D.E. Publicado em 27/09/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão proferida em primeiro grau, em seu inteiro teor, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta por LIU XIONGZHEN e YE GENCHAMG contra sentença proferida pela MM. Juíza Federal da 5ª Vara Criminal de São Paulo, que os condenou a cumprir a pena de 02 anos de reclusão, pela prática do delito previsto no artigo 242 do Código Penal, e a pena de 01 ano de reclusão pela prática do delito previsto no art. 125, inciso XIII da Lei 6.815/80, em concurso material, restando fixada a pena definitiva em 03 anos de reclusão, em regime aberto, convertidas em penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade em entidade a ser indicada pelo Juízo da Execução Penal, pelo mesmo período da pena privativa de liberdade imposta, e uma pena de prestação pecuniária no valor de um salário mínimo, a ser revertida também a entidade pública a ser designada pelo Juízo da Execução Penal.
Nessa mesma ocasião, a ré YE AIWEY foi absolvida da imputação dos delitos previstos nos artigos 299, do Código Penal, e 125, inc. XIII da Lei 6815/80, e condenada a pena de 04 meses de detenção, por infração ao artigo 308, do Código Penal, com substituição da pena corporal por restritiva de direitos.
Consta de denúncia que, em 01 de setembro de 2004, agentes da Polícia Federal em cumprimento de Ordem de Missão Policial, diligenciaram no endereço residencial dos denunciados LIU XIOGZHEN e YE GENCHANG, por ambos serem requerentes do Procedimento de Permanência no Brasil nº 20.299, em que os policiais federais verificaram não serem eles os verdadeiros genitores da criança nascida no Brasil, Talita XIn Huang Ye, utilizada como justificativa de ambos para pleitear sua permanência no Brasil. A desconfiança em relação à filiação surgiu da constatação de que a criança residia naquele prédio, porém, em outro apartamento pertencente a YE AIWEI. Levados à Polícia Federal a fim de prestarem esclarecimentos, os três denunciados confessaram a fraude, que se deu da seguinte forma: o casal LIU XIONGZHEN e YE GENCHANG, naturais da República Popular da China, solicitaram a ajuda de YE AIWEI, que estava grávida, a fim de regularizarem sua situação no Brasil. Para tanto, YE AIWEI concordou em ajudá-los, mediante o pagamento de uma quantia em dinheiro a ser combinada e, tendo dado à luz a sua filha aos 02 de julho de 2004, no hospital São Joaquim, utilizou o passaporte de YE GENCHANG, a fim de que a criança fosse registrada como se fosse filha desta última. Em seguida, de posse da declaração do hospital, LIU XIOGZHEN e YE GENCHANG registraram o nascimento como pais daquela criança, com o nome de Talita [certidão de nascimento anexada aos autos]. Ademais, consta nos autos a cédula de identidade da menor, em que igualmente constam como pais os denunciados LIU E YE. Dessa forma, munidos da certidão de nascimento, declaração do hospital e cédula de identidade, todas ideologicamente falsas, LIU e YE protocolaram perante a Polícia Marítima, Aeroportuária e de Fronteiras, aos 14/07/04, pedido de permanência definitiva no Brasil, sob o fundamento de possuírem filha brasileira. Assim sendo, LIU XIONGZHEN e YE GENCHANG foram denunciados pela prática dos delitos previstos nos artigos 242 e 304 do Código Penal e artigo 125, XII da L. 6.815/80, e a co-denunciada YE AIWIE pela prática dos delitos previstos nos artigos 299 e 308 do Código Penal e artigo 125, XII, da L. 6.815/80 (fls.02/04).
A denúncia foi recebida em 15/05/2006 (fl.155) e os réus foram interrogados às fls. 192/194, 223/224 e 225/226, por intermédio de intérprete do idioma chinês, nomeado pelo juiz (fl.227), tendo os réus LIU e YE apresentando defesa prévia (fls.229/230). A corré YE AIWEI não apresentou defesa prévia.
Foram ouvidas as testemunhas arroladas pela acusação (fls.246,247 e 248) e houve desistência da ouvida da testemunha arrolada pela defesa (fl.263).
Em alegações finais, a acusação pugnou pela condenação dos réus (fls.276/280), enquanto a defesa se bateu pela absolvição (fls.288/301).
Na fase do art. 499 do CPP, o MPF requereu a juntada de folhas de antecedentes e certidões atualizadas dos réus [fl.294]. A defesa, por sua vez, nada requereu [fl.268].
Adveio sentença de parcial procedência da denúncia, para absolver a ré YE AIWEI da prática dos delitos previstos nos artigos 299 do CP e art. 125, XIII, da Lei nº 6.815/80, com fulcro legal no artigo 386, incisos IV e VII, do CPP. E por outro lado, condenar a ré YE AIWEI pela prática do delito previsto no art. 308 do CP, bem como, condenar os corréus LIU XIONGZHEN e YE GENCHANG pela prática dos delitos previstos nos artigos 242 do CP e 125, XIII, da L. 6.815/80, na forma do art. 69 do CP [concurso material de crimes]. A sentença condenatória foi prolatada às fls.303/309, tendo sido publicada em 31.10.2008 (fl.310).
Posteriormente, a douta juíza, tendo transitado em julgado a sentença condenatória para o Ministério Público Federal, declarou a extinção da punibilidade do crime previsto no artigo 308 do Código Penal, em relação a corré YE AIWEI [fls.313/314].
Em razões de apelação [fls. 367/386], a defesa requer o provimento do recurso, com a absolvição dos réus LIU XIONGZHEN e YE GENCHANG, argumentando, em apertada síntese que:
a)- o decreto condenatório se lastreou preponderantemente em provas obtidas na fase inquisitorial, e está pautado nos interrogatórios prestados pelos apelantes, nessa fase;
b)- verifica-se, de plano, que os apelantes, quando interrogados em sede policial, não estavam acompanhados por advogado, devendo suas confissões serem vistas com bastante sensatez;
c)- os elementos de convicção que possibilitaram a propositura da ação penal necessariamente deveriam ser corroborados com os elementos colhidos durante a instrução criminal, fase em que o réu poderá exercer o contraditório e a ampla defesa. Em outras palavras, não basta que o inquérito policial demonstre determinados fatos, pois, estes devem ser confirmados no decorrer da instrução criminal, dando-se maior valoração dentre as provas, as que foram colhidas durante a instrução criminal.
d)- no caso em tela, o douto magistrado, ao sentenciar, valorou com maior intensidade, nitidamente as provas obtidas no inquérito policial;
e)- percebe-se que, durante a instrução criminal, restou plenamente demonstrado que não iriam os apelantes pagar qualquer quantia à mãe biológica, o que, sem dúvida alguma, humaniza sobremaneira as condutas que praticaram, pois as razões de adoção se deram por motivo nobre;
f)- invoca a excludente de culpabilidade por erro de proibição, não tendo sido analisada pela juíza sentenciante qualquer possibilidade de incidir tal excludente na conduta perpetrada pelos ora recorrentes, embora a prova dos autos revelem tal possibilidade;
g)- não seria razoável exigir-se que os apelantes soubessem que as suas condutas poderiam constituir fato ilícito, pois não tinham potencial conhecimento do caráter ilícito de suas condutas, tampouco seriam capazes de determinaram-se de acordo com esse entendimento;
h)- os interrogatórios dos apelantes demonstram, com clareza, que não sabiam que o fato de registrar filho de outrem como sendo seu (art. 242 do CP), poderia ser conduta ilícita, tampouco de que valer-se de tal ato para justificar pedido de permanência no Brasil seria igualmente fato ilícito (art. 125, inciso XII, da L. 6.815/80);
i)- se os apelantes não sabiam que constitui fato ilícito registrar filho alheio como próprio, com muito mais propriedade pode-se dizer que também não sabiam que a utilização de tal declaração, com o fito de permanecerem no país, poderia acarretar-lhes sérias conseqüências legais, inclusive motivação para a expulsão do país;
j)- ademais, não existe qualquer elemento probante trazido aos autos, durante a fase instrutória, capaz de comprovar que os apelantes registraram como sendo sua a filha de outrem, com o único escopo de fraudar procedimento de permanência no país, pois pretendiam criar a criança;
k)- os policiais, os quais disseram que era a mãe biológica quem detinha a guarda da criança, quando das diligências que realizaram, não confirmaram tal versão em juízo, pois sequer foram arrolados como testemunhas de acusação;
l)- o fato de ter estado a criança, nos primeiros meses de vida, com a mãe biológica, e não com os apelantes, justifica-se em razão da necessidade de aleitamento materno;
m)- pretendiam os apelantes, efetivamente, adotar e criar a criança, não sabendo que o procedimento de adoção deve seguir procedimento legal determinado no ECA;
n)- alternativamente, requerem que:
n.1)- não incida a pena de expulsão, prevista na parte final do art. 125, XIII, da L. 6.815/80, sendo suficiente para prevenção e reprovação da conduta sob análise as penas corporais impostas, já substituídas por restritivas de direitos;
n.2)- a extinção da punibilidade pelo perdão judicial, por motivo de nobreza, pois, à época dos fatos, YE AIWEI, mãe biológica da criança, encontrava-se grávida e passando por sérias dificuldades financeiras, sem amparo por parte do pai biológico da pequena Talita, e os apelantes, vendo o desespero da amiga, adotaram a criança, que poderia, ademais, continuar tendo a convivência e o afeto da mãe biológica, sendo que a intenção do casal, era apenas a de criar a menina, por terem melhores condições financeiras.
Com as contra razões ministeriais [fls.389/397], subiram os autos a esta E. Corte Regional, onde o parecer do Ministério Público Federal é pelo desprovimento do recurso interposto, devendo ser confirmada a sentença condenatória [fls.401/402].
O feito foi submetido à revisão, na forma regimental.
É O RELATÓRIO.
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VOTO
Autoria e materialidade delitivas comprovadas pelos elementos do inquérito policial e da instrução processual criminal, em especial pela prova testemunhal e pela própria versão dos apelantes, que admitiram não serem os verdadeiros genitores da menor Talita, e que utilizaram a certidão de nascimento falsa para instruir processo de visto de permanência definitiva no Brasil perante a autoridade concedente - Polícia Marítima, Aeroportuária e de Fronteiras da Polícia Federal -, sob o fundamento de possuírem filha brasileira.
Ao contrário do que sustenta a defesa, o édito condenatório não se deu preponderantemente em razão das provas obtidas no inquérito policial. Na verdade, as provas coligidas na fase inquisitorial foram corroboradas com as provas acusatórias coligidas na fase judicial, tendo havido, inclusive, a confissão dos réus em juízo [fls. 223/224 e 225/226].
De fato, restou demonstrado que os apelantes não são os pais biológicos da menor Talita e utilizaram os documentos falsos [declaração do nosocômio onde se deu o nascimento da menor, certidão de nascimento e cártula de identidade] para requererem, perante a Polícia Marítima, Aeroportuária e de Fronteiras, sua permanência definitiva em nosso país, sob o fundamento de possuírem uma filha brasileira.
A certidão de nascimento [fl.39] e a cédula de identidade [fl.77] apreendidas, de TALITA XIN HUANG, criança nascida no Brasil, são ideologicamente falsas. Ora, os apelantes LIU XIONGZHEN e YE GENCHANG, naturais da República Popular da China, se fizeram passar por genitores de Talita, fazendo com que a mãe biológica apresentasse ao hospital que procedeu ao seu parto, documento de identificação [passaporte] de outra mulher, qual seja, LIU [falsa mãe], que, na posse da declaração do hospital, conjuntamente com seu esposo YE, ambos registraram a criança como se fosse filha natural do casal [certidão de nascimento de fl. 39], com o escopo de requererem o visto de permanência definitiva no Brasil [fls.37/38], tendo LIU e YE plena ciência da falsidade da documentação apresentada [fls.39, 40, 75 e verso, 77 e 78] junto ao Departamento da Polícia Federal, como se observa dos seus interrogatórios, oferecidos em juízo:
Interrogatório de Liu Xiongzhen:
Interrogatório de Ye Genchang:
Viu-se que os réus procuraram se exculpar, dizendo que não sabiam que constitua crime registrar filho de outrem como próprio, e só o fizeram porque a mãe biológica não pretendia criar a própria filha e, portanto, a intenção do casal era de adotar a criança. Todavia, essa versão exculpante não é verossímil, já que a criança não foi encontrada, quando da diligência policial, sob a guarda e proteção dos apelantes, e nem sequer residia com os mesmos, continuando a residir com a mãe biológica, embora registrada como filha dos apelantes. Registre-se que, em nenhum momento, quando ouvida, tanto em sede de inquérito policial quanto em juízo, a mãe biológica e corre, YE AIWEI, afirmou que não pretendia criar a sua filha, entregando-a em adoção para os ora apelantes LIU e YE ; ao contrário, declarou perante a autoridade policial [fls.22/23] que, estando grávida, ajudaria o casal a obter visto de permanência no país, permitindo que o casal registrasse sua filha nascida no Brasil como se deles fosse, mediante paga, bem como, em juízo [fls.193/194], confirmou a versão de que aceitou que sua filha Talita, nascida em solo brasileiro, fosse registrada em nome dos apelantes, para que eles pudessem obter o visto de permanência no Brasil, apenas alterando sua versão, na parte em que afirmou ter consentido na fraude, para fazer um favor ao casal, e não visando paga. E, mais, afirmou que a criança foi registrada como filha dos apelantes, mas sempre permaneceu consigo, nunca tendo os apelantes levado a criança para residirem com o casal.
Confira-se:
Interrogatório policial:
Interrogatório em juízo:
Assim sendo, a declaração do hospital, a certidão de nascimento e a carteira de identidade da criança Talita tinham dados que não correspondiam a realidade. É evidente, portanto, que os réus tinham plena ciência de que faziam uso de documentação falsa para obterem visto de permanência definitiva no Brasil. O dolo evidencia-se, principalmente, pelo fato de LIU ter repassado seu passaporte à mãe biológica, YE AIWEI, para que ela se identificasse como LIU perante o hospital, com o escopo de constar na declaração fornecida pelo nosocômio, onde se deu o nascimento da menina, o nome de LIU como mãe biológica e, com a apresentação de referida declaração, ela pudesse obter certidão de nascimento falsa, como de fato foi obtida, constando falsamente como pais da criança Talita os apelantes, certidão de nascimento esta que ainda lhes serviu para expedição de cédula de identidade da criança. Todos esses documentos foram apreendidos pela Polícia Federal [fls.39,75 e 77].
Como se isso não bastasse, ainda fizeram constar no pedido de permanência definitiva no Brasil junto ao Departamento da Polícia Marítima, Aeroportuária e de Fronteiras [fls.36/77] declarações falsas [fls. 40 e78] no sentido de que a criança Talita era filha dos apelantes e que vivia sob a guarda e dependência econômica do casal, coabitando com os mesmos, numa clara "armação" engendrada por LIU [falsa mãe] em conluio com YEI AIWEI [mãe biológica], que manipularam terceiros para assinar documento em que declaravam expressamente fatos que, na realidade, desconheciam, a evidenciar, uma vez mais, o dolo na conduta dos réus.
As testemunhas de acusação, Jin Jianchong e Huang Shaoyong, que firmaram suas assinaturas na falsa declaração de fl. 78, no sentido de que a criança vivia e residia sob a guarda e dependência econômica dos apelantes, em juízo, afirmaram que:
Depoimento de JIN JIANCHONG:
Depoimento de HUANG SHAOYONG:
Assim, todos os depoimentos prestados perante a autoridade policial [fls.08/09, 15/16, 22/23, 114/115, 124 e 126/127] foram reiterados, de forma harmônica, em juízo [fls.192/194, 223/224, 225/226, 246/248], estando em sintonia com os demais elementos de prova presentes nos autos, não merecendo guarida a alegação da defesa de que a juíza, ao sentenciar, valorou preponderantemente as provas obtidas em sede de inquérito policial, em detrimento das colhidas durante a instrução criminal.
Viu-se, portanto, que a autoria dos crimes e o dolo por parte dos réus, ora apelantes, na perpetração dos delitos, restaram provados, a final, não podendo ser aceita a versão da defesa de que as provas colhidas no inquérito policial não foram confirmadas no decorrer da instrução criminal.
Quanto a invocação do erro de proibição, não pode prosperar a alegação da defesa dos apelantes LIU e YE, de que tal ocorreu, na espécie.
Não cabe o argumento de que os apelantes desconheciam a ilicitude de suas condutas, tendo em vista que o artigo 21 do Código Penal é imperativo no sentido de que o desconhecimento da lei é inescusável.
Nem se diga, também, que não era possível o conhecimento da ilicitude do fato por parte dos apelantes, o que excluiria a culpabilidade, porque, quando da diligência policial, como visto acima, os policiais verificaram, à época do requerimento de permanência no Brasil, deduzido pelos apelantes junto à Departamento da Polícia Federal, sob o fundamento de terem uma filha brasileira, a menor Talita não residia com eles e sim com a mãe verdadeira, Ye Aiwei, o que deixa claro que não pretendiam "adotar" e criar a criança que fraudulentamente registraram como filha, tendo registrado filha de outrem como própria com o único intuito de obter visto de permanência definitiva no Brasil, ficando demonstrado, nos autos, à evidência, que os apelantes agiram com dolo na conduta que empreenderam, pois tinham pleno conhecimento do ilícito que praticavam, até porque, se não soubessem da ilicitude de seu ato, não tentariam manipular e dissimular a real situação da criança com a ajuda providencial da própria mãe verdadeira, tendo a apelante LIU dado o seu passaporte para a mãe biológica, se passando por ela, para induzir a erro a administração hospitalar, tendo constado no documento emitido pelo hospital que quem deu à luz a criança Talita foi LIU, mediante o uso de passaporte desta pela verdadeira mãe, o que deu origem aos demais documentos falsos da criança [certidão de nascimento e cédula de identidade].
Ademais, repito, dispõe o artigo 21 do Código Penal que o desconhecimento da lei é inescusável. Isto porque, se fosse possível ao agente eximir-se da responsabilidade penal, alegando ignorância da lei, haveria insegurança jurídica, debilitando o caráter intimidador do Direito Penal.
Como esclarece Julio Fabbrini Mirabete:
Nem se diga, também, que não era possível o conhecimento da ilicitude do fato por parte dos apelantes, o que excluiria a culpabilidade, porque é de conhecimento público e notório que registrar filho de outrem como próprio configura crime, bem como que não se adota uma criança simplesmente registrando-a como se sua fosse - a chamada "adoção à brasileira", sendo cediço que há todo um procedimento legal e burocrático a ser seguido, além de uma fila de espera para a prática da adoção.
E, como bem colocado pelo Ministério Público Federal, em suas contrarrazões ao apelo da defesa ora interposto:
Ressalte-se que os apelantes, estando na posse do documento ideologicamente falso fornecido pelo hospital, fazendo crer da apelante LIU parto de outra pessoa, poderiam obter, como de fato obtiveram, certidão de nascimento e cédula de identidade falsas de Talita, suposta filha brasileira dela com o esposo YE, para poderem permanecer no Brasil, regularizando a situação de estrangeiros no país.
Assim sendo, afastados os argumentos deduzidos pela defesa, conclui-se que a confirmação da condenação se impõe.
A defesa requer, alternativamente, em caso de confirmação da condenação, a aplicação do perdão judicial pelo fato do crime ter sido praticado por motivo de reconhecida nobreza. Invoca a defesa, para tanto, o artigo 107, inciso IX, combinado com o § único do artigo 242, ambos do Código Penal repressivo que rezam, in verbis:
Não colhe a tese de que a conduta dos réus, de registrarem Talita, filha de outrem como própria, deu-se por motivação nobre e humanitária, pois restou evidente que os réus não tinham a intenção de guarda, sustento e educação da criança, não tendo exercido nenhum dos deveres inerentes ao poder familiar, sendo falsa a declaração firmada por eles e juntada aos autos, a fl. 40, pois a criança nem sequer chegou a residir com os réus, tendo eles a clara intenção, imbuída de interesse pessoal e egoísta, de em conluio com a mãe biológica utilizar sua filha nascida em solo brasileiro, para regularizar a situação e permanência no país, ludibriando a autoridade que concede o visto de permanência, sem nenhuma motivação nobre ou altruística, como quer fazer crer a defesa.
Não tendo a defesa produzido qualquer prova de que a mãe biológica passava por sérias dificuldades financeiras e de que tinham os apelantes a intenção de querer salvar da miséria uma recém-nascida [Talita], cuja mãe reconhecidamente não a queria, o que, aliás, não foi por esta confirmado, nas duas oportunidades em que foi ouvida nos autos [interrogatório policial de fls. 22/23 e interrogatório judicial de fls. 192/194], tendo afirmado perante a autoridade policial que sua ajuda aos apelantes se deu por interesse financeiro - ajuda mediante paga - e, já em juízo, alterou sua versão dizendo que simplesmente concordou em deixar que registrassem sua filha para ajudá-los a regularizar a situação ilegal em que se encontravam no país, pelo simples fato de serem patrícios [chineses] e ela ser amiga do casal, sendo que, na realidade, pouco importa sua motivação, considerando que, da mesma forma que ocorreu com os apelantes, nem de longe pode ser tida como nobre.
Conclui-se, pois, que os réus encontravam-se em situação irregular no país e preferiram socorrer-se de meios escusos e ilícitos do que lançar mão dos meios legais e competentes para que pudessem permanecer em nosso território, agravado pelo fato de usarem uma criança recém-nascida, com a anuência e ajuda da mãe biológica, para obterem certidão de nascimento falsa e, posteriormente, outros documentos públicos nacionais da criança brasileira em seus nomes, objetivando atestar falsamente filiação de criança nascida em solo brasileiro, para continuar despreocupados no país, pouco importando as funestas violações à fé pública que teriam de empreender, com sua apresentação à autoridade concedente do visto de permanência definitiva no país, não havendo que se falar que a realização da conduta delituosa se deu por motivo de reconhecida nobreza.
É evidente, portanto, que a decisão de condenação era medida que se impunha, já que provadas a materialidade e a autoria delitivas, e o dolo dos réus na prática das condutas delituosas, infrutíferos os esforços da defesa em provar o contrário.
Assim, do mesmo modo, não merece reparos a fixação da pena, levada a efeito pela Magistrada "a qua".
Por fim, requer a defesa que seja afastada a expulsão dos apelantes do nosso país, por serem suficientes as penas corporais já aplicadas, que foram devidamente substituídas por restritivas de direito, adequadas para a prevenção e reprovação dos delitos pelos quais foram condenados.
A expulsão não foi determinada pela magistrada "a qua", que, acertadamente, determinou a expedição de ofício ao Ministério da Justiça, que é a autoridade competente para decidir sobre a questão.
Note-se que os apelantes são estrangeiros, com permanência irregular no Brasil, e praticaram crimes em nosso país. Após o cumprimento das penas alternativas impostas, tudo indica que deverão deixar o país, até porque, embora possuam residência fixa no Brasil, não possuem vínculo familiar e laboral [trabalham na informalidade, na Rua 25 de Março], estando sujeitos à expulsão. Se tais circunstâncias se mantiverem, não se vê como possam permanecer em território nacional.
Para tanto é que foi determinada a expedição de ofício ao Ministério da Justiça, autoridade competente para a decisão final sobre a questão.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso da defesa dos réus LIU XIONGZHEN e YE GENCHANG, mantendo a decisão proferida em primeiro grau, em seu inteiro teor.
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