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VOTO-VISTA
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:
Trata-se de apelações criminais interpostas por VICTOR APOENA RODRIGUES DE SOUZA e RENATO DOS SANTOS DIAS, contra decisão proferida pelo MM. Juiz Federal da 1ª Vara de Franca/SP, que condenou, pela prática do delito previsto no artigo 273, § 1º-B, inciso I, do Código Penal, Victor Apoena Rodrigues de Souza às penas de 12 (doze) anos e 01 (um mês) de reclusão, mais o pagamento de 13 (treze) dias multa; e Renato dos Santos Dias às penas de 10 (dez) anos e 06 (seis) meses de reclusão, além do pagamento de 11 (onze) dias-multa, no valor unitário mínimo legal.
Em sessão de julgamento, a Desembargadora Federal Ramza Tartuce negava provimento ao recurso de RENATO DOS SANTOS DIAS, e dava parcial provimento ao recurso de VICTOR APOENA RODRIGUES DE SOUZA, tão somente para fixar o quantum da pena privativa de liberdade a ele imposta em 11 (onze) anos e 11 (onze) meses de reclusão, mais 11 (onze) dias multa, mantendo no mais a decisão de Primeiro Grau, votou o Desembargador Federal André Nekatschalow, para negar provimento à apelação de RENATO DOS SANTOS DIAS, acompanhando a relatora e, dar parcial provimento em maior extensão ao recurso de VICTOR APOENA RODRIGUES DE SOUZA, para afastar os maus antecedentes da pena base fixada ao réu, reduzindo sua pena para 11 (onze) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.
Pedi vista dos autos.
A autoria e a materialidade do delito restaram amplamente comprovadas, ante o teor do Auto de Prisão em Flagrante (fls. 02/16), dos Autos de Apresentação e Apreensão (fls. 17/18, 19/20, 21/22, 23/24 e 54/55), das Fotos Digitalizadas (fls. 61/64), do Laudo de Exame em Produtos Farmacêuticos (fl. 72/82 e 179/185), bem como pelos depoimentos prestados durante a instrução processual.
Diante das provas trazidas aos autos, resta demonstrado de forma verossímil a materialidade delitiva e a responsabilidade dos apelantes, como bem perquiriu a decisão singular ora impugnada, eis que os apelantes foram presos em flagrante delito, por policiais federais, na posse de medicamentos sem registro no órgão de vigilância sanitária competente - ANVISA, adquiridos no exterior, infringindo, portanto, a figura descrita no artigo 273, §1º-B, I, do Código Penal.
Desta forma, a solução condenatória era mesmo de rigor.
Passo, agora, à dosimetria das penas.
Verifico, no presente caso, a necessidade de se suspender o julgamento para submeter à apreciação desta E. Turma a argüição de inconstitucionalidade da Lei nº 9.677/98, no que tange a inovação legislativa do §1º-B, I, do artigo 273 do Código Penal, em seu preceito secundário, aduzida pela defesa do apelante RENATO DOS SANTOS DIAS em suas razões recursais (fl. 455/463).
A ilustre representante do Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 497/505, opinando pela não incidência da alegada inconstitucionalidade, por considerar não haver qualquer desproporcionalidade nas penas cominadas ao tipo penal ora em comento.
Restou, assim, atendido o disposto no artigo 172 do Regimento Interno desta E. Corte.
Portanto, submeto à apreciação deste E. Quinta Turma a referida questão, nos termos da norma contida no artigo 173 do Regimento Interno, que deve ser acolhida e, posteriormente, submetida ao Órgão Especial para análise e julgamento, pelos motivos que passo a aduzir.
O Direito Penal tem experimentado nas últimas duas décadas o fenômeno do populismo penal, que exprime a idéia de que os males da segurança pública têm como causa leis penais brandas e uma política penal moderada, o que ocasionou, ao longo do tempo, leis mais punitivistas e exemplares, com mitigação de garantias processuais e recrudescimento das sanções penais.
Nesse contexto surgiu a Lei nº 9.677/98, conhecida como Lei dos Remédios, que ampliou os tipos penais e, sobretudo, aumentou de forma exponencial as penas dos crimes previstos no Capítulo III do Título VIII do Código Penal.
A ação do legislador penal deve ser pautada na proporcionalidade, corolário do princípio da razoabilidade, de modo que o meio de intervenção seja adequado aos objetivos da proteção estatal e não podem gerar resultados excessivos ao particular.
Alberto Silva Franco, citado por Miguel Reale Junior, afirma que "mediante o princípio da proporcionalidade, deve-se fazer uma "ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que alguém poder ser privado (gravidade da pena)"". (in "A inconstitucionalidade da Lei dos Remédios", RT 763/417)
Sob este prisma, defendemos uma latente ausência de proporcionalidade entre as penas cominadas e a as condutas descritas no tipo penal previsto no artigo 273 do Código Penal.
Não resta dúvida de que tais condutas possuem razoável gravidade e são merecedoras de punição pelo Direito Penal, porém, ainda que legalmente definidas como crime hediondo, são punidas com rigor excessivo - pena mínima de 10 (dez) anos, não se mostrando razoável a proporção de pena em cotejo às penas cominadas a crimes de igual ou até maior potencial lesivo, como, por exemplo, os de homicídio, tráfico ilícito de drogas, tortura e estupro.
Da mesma forma, pune com o mesmo rigor àquele que falsifica, corrompe, adultera ou altera produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput, CP) e aquele que importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente (art. 273. §1º-B, I, CP), não fazendo a lei distinção se o medicamento, cosmético ou saneante, sem registro, trás conseqüências calamitosas ou benéficas à saúde pública.
É evidente que a pena mínima cominada no tipo penal ora em comento, traduz em grave ofensa ao princípio constitucional da razoabilidade, motivo pelo qual deve ser afastada do sistema jurídico.
Nesse sentir, Alexandre de Moraes aduz que:
Portanto, deve-se estabelecer um equilíbrio entre a atuação estatal de acusar e proteger a coletividade, e ao acusado de cumprir uma pena eficaz e razoável ao crime praticado.
Desta feita, deve ser afastada a aplicação do preceito secundário expresso no tipo penal do artigo 273, §1º-B, I, do Código Penal, no que tange a pena mínima cominada ao delito, ante a sua inconstitucionalidade por transgressão ao princípio constitucional da razoabilidade, devendo ser aplicada analogicamente a pena privativa de liberdade mínima prevista no crime de tráfico de drogas - 05 (cinco) anos - previsto no artigo 33 da Lei nº 11.343/2006.
Tal medida é a que se impõe, pois ambos os crimes trazem semelhança dos bens jurídicos tutelados - saúde pública, idêntica classificação como crimes de perigo abstrato e são definidos legalmente como hediondos, além de ter o mesmo sujeito passivo, qual seja, a coletividade. E, assim sendo, a utilização da Lei de Drogas como parâmetro nos termos explanados atende ao princípio da razoabilidade, admitindo-se a aplicação da analogia in bonan partem, por se tratar de interpretação mais benéfica ao réu, de modo a reforçar a proteção contra o arbítrio do Estado de maneira mais justa e equânime.
Nessa esteira de pensamento, há diversas manifestações jurisprudenciais:
Tendo em vista que a inconstitucionalidade de lei não pode ser declarada por órgão fracionário do Tribunal, nos termos da cláusula de reserva de plenário expressa no artigo 97 da Constituição Federal e da Súmula Vinculante nº 10 do STF, proponho a apreciação desta questão pelo Órgão Especial desta E. Corte, com base no artigo 11, parágrafo único, alínea "g", c.c. artigos 173 e 174 e seu parágrafo único, todos do Regimento Interno do TRF/3º Região, ficando suspenso o julgamento concernente a este tema.
Diante do exposto, voto por suspender o julgamento e determinar a remessa do feito ao Órgão Especial para análise e julgamento da argüição de inconstitucionalidade, nos termos do artigo 97 da Constituição da República e artigo 11, parágrafo único, "g", c.c. artigos 173 e 174 e seu parágrafo único, todos do Regimento Interno do TRF/3º Região.
Caso a argüição de constitucionalidade não seja acolhida pela maioria absoluta dos membros integrantes desta douta Turma (art. 174, RI-TRF3), acompanho integralmente o voto da E. Relatora.
É o voto.
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D.E. Publicado em 06/09/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, suspender o julgamento e determinar a remessa do feito ao Órgão Especial para análise e julgamento da argüição de inconstitucionalidade, nos termos do artigo 97 da Constituição da República e artigo 11, parágrafo único, "g", c.c. artigos 173 e 174 e seu parágrafo único, todos do Regimento Interno do TRF/3º Região, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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VOTO
A autoria e a materialidade do delito restaram amplamente demonstradas por meio do Auto de Prisão em Flagrante (fls. 02/16), dos Autos de Apresentação e Apreensão (fls. 17/18, 19/20, 21/22, 23/24 e 54/55), das Fotos Digitalizadas (fls. 61/64), do Laudo de Exame em Produtos Farmacêuticos (fl. 72/82 e 179/185) e pelos depoimentos prestados durante a instrução processual.
As circunstâncias em que foi realizada a prisão em flagrante, aliadas aos depoimentos colhidos, confirmam, de forma precisa e harmônica, a ocorrência dos fatos e a responsabilidade dos apelantes, como bem ressaltado na sentença impugnada, in verbis:
Com efeito, a denúncia feita a Policia Federal, com a pormenorizada descrição do veículo de Renato dos Santos Dias, indicando a possível prática de ilícitos, inclusive a introdução de medicamentos sem o devido registro e autorização pela autoridade competente, mostrou-se verídica, tendo sido encontrada com os apelantes Renato e Victor, grande quantidade de medicamentos sem registro.
Ademais, como afirmou a testemunha Alecsandro Ferreira Torraca da Silva, Renato lhe disse que teria trazido alguns brinquedos do Paraguai, sendo certo que os medicamentos encontravam-se ocultos exatamente dentro dos referidos brinquedos, fato que é reforçado pela nota fiscal de compra de grande quantidade de medicamentos, onde se nota as iniciais de ambos os apelantes, com as respectivas idades, profissões e cidades de origem.
Verifica-se, pois, que, ao contrário do que afirma o apelante Renato, restou amplamente comprovada a unidade de desígnios existente entre ambos os réus que, inclusive, de maneira alternada, assumiram a responsabilidade sobre a totalidade das mercadorias trazidas do Paraguai, o que inclui os aludidos medicamentos irregularmente introduzidos no país.
Frise-se que o Diploma Processual Penal, nos termos de seu artigo 156, é categórico quando determina que "a prova da alegação incumbirá a quem a fizer" e , in casu, o apelante nada trouxe aos autos além de meras alegações, não havendo qualquer outro elemento a confirmá-las.
Aliás, a posição da jurisprudência e da doutrina, a respeito do tema, não discrepa desse entendimento, como segue:
Não há, pois, dúvidas a respeito da existência do dolo para o cometimento do delito por parte do apelante Renato dos Santos Dias.
Mantida a condenação, cumpre verificar a dosimetria da pena, adiante.
No que se refere a Vitor Apoena Rodrigues de Souza, verifico que o apelante possui maus antecedentes, como bem reconhecido na sentença, a denotar personalidade perniciosa, voltada à prática de delitos e conduta social reprovável. Além disso, foi apreendida grande quantidade de medicamentos irregulares em seu poder (fl. 19/20), o que demonstra dolo mais intenso, bem como conseqüências mais graves do delito, motivo pelo qual é de se manter a pena base fixada em 11 (onze) anos de prisão, mais 11 (onze) dias multa.
Na segunda fase de fixação da pena, presente a circunstância agravante decorrente da reincidência, que decorre da condenação, com trânsito em julgado em 10/02/2009, pelo crime de desacato, consoante certidão de objeto e pé de fls. 221, verifico que esta circunstância deverá preponderar sobre a atenuante decorrente da confissão, reconhecida pelo Juízo a quo, mas, acertadamente, não aplicada na dosimetria da pena.
Com efeito, nos termos do artigo 67, do Código Penal, a reincidência é circunstância preponderante no concurso de atenuantes e agravantes, como ensina Guilherme de Souza Nucci, in verbis:
Ademais, em seu interrogatório judicial, o apelante alegou que imaginava ter adquirido dez vezes menos medicamentos do que o que restou apreendido, o que denota claramente sua intenção de afastar o julgador da verdade real, procurando diminuir a magnitude dos atos delituosos por ele praticados, o que, por si só, já afastaria a aplicação da atenuante ou, até mesmo se poderia afirmar, no caso, que a personalidade do agente afastaria a aplicação da circunstância atenuante da confissão, ainda nos termos do artigo 67, do Código Penal.
Destarte, mantenho o patamar de aumento em 1/12 (um doze avos) do que decorre a pena de 11 (onze) anos e 11 (onze) meses de reclusão, mais 11 (onze) dias multa, que se torna definitiva, vez que ausentes outras circunstâncias agravantes ou atenuantes.
No que se refere ao acusado Renato dos Santos Dias, conforme consta dos autos, foi apreendida em poder de ambos os apelantes grande quantidade de medicamentos irregulares (fls. 19/20), o que demonstra dolo mais intenso, bem como conseqüências do delito mais gravosas, motivo pelo qual é de se manter a pena base fixada em 10 (dez) anos e 06 (seis) meses de reclusão, mais 11 (onze) dias multa, que se torna definitiva, vez que ausente qualquer causa modificativa.
O regime inicial de cumprimento da pena deverá ser o inicialmente fechado. Primeiramente, por se tratar de condenação à pena de reclusão, em patamar superior a 08 (oito) anos, a pena privativa de liberdade, obrigatoriamente, deverá iniciar-se em regime mais rigoroso, nos termos do artigo 33, § 2º, 'a', do Código Penal, consoante ensina Guilherme de Souza Nucci, in verbis:
Ademais, trata-se de delito definido como hediondo, ao qual os legisladores, constitucional e infra-constitucional, reservaram um tratamento mais rígido e rigoroso no cumprimento da pena privativa de liberdade, consoante previsto no §1º, do artigo 2º, da Lei 8.072/90.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso de RENATO DOS SANTOS DIAS, e dou parcial provimento ao recurso de VICTOR APOENA RODRIGUES DE SOUZA, tão somente para fixar o quantum da pena privativa de liberdade a ele imposta em 11 (onze) anos e 11 (onze) meses de reclusão, mais 11 (onze) dias multa, mantendo, quanto ao mais, a decisão de primeiro grau.
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