). OFENSA AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DA LEI. ALEGAÇÕES IMPROCEDENTES.
(...)
2. Ao contrário do crime de apropriação indébita comum, o delito de apropriação indébita previdenciária não exige, para sua configuração, o animus rem sibi habendi.
3. Inocorrência de ofensa ao princípio da anterioridade da lei: a jurisprudência desta corte firmou-se no sentido de que "[o] artigo 3º da Lei n. 9.983/2000 apenas transmudou a base legal da imputação do crime da alínea 'd' do artigo 95 da Lei n. 8.212/1991 para o artigo 168-A do Código Penal, sem alterar o elemento subjetivo do tipo, que é o dolo genérico'. É dizer: houve continuidade normativo-típica.
Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.
(STF, RHC 88144, Relator Ministro Eros Grau, j. 04/04/2006, DJ 16/06/2006, p. 28).

6. Da inexigibilidade de conduta diversa. Pugna também a defesa pela absolvição do réu diante da excludente de culpabilidade caracterizada pela inexigibilidade de conduta diversa, consubstanciada pelas dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa.

Na inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade em razão de dificuldades financeiras - argumento de que se vale a defesa para pleitear a absolvição -, tais aperturas devem ser de tal ordem que coloquem em risco a própria existência da empresa, uma vez que apenas a impossibilidade financeira devidamente comprovada nos autos poderia justificar a omissão nos recolhimentos. Deve, ainda, ser esporádica, momentânea, e não uma situação habitual, sendo que a empresa deve utilizar todos os meios legalmente possíveis para tentar saldar sua dívida para com a Previdência.

Contudo, a defesa não se desincumbiu do ônus de provar o quanto alegado, nos termos do artigo 156, primeira parte, do Código de Processo Penal.

Embora o réu tenha sustentado que a empresa enfrentava problemas financeiros, a documentação trazida aos autos não demonstra que as dificuldades financeiras vivenciadas pela empresa, à época, tenham sido diferentes daquelas comuns a qualquer atividade de risco de modo a caracterizar a inexigibilidade de conduta diversa.

Foi acostada aos autos cópia da sentença que decretou a falência da empresa, que inadimpliu as condições assumidas na concordata preventiva (fls.641/644). Saliente-se, por oportuno, que o registro de pedido de concordata, posteriormente convolado em decretação de falência, consiste em alternativa hábil aos sócios, que desse modo não têm seu patrimônio pessoal atingido.

Há também o apontamento de algumas execuções fiscais em face da pessoa jurídica (fl.445). Na verdade, esses fatos comprovam a inadimplência ou má gestão, e não a ausência de recursos para o pagamento dessas obrigações.

No caso em tela, sequer foi comprovado que o réu tenha disposto de patrimônio particular com o fim de aplicar recursos na recuperação da empresa, mas optou por reter reiteradamente os valores descontados do pagamento de seus empregados, ao invés de destiná-los à Previdência Social.

Acerca do tema bem fundamentou a sentença recorrida (fl.797):

"Entrementes, os documentos explicitados acima não demonstram que a ausência de recolhimentos aos cofres públicos das contribuições sociais em questão seria a única opção para o acusado manter seu próprio sustento e o pagamento dos salários de seus funcionários, bem como preservar a empresa.
Não há, outrossim,l nenhuma prova de que o acusado tenha utilizado o patrimônio pessoa para saldar dívidas da pessoa jurídica.
Ao contrário, observo que o acusado respondeu por crime falimentar, em razão da existência de indícios de prática das condutas tipificadas nos art. 186, VI; 187 e 188, III, do Decreto-lei 7.661/45 - antiga Lei de Falências (fls.774/5), a seguir transcritos (...)."

Na mesma linha é como vem entendendo o Colendo Superior Tribunal de Justiça:

"CRIMINAL. RESP. OMISSÃO NO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. DOLO GENÉRICO. ANIMUS REM SIBI HABENDI. COMPROVAÇÃO DESNECESSÁRIA. ONUS PROBANDI. FACULDADE DA PARTE PROVAR. DIFICULDADES FINANCEIRAS DA EMPRESA. EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE POR INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. ÔNUS DA DEFESA. PROVA NÃO PRODUZIDA. ABSOLVIÇÃO DOS ACUSADOS. CRISE FINANCEIRA DA EMPRESA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
A conduta descrita no tipo penal do art. 95, "d", da Lei 8.212/95 é centrada no verbo "deixar de recolher", sendo desnecessária, para a configuração do delito, a comprovação do fim específico de apropriar-se dos valores destinados à Previdência Social. Precedentes. II Cabe à defesa e não à acusação a prova dessa circunstância, na medida em que o animus probandi é a faculdade da parte demonstrar a ocorrência de fato alegado em seu favor. III. Não tendo sido comprovada a insolvência da empresa, não pode o Tribunal a quo absolver os acusados com base em meros indícios de que a mesma foi atingida por dificuldades financeiras, como ocorrido in casu. IV. Infere-se que os acusados foram absolvidos tão-somente em virtude do entendimento adotado pelo Tribunal a quo de que haveria a necessidade de comprovação do dolo específico de fraudar a Previdência Social, em desacordo com a jurisprudência dominante nesta Corte. V. Recurso conhecido e provido, nos termos do voto do relator. "(STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Classe: RESP - RECURSO ESPECIAL - 612367 Processo: 200301885499 UF: RJ Órgão Julgador: QUINTA TURMA Data da decisão: 28/04/2004 Documento: STJ000550139 Fonte DJ DATA:14/06/2004 PÁGINA:276 Relator(a) GILSON DIPP)

Observa-se, ademais, do depoimento testemunhal (fl.529), que o apelante, ao invés de efetuar o repasse das contribuições previdenciárias, optava por pagar fornecedores:

"(...) que quando iniciou suas atividades na Sundek a pessoa jurídica estava em concordata, porém pode constatar que Erminio realizou vários pagamentos para fornecedores que não habilitaram seus créditos na medida preventiva; que segundo sua avaliação esses pagamentos comprometeram ainda mais as finanças da empresa (...)".

Assim sendo, as justificativas utilizadas pelo réu para o não recolhimento das contribuições não foram suficientes para provar que não havia outro modo de manter a empresa funcionando, não havendo tampouco provas de sacrifício patrimonial do mesmo.

Anoto que o bem jurídico protegido é o patrimônio público, o patrimônio dos cidadãos que compõem o Sistema Previdenciário, não se admitindo o uso de dinheiro destinado ao custeio da Previdência Social como escusa para eventual dificuldade financeira do particular.

7. Da dosimetria. O recurso de apelação da defesa traz o pedido de redução da pena.

Na fixação da pena-base, as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, do Código Penal, não favoráveis ao acusado, tendo em vista a existência de maus antecedentes, apontam para a necessária elevação, sobretudo a existência de condenação criminal com trânsito em julgado (fl.770). Assim, corretamente fixada a pena-base em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão.

Ausentes circunstâncias atenuantes ou agravantes, mantenho o quantum fixado na primeira fase da dosimetria.

Considerando que as omissões no recolhimento das contribuições perduraram, ao total, por 27 (vinte e sete) meses, considerando-se o reconhecimento da prescrição, de 10 a 12 de 1994 e 02 de 1995 a 01 de 1997, e sendo ausente recurso por parte da acusação, reduzo o aumento da pena em decorrência da continuidade delitiva, prevista no artigo 71 do Código Penal, para 1/6 (um sexto), o que torna definitiva a pena privativa de liberdade em 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão.

O regime inicial da pena privativa de liberdade é mantido no aberto, nos moldes do artigo 33, §2º, alínea "c", do Código Penal, cujo cumprimento se dará na forma e condições estabelecidas pelo Juízo das Execuções Penais.

Nos termos do artigo 44, §2º, mantém-se a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, destinando-se, de ofício, a prestação pecuniária à União Federal, de acordo com o entendimento desta Turma.

A pena pecuniária, por sua vez, foi fixada em disparidade com os critérios adotados para a fixação da pena privativa de liberdade, em 50 (cinquenta) dias-multa. Readequando-a, tem-se 10 (dez) dias-multa, acrescidos em 1/3 (um terço), que resulta em 13 dias-multa. Por conta da continuidade delitiva, é acrescida em 1/6 (um sexto), tornando-se definitiva em 15 (quinze) dias-multa, no piso legal.

Por essas razões, dou parcial provimento ao recurso para acolher a preliminar, declarando extinta a punibilidade dos fatos ocorridos em 08/92, 12/93 e 05 a 08 de 1994, pela prescrição da pretensão punitiva e reduzir a pena do período remanescente, pela continuidade delitiva, para 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 15 (quinze) dias-multa e, de ofício, destinar a prestação pecuniária à União Federal.

É o voto.

JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 29/11/2012 20:01:45