Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 06/11/2012
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0008077-74.2011.4.03.6181/SP
2011.61.81.008077-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : SILVIO PERISSINOTTI
ADVOGADO : ROBERTO CICIVIZZO JUNIOR
No. ORIG. : 00080777420114036181 9P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. USO INDEVIDO DE EMBLEMA DO DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL. ARTIGO 296, § 1º, INCISO III, DO CÓDIGO PENAL. CAPACIDADE PARA ILUDIR TERCEIROS. CRIME DE MERA CONDUTA. DESNECESSIDADE DE PREJUÍZO MATERIAL. DENÚNCIA RECEBIDA. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. INDÍCIOS DE MATERIALIDADE E AUTORIA. EXPOSIÇÃO CLARA E OBJETIVA DOS FATOS. RECURSO PROVIDO.
1. Há fortes indícios de que o uso do emblema do Departamento de Polícia Federal foi hábil a iludir em erro aqueles que acessaram o site da empresa de responsabilidade do acusado, fazendo-os acreditar que se tratava de documento oficial, bem como desconfiar da idoneidade de empresa concorrente, prejudicando, assim, direito alheio.
2. O crime em comento é de mera conduta, pois não exige para sua consumação a ocorrência de qualquer prejuízo material.
3. Aplicação do princípio in dubio pro societate, no momento de recebimento ou rejeição da denúncia, sendo desnecessária a valoração definitiva das provas, pois dispensável a mesma certeza necessária para a condenação, ocasião em que se exige o princípio in dúbio pro reo.
4. Indícios de materialidade do delito e autoria delitiva presentes, inicial atende aos requisitos descritos no artigo 41, do Código de Processo Penal, contendo a exposição clara e objetiva dos fatos alegadamente delituosos, com narração de todos os elementos essenciais e circunstanciais que lhes são inerentes.
5. Recurso provido para receber a denúncia oferecida, devendo os autos ser enviados ao Juízo de origem para prosseguimento do feito.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso para receber a denúncia oferecida, determinando o envio dos autos ao Juízo de origem para prosseguimento do feito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 22 de outubro de 2012.
Antonio Cedenho
Desembargador Federal


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0008077-74.2011.4.03.6181/SP
2011.61.81.008077-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : SILVIO PERISSINOTTI
ADVOGADO : ROBERTO CICIVIZZO JUNIOR
No. ORIG. : 00080777420114036181 9P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO


O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra decisão (fls. 222/222v) que rejeitou a denúncia (fls. 218/221) a qual imputa a SILVIO PERISSINOTI a prática do crime previsto no artigo 296, §1º, inciso III, do Código Penal.


Consta da denúncia (fls. 218/221) que Silvio Perissinoti, proprietário e representante legal da empresa "Impress Captação de Impressões Digitais Importadora e Exportadora Ltda.", veiculou notícia no site da referida empresa, no link denominado "Mais notícias 27/03/2009 - Cuidado com as imitações", através de imagem contendo a expressão "Coletor Digital" e, abaixo, a frase "Reprovado pela Polícia Federal", acompanhado do emblema representativo do Departamento de Polícia Federal, com a pretensão de divulgar informação no sentido de que a empresa "Spa Coletor Digital", concorrente da empresa do acusado, estaria vendendo produtos impróprios. Assim, Silvio Perissinoti teria incorrido nas sanções previstas no artigo 296, §1º, inciso III, do Código Penal, pois fez uso indevido de símbolo público identificador de órgão da Administração Pública.


O MM Juízo a quo rejeitou a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra Silvio Perissinoti, sob o fundamento de que a conduta imputada é atípica, uma vez que não houve efetiva lesão ao bem jurídico tutelado pela normal penal, a fé publica, não havendo justa causa para a ação penal, nos termos do artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal (fls. 222/222v).


Em razões recursais (fls. 225/227), a acusação pugna pelo recebimento da denúncia, alegando, em síntese, que a conduta praticada pelo recorrido é típica e antijurídica, pois iludiu terceiros, atingindo e lesionando a fé pública, fazendo-os acreditar que a notícia veiculada no site da empresa decorreu de documento oficial emitido pela Polícia Federal.


A defesa apresentou contrarrazões (fls. 240/244).


A Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento do recurso (fls. 247/249).


É o relatório.


Dispensada a revisão, nos termos regimentais.



VOTO

O MM juiz a quo rejeitou a denúncia sob os seguintes fundamentos:


"(...)
Contudo, não se vislumbra dos autos a tipicidade formal e material do delito narrado na denúncia, uma vez que a conduta imputada ao acusado não se amolda perfeitamente ao tipo penal em questão.
O uso de símbolo, por si só, não configura o delito em foco.
Com efeito, o uso indevido consignado na norma penal incriminadora colima proibir a utilização destinada a gerar confusão ente o ente privado ou pessoa que utiliza o símbolo privativo de órgão público e a própria administração pública, de sorte a atingir a fé pública.
Este é o conteúdo e a finalidade do elemento normativo "indevido", constante no tipo em comento, o qual, vale lembrar, está inserido no âmbito dos crimes contra a fé pública.
No caso em tela, não se verifica que a conduta atribuída ao denunciado teve por finalidade demonstrar vínculo da empresa com a Polícia Federal, vale dizer, não houve efetiva lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal em questão, uma vez que a fé pública não foi atingida.
(...)"

Contudo, há fortes indícios de que o uso do emblema do Departamento de Polícia Federal foi hábil a iludir em erro aqueles que acessaram o site da empresa "Impress - coletores de impressão digital", fazendo-os acreditar que se tratava de documento oficial, bem como desconfiar da idoneidade da empresa concorrente "Spa Coletor Digital", prejudicando, assim, direito alheio.


Ao analisar o elemento normativo do tipo previsto no artigo 296, §1º, inciso III, do Código Penal, Guilherme de Souza Nucci (in Código Penal Comentado. 11. Ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2012. p. 1.106) afirma que "a expressão "fazer uso indevido" constitui elemento da ilicitude trazido para dentro do tipo, de forma que o uso devido, legal e autorizado faz desaparecer a tipicidade", hipóteses não verificadas no presente caso.


Ademais, o crime em comento é de mera conduta, pois não exige para sua consumação a ocorrência de qualquer prejuízo material.


Nesse sentido:


"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. USO INDEVIDO DE BRASÃO DA REPÚBLICA. ART. 296, § 1º, III, DO CP. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE. IMPROCEDÊNCIA.
1. O trancamento da ação penal por meio do habeas corpus - ou do recurso ordinário - é medida excepcional, só admissível se emergente dos autos, de forma inequívoca, a ausência de indícios de autoria e de prova da materialidade delitiva, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade.
2. Ao recorrente se imputa a utilização indevida do Brasão da República em documentos particulares. Segundo a acusação, a aposição das Armas Nacionais, associada à qualificação como Deputado Federal suplente causou confusão na identificação da natureza dos documentos, fazendo crer tratar-se de papéis oficiais.
3. O Brasão da República constitui notório símbolo identificador da Administração Pública Federal, porquanto obrigatória a sua utilização por seus órgãos, por força da Lei nº 5.700/71.
4. Segundo a denúncia, as cartas assinadas pelo recorrente tratavam de interesse particular, nada se relacionando, inclusive, com a função, eventualmente por ele ocupada, de suplente de Deputado Federal.
5. Não há como reconhecer, nesta sede, a atipicidade da conduta imputada ao recorrente, uma vez que, como se sabe, o crime é de mera conduta e não exige, para a sua consumação, a existência de prejuízo material.
6. A denúncia narra a ocorrência de fato típico em tese, não padecendo de vício de inépcia, pois satisfaz todos os requisitos do art. 41 do CPP, apta ao exercício da ampla defesa.
7. Recurso a que se nega provimento."
(RHC 29.397/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 14/06/2011, DJe 15/08/2011)(grifos nossos)

Neste momento processual, por outro lado, consistente no recebimento ou rejeição da denúncia, deve ser aplicado o princípio in dubio pro societate, sendo desnecessária a valoração definitiva das provas, pois dispensável a mesma certeza necessária para a condenação, ocasião em que se exige o princípio in dúbio pro reo.


Assim, presentes todos os elementos que configuram, em tese, o crime imputado aos recorridos, possibilitando-lhes o exercício da ampla defesa, bem como havendo indícios de materialidade do delito e autoria delitiva e tendo a inicial atendido aos requisitos descritos no artigo 41, do Código de Processo Penal, contendo a exposição clara e objetiva dos fatos alegadamente delituosos, com narração de todos os elementos essenciais e circunstanciais que lhes são inerentes, a denúncia deve ser recebida.


Ante o exposto, dou provimento ao recurso para receber a denúncia oferecida, determinando o envio dos autos ao Juízo de origem para prosseguimento do feito.


É o voto.



Antonio Cedenho
Desembargador Federal


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Data e Hora: 26/10/2012 16:36:59