Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000793-60.2009.4.03.6124/SP
2009.61.24.000793-5/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : VICTOR APOENA RODRIGUES DE SOUZA reu preso
ADVOGADO : JOAO DIAMANTINO NETO e outro
APELANTE : RENATO DOS SANTOS DIAS reu preso
ADVOGADO : ALCIR LEONEL DA SILVA
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00007936020094036124 1 Vr JALES/SP

VOTO-VISTA

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:

Trata-se de apelações criminais interpostas por VICTOR APOENA RODRIGUES DE SOUZA e RENATO DOS SANTOS DIAS, contra decisão proferida pelo MM. Juiz Federal da 1ª Vara de Franca/SP, que condenou, pela prática do delito previsto no artigo 273, § 1º-B, inciso I, do Código Penal, Victor Apoena Rodrigues de Souza às penas de 12 (doze) anos e 01 (um mês) de reclusão, mais o pagamento de 13 (treze) dias multa; e Renato dos Santos Dias às penas de 10 (dez) anos e 06 (seis) meses de reclusão, além do pagamento de 11 (onze) dias-multa, no valor unitário mínimo legal.


Em sessão de julgamento, a Desembargadora Federal Ramza Tartuce negava provimento ao recurso de RENATO DOS SANTOS DIAS, e dava parcial provimento ao recurso de VICTOR APOENA RODRIGUES DE SOUZA, tão somente para fixar o quantum da pena privativa de liberdade a ele imposta em 11 (onze) anos e 11 (onze) meses de reclusão, mais 11 (onze) dias multa, mantendo no mais a decisão de Primeiro Grau, votou o Desembargador Federal André Nekatschalow, para negar provimento à apelação de RENATO DOS SANTOS DIAS, acompanhando a relatora e, dar parcial provimento em maior extensão ao recurso de VICTOR APOENA RODRIGUES DE SOUZA, para afastar os maus antecedentes da pena base fixada ao réu, reduzindo sua pena para 11 (onze) anos, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.


Pedi vista dos autos.


A autoria e a materialidade do delito restaram amplamente comprovadas, ante o teor do Auto de Prisão em Flagrante (fls. 02/16), dos Autos de Apresentação e Apreensão (fls. 17/18, 19/20, 21/22, 23/24 e 54/55), das Fotos Digitalizadas (fls. 61/64), do Laudo de Exame em Produtos Farmacêuticos (fl. 72/82 e 179/185), bem como pelos depoimentos prestados durante a instrução processual.


Diante das provas trazidas aos autos, resta demonstrado de forma verossímil a materialidade delitiva e a responsabilidade dos apelantes, como bem perquiriu a decisão singular ora impugnada, eis que os apelantes foram presos em flagrante delito, por policiais federais, na posse de medicamentos sem registro no órgão de vigilância sanitária competente - ANVISA, adquiridos no exterior, infringindo, portanto, a figura descrita no artigo 273, §1º-B, I, do Código Penal.


Desta forma, a solução condenatória era mesmo de rigor.


Passo, agora, à dosimetria das penas.


Verifico, no presente caso, a necessidade de se suspender o julgamento para submeter à apreciação desta E. Turma a argüição de inconstitucionalidade da Lei nº 9.677/98, no que tange a inovação legislativa do §1º-B, I, do artigo 273 do Código Penal, em seu preceito secundário, aduzida pela defesa do apelante RENATO DOS SANTOS DIAS em suas razões recursais (fl. 455/463).


A ilustre representante do Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 497/505, opinando pela não incidência da alegada inconstitucionalidade, por considerar não haver qualquer desproporcionalidade nas penas cominadas ao tipo penal ora em comento.


Restou, assim, atendido o disposto no artigo 172 do Regimento Interno desta E. Corte.


Portanto, submeto à apreciação deste E. Quinta Turma a referida questão, nos termos da norma contida no artigo 173 do Regimento Interno, que deve ser acolhida e, posteriormente, submetida ao Órgão Especial para análise e julgamento, pelos motivos que passo a aduzir.


O Direito Penal tem experimentado nas últimas duas décadas o fenômeno do populismo penal, que exprime a idéia de que os males da segurança pública têm como causa leis penais brandas e uma política penal moderada, o que ocasionou, ao longo do tempo, leis mais punitivistas e exemplares, com mitigação de garantias processuais e recrudescimento das sanções penais.


Nesse contexto surgiu a Lei nº 9.677/98, conhecida como Lei dos Remédios, que ampliou os tipos penais e, sobretudo, aumentou de forma exponencial as penas dos crimes previstos no Capítulo III do Título VIII do Código Penal.


A ação do legislador penal deve ser pautada na proporcionalidade, corolário do princípio da razoabilidade, de modo que o meio de intervenção seja adequado aos objetivos da proteção estatal e não podem gerar resultados excessivos ao particular.


Alberto Silva Franco, citado por Miguel Reale Junior, afirma que "mediante o princípio da proporcionalidade, deve-se fazer uma "ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que alguém poder ser privado (gravidade da pena)"". (in "A inconstitucionalidade da Lei dos Remédios", RT 763/417)


Sob este prisma, defendemos uma latente ausência de proporcionalidade entre as penas cominadas e a as condutas descritas no tipo penal previsto no artigo 273 do Código Penal.


Não resta dúvida de que tais condutas possuem razoável gravidade e são merecedoras de punição pelo Direito Penal, porém, ainda que legalmente definidas como crime hediondo, são punidas com rigor excessivo - pena mínima de 10 (dez) anos, não se mostrando razoável a proporção de pena em cotejo às penas cominadas a crimes de igual ou até maior potencial lesivo, como, por exemplo, os de homicídio, tráfico ilícito de drogas, tortura e estupro.


Da mesma forma, pune com o mesmo rigor àquele que falsifica, corrompe, adultera ou altera produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput, CP) e aquele que importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente (art. 273. §1º-B, I, CP), não fazendo a lei distinção se o medicamento, cosmético ou saneante, sem registro, trás conseqüências calamitosas ou benéficas à saúde pública.


É evidente que a pena mínima cominada no tipo penal ora em comento, traduz em grave ofensa ao princípio constitucional da razoabilidade, motivo pelo qual deve ser afastada do sistema jurídico.


Nesse sentir, Alexandre de Moraes aduz que:


"O principio da razoabilidade, enquanto vetor interpretativo, deverá pautar a autuação discricionária do Poder Público, garantindo-lhe a constitucionalidade de suas condutas e impedindo a prática de arbitrariedades. Portanto, haverá transgressão ao princípio do devido processso legal, na prática de condutas ou na edição de qualquer norma estatal marcada pelo traço da ausência de razoabilidade." (in Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2. ed. - São Paulo - Atlas, 2003, p. 370) - grifo nosso

Portanto, deve-se estabelecer um equilíbrio entre a atuação estatal de acusar e proteger a coletividade, e ao acusado de cumprir uma pena eficaz e razoável ao crime praticado.


Desta feita, deve ser afastada a aplicação do preceito secundário expresso no tipo penal do artigo 273, §1º-B, I, do Código Penal, no que tange a pena mínima cominada ao delito, ante a sua inconstitucionalidade por transgressão ao princípio constitucional da razoabilidade, devendo ser aplicada analogicamente a pena privativa de liberdade mínima prevista no crime de tráfico de drogas - 05 (cinco) anos - previsto no artigo 33 da Lei nº 11.343/2006.


Tal medida é a que se impõe, pois ambos os crimes trazem semelhança dos bens jurídicos tutelados - saúde pública, idêntica classificação como crimes de perigo abstrato e são definidos legalmente como hediondos, além de ter o mesmo sujeito passivo, qual seja, a coletividade. E, assim sendo, a utilização da Lei de Drogas como parâmetro nos termos explanados atende ao princípio da razoabilidade, admitindo-se a aplicação da analogia in bonan partem, por se tratar de interpretação mais benéfica ao réu, de modo a reforçar a proteção contra o arbítrio do Estado de maneira mais justa e equânime.


Nessa esteira de pensamento, há diversas manifestações jurisprudenciais:


"PENAL. FALSIFICAÇÃO, CORRUPÇÃO, ADULTERAÇÃO OU ALTERAÇÃO DE PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS. FORMA EQUIPARADA. ART. 273, § 1º-B, I, V E VI, DO CP. INTRODUÇÃO DE ANABOLIZANTES NO TERRITÓRIO NACIONAL. PENA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. REDUÇÃO. PARÂMETRO. DELITO DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES (LEI 6.368/76).
1. A importação de produto de origem estrangeira destinado a fins medicinais, sem registro na ANVISA, determina a ocorrência do delito insculpido no art. 273, § 1º-B, incisos I, V e VI, do CP.
2. "A pena do delito previsto no art. 273 do CP - com a redação que lhe deu a Lei nº 9.677, de 02 de julho de 1998 - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa deve, por excessivamente severa, ficar reservada para punir apenas aquelas condutas que exponham a sociedade e a economia popular a "enormes danos" (exposição de motivos). Nos casos de fatos que, embora censuráveis, não assumam tamanha gravidade, deve-se recorrer, tanto quanto possível, ao emprego da analogia em favor do réu, recolhendo-se, no corpo do ordenamento jurídico, parâmetros razoáveis que autorizem a aplicação de reprimenda justa, sob pena de ofensa ao princípio da proporcionalidade. A criação de solução penal que descriminaliza, diminui a pena, ou de qualquer modo beneficia o acusado, não pode encontrar barreira para a sua eficácia no princípio da legalidade, porque isso seria uma ilógica solução de aplicar-se um princípio contra o fundamento que o sustenta" (Fábio Bittencourt da Rosa. In Direito Penal, Parte Geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2003, p. 04). Hipótese em que ao réu foi aplicada a pena de 03 anos de reclusão, adotado, como parâmetro, o delito de tráfico ilícito de entorpecentes, o qual tem como bem jurídico tutelado também a saúde pública". Precedente desta Corte.
3. Possibilidade de substituição da privativa de liberdade por restritivas de direitos, seja porque o delito de tráfico foi tomado tão-só como substrato para aplicação da pena, seja porque o remédio importado não era "falsificado, corrompido, adulterado ou alterado: (inciso VII-B do art. 1º c/c o parágrafo primeiro do art. 2º da Lei nº 8.072/90)."
(TRF-4º Região, Acr. 2004.70.01.009626-3/PR, Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, 8ª Turma, DJ 13/06/2007).

"PENAL - COMERCIALIZAÇÃO DE ANABOLIZANTES SEM REGISTRO NO ÓRGÃO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA - ART. 273, § 1º-B, I, DO CP - FIXAÇÃO DA PENA - OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - REDUÇÃO - PARÂMETRO - DELITO DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES (LEI 6.368/76).
I - O recorrente foi apenado por comercializar produtos medicinais sem registro no órgão competente entregando-os aos outros dois denunciados para que internassem a mercadoria proibida em solo norte-americano, visando sua comercialização a partir da cidade de Miami.
II - Há nos autos provas suficientes da autoria e materialidade do delito, afastando a possibilidade de absolvição.
III - Ao discorrer sobre a utilização da analogia em Direito Penal, o eminente Desembargador Federal Fábio Bittencourt da Rosa, afirmou "a criação de solução penal que descriminaliza, diminui a pena, ou de qualquer modo beneficia o acusado, não pode encontrar barreira para sua eficácia no princípio da legalidade, porque isso seria uma ilógica solução de aplicar-se um princípio contra o fundamento que o sustenta" (in Direito Penal, Parte Geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2003, p.04).
IV - Merece reforma o comando sentencial apenas no que diz respeito à sanção imposta. tão-somente para fins de fixação da pena, aplicando-se analogicamente a pena-base cominada para o crime do artigo 12, caput, c/c o artigo 18, I e III nº 6.368/76, totalizando 05 (cinco) anos de reclusão.
V- Recurso parcialmente provido."
(TRF-2º Região, Acr. 2003.51.01.503442-1, Des. Federal Messoud Azulay Neto, 2ª Turma, DJ 11/11/2008).

Tendo em vista que a inconstitucionalidade de lei não pode ser declarada por órgão fracionário do Tribunal, nos termos da cláusula de reserva de plenário expressa no artigo 97 da Constituição Federal e da Súmula Vinculante nº 10 do STF, proponho a apreciação desta questão pelo Órgão Especial desta E. Corte, com base no artigo 11, parágrafo único, alínea "g", c.c. artigos 173 e 174 e seu parágrafo único, todos do Regimento Interno do TRF/3º Região, ficando suspenso o julgamento concernente a este tema.


Diante do exposto, voto por suspender o julgamento e determinar a remessa do feito ao Órgão Especial para análise e julgamento da argüição de inconstitucionalidade, nos termos do artigo 97 da Constituição da República e artigo 11, parágrafo único, "g", c.c. artigos 173 e 174 e seu parágrafo único, todos do Regimento Interno do TRF/3º Região.


Caso a argüição de constitucionalidade não seja acolhida pela maioria absoluta dos membros integrantes desta douta Turma (art. 174, RI-TRF3), acompanho integralmente o voto da E. Relatora.


É o voto.




Antonio Cedenho
Desembargador Federal


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D.E.

Publicado em 06/09/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000793-60.2009.4.03.6124/SP
2009.61.24.000793-5/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : VICTOR APOENA RODRIGUES DE SOUZA reu preso
ADVOGADO : JOAO DIAMANTINO NETO e outro
: ADRIANO OLIVEIRA DA SILVA JUNIOR
APELANTE : RENATO DOS SANTOS DIAS reu preso
ADVOGADO : ALCIR LEONEL DA SILVA
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00007936020094036124 1 Vr JALES/SP

EMENTA

PENAL. FALSIFICAÇÃO, CORRUPÇÃO, ADULTERAÇÃO OU ALTERAÇÃO DE PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS. ART. 273, § 1º-B, I, DO CÓDIGO PENAL. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEITO SECUNDÁRIO DO TIPO PENAL. DESPROPORCIONALIDADE. JULGAMENTO SUSPENSO.
1. Verifica-se, no presente caso, a necessidade de se suspender o julgamento para submeter à apreciação desta E. Turma a argüição de inconstitucionalidade da Lei nº 9.677/98, no que tange a inovação legislativa do §1º-B, I, do artigo 273 do Código Penal, em seu preceito secundário, aduzida pela defesa do apelante em suas razões recursais.
2. O Ministério Público Federal manifestou-se, opinando pela não incidência da alegada inconstitucionalidade, por considerar não haver qualquer desproporcionalidade nas penas cominadas ao tipo penal ora em comento. Restou, assim, atendido o disposto no artigo 172 do Regimento Interno desta E. Corte.
3. Portanto, submeto à apreciação deste E. Quinta Turma a referida questão, nos termos da norma contida no artigo 173 do Regimento Interno, que deve ser acolhida e, posteriormente, submetida ao Órgão Especial para análise e julgamento.
4. Defendemos uma latente ausência de proporcionalidade entre as penas cominadas e a as condutas descritas no tipo penal previsto no artigo 273 do Código Penal. Não resta dúvida de que tais condutas possuem razoável gravidade e são merecedoras de punição pelo Direito Penal, porém, ainda que legalmente definidas como crime hediondo, são punidas com rigor excessivo - pena mínima de 10 (dez) anos, não se mostrando razoável a proporção de pena em cotejo às penas cominadas a crimes de igual ou até maior potencial lesivo, como, por exemplo, os de homicídio, tráfico ilícito de drogas, tortura e estupro.
5. Da mesma forma, pune com o mesmo rigor àquele que falsifica, corrompe, adultera ou altera produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput, CP) e aquele que importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente (art. 273. §1º-B, I, CP), não fazendo a lei distinção se o medicamento, cosmético ou saneante, sem registro, trás conseqüências calamitosas ou benéficas à saúde pública.
6. É evidente que a pena mínima cominada no tipo penal ora em comento, traduz em grave ofensa ao princípio constitucional da razoabilidade, motivo pelo qual deve ser afastada do sistema jurídico.
7. Deve ser afastada a aplicação do preceito secundário expresso no tipo penal do artigo 273, §1º-B, I, do Código Penal, no que tange a pena mínima cominada ao delito, ante a sua inconstitucionalidade por transgressão ao princípio constitucional da razoabilidade, devendo ser aplicada analogicamente a pena privativa de liberdade mínima prevista no crime de tráfico de drogas - 05 (cinco) anos - previsto no artigo 33 da Lei nº 11.343/2006.
8. Tal medida é a que se impõe, pois ambos os crimes trazem semelhança dos bens jurídicos tutelados - saúde pública, idêntica classificação como crimes de perigo abstrato e são definidos legalmente como hediondos, além de ter o mesmo sujeito passivo, qual seja, a coletividade. E, assim sendo, a utilização da Lei de Drogas como parâmetro nos termos explanados atende ao princípio da razoabilidade, admitindo-se a aplicação da analogia in bonan partem, por se tratar de interpretação mais benéfica ao réu, de modo a reforçar a proteção contra o arbítrio do Estado de maneira mais justa e equânime.
9. Tendo em vista que a inconstitucionalidade de lei não pode ser declarada por órgão fracionário do Tribunal, nos termos da cláusula de reserva de plenário expressa no artigo 97 da Constituição Federal e da Súmula Vinculante nº 10 do STF, proponho a apreciação desta questão pelo Órgão Especial desta E. Corte, com base no artigo 11, parágrafo único, alínea "g", c.c. artigos 173 e 174 e seu parágrafo único, todos do Regimento Interno do TRF/3º Região, ficando suspenso o julgamento concernente a este tema.
10. Julgamento suspenso e determinada a remessa do feito ao Órgão Especial para análise e julgamento da argüição de inconstitucionalidade.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, suspender o julgamento e determinar a remessa do feito ao Órgão Especial para análise e julgamento da argüição de inconstitucionalidade, nos termos do artigo 97 da Constituição da República e artigo 11, parágrafo único, "g", c.c. artigos 173 e 174 e seu parágrafo único, todos do Regimento Interno do TRF/3º Região, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 27 de agosto de 2012.
Antonio Cedenho
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 31/08/2012 17:58:53



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000793-60.2009.4.03.6124/SP
2009.61.24.000793-5/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
APELANTE : VICTOR APOENA RODRIGUES DE SOUZA reu preso
ADVOGADO : JOAO DIAMANTINO NETO e outro
APELANTE : RENATO DOS SANTOS DIAS reu preso
ADVOGADO : ALCIR LEONEL DA SILVA
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00007936020094036124 1 Vr JALES/SP

VOTO

A autoria e a materialidade do delito restaram amplamente demonstradas por meio do Auto de Prisão em Flagrante (fls. 02/16), dos Autos de Apresentação e Apreensão (fls. 17/18, 19/20, 21/22, 23/24 e 54/55), das Fotos Digitalizadas (fls. 61/64), do Laudo de Exame em Produtos Farmacêuticos (fl. 72/82 e 179/185) e pelos depoimentos prestados durante a instrução processual.

As circunstâncias em que foi realizada a prisão em flagrante, aliadas aos depoimentos colhidos, confirmam, de forma precisa e harmônica, a ocorrência dos fatos e a responsabilidade dos apelantes, como bem ressaltado na sentença impugnada, in verbis:

"O réu Victor Apoena confessou em seu interrogatório perante a autoridade policial (fl. 12 do inquérito policial) e em juízo ter adquirido os medicamentos apreendidos, ressalvando, contudo, que seriam destinados para uso pessoal.
Importante salientar que embora o réu tenha afirmado ter adquirido os medicamentos na cidade de Foz do Iguaçu, consta no comprovante de venda dos referidos medicamentos, acostado às fls. 56 e 59 os dizeres 'ME Vendedor 11 Soni Delvalle - Boleta nº =37851 - fecha 06/05/2009 - HORA 08:39:31 PARA CAJA', no valor de $ 653,00 (seiscentos e cinqüenta e três dólares americanos), o que não deixa dúvidas de que os medicamentos, assim como as demais mercadorias, foram adquiridas no Paraguai.
Neste documento consta a aquisição pelos réus da maior parte dos medicamentos apreendidos, a saber, 05 (cinco) cartelas, com 20 (vinte) comprimidos cada, do medicamento Digram 29 mg, uma ampola de Winstrol 30 ml, 15 (quinze) cartelas com 20 (vinte) comprimidos cada, do medicamento Pramil, 20 (vinte) cartelas, com 20 (vinte) comprimidos cada do medicamento Rheumazin Forte, e 150 (cento e cinqüenta) cartelas, com 20 (vinte) comprimidos cada.
Por sua vez, o réu Renato dos Santos Dias, afirmou aos agentes da polícia federal, em especial aos agentes Rodrigo Costa Silva e Ademir Teodoro dos Santos, no momento da abordagem, que todas as mercadorias existentes no veículo lhe pertenciam, e que o réu Victor Apoena tinha apenas pegado uma carona em seu veículo, versão esta que posteriormente foi alterada na Delegacia da Polícia Federal e em juízo.
Comprova, ainda, a autoria do delito por parte deste réu, o fato de ter sido recebida na Delegacia da Polícia Federal, no dia que antecedeu a prisão dos réus, a denúncia anônima de que o réu Renato, juntamente com outras duas pessoas, teriam viajado ao Paraguai no intuito de trazer medicamentos de importação irregular, tendo sido informado, inclusive, as características do veículo de Renato, utilizado para fazer a viagem de Jales para Pereira Barreto/SP, conforme se depreende do depoimento do agente policial Rodrigo Costa Silva, ouvido nos autos do inquérito policial e em juízo.
Da mesma forma, a testemunha Alecsandro Ferreira Torraca da Silva, arrolada pela acusação e pela defesa, afirmou nos autos do inquérito policial e em juízo (fls. 346/348) que o réu Renato lhe afirmou que estava trazendo consigo 'alto falante e toca CD, uns brinquedos e materiais de pesca', sendo certo que os medicamentos apreendidos foram encontrados no interior dos brinquedos e de aparelhos de DVD, que haviam sido meticulosamente desmontados e posteriormente remontados para abrigar tais produtos.
Corrobora ainda a autoria do delito por parte de ambos os réus, as anotações:'R.S.D., 29 Urânia - vendedor e V.A.R.S. 27, Jales, vendedor', contidas no verso do comprovante de aquisição dos medicamentos supramencionado, que se referem às iniciais dos nomes dos réus Renato Santos Dias e Victor Apoena Rodrigues de Souza, suas idades na época dos fatos, conforme se depreende de seus documentos de identificação acostados às fls. 32 e 35, e ainda a cidade onde residem, conforme se verifica das informações constantes de seus boletins de vida pregressa acostados às fls. 31/34.
No mais, esses fatos também demonstram que os réus agiram em concurso e com unidade de desígnios, o que resta reforçado pelo depoimento do réu Victor Apoena perante a autoridade policial no sentido de que seria amigo de Renato, e na tentativa mútua de encobrirem o delito perpetrado pelo outro réu, primeiramente o réu Renato, assumindo a propriedade de todas as mercadorias, afirmando que Victor Apoena estaria somente de carona, e posteriormente este afirmando que as mercadorias onde estavam os medicamentos lhe pertenciam, sendo certo que o réu Renato já assumira anteriormente as propriedades dos brinquedos, conforme supramencionado"

Com efeito, a denúncia feita a Policia Federal, com a pormenorizada descrição do veículo de Renato dos Santos Dias, indicando a possível prática de ilícitos, inclusive a introdução de medicamentos sem o devido registro e autorização pela autoridade competente, mostrou-se verídica, tendo sido encontrada com os apelantes Renato e Victor, grande quantidade de medicamentos sem registro.

Ademais, como afirmou a testemunha Alecsandro Ferreira Torraca da Silva, Renato lhe disse que teria trazido alguns brinquedos do Paraguai, sendo certo que os medicamentos encontravam-se ocultos exatamente dentro dos referidos brinquedos, fato que é reforçado pela nota fiscal de compra de grande quantidade de medicamentos, onde se nota as iniciais de ambos os apelantes, com as respectivas idades, profissões e cidades de origem.

Verifica-se, pois, que, ao contrário do que afirma o apelante Renato, restou amplamente comprovada a unidade de desígnios existente entre ambos os réus que, inclusive, de maneira alternada, assumiram a responsabilidade sobre a totalidade das mercadorias trazidas do Paraguai, o que inclui os aludidos medicamentos irregularmente introduzidos no país.

Frise-se que o Diploma Processual Penal, nos termos de seu artigo 156, é categórico quando determina que "a prova da alegação incumbirá a quem a fizer" e , in casu, o apelante nada trouxe aos autos além de meras alegações, não havendo qualquer outro elemento a confirmá-las.

Aliás, a posição da jurisprudência e da doutrina, a respeito do tema, não discrepa desse entendimento, como segue:

"Quem invoca desconhecer o caráter criminoso do fato, tem contra si o ônus de demonstrá-lo não sendo suficiente a alegação do réu , no sentido de que estava prestando serviço a terceiro, pessoa não identificada suficientemente"(TACRIM/SP - AC - Relator Juiz Franciulli Neto - JUTACRIM 49/356).
"A prova da alegação incumbe a quem a fizer, é o princípio dominante em nosso código. Oferecida a denúncia, cabe ao ministério público a prova do fato e da autoria; compete-lhe documentar a existência concreta do tipo (nullum crimen sine tipo) e de sua realização pelo acusado. Este também tem a seu cargo o onus probandi . Com efeito, se ele invoca uma causa excludente de anti-juridicidade (legítima defesa p.ex.) ou da culpabilidade (v.g., erro de fato), incumbe-lhe prová-la. Não apenas isso; a ele cabe ainda o ônus, se alega não estar provada a existência do fato." (Magalhães Noronha- Curso de Direito Processual Penal, 17a. edição, Saraiva, p.90).

Não há, pois, dúvidas a respeito da existência do dolo para o cometimento do delito por parte do apelante Renato dos Santos Dias.

Mantida a condenação, cumpre verificar a dosimetria da pena, adiante.

No que se refere a Vitor Apoena Rodrigues de Souza, verifico que o apelante possui maus antecedentes, como bem reconhecido na sentença, a denotar personalidade perniciosa, voltada à prática de delitos e conduta social reprovável. Além disso, foi apreendida grande quantidade de medicamentos irregulares em seu poder (fl. 19/20), o que demonstra dolo mais intenso, bem como conseqüências mais graves do delito, motivo pelo qual é de se manter a pena base fixada em 11 (onze) anos de prisão, mais 11 (onze) dias multa.

Na segunda fase de fixação da pena, presente a circunstância agravante decorrente da reincidência, que decorre da condenação, com trânsito em julgado em 10/02/2009, pelo crime de desacato, consoante certidão de objeto e pé de fls. 221, verifico que esta circunstância deverá preponderar sobre a atenuante decorrente da confissão, reconhecida pelo Juízo a quo, mas, acertadamente, não aplicada na dosimetria da pena.

Com efeito, nos termos do artigo 67, do Código Penal, a reincidência é circunstância preponderante no concurso de atenuantes e agravantes, como ensina Guilherme de Souza Nucci, in verbis:

"Concurso de agravantes e atenuantes:o disposto neste artigo, tratando da preponderância de algumas circunstâncias sobre outras, evidencia a preocupação do legislador em estabelecer critérios para o juiz aplicar a pena e efetuar eventuais compensações. Portanto, na segunda fase de fixação da pena, o magistrado deve fazer preponderar a agravante da reincidência, por exemplo, sobre a atenuante da confissão espontânea. Na jurisprudência: STJ: ' A recorrente foi condenada como incursa nas sanções do art. 155, § 4º, c.c o art. 14, II, ambos do CP, à pena de um ano e oito meses de reclusão em regime semi-aberto e ao pagamento de 12 dias-multa. No REsp, alega que o acórdão recorrido divergiu de julgado deste Superior Tribunal, ao considerar que a agravante da reincidência prepondera sobre a atenuante da confissão espontânea. Todavia, explica o Min. Relator que, devido ao disposto no art. 67 do CP, a circunstância agravante da reincidência, como preponderante, prevalece sobe a atenuante da confissão e, nesse sentido, são os precedentes deste Superior Tribunal. Precedentes citados: AgRg no REsp 908.821-SP, DJe 13.10.2009; HC 135.537-SP, DJe 13.10.2009; AgRg no Ag 1.102.656-MG, DJe 28.09.2009; REsp 912.053-MS, DJ 05.11.2007; HC 43.014-SP, DJ 29.06.2007; e REsp 695.614-RS, DJ 19.09.2005' (REsp 1.123.841-DF, 5ª T., rel. Felix Fischer, 26.11.2009). (...)"

Ademais, em seu interrogatório judicial, o apelante alegou que imaginava ter adquirido dez vezes menos medicamentos do que o que restou apreendido, o que denota claramente sua intenção de afastar o julgador da verdade real, procurando diminuir a magnitude dos atos delituosos por ele praticados, o que, por si só, já afastaria a aplicação da atenuante ou, até mesmo se poderia afirmar, no caso, que a personalidade do agente afastaria a aplicação da circunstância atenuante da confissão, ainda nos termos do artigo 67, do Código Penal.

Destarte, mantenho o patamar de aumento em 1/12 (um doze avos) do que decorre a pena de 11 (onze) anos e 11 (onze) meses de reclusão, mais 11 (onze) dias multa, que se torna definitiva, vez que ausentes outras circunstâncias agravantes ou atenuantes.

No que se refere ao acusado Renato dos Santos Dias, conforme consta dos autos, foi apreendida em poder de ambos os apelantes grande quantidade de medicamentos irregulares (fls. 19/20), o que demonstra dolo mais intenso, bem como conseqüências do delito mais gravosas, motivo pelo qual é de se manter a pena base fixada em 10 (dez) anos e 06 (seis) meses de reclusão, mais 11 (onze) dias multa, que se torna definitiva, vez que ausente qualquer causa modificativa.

O regime inicial de cumprimento da pena deverá ser o inicialmente fechado. Primeiramente, por se tratar de condenação à pena de reclusão, em patamar superior a 08 (oito) anos, a pena privativa de liberdade, obrigatoriamente, deverá iniciar-se em regime mais rigoroso, nos termos do artigo 33, § 2º, 'a', do Código Penal, consoante ensina Guilherme de Souza Nucci, in verbis:

"Imprescindibilidade do regime fechado: optou o legislador por criar uma presunção absoluta de incompatibilidade de cumprimento de pena superior a 8 anos em regime mais brando, impondo o fechado. Nem sempre, no entanto, o condenado a pena superior a referido patamar é mais perigoso que outro, apenado em montantes inferiores. A despeito disso, deve-se cumprir o disposto neste artigo." (in Código Penal Comentado; Editora Revista dos Tribunais; 10ª edição; 2010; página 339).

Ademais, trata-se de delito definido como hediondo, ao qual os legisladores, constitucional e infra-constitucional, reservaram um tratamento mais rígido e rigoroso no cumprimento da pena privativa de liberdade, consoante previsto no §1º, do artigo 2º, da Lei 8.072/90.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso de RENATO DOS SANTOS DIAS, e dou parcial provimento ao recurso de VICTOR APOENA RODRIGUES DE SOUZA, tão somente para fixar o quantum da pena privativa de liberdade a ele imposta em 11 (onze) anos e 11 (onze) meses de reclusão, mais 11 (onze) dias multa, mantendo, quanto ao mais, a decisão de primeiro grau.


RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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