Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 12/11/2012
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0011208-02.2008.4.03.6104/SP
2008.61.04.011208-1/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : FRANZ ACKERMANN
ADVOGADO : ANDRE LUIZ NEGRAO TAVEIRA BEZERRA e outro
No. ORIG. : 00112080220084036104 6 Vr SANTOS/SP

EMENTA

PENAL - PROCESSUAL PENAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO CONTRA DECISÃO QUE NÃO RECEBEU A DENÚNCIA - CRIME DE SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - LESÃO AOS COFRES PÚBLICOS - TIPIFICAÇÃO PROVISÓRIA INDICADA NA DENÚNCIA - IMPOSSIBILIDADE NA FASE DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO DA AÇÃO PENAL - NÃO PREVISÃO NO SISTEMA PROCESSUAL PENAL - INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E PENAL - COMPROVAÇÃO OU NÃO DO DOLO SOMENTE APÓS O TÉRMINO DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL PENAL - MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA - INDÍCIOS DE AUTORIA - DENÚNCIA RECEBIDA - RECURSO PROVIDO - DECISÃO REFORMADA.
1. A denúncia ofertada às fls. 324/325 atende os requisitos previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal. E não se vislumbra qualquer uma das hipóteses do artigo 43 do Código de Processo Penal, a justificar a rejeição da inicial acusatória.
2. A rejeição sumária da denúncia, com base apenas em eventual impossibilidade de se discriminar as dívidas que poderiam constituir fato criminoso, sem se ter dado início à instrução criminal, equivale a uma absolvição sem processo, configurando verdadeiro julgamento antecipado da lide, sem permitir que a acusação produza provas em juízo, em violação aos princípios constitucionais de acesso à jurisdição e do contraditório - art. 5º, incisos XXV e LV da Lei Maior.
3. Ademais, é preciso consignar que, em um juízo hipotético, mesmo que o recorrido obtenha êxito na busca da absolvição criminal, com base no artigo 386, III, do Código de Processo Penal, ainda assim não conseguiria afastar a execução fiscal, o que só ocorreria se a decisão absolutória viesse embasada nos incisos I ou V, do artigo 386 do Código de Processo Penal, ou seja, a decisão teria que reconhecer a inexistência do fato ou de sua autoria. Na verdade, no Direito Penal só se pune por fato tipificado como crime, corolário lógico do Princípio da Legalidade (art. 1º do Código Penal e art. 5º, inciso XXXIX da Carta Magna).
4. Ressalto que apenas há comunicabilidade e influência da decisão penal na esfera administrativa, como dito, quando da ocorrência da sentença penal absolutória com supedâneo legal nos incisos I e V do Código de Processo Penal (inexistência do fato e negativa da autoria), sendo que o contrário não poderá ocorrer, ou seja, a decisão administrativa nenhuma influência pode exercer no processo criminal.
5. Destarte, constatada a existência de provas da materialidade delitiva (ocorrência do fato típico e ilícito), e havendo indícios quanto a autoria delitiva, outra não poderia ser a providência do magistrado, que não a de receber a denúncia, em homenagem ao princípio que vige nesse momento processual, in dubio pro societate, até porque não se apresenta nítida qualquer excludente de tipicidade, de ilicitude, ou mesmo de culpabilidade. A decisão proferida pelo magistrado, de rejeição da denúncia, representa verdadeiro cerceamento do direito de acusação, de que é dotado o órgão ministerial. Precedentes desta E. Corte Regional e do Colendo STJ.
6. Presente a justa causa para a ação penal, é imperioso o recebimento da inicial acusatória, permitindo-se que o parquet, durante a instrução penal, possa produzir as provas visando demonstrar a materialidade e a autoria do delito.
7. Recurso ministerial provido para receber a denúncia. Decisão reformada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes os acima indicados, ACORDAM os Desembargadores da Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, nos termos do relatório e voto da Senhora Relatora, constantes dos autos, e na conformidade da ata de julgamento, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, por unanimidade, em dar provimento ao recurso ministerial, para, presente a justa causa para a ação penal, receber a denúncia de fls. 324/325 proposta em face do denunciado FRANZ ACKERMANN, devendo os autos retornar ao Juízo de origem para prosseguimento da ação penal.


São Paulo, 22 de outubro de 2012.
RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0011208-02.2008.4.03.6104/SP
2008.61.04.011208-1/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : FRANZ ACKERMANN
ADVOGADO : ANDRE LUIZ NEGRAO TAVEIRA BEZERRA e outro
No. ORIG. : 00112080220084036104 6 Vr SANTOS/SP

VOTO-VISTA

Pedi vista dos autos para melhor aquilatar a fundamentação da r. decisão que rejeitou a denúncia em face de ausência de justa causa para a ação penal, com fulcro no art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal.

Consignou o MM. Juiz que o débito correspondente à LCD nº 35.826.331-0 foi objeto de parcelamento e, em parte, pago no período de 10/7/2005 e 20/9/2007, consubstanciado na importância de R$ 335.139,45, sendo que o valor originário totalizado por diversas rubricas era de R$ 494.612,38.

Considerou o Magistrado que a acusação contida na denúncia diz respeito apenas às contribuições sobre o pro labore e as remunerações pagas a autônomos, contidas na mesma LCD, num total de R$26.992,53, bem como que o débito, globalmente considerado, estaria acobertado por aquele pagamento.

Ainda que assim não se entendesse, diante da inviabilidade de se saber qual parte foi considerada como quitada, já que as parcelas não discriminam a que título são, houve por bem rejeitar a denúncia, apoiado ainda no entendimento de que o valor da sonegação previdenciária seria pequeno (R$26.992,53) em comparação com o montante da dívida, a ensejar a aplicação dos princípios da insignificância e favor rei.

Acenou, por fim, com a possibilidade de o Estado receber o que resta da dívida por intermédio de processo de execução fiscal, não se justificando atuação no Direito Penal.

A eminente Desembargadora Federal Ramza Tartuce deu provimento ao recurso para receber a denúncia substancialmente em razão da comprovação da materialidade delitiva e indícios de autoria e teceu considerações sobre juízo hipotético de impossibilidade de discriminar a dívida, independência das esferas civil e criminal, cerceamento do direito da acusação e in dubio pro societate que vigora quando do oferecimento da denúncia.

Analisando os elementos constantes dos autos, tenho que razão assiste à eminente Desembargadora relatora.

Por primeiro, verifico que o débito apurado ultrapassa o montante de R$20.000,00 (vinte mil reais), valor que a Fazenda Pública considera como sendo suscetível de inscrição na dívida ativa para fins de execução fiscal.

Para além disso, a rejeição de denúncia não pode estar embasada em elementos hipotéticos. Se dúvida há em torno da abrangência do pagamento, tal fato não se presta a ceifar, desde logo, a pretensão acusatória, mister sendo necessária a real apuração do quanto sonegado e pago, o que somente seria esclarecido com o decorrer da instrução processual.

No caso dos autos, a par demonstração da materialidade delitiva e indícios de autoria, a denúncia atende os requisitos formais previstos no art. 41, do CPP, com a presença das sete circunstâncias: quem?, quando?, onde?, por quê meios?, que?, por quê?, de que modo?:"Quis", "Quando", "Ubi", "Quibus auxiliis", "Quid", "Cur" e "Quomodo".

O que se vê no caso dos autos é que a rejeição da inicial equivaleu a absolvição sumária, sem a presença dos requisitos elencados no art. 397 do Código de Processo Penal: a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato, a existência manifesta de causa excludente de culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade, que o fato evidentemente não constitui crime e quando extinta a punibilidade do agente.

Note-se que a absolvição requer medida que somente advém de certeza que extrai da mens legis, ao se reportar a norma às palavras manifesta e evidente, de modo que ao intéprete resta o entendimento de haver justa causa para a ação penal quando tal não se dá.

Por fim, anoto que no juízo de prelibação não é possível coarctar o direito da acusação de obter a apreciação da pretensão punitiva, sob pena de haver o fim prematuro do processo com um contraditório incipiente, devendo nessa ocasião prevalecer o princípio in dubio pro societatis.

Com essas considerações, acompanho o voto da eminente relatora.

É como voto.


LUIZ STEFANINI


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0011208-02.2008.4.03.6104/SP
2008.61.04.011208-1/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : FRANZ ACKERMANN
ADVOGADO : ANDRE LUIZ NEGRAO TAVEIRA BEZERRA e outro
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RELATÓRIO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE:

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra a decisão proferida pelo MM. Juiz Federal da 6ª Vara de Santos - SP, que rejeitou a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra FRANZ ACKERMANN, por ausência de justa causa, nos termos do artigo 395, III do Código de Processo Penal.

Consta da denúncia que:


"(...) 1. Segundo consta dos autos de peças informativas em epígrafe, constituídos a partir de Representação Fiscal para Fins Penais encaminhada pela Delegacia da Recita Federal do Brasil em Santos/SP, FRANZ ACKERMANN, na qualidade de sócio-gerente e administrador da empresa FONTEX IMPORTADORA E EXPORTADORA LTDA., inscrita no CNPJ/MF sob o n.º 50.985.597/0001-96, com sede na Avenida Ana Costa, n.º 374, cj. 101, bairro Gonzaga, em Santos/SP, de forma livre e consciente, suprimiu contribuição social previdenciária devida, omitindo de folha de pagamento da empresa e de documento de informações previsto pela legislação previdenciária, qual seja, nas GFIP elaboradas pela empresa mensalmente com a indicação do devido à Previdência, contribuintes individuais, o próprio empresário gestor (quanto ao pro labore), no período de 05/96 a 12/2000 e de trabalhadores autônomos que lhe prestaram serviço sem relação de emprego, no período de 02/95 a 12/95, 01/96 a 12/96, 06/2000 a 11/2000, décimo terceiro/2000 e 01/2001, consoante apurado pela auditoria previdenciária por intermédio das GFIP, das Folhas de Pagamento e da relação de contribuintes individuais apresentada pela empresa.
2. Em decorrência da narrada omissão, a fiscalização previdenciária lavrou o Lançamento de Débito Confessado (LDC) n.º 35.826.331-0, da qual se observa, dentre várias outras rubricas, que o referido gestor da empresa suprimiu contribuições sociais previdenciárias devidas no importe total de R$ 26.992,53 (vinte e seis mil, novecentos e noventa e dois reais e cinqüenta e três centavos), acrescido dos consectários legais incidentes, em valores da época de sua constituição.
3. Referido débito não fora integralmente adimplido pela empresa consoante se depreende de recente informação prestada pela Delegacia da Receita Federal do Brasil em Santos/SP (fls. 74/75).
4. A materialidade dos delitos de supressão de contribuições sociais previdenciárias devidas resulta demonstrada por intermédio dos documentos encaminhados com o Auto de Infração - DEBCAD n.º 35.826.332-8, referente a multa pelo descumprimento da obrigação acessória pertinente (fls. 07/37) e pelo Lançamento de Débito Confessado (LDC) n. º 35.826.331-0, com os documentos que o instruem (fls. 83/315).
5. A autoria dos crimes sob foco emerge da condição de sócio-gerente e único administrador da empresa, sempre ostentada por FRANZ ACKERMANN, conforme Contrato Social e suas alterações (fls. 27/37-RFPFP), o qual era responsável legal pela inclusão dos contribuintes na folha de pagamento da empresa ou de documento de informação previsto pela legislação previdenciária, bem como de prestar informações sobre a integralidade das remunerações pagas ou creditadas a estes, não omitindo a tributação os fatos geradores havidos, tendo ele adotado resolução gerencial na condução da política administrativa e financeira da empresa em sentido contrário aos citados deveres legais.
6. As condutas criminosas que se enquadram no art. 337-A, inciso I, do Código Penal, foram praticadas de tal forma que, pelas condições de tempo (competências fiscais seqüentes), lugar (ambiência diretiva da empresa, sediada em Santos/SP) e maneira de execução (conforme acima narrado), devem as subseqüentes ser consideradas como continuação da primeira.
7. Do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República signatário, denuncia FRANZ ACKERMANN como incurso no art. 337-A, inciso I c.c. o art. 71, ambos do Código Penal, requerendo o recebimento e autuação desta, instaurando-se o devido processo legal, com a citação do denunciado e a posterior oitiva da testemunha abaixo arrolada, tendo curso a instância até a final condenação" (fls. 324/325).

Às fls. 327/330, o MM Juiz de primeiro grau rejeitou a inicial acusatória, sob os seguintes argumentos:

a)- A LCD n.º 35.826.331-0, citada na denúncia, foi objeto de parcelamento, com pagamentos entre 10.07.2005 e 20.09.2007, tendo o denunciado pago a importância de R$ 335.139,45 do valor original de R$ 494.612,38.

b)- O valor do débito que caracterizaria a sonegação previdenciária é de R$ 26.992,53, sendo inviável a distinção da parte do débito que já estaria quitada, já que as parcelas não discriminam quais rubricas estão sendo objeto do pagamento.

c)- É forçoso reconhecer que há fundada dúvida sobre a existência do débito descrito na denúncia, sendo de aplicação o princípio do favor rei.

d)- Como grande parte do débito já foi paga e a parte não paga vai ser objeto de inscrição em dívida ativa, invoca o princípio da intervenção mínima, não se justificando aqui a intervenção do Direito Penal.

Inconformado, o Ministério Público Federal pugnou pela reforma da decisão monocrática, argumentando, em apertada síntese que:

a)- Na peça exordial acusatória encontram-se todas as condições de procedibilidade da ação penal, quais sejam: possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade.

b)- Há indícios da materialidade e autoria delitivas.

c)- A denúncia não padece de qualquer vício formal ou processual, eis que delineia com precisão tanto o ilícito penal quanto a materialidade delitiva, pautada em provas coligidas durante o inquérito policial e o processo administrativo.

d)- O valor amortizado é grande, mas o subsistente ultrapassa 60 (sessenta) salários mínimos, deixando claro que não se trata de questão que não mereça a atenção do direito penal.

e)- A punibilidade para o crime se extingue com o pagamento integral do débito previdenciário, o que não ocorreu no presente caso. O valor só pode ser considerado pequeno se comparado com o valor inicialmente devido pelo réu.

f)- Alega, por fim, que o valor de R$ 27.000,00 (vinte e sete mil reais) traduz-se em valor extremamente alto para o nosso país, cabendo ao Judiciário não permitir que interpretações desta natureza levem a conclusões errôneas por parte da sociedade civil quanto a fatos da mesma natureza (fls. 333/335).

Em contra-razões, a defesa dos acusados (fls. 342/349), requereu a manutenção da decisão recorrida.

A decisão restou mantida em sede de juízo de retratação (fl. 350).

Após, subiram os autos a esta E. Corte, onde a douta Representante do Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso, alegando que não ocorreu o pagamento integral do débito por parte do réu, não havendo como aceitar a argumentação do Douto Magistrado, invoca a inaplicabilidade do princípio in dúbio pro reu neste momento processual e, por fim, diz não ser aplicável, ao presente caso, o princípio da insignificância (fls. 351/357).

Dispensada a revisão, na forma regimental.

É O RELATÓRIO.



RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0011208-02.2008.4.03.6104/SP
2008.61.04.011208-1/SP
RELATORA : Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : FRANZ ACKERMANN
ADVOGADO : ANDRE LUIZ NEGRAO TAVEIRA BEZERRA e outro
No. ORIG. : 00112080220084036104 6 Vr SANTOS/SP

VOTO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE:

A denúncia ofertada às fls. 324/325 atende aos requisitos previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal. E não se vislumbra qualquer uma das hipóteses do artigo 43 do Código de Processo Penal, a justificar a rejeição da inicial acusatória.

O MM. Juiz "a quo" rejeitou a denúncia, entendendo que, em relação ao denunciado FRANZ ACKERMANN, não haveria justa causa para a ação penal, tendo em vista o pagamento de grande parte da dívida que lastreia a acusação e a impossibilidade de individualização dos valores, não se justificando o processo penal em respeito ao princípio da intervenção mínima (fls. 327/330).

Entendo que não agiu com acerto o magistrado, senão vejamos.

A rejeição sumária da denúncia, com base apenas em eventual impossibilidade de se discriminar as dívidas que poderiam constituir fato criminoso, sem se ter dado início à instrução criminal, equivale a uma absolvição sem processo, configurando verdadeiro julgamento antecipado da lide, sem permitir que a acusação produza provas em juízo, em violação aos princípios constitucionais de acesso à jurisdição e do contraditório - art. 5º, incisos XXV e LV da Lei Maior.

Ademais, é preciso consignar que, em um juízo hipotético, mesmo que o recorrido obtenha êxito na busca da absolvição criminal, com base no artigo 386, III, do Código de Processo Penal, ainda assim não conseguiria afastar a execução fiscal, o que só ocorreria se a decisão absolutória viesse embasada nos incisos I ou V, do artigo 386 do Código de Processo Penal, ou seja, a decisão teria que reconhecer a inexistência do fato ou de sua autoria. Na verdade, no Direito Penal só se pune por fato tipificado como crime, corolário lógico do Princípio da Legalidade (art. 1º do Código Penal e art. 5º, inciso XXXIX da Carta Magna).

E, por derradeiro, o ato punitivo na esfera administrativa, que tem por base o ilícito administrativo, difere do ato punitivo penal, que visa reprimir o ilícito criminal. Assim, nenhum efeito a decisão proferida na esfera administrativa poderá produzir nestes autos, dada a autonomia das instâncias administrativa e penal, o que permite a aplicação da sanção penal, independentemente do desfecho do processo administrativo.

Ressalto que apenas há comunicabilidade e influência da decisão penal na esfera administrativa, como dito, quando da ocorrência da sentença penal absolutória com supedâneo legal nos incisos I e V do Código de Processo Penal (inexistência do fato e negativa da autoria), sendo que o contrário não poderá ocorrer, ou seja, a decisão administrativa nenhuma influência pode exercer no processo criminal.

Neste sentido, colaciono a lição da professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro:


"O servidor público sujeita-se à responsabilidade civil, penal e administrativa decorrente do exercício do cargo, emprego ou função. Por outras palavras, ele pode praticar ilícitos no âmbito civil, penal e administrativo. (...) o servidor responde administrativamente pelos ilícitos administrativos definidos na legislação estatutária e que apresentam os mesmos elementos básicos do ilícito civil: ação ou omissão contrária à lei, culpa ou dolo e dano. (...) Repercutem na esfera administrativa as decisões baseadas nos incisos I e V; no primeiro caso, com base no artigo 935 do Código Civil e, no segundo, com esteio no artigo 65 do Código de Processo Penal. Não repercutem na esfera administrativa:
a hipótese do inciso III, porque o mesmo fato que não constitui crime pode corresponder a uma infração disciplinar; o ilícito administrativo é menos do que o ilícito penal e não apresenta o traço de tipicidade que caracteriza o crime."
as hipóteses dos incisos II, IV e VI, em que a absolvição se dá por falta de provas; a razão é semelhante à anterior: as provas que não são suficientes para demonstrar a prática de um crime podem ser suficientes para comprovar um ilícito administrativo." ( in Direito Administrativo, 19ª edição, São Paulo, Ed. Atlas, 2006, p. 588/589 e 593).

Destarte, constatada a presença de provas da materialidade delitiva (ocorrência do fato típico e ilícito), e havendo indícios suficientes de sua autoria, outra não poderia ser a providência do magistrado, que não a de receber a denúncia, em homenagem ao princípio que vige nesse momento processual, in dubio pro societate, até porque não se apresenta nítida qualquer excludente de tipicidade, de ilicitude, ou mesmo de culpabilidade.

A decisão proferida pelo magistrado, de rejeição da denúncia, representa verdadeiro cerceamento do direito de acusação de que é dotado o órgão ministerial.

Nesse sentido, temos os seguintes julgados, cujas ementas transcrevo abaixo:

"PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO. DE HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. FALTA DE JUSTA CAUSA. IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO.
1. Não é necessário a lavratura de termo circunstanciado ou procedimento administrativo para iniciar a ação penal nos juizados especiais criminais, quando Parquet conta com elementos suficientes a embasar a peça acusatória;
2. Quando na denúncia narra-se vários fatos atribuindo-os de maneira particularizada às pessoas neles envolvidas e, por outro lado, acompanhada de documentos que os demonstram, não há que se falar que seja inepta ou que inexiste justa causa para a ação penal;
3. O delito descrito no art. 48, Lei 9.605/98, pode ser instantâneo ou permanente, como também comissivo ou omissivo, conforme a conduta criminosa que se pratica;
4. Recurso improcedente".
(SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS - 16171 - Processo: 200400766560 UF: SP - Órgão Julgador: SEXTA TURMAData da decisão: 25/06/2004 - Relator Paulo Medina)
"CRIMINAL. HC. EXTRAÇÃO DE AREIA SEM AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO COMPETENTE COM FINALIDADE MERCANTIL USURPAÇÃO X EXTRAÇÃO. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. INOCORRÊNCIA. CONCURSO FORMAL. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO-EVIDENCIADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO-DEMONSTRADO. ORDEM DENEGADA.
I - O art. 2º da Lei 8.176/91 descreve o crime de usurpação, como modalidade de delito contra o patrimônio público, consistente em produzir bens ou explorar matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo. Já o art. 55 da Lei 9.605/98 descreve delito contra o meio-ambiente, consubstanciado na extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida.
II - Noticiada a existência de crime em tese, bem como indícios de autoria há necessidade de apuração a respeito do ocorrido, o que só será possível no transcurso da respectiva ação penal, sendo despicienda a alegação de isenção de apresentação de licença ambiental para exploração de areia.
III - A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, evidenciar-se a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade.
IV - Ordem denegada."
(SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - HABEAS CORPUS - 30852 - Processo: 200301769048 - UF: SP - Órgão Julgador: QUINTA TURMA Data da decisão: 13/04/2004 - Relator Gilson Dipp)
"PENAL. HC. CRIME AMBIENTAL. PESCA DE CAMARÕES DURANTE PERÍODO DE REPRODUÇÃO DA ESPÉCIE. INSIGNIFICÂNCIA DA CONDUTA. INOCORRÊNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA DE PLANO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE AUTORIA E MATERIALIDADE. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. ILEGALIDADES NÃO-DEMONSTRADAS DE PRONTO. ORDEM DENEGADA.
I - A quantidade de pescado apreendido não desnatura o delito descrito no art. 34 da Lei 9.605/98, que pune a atividade durante o período em que a pesca seja proibida ou em locais interditados, exatamente a hipótese dos autos, em que a pesca do camarão se deu em
época de reprodução da espécie.
II - Não pode ser considerada quantidade insignificante a pesca de noventa quilos de camarão.
III - Eventual inépcia da denúncia só pode ser acolhida quando demonstrada inequívoca deficiência a impedir a compreensão da acusação, em flagrante prejuízo à defesa dos acusados, ou na ocorrência de qualquer das falhas apontadas no art. 43 do CPP - o que não se vislumbra in casu.
IV - A negativa de autoria, bem como a alegação de ausência de elementos à demonstração da materialidade do delito são questões que devem ser analisadas no âmbito da instrução criminal, ocasião em que é possível a ampla dilação de fatos e provas, quando a paciente poderá argüir todos os fundamentos que considerar relevantes para provar a inexistência de configuração da autoria, da materialidade do crime.
V - A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, evidenciar-se a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade, hipóteses não verificadas in casu.
VI - Ordem denegada. (grifo nosso)
(SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - HABEAS CORPUS - 38682 - Processo: 200401396346 - UF: SP Órgão Julgador: QUINTA TURMA - Data da decisão: 03/02/2005 - Relator Gilson Dipp)
"PROCESSO PENAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - LEI 9.605/98, ARTIGO 34, caput - REJEIÇÃO DA DENÚNCIA - ARTIGO 43, INCISO III DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA - INDÍCIOS DE AUTORIA - DENÚNCIA RECEBIDA - RECURSO PROVIDO - DECISÃO REFORMADA.
A materialidade delitiva restou comprovada através do auto de infração lavrado pelo IBAMA (fls. 11) e o laudo de dano ambiental também lavrado pelo IBAMA (fls. 34/35).
Há indícios de autoria, conforme boletim de ocorrência (fls. 10) e Ofício nº 2º BPFM-085/103/99 (fls.09) que permitem a identificação do réu, como parte passiva na ação penal a ser instaurada.
Pela leitura dos artigos 34 e 36 da Lei 9605/98 verifica-se a vontade do legislador de tipificar a conduta imputada ao indiciado que, segundo os depoimentos dos policiais militares (fls. 32/33), encontrava-se a pescar com caniço de bambu próximo à jusante do Rio Tietê.
Quanto as alegações do indiciado de que sua conduta não passara dos atos preparatórios, a fase de investigação policial é de caráter inquisitivo, reservando-se o contraditório para a fase judicial.
É sabido que, na fase do recebimento da denúncia, o principio jurídico "in dubio pro societate" deve prevalecer, devendo-se verificar a procedência da acusação e a presença de causas excludentes de antijuridicidade ou de punibilidade no decorrer da ação penal.
6. Recurso ministerial provido. Decisão reformada" (grifos nosso).
(TRF3ª - Recurso em Sentido Estrito 2390 - Processo nº 1999.61.07.002716-7 - Relatora Desembargadora Federal Ramza Tartuce).

Assim sendo, presente a justa causa para a ação penal, é imperioso o recebimento da inicial acusatória, permitindo-se que o parquet, durante a instrução penal, possa produzir as provas visando demonstrar a materialidade e a autoria do delito.

Diante do exposto, dou provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal para, presente a justa causa para a ação penal, receber a denúncia de fls. 324/325 proposta em face do denunciado FRANZ ACKERMANN, devendo os autos retornar ao Juízo de origem para prosseguimento da ação penal.

É COMO VOTO.


RAMZA TARTUCE
Desembargadora Federal


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