Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0015195-82.2004.4.03.6105/SP
2004.61.05.015195-8/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : LANA ANDREIA ANTONY JULIAN BUENO
ADVOGADO : PAULO HENRIQUE VASCONCELOS GIUNTI e outro
APELADO : Ministerio Publico Federal
APELADO : CALEBE DE LUCA BUENO
ADVOGADO : TATIANA MAKITA KIYAN FRANCO (Int.Pessoal)
: ANNE ELISABETH NUNES DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. DELITO DE "FALSUM". APOSIÇÃO DE ASSINATURA FALSA EM REQUERIMENTO PARA PASSAPORTE. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS. DEMONSTRADO O DOLO NA PRÁTICA DELITIVA. ESTADO DE NECESSIDADE NÃO COMPROVADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
1.A materialidade restou demonstrada pelo Laudo Pericial (Laudo de Exame Grafotécnico) de fls. 41/42, que concluiu que a assinatura aposta no requerimento não partiu do punho de CALEBE DE LUCA BUENO.
2.Ainda, no que diz respeito à materialidade, tem-se que o Laudo Pericial (Laudo de Exame Grafotécnico) de fls. 102/104, dá conta de que efetivamente os lançamentos objeto da perícia partiram do punho de LANA ANDRÉIA ANTONY JULIAN BUENO.
3.Quanto à autoria, restou demonstrada pelo interrogatório da própria acusada, que confessou ter praticado o delito, tanto na fase extrajudicial, como em Juízo (fls. 86/87 e 117/119).
4.O laudo grafotécnico de fls. 117/120 dá conta de que as assinaturas apostas no requerimento para passaporte partiram do punho da apelante.
5.Não colhe o argumento da defesa de que encontra-se presente causa excludente de ilicitude, em razão de ter o apelante agido em estado de necessidade, não tendo restado suficientemente demonstrada a atualidade do perigo, como condição para o reconhecimento dessa causa dirimente.
6.E, se de fato havia ameaças, a ré poderia provocar a atuação estatal visando afastar a proximidade de seu ex-marido. Por sua vez, ainda que a ré tivesse parentes fora do país, a falsificação mostrou-se como atitude desproporcional se comparada com o suposto perigo alegado.
7.Cumpre esclarecer que a ré, ao falsificar assinatura, afrontou o disposto no artigo 84, inciso II, da Lei n. 8.069/90.
8.Ainda que a ré tivesse a guarda dos filhos, era imprescindível a autorização do pai das crianças para empreender viagem com elas, nos termos da lei.
9.Não resulta, dos autos, uma situação clara de estado de necessidade, cujo ônus da prova era da defesa, nos termos do artigo 156 do Código Penal.
10.No caso dos autos, a conduta desenvolvida pela apelante foi deveras exasperada. O perigo poderia ser evitado por outro modo, não incidindo, pois, a causa excludente de antijuridicidade invocada pela apelante.
11.Recurso desprovido.Sentença mantida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, em rejeitar a preliminar e negar provimento ao recurso interposto por LANA ANDREIA ANTONY JULIAN BUENO, mantendo a decisão proferida em primeiro grau, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 17 de setembro de 2012.
RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0015195-82.2004.4.03.6105/SP
2004.61.05.015195-8/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : LANA ANDREIA ANTONY JULIAN BUENO
ADVOGADO : PAULO HENRIQUE VASCONCELOS GIUNTI e outro
APELADO : Ministerio Publico Federal
APELADO : CALEBE DE LUCA BUENO
ADVOGADO : TATIANA MAKITA KIYAN FRANCO (Int.Pessoal)
: ANNE ELISABETH NUNES DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
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RELATÓRIO

Trata-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta por LANA ANDREIA ANTONY JULIAN BUENO contra sentença proferida pelo MM. Juiz da 1ª Vara Federal Criminal em Campinas-SP, que julgou procedente a pretensão punitiva estatal, para condenar a ré como incursa nas sanções do artigo 304, à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, além do pagamento de 10 dias-multa, cada dia-multa no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, com substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos.

Consta de denúncia que:

02. Consta que a DENUNCIADA, já separada de seu ex-marido, CALEB DE LUCA BUENO, pretendia viajar para a Inglaterra, na cidade de Londres, com seus filhos em comum, HADMYEL DE LUCA JULIAN BUENO e HALEB JULIAN BUENO, sem autorização do pai.
03. Para tanto, como os passaportes das crianças estavam com o prazo de validade vencido, e ciente de que CALEB DE LUCA BUENO não autorizaria a viagem de seus filhos, a DENUNCIADA preencheu os requerimentos de novos passaportes em nome de seus dois filhos (fls. 33/35), e de seu próprio punho, falsificou a assinatura de CALEB DE LUCA BUENO, sendo certo que, em conseqüência de sua conduta de fazer uso dos requerimentos perante a Delegacia de Polícia Federal, os passaportes foram expedidos.
04. A materialidade delitiva está provada pelo laudo pericial acostado às fls. 38/39, que atesta que a assinatura em que houve reconhecimento de firma, imputada a CALEB DE LUCA BUENO, não partiu de seu punho. Além disso, elaborada perícia grafotécnica com a coleta de materiais da DENUNCIADA, 'os peritos encontraram elementos gráficos convergentes suficientes para afirmar que tais lançamentos partiram do seu punho, sendo portanto autênticos' (fls. 99/101).
05. No que tange à autoria delitiva, a DENUNCIADA, ouvida em sede policial (fls. 83/840), confessou que preencheu os formulários de requerimento de novos passaportes e falsificou a assinatura de seu ex-marido (fls. 02/03)."

A denúncia foi recebida em 04.07.2006 (fl. 113).

A ré foi interrogada (fls. 117/120), tendo sido apresentada defesa prévia (fls.124/125).

Foram ouvidas as testemunhas de acusação (fls. 154/156) e de defesa (fls. 168/169, 170/171 e 172/173).

Na fase do artigo 499 do Código de Processo Penal, o Ministério Público Federal requereu a juntada de folhas de antecedentes criminais (fl. 175), ao passo que a defesa requereu a juntada de cópia de Boletim de Ocorrência lavrado em nome de Calebe, ex-marido da ré.

Em alegações finais, o Ministério Público Federal requereu a condenação da ré (fls. 198/200), e a defesa se bateu pela sua absolvição, pugnando, ainda, como tese alternativa, pela condenação apenas pelo crime do artigo 297 (fls. 204/208).

A sentença condenatória foi proferida a fls. 210/221 e publicada em 05/11/2008 (fls. 222).

Às fls. 223/224, Calebe Luca Bueno, ex-marido da ré, requereu sua inclusão no feito como assistente da acusação, o que, após manifestação ministerial desfavorável (fls. 226), foi deferido (fls. 227).

Em razões de apelação (fls.235/238), aduziu a defesa, essencialmente, que:

a)a prática delitiva somente foi realizada, em virtude da situação vivida naquele momento, em que sentia temor do marido, medo e depressão;

b)com efeito, seu marido bebia e era usuário de drogas; a ré sempre foi ameaçada por ele, chegando a sofrer agressões;

c)a ré é honesta e boa mãe de família, e pretendia viajar com seus filhos para outro país, em virtude da culpa exclusiva de seu ex-marido;

d)a ré agiu em estado de necessidade, por medo ou coação física e moral de seu ex-marido;

e)alternativamente, caso seja mantida a condenação da ré, requer seja reduzida a pena ao mínimo legal.

Com contrarrazões de Calebe Bueno e do Ministério Público Federal (fls. 241/248 e 253/257), subiram os autos a esta Corte Regional, onde o parecer do Ministério Público Federal foi pelo desprovimento do recurso (fls.259/261).

O feito foi submetido à revisão, na forma regimental.


É O RELATÓRIO.



RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0015195-82.2004.4.03.6105/SP
2004.61.05.015195-8/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : LANA ANDREIA ANTONY JULIAN BUENO
ADVOGADO : PAULO HENRIQUE VASCONCELOS GIUNTI e outro
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: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)

VOTO

De início, faço consignar que a materialidade e a autoria delitivas restaram bem delineadas nos autos.

A materialidade restou demonstrada pelo Laudo Pericial (Laudo de Exame Grafotécnico) de fls. 41/42, que concluiu que a assinatura aposta no requerimento não partiu do punho de CALEBE DE LUCA BUENO.

Por sua vez, o Laudo Pericial (Laudo de Exame Grafotécnico) de fls. 102/104, dá conta de que efetivamente os lançamentos objeto da perícia partiram do punho de LANA ANDRÉIA ANTONY JULIAN BUENO. Confira-se:

"No confronto do material padrão gráfico de LANA ANDREIA ANTONY JULIAN com os lançamentos gráficos à guisa de assinatura questionados a ela atribuídos apostos nos documentos questionados de fls. 33 e 34, no campo n. 33, os Peritos encontraram elementos gráficos convergentes suficientes para afirmar que tais lançamentos partiram de seu punho sendo portanto autênticos. No confronto do material padrão gráfico de LANA ANDREIA ANTONY JULIAN com os lançamentos gráficos à guisa de assinatura constante no campo 33 dos referidos documentos, atribuídos a Calebe de Luca Bueno, os Peritos encontraram elementos gráficos divergentes suficientes para afirmar que tais lançamentos não partiram de seu punho"

Quanto à autoria, esta restou demonstrada pelo interrogatório da própria acusada, que confessou ter praticado o delito, tanto na fase extrajudicial, como em Juízo (fls. 86/87 e 117/119).

Ademais, o laudo grafotécnico de fls. 117/120 dá conta de que as assinaturas apostas no requerimento para passaporte partiram do punho da apelante.

Por sua vez, não colhe o argumento da defesa de que se encontra presente causa excludente de ilicitude, em razão de ter a apelante agido em estado de necessidade.

De início, faço consignar que não restou suficientemente demonstrada a atualidade do perigo, como condição para o reconhecimento do estado de necessidade. Como bem argumentou o assistente da acusação, em contrarrazões recursais:


"No caso em tela, percebe-se que a recorrente não demonstrou a atualidade do perigo. Por ocasião do interrogatório judicial, ela esclareceu (fls. 118): 'Ficou casada com Calebe por treze anos. (...)Quando buscou a emissão de passaportes para os menores, estava separada de fato há uma semana ou quinze dias (...) Calebe é uma pessoa violenta; antes do casamento fez tratamento para livrar-se da dependência de álcool e drogas. Durante a constância do casamento agrediu a interroganda algumas vezes, numa freqüência de três em três anos".
Ora, o dano ao bem jurídico tutelado - no caso sub judicie, a integridade física da acusada - teria ocorrido durante a constância do casamento, que durou cerca de 13 (treze) anos, ou seja, muito antes da ocorrência dos fatos descritos na denúncia. Assim, resta descaracterizado o perigo atual" (fls.244/245).

Com efeito, a situação fática descrita pela ré não justifica a conduta de falsificar documento público, mediante a aposição de assinatura falsa em requerimento para passaporte.

Se de fato havia ameaças, a ré poderia provocar a atuação estatal visando afastar a proximidade de seu ex-marido. Por sua vez, ainda que a ré tivesse parentes fora do país, a falsificação mostrou-se como atitude desproporcional, se comparada com o suposto perigo alegado.

Viu-se, contudo, que a ré pretendia ficar por três anos na Inglaterra.

Cumpre esclarecer que a ré, ao falsificar assinatura, afrontou ao disposto no artigo 84, inciso II, da Lei n. 8.069/90, que dispõe que:


"Art. 84. Quando se tratar de viagem ao exterior, a autorização é dispensável, se a criança ou a adolescente:
I- estiver acompanhado de ambos os pais ou responsável;
II - viajar na companhia de um dos pais, autorizado expressamente pelo outro através de documento com firma reconhecida."

Assim, ainda que a ré tivesse a guarda dos filhos, era imprescindível a autorização do pai das crianças para empreender viagem com elas, nos termos da lei.

Tal norma é decorrência do poder familiar, exercido pelo pai e pela mãe e que somente poderia ser afastado por decisão judicial.

Em outras palavras, a concessão de guarda à mãe dos menores não supre a autorização do pai, como requisito para que estes viajem para fora do país.

De outro lado, é inescusável o desconhecimento da lei por parte da ré, o que demonstra que seu comportamento, na realidade, mostrou-se precipitado.

Note-se que, além de sua mãe, que morava no Brasil, a ré possuía outros dois irmãos, aos quais poderia ter buscado auxílio.

Assim, não resulta, dos autos, uma situação clara de estado de necessidade, cujo ônus da prova era da defesa, nos termos do artigo 156 do Código Penal.

Para que se configure a causa excludente de ilicitude consistente no estado de necessidade, é necessário que o perigo seja atual, não restando caracterizada tal dirimente, quando se tratar de perigo incerto ou futuro. Também é necessário, para que se configure, que o ato contrário ao ordenamento jurídico seja o único comportamento da vítima a ser exigido, vale dizer, se a conduta pode ser evitada por outro modo, não pode ser acolhida a excludente.

Confira-se o que dispõe o artigo 24 do Código Penal:

"Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se".

Tenho que, no caso dos autos, a conduta desenvolvida pela apelante foi deveras exasperada. O perigo poderia ser evitado por outro modo, não incidindo, pois, a causa excludente de antijuridicidade invocada pela apelante.

Por sua vez, não há provas no sentido de que a ré efetivamente obteria emprego no exterior, o que, ao invés de excluir a ilicitude, torna reprovável a sua conduta de permanecer em outro país por até três anos, como ela própria afirmou, com dois filhos menores, até mesmo porque seus filhos percebiam alimentos no Brasil.

É evidente, portanto, que a decisão de condenação era medida que se impunha, já que provadas a materialidade e a autoria delitivas, e ausente qualquer causa excludente de antijuridicidade, não comprovada suficientemente pela defesa.

Diante do exposto, rejeito a preliminar e nego provimento ao recurso interposto por LANA ANDREIA ANTONY JULIAN BUENO, mantendo a decisão proferida em primeiro grau.

É COMO VOTO.


RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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