D.E. Publicado em 05/08/2013 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Cuida-se de ação civil pública em que se objetiva a declaração de nulidade da anuência concedida pelo IBAMA e da autorização dada pelo DEPRN - Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais para o corte de árvores em área de Mata Atlântica, bem como das licenças ambientais expedidas pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, especificamente no tocante a construção da barragem, da linha de captação e do início da adutora do Sistema Cristina no interior da RPPN Rizzieri, por ausência de estudo de impacto ambiental e impossibilidade técnica de execução da obra, na forma como licenciada.
Pretende-se a condenação em obrigação de não-fazer da SABESP, consistente em realizar qualquer intervenção na área, cuja posse detém por força de instituição de servidão administrativa, do IBAMA e da e da Fazenda Pública do Estado de São Paulo a não expedirem novas licenças em substituição àquelas cuja nulidade se pleiteia sem realização de estudo de impacto ambiental.
Sustenta-se padecerem de nulidade insanável o licenciamento ambiental relativo à barragem destinada ao represamento e captação da água do Rio Cristina e as licença dele decorrentes, por ofensa aos art.s 225, IV e § 4º da Constituição Federal, sob o fundamento de não ter sido exigido estudo prévio de impacto ambiental, nos termo da Lei nº 6.938/81, regulamentada pelo Decreto nº 750/93 e Resolução CONAMA nº 237/97.
Aduz-se também ter sido a área inserida em unidade de conservação reconhecida pelo IBAMA, razão pela qual deveriam ter sido revistas as licenças concedidas.
Por fim, sustenta-se a necessidade de elaboração de estudo de impacto ambiental de molde a se proceder ao esclarecimento técnico da obra, não somente por ser legalmente exigível, mas por esclarecer pontos obscuros do projeto que impacta em bem de uso comum do povo.
O IBAMA contestou o feito.
A Fazenda do Estado contestou o feito. Argüiu inépcia da petição inicial. No mérito, pugnou a improcedência do pedido.
A SABESP contestou o feito. Argüiu preliminar de incompetência absoluta da União Federal, carência de ação por ilegitimidade ativa e falta de interesse processual do Ministério Público Federal, bem assim ilegitimidade passiva da SABESP. No mérito, requereu a improcedência do pedido deduzido no feito.
O Ministério Público Federal apresentou réplica.
A sentença rejeitou a matéria preliminar. No mérito, julgou parcialmente procedente o pedido para determinar à SABESP que na execução das obras adote medidas mitigadoras e compensatórias, sugeridas pelo perito ecologista designado nos autos da cautelar nº 2004.61.03.008522-1, cujo cumprimento será objeto de fiscalização pelo Estado de São Paulo, por meio de órgão ambiental competente. Sem condenação em honorários advocatícios.
Em apelação, o Ministério Público Federal requereu a reforma da sentença.
Com contrarrazões de apelação, da SABESP, do IBAMA e da Fazenda do Estado de São Paulo, os autos foram remetidos a esta Corte.
Em decisão monocrática proferida nesta Corte o apelo foi recebido nos efeitos devolutivo e suspensivo.
Em parecer, o Ministério Público Federal opinou pela manutenção da sentença.
É o relatório.
Submeto o feito à audiência do revisor.
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VOTO
A presente ação civil pública foi ajuizada legitimamente pelo Ministério Público Federal, que tem por função institucional a defesa do meio ambiente, bem de uso comum do povo, a teor dos dispositivos insertos no art. 129, III da Constituição Federal, art. 5º, II, letra 'd' e III, art. 6º, VII, letra 'b' e XIV, letra 'g' da Lei Complementar nº 75/93 e do art. 1º, I e art. 5º da Lei nº 7.347/85.
Objetiva-se seja declarada a nulidade da anuência concedida pelo IBAMA e da autorização dada pelo DPRN para o corte de árvores em área de Mata Atlântica.
Pretende-se também sejam anuladas as licenças ambientais expedidas pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo especificamente para a construção de barragem, linha de captação e início de adutora do sistema Cristina, situado no interior da reserva particular do patrimônio natural - RPPN Rizzieri, por ausência de estudo prévio de impacto ambiental e diante da impossibilidade técnica de execução da obra.
Via de conseqüência se requer seja SABESP condenada em obrigação de não fazer consistente em não realizar qualquer intervenção na área objeto da discussão, cuja posse foi obtida liminarmente em ação de instituição de servidão administrativa para realização da obra, sob pena de multa diária.
Relativamente ao IBAMA e à Fazenda do Estado de São Paulo se pretende a condenação em obrigação de não fazer consistente em não expedir autorizações, anuências ou licenças em substituição àquelas cuja nulidade se questiona, sem estudo prévio de impacto ambiental.
Sucessivamente, o Ministério Público Federal requer o reconhecimento da caducidade da anuência dada pelo IBAMA para o corte da mata e das licenças expedidas pela a construção da barragem e implementação do Sistema Cristina no interior da Reserva RPPN Rizzieri.
Por fim, pretende sejam o IBAMA e a Fazenda Pública compelidos a somente expedir novas licenças após a realização de estudo de impacto ambiental.
Consta dos autos ter a SABESP obtido duas licenças perante a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, quais sejam, licença prévia e licença de instalação para implementação do sistema de captação, tratamento e distribuição de água, denominado Sistema Cristina, situado no rio que recebe o mesmo nome, localizado na propriedade de João Rizzieri, em Barra do Una, Distrito de Maresias, Município de São Sebastião, no litoral Norte do Estado de São Paulo.
Foram obtidas autorizações de corte de vegetação perante o Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais -DEPRN exigível em razão da supressão de vegetação de Mata Atlântica em área de preservação permanente (APP), sendo que essas autorizações foram precedidas de anuência do IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis, por se tratar de área de Restinga e Floresta Ombrófila Densa, em que existiriam remanescentes de Mata Atlântica, o que atrairia a aplicação do Decreto Federal nº 750/93.
Após a concessão das licenças o imóvel foi reconhecido como reserva particular do patrimônio natural - RPPN, chamada Reserva Rizzieri, nos termos da Portaria nº 5/03-N, de 06/02/2003 expedida pelo Presidente do IBAMA. Diante disso, os proprietários do imóvel e responsáveis por sua conservação solicitaram a revogação do decreto nº 2.815/03 que instituiu a área como de utilidade pública para fins de desapropriação ou servidão administrativa em favor da SABESP (fls. 266/168), o que deu ensejo à instauração do Inquérito Civil nº 02/2004 e ao ajuizamento da medida cautelar de produção antecipada de provas nº 2004.61.03.008522-1, também pelo Ministério Público Federal.
Aduz o autor incompatibilidade entre o projeto apresentado durante o processo de licenciamento e a configuração geológica e topográfica da obra, porque fundado em simples relatório ambiental preliminar (RAP) e não estudo de impacto ambiental EIA-RIMA.
De acordo com o Ministério Público Federal, o fato de se tratar, em princípio, de área de preservação permanente (APP) já demandaria estudo prévio de impacto ambiental, EIA-RIMA, por se tratar de área de floresta ombrófila densa atlântica em estágio avançado, estando a situação mais comprometida diante da alteração da situação jurídica que imporia a revisão das licenças concedidas pelo IBAMA e a comunicação à Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, providência não adotada, o que por si só torna nulo o licenciamento relativo à barragem destinada ao represamento e captação de água do Rio Cristina.
Pois bem, a SABESP obteve junto aos órgãos competentes as licenças para a instalação de barragem para represamento das águas do Rio Cristina no intuito de ampliar a rede de saneamento básico da região, quais sejam, Licença Prévia nº 474 da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, em 18/02/2002 (fls. 844/845), com base no parecer técnico nº CPRN/DAIA/062/2002, acostado às fls. 838/843, e Licença de Instalação nº 00255 (fls. 854/855), com base no Parecer nº CPRN/DAIA/478/2002 (fls. 848/853).
Posteriormente, em 2003, conforme relatado, a área de mata atlântica a foi reconhecida como Reserva Particular de Patrimônio Natural, RPPN (fls. 114/115), vindo então a receber tratamento jurídico distinto das hipóteses de intervenções em área de preservação permanente como se verá.
Para o deslinde do feito impõe-se análise detida da situação fática e da legislação que disciplina a matéria específica de proteção ao ecossitema, sobretudo em se tratando de área de mata atlântica.
A Lei nº 6.938/81, ao instituir a política nacional do meio ambiente, já impunha a avaliação de impactos ambientais, o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras (art. 9º, III e IV) para a proteção das áreas ameaçadas de degradação.
A Mata Atlântica, a partir da Constituição Federal de 1988 passou a receber proteção constitucional, conforme o art. 225, § 4º, que assim dispõe:
O Decreto Federal nº 750/93, vigente à época, nos termos da Lei nº 4.771/65, proibiu a degradação de áreas de mata atlântica. Excepcionalmente, em casos de utilidade pública ou interesse social, se autorizava a realização de obras em que houvesse supressão da vegetação primária ou em estágio avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica, desde que observados os requisitos que enumero abaixo.
Inicialmente, o projeto deveria ser antecedido de anuência prévia do IBAMA. Também havia necessidade de ser realizado estudo e relatório de impacto ambiental, EIA/RIMA. Por fim, a autorização deveria ser efetivada por decisão motivada do órgão estadual competente.
Leia-se a respeito as disposições do decreto em referência:
Observa-se, portanto, que a proteção de área de vegetação típica de mata atlântica, por se tratar de área de floresta ombrófila densa em estágio avançado, recebe ampla proteção constitucional e legal, sendo excepcionais as hipóteses de exploração, desde que observados os requisitos acima identificados, sendo necessária e indispensável a realização de estudo de impacto ambiental, como ponderou o Ministério Público Federal, mesmo em se tratando de área de preservação permantente (APP).
Todavia, no caso dos autos, a expedição das licenças, quando a área ainda era de preservação permanente (APP), o foi a partir de relatório ambiental preliminar (RAP), com anuência prévia do IBAMA nº 61/99 (fls. 170) e autorização do Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais - DEPRN nº 119/01 (fls. 173) e não de EIA-RIMA.
Consigne-se a posterior alteração da situação jurídica do Sítio Cristina, que foi reconhecido como Reserva Particular de Proteção Natural, em caráter perpétuo, pelo IBAMA, em 2003, por força do Decreto nº 5/2003 e nos moldes da Lei nº 9.985/2000.
Sobreveio o Regulamento nº 5.746/2006 que assim dispôs:
Pois bem, à luz do Texto Constitucional e da legislação vigente à época dos fatos e da sentença, em área de preservação ambiental, somente em casos de utilidade pública ou interesse social e, ainda assim precedido de EIA/RIMA, se permite alguma interferência.
Nesse passo, as disposições do Decreto nº 750/93 são claras e se harmonizam perfeitamente ao Texto Constitucional que eleva a Mata Atlântica a Patrimônio Nacional, nos termos do art. 225, § 4º e determina que sua utilização seja condicionada à preservação do meio ambiente.
Outrossim, as disposições do art. 225, I, da Constituição Federal, ao exigirem para instalação de obras de potencial e significativa degradação ao meio ambiente estudo prévio de impacto ambiental interpretam-se conjuntamente aos dispositivos insertos no § 4º, que impõem a proteção e conservação do meio ambiente em área de Mata Atlântica, como patrimônio nacional.
Portanto, à luz das disposições constitucionais, as interferências em área de Mata Atlântica dar-se-ão somente após estudo de impacto ambiental, como no caso assinalado.
Por conseguinte, o RAP, por ser um instrumento que visa esclarecer de forma rápida e sucinta os impactos ambientais previstos para realização de um dado empreendimento, não é suficiente para permitir a exploração de área de preservação ambiental, sendo inválida a intervenção na área em referência desde o início do projeto.
Ademais, após a instituição da reserva RPPN, muito embora já obtidas as licenças, a área em referência passou a não mais permitir interferências, a não ser para pesquisa científica e visitação com objetivos turísticos, recreativos e educacionais, à luz da Lei nº 9985/00 e, excepcionalmente, em casos de utilidade pública e interesse social, repita-se, após estudos de impacto ambiental.
Enfatize-se a evolução da legislação após os fatos narrados, que passo a comentar.
A Lei nº 11.428/2006, vigente à época da prolação da sentença, dispôs sobre a proteção ao bioma Mata Atlântica e condiciona o corte, a supressão e a utilização de vegetação secundária em estágio avançado de regeneração à ausência de alternativa técnica locacional para o empreendimento e elaboração de estudo prévio de impacto ambiental EIA/RIMA.
Atualmente, o Código Ambiental (Lei nº 12.651/2012) assegura a proteção ao meio ambiente com mais veemência e impõe ação governamental de proteção às florestas em harmonia com outros sistemas, inclusive o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, SNUC, mantidos integralmente os dispositivos, como se lê:
Portanto, como bem enfatizou o Ministério Público Federal em apelação, não se há falar em discricionariedade quanto à exigência de EIA/RIMA em área de vegetação natural caracterizada como Floresta Ombrófila Densa integrante do bioma Mata Atlântica (art. 2º da Lei nº 11.428/2006 e art. 3º do Decreto nº 750/93). Também, como bem enfatizado, não é indagável a magnitude da degradação ambiental em área de mata atlântica, cuja extensão e a intensidade dos impactos deixam de ser pressupostos específicos do dever de realizar EIA/RIMA.
Pondere-se não se pretender reduzir ou minimizar a necessidade de assegurar o saneamento básico à população que reside na região afetada, visto constituir a saúde direito fundamental constitucionalmente assegurado.
Todavia, a defesa do meio ambiente de molde a resguarda-la para gerações presentes e futuras é resguardada constitucionalmente.
Com efeito, diante dos desequilíbrios advindos do atual modelo de crescimento econômico, surgiu a idéia do desenvolvimento sustentável, buscando conciliar o desenvolvimento econômico com a preservação ambiental, ou seja, assegurar o desenvolvimento do planeta sem destruir o ambiente, para preservá-lo para as gerações futuras. Nesse sentido, deve ser assegurada a melhoria da qualidade de vida de toda a população, levando em consideração a qualidade ambiental do planeta.
Portanto, a pretensão deduzida no feito deve ser acolhida integralmente para assegurar a nulidade da anuência prévia prestada pelo IBAMA (Nº 61/99) e da autorização de corte de vegetação emitida pelo DEPRN nº 119/01, bem como da licença prévia nº 474 e da licença de instalação nº 00255 expedidas pela Secretaria do Meio Ambiente, como visto, por não mais ser permitida a realização de obra dentro da RPPN - Reserva Rizzieri sem estudo prévio de impacto ambiental - EIA/RIMA.
Fica a SABESP condenada em obrigação de não fazer consistente em não realizar qualquer intervenção na área compreendida pela referida autorização de corte e vegetação, sob pena de multa diária no valor de R$50.000,00 (cinqüenta mil reais), nos termos do art. 11 da Lei nº 7.347/85.
O Estado de São Paulo e o IBAMA ficam condenados em obrigação de não fazer consistente em não expedir novas anuências, licenças ou autorizações, de acordo com sua atribuição legal, sem prévio estudo de impacto ambiental- EIA/RIMA, nos moldes da Lei nº 11.428/2006, inclusive com a previsão de alternativas locacionais fora da RPPN - Reserva Rizzieri para a construção da barragem, linha de captação, e início de adutora do Sistema Cristina pela SABESP, justamente por serem excepcionais as possibilidades de intervenções em área de vegetação secundária em estágio avançado de regeneração integrante do bioma mata atlântica, sob pena de multa diária no valor de R$50.000,00 (cinqüenta mil reais), nos termos do art. 11 da Lei nº 7.347/85.
Impõe-se o reconhecimento da caducidade da anuência dada pelo IBAMA para o corte da mata e das licenças expedidas pela a construção da barragem e implementação do Sistema Cristina no interior da Reserva RPPN Rizzieri.
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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