Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 15/01/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007929-55.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.007929-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : TOCHUKWU JOHN OKONKWO reu preso
: LAWRENCE ECHEZONA NWAFOR reu preso
ADVOGADO : FERNANDO DE SOUZA CARVALHO (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00079295520114036119 6 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. INGESTÃO DE CÁPSULAS. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. PREJUDICADO. ESTADO DE NECESSIDADE EXCULPANTE. AFASTADO. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/06 NO PERCENTUAL MÍNIMO LEGAL. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA. ALTERADO PARA O SEMIABERTO. EXCLUSÃO DA PENA DE MULTA. IMPOSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO.
I - Prejudicado o pedido de concessão do direito de recorrer em liberdade, em razão do julgamento do presente recurso.
II - A materialidade do delito restou demonstrada pelo auto de apresentação e apreensão, pelo laudo preliminar de constatação e pelo laudo de exame de substância definitivo, os quais atestam que a substância apreendida, com ambos os apelantes, por ocasião do flagrante, trata-se de cocaína.
III - A perícia técnica limita-se a pequena quantidade extraída de seu total pela simples inviabilidade de se remeter todo o produto ilícito para exame. Essa exigência inevitavelmente comprometeria a razoável duração do processo, uma vez que a perícia completa da substância apreendida naturalmente demandaria tempo considerável para conclusão, sendo certo que, encontrado o produto da perícia nas mesmas circunstâncias do restante, com idênticas características de odor e aspecto, razão não há para questionamento. A apreensão das 958g e 1396g de cocaína foram devidamente relatadas em Auto de Apreensão, relatando que encontravam-se acondicionadas em 50 e 78 cápsulas ingeridas por cada um dos acusados, dos quais constou a assinatura dos réus, do intérprete e de mais de uma testemunha, inexistindo motivos idôneos para questionar-se esse ponto
IV - A autoria e o dolo restaram claros e demonstrados. Os apelantes, no dia 2 de agosto de 2011, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos, foram presos em flagrante, trazendo em seus estômagos, o primeiro 50 (cinqüenta) cápsulas e o segundo 78 (setenta e oito) cápsulas de cocaína.
V - O "estado de necessidade exculpante", defendido pela teoria diferenciadora e de divergente aceitação doutrinária e jurisprudencial, é fundamentado na inexigibilidade de conduta diversa, requisito sem o qual inexiste culpabilidade. Seus adeptos pregam que se for sacrificado um bem de valor maior ao preservado, deve ser analisado o perfil subjetivo do agente e perquirido se diante de seus atributos pessoais era possível ou não lhe exigir conduta diversa da perpetrada. Em caso negativo, exclui-se a culpabilidade com base no estado de necessidade exculpante. Se, no entanto, era de se lhe exigir outro comportamento, subsiste a punição do crime, podendo o magistrado reduzir a pena. Contudo, nosso ordenamento jurídico adotou a teoria unitária, e assim, ou se trata de causa excludente da ilicitude ou de causa de diminuição de pena. E ainda que assim não fosse, melhor sorte não restaria à defesa, tendo em vista que a prática de tráfico internacional de entorpecentes não era a única alternativa de sobrevivência de Gideon Johanness Maartens, pessoa jovem (tinha 38 anos na data dos fatos), com perspectivas de melhora em sua vida.
VI - Trata-se de apelantes primários, que não ostentam maus antecedentes, bem como as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não lhe são desfavoráveis. A quantidade de cocaína (878g e 1.208g), não considerada de grande monta para os padrões de tráfico internacional, não justifica a majoração da pena-base, que, para ambos os réus, deve ser fixada no mínimo legal.
VII - O modo como os apelantes transportavam a cocaína, qual seja, através da ingestão de cápsulas dessa substância entorpecente, transformando-os em mero compartimento de carga, com riscos à própria vida, é fato que ao invés de gerar maior censura social, a minora.
VIII - Não merece acolhida a tese da defesa no sentido de que a causa de aumento, decorrente da internacionalidade do delito, já é elemento do tipo, na modalidade "exportar" e, portanto, não pode ser considerado novamente para fins de majoração da pena, na terceira fase da dosimetria da pena, sob pena de se configurar o bis in idem. Isso porque o legislador, em observância aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena, distinguiu o tráfico realizado dentro do território nacional, entre Municípios ou Estados, e aquele que ocorre entre diferentes países, pretendendo, desta forma, punir mais severamente este último, já que afeta o interesse de mais de um país. Ademais, a conduta imputada ao réu foi a de "trazer consigo" e não a de "exportar", mais uma razão pela qual não há como deixar de fazer incidir a majorante da internacionalidade, prevista no art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06. Deve ser mantido o percentual mínimo de 1/6 (um sexto) da causa de aumento prevista no art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06 (internacionalidade), vez que presente uma única causa de aumento de pena.
IX - Tochukwu John Okonkwo e Lawence Echezona Nwafor são primários e não ostentam maus antecedentes. Não há prova nos autos de que se dedicam a atividades criminosas, nem elementos para concluir que integram organização criminosa, apesar de encarregados do transporte da droga. Ademais, caberia à acusação fazer tal comprovação, o que não ocorreu no caso dos autos. Certamente, estava transportando a droga para bando criminoso internacional, o que não significa, porém, que fosse integrante dele. Sendo assim, fazem jus à aplicação da causa de redução de pena, prevista no § 4º do art. 33 da Lei n.º 11.343/06, entretanto, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), devido às circunstâncias objetivas e subjetivas do caso concreto.
X - Considerando que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus n.º 111840, em 27 de junho de 2012, deferiu, por maioria, a ordem e declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, deve ser fixado o regime inicial semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, "b", do Código Penal.
XI - O pleito da defesa, concernente à exclusão da pena de multa, é totalmente descabido. Isso porque se o apelante foi condenado pela prática do delito tipificado no art. 33 da Lei n.º 11.343/06, deve incidir nas penas nele cominadas, quais sejam, pena privativa de liberdade, cumulativamente, com a pena de multa. Trata-se, portanto, de elemento inerente ao tipo penal que não pode deixar de ser aplicado pelo magistrado em razão de eventual estado de miserabilidade do acusado.
XII - Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, uma vez que não se encontram preenchidos os requisitos do art. 44 do Código penal, porquanto a pena privativa de liberdade aplicada supera 4 (quatro) anos de reclusão.
XIII - Recurso da defesa parcialmente provido para, reduzindo a pena-base para o mínimo legal, bem como aplicando a causa de diminuição, prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), fixar a pena definitiva de ambos os réus em 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, no regime inicial semiaberto, e 486 (quatrocentos e oitenta e seis) dias-multa, no valor mínimo legal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar parcial provimento ao recurso da defesa de TOCHUKWU JOHN OKONKWO e LAWRENCE ECHEZONA NWAFOR para, reduzindo a pena-base para o mínimo legal, bem como aplicando a causa de diminuição, prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), fixar a pena definitiva de ambos em 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, no regime inicial semiaberto, e 486 (quatrocentos e oitenta e seis) dias-multa, no valor mínimo legal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, acompanhado pelo voto do Juiz Federal Convocado PAULO DOMINGUES, vencido o Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA, que negava provimento à apelação.¶


São Paulo, 27 de novembro de 2012.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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Data e Hora: 29/11/2012 20:03:24



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007929-55.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.007929-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : TOCHUKWU JOHN OKONKWO reu preso
: LAWRENCE ECHEZONA NWAFOR reu preso
ADVOGADO : FERNANDO DE SOUZA CARVALHO (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00079295520114036119 6 Vr GUARULHOS/SP

VOTO VENCIDO

O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA:


Trata-se de apelação da Defesa contra a sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal de Guarulhos/SP, que condenou TOCHUKWU JOHN OKONKWO e LAWRENCE ECHEZONA NWAFOR às penas de 6 anos, 1 mês e 15 dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 550 dias-multa cada um, como incursos no artigo 33, caput, c.c. artigo 40, I, da Lei 11.343/2006.

O feito foi levado a julgamento na sessão de 27/11/2012. Em seu voto, o E. Relator Desembargador Federal José Lunardelli deu parcial provimento ao recurso da defesa para, reduzindo a pena-base para o mínimo legal, bem como aplicando a causa de diminuição, prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), fixar a pena definitiva de ambos em 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, no regime inicial semiaberto, e 486 (quatrocentos e oitenta e seis) dias-multa, no valor mínimo legal, no que foi acompanhado pelo E. Juiz Federal Convocado Paulo Domingues.

Acompanhei o E. Relator, pelas razões expendidas no seu voto, para negar provimento ao recurso da defesa quanto às alegações de ausência de materialidade, estado de necessidade, afastamento da internacionalidade delitiva, afastamento da pena de multa e pedido de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Com a devida vênia, ousei divergir da douta maioria quanto à redução da pena-base, à incidência da circunstância atenuante da confissão e da causa de diminuição de pena do artigo 33, §4º da Lei de Drogas, e à fixação do regime semiaberto, negando provimento ao apelo da defesa.


Passo a expor as razões da divergência.

Da pena-base: a sentença apelada fixou a pena-base de cada acusado em 5 anos e 6 (seis) meses de reclusão.

O artigo 42 da Lei 11.343/2006 estabelece expressamente que, no crime de tráfico de drogas, a natureza e a quantidade da substância, a personalidade e a conduta social do agente devem ser considerados na fixação das penas, com preponderância sobre o previsto no artigo 59 do Código Penal. Saliente-se que o objeto jurídico tutelado no crime de tráfico de entorpecente é a saúde pública e, portanto, quanto maior a quantidade da droga traficada maior o potencial lesivo e o perigo de dano à saúde pública, a justificar uma maior reprovabilidade da conduta empreendida e, conseqüentemente, a elevação da pena-base.

Nesse sentido situa-se a orientação do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:


HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO A 4 ANOS, 2 MESES E 10 DIAS DE RECLUSÃO, EM REGIME INICIAL FECHADO, E MULTA, POR TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES (ART. 33, CAPUT, C/C ART. 40, I, AMBOS DA LEI 11.343/06)... PENA-BASE CORRETAMENTE FIXADA EM 6 ANOS. REDUÇÃO POR FORÇA DO ART. 40, I DA LEI 11.343/06 APLICADA NO MÍNIMO LEGAL. GRANDE QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA, DE ELEVADO PODER PSICOTRÓPICO (780 GRAMAS DE COCAÍNA)... 2. A natureza da droga e a grande quantidade apreendida (cerca de 780 gramas de cocaína) têm função de extrema relevância quando do cotejo da individualização da pena, contribuindo fortemente na dosimetria da reprimenda, para uma adequada resposta social e no repúdio ainda maior da justiça criminal. Assim, devidamente justificadas a pena-base, fixada em 6 anos de reclusão, e a incidência no patamar mínimo do benefício previsto no art. 40, I da Lei 11.343/06...
STJ, 5ª Turma, HC 145242, Rel.Min. Napolão Nunes Maia Filho, j. 19/08/2010, DJe 27/09/2010
APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - MAJORAÇÃO DA PENA-BASE, À VISTA DA QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA...1. Réu condenado pela prática de tráfico internacional de entorpecentes porque trazia consigo, dentro de 2 (dois) pacotes plásticos acondicionados em sua mala, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros, no exterior, 3.020g (três mil e vinte gramas), de cocaína, substância entorpecente que determina dependência física e/ou psíquica, sem autorização legal ou regulamentar. 2. Majoração da pena-base atentando-se à significativa quantidade (mais de três quilos) e à natureza nefasta da droga apreendida (cocaína)...
TRF 3ª Região, 1ª Turma, ACR 00042638520074036119, Rel. Des.Fed. Johonsom di Salvo, j. 29/11/2011, DJe 07/12/2011

Dessa foram, verifico que a potencialidade lesiva inerente à natureza da droga apreendida, aliada à expressiva quantidade (878 gramas de cocaína com Tochukwu e 1.208,8 gramas com Lawrence) justificam a exasperação da pena-base além do patamar mínimo.

Além disso, observo que o fato do réu dispor-se a ingerir as cápsulas com cocaína revela culpabilidade mais acentuada, que também justifica a majoração da pena-base.

Com efeito, o agente que se submete ao procedimento desagradável da ingestão das cápsulas, para transportar a droga dentro de seu próprio aparelho digestivo, o que pode eventualmente resultar na própria morte em caso de rompimento, revela que está disposto correr altíssimos riscos a fim de obter sucesso na empreitada criminosa.

Tal conduta, que ainda dificulta a atuação das autoridades encarregadas da fiscalização aeroportuária, merece sem dúvida maior censurabilidade do que a conduta do agente que simplesmente transporta a droga em sua própria bagagem ou roupas.

Nesse sentido, aponto precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:


HABEAS CORPUS. DOSIMETRIA DA PENA. PACIENTE CONDENADO A 5 ANOS, 4 MESES E 20 DIAS DE RECLUSÃO, EM REGIME FECHADO, E 534 DIAS-MULTA, POR TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS (ART. 33, CAPUT E §4o. C/C ART. 40, I, AMBOS DA LEI 11.343/06). FIXAÇÃO DA PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. ELEVADA CULPABILIDADE. NATUREZA DA DROGA: COCAÍNA (781,5g DIVIDIDOS EM 65 CÁPSULAS INGERIDAS PELO PACIENTE). FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ART. 42 DA LEI 11.343/06. DELITO PRATICADO APÓS A VIGÊNCIA DA LEI 11.343/06. REGIME INICIAL FECHADO QUE SE IMPÕE. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA POR RESTRITIVA DE DIREITOS. PARECER DO MPF PELO INDEFERIMENTO DO WRIT. ORDEM DENEGADA. 1. A fixação da pena-base acima do mínimo legal veio devidamente motivada, mormente em razão da elevada culpabilidade demonstrada pelo paciente, em face da natureza da droga apreendida (781,5g de cocaína divididos em 65 cápsulas) e de sua forma de acondicionamento...
STJ, 5ª Turma, HC 136075, Rel.Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 06/10/2009, DJe 03/11/2009
DIREITO PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. INGESTÃO DE CÁPSULAS CONTENDO COCAÍNA. ESCUSAS NÃO CONFIGURADAS. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE MANTIDA. PENA PECUNIÁRIA AJUSTADA PELO CRITÉRIO BIFÁSICO, DE OFÍCIO. 1 - Ré/apelante condenada por narcotraficância internacional, posto que detida após a ingestão de 73 cápsulas contendo cocaína, substância que seria destinada à Europa. Confissão judicial. 2 - As alegações genéricas de dificuldades financeiras e infância e adolescência infelizes não constituem motivo idôneo a autorizar o reconhecimento da causa supralegal de exclusão da culpabilidade consistente na inexigibilidade de conduta diversa, para ilidir a responsabilização criminal pelo fato da narcotraficância. 3 - A pena base deve ser mantida. O modus operandi denota maior reprovabilidade na conduta do agente, haja vista que a ingestão de cápsulas, além de dificultar a ação policial, demonstra que a ré assumiu risco de vida no afã de transportar elevada quantidade de drogas, sendo certo que o rompimento de uma delas poderia ser fatal. Ademais, a ré não agiu de rompante, ao contrário, teve tempo suficiente para refletir e mesmo assim persistiu na conduta. Tratando-se de ingestão de cápsulas, não há como considerar a quantidade traficada de pequena monta (quase 800 gramas), já que estamos falando de 73 cápsulas...
TRF 3ª Região, 1ª Turma, ACR 00106809120094036181, Rel. Des.Fed. Johonsom di Salvo, j. 10/04/2012, DJe 18/04/2012

Dessa forma, não comporta provimento o apelo neste ponto, devendo ser mantida a sentença que fixou a pena-base pouco acima do mínimo legal, em 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusão.


Na segunda fase da dosimetria da pena, entendo ser incabível a aplicação da atenuante da confissão espontânea, prevista no artigo 65, inciso III, alínea "d" do Código Penal, pois embora os réus tenham admitido o transporte da droga, atribuiram a conduta às dificuldades financeiras enfrentadas.

A circunstância atenuante da confissão espontânea não incide nos casos em que o réu, embora admitindo como verdadeiros os fatos narrados na denúncia, alega a ocorrência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade, posto que, ao assim agir, não está confessando a autoria de crime algum. Nesse sentido, aponto precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:


HABEAS CORPUS. PENAL. HOMICÍDIO TENTADO. RECONHECIMENTO DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. IMPOSSIBILIDADE. CONFISSÃO QUALIFICADA. ORDEM DENEGADA. 1. A confissão qualificada, na qual o agente agrega à confissão teses defensivas descriminantes ou exculpantes, não tem o condão de ensejar o reconhecimento da atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea d, do Código Penal....
STJ, 5ª Turma, HC 129278/RS, Rel.Min. Laurita Vaz, j. 27/04/2009, DJe 25/05/2009
APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - ESTADO DE NECESSIDADE NÃO COMPROVADO - REDUÇÃO, DE OFÍCIO, DA PENA-BASE - EXCLUSÃO DA CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE DA CONFISSÃO... 1. Ré condenada pela prática de tráfico internacional de entorpecentes porque trazia consigo, dentro de um cilindro preso à sua cintura e no interior de 61 cápsulas por ela ingeridas, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros, no exterior, 634,6g (seiscentos e trinta e quatro gramas e seis decigramas), peso líquido, de cocaína, substância entorpecente que determina dependência física ou psíquica, sem autorização legal ou regulamentar... 4... Além disso, JUDITE agregou à confissão tese defensiva consistente no não comprovado estado de necessidade. É irreconhecível a confissão espontânea na conduta do agente que admite conduta criminosa incontrovertível, mas no mesmo ato aduz causa excludente do injusto e da culpabilidade pela prática criminosa...
TRF 3ª Região, 1ª Turma, ACR 00011794220084036119, Rel. Des.Fed. Johonsom di Salvo, j. 22/11/2011, DJe 02/12/2011

Portanto, não caracterizada a confissão espontânea, para o fim de minorar-se a pena. Contudo, em virtude da ausência de recurso da acusação e da proibição da reformatio in pejus, é de ser mantida a incidência da circunstância, tal como lançada na sentença, resultando em 05 anos e 03 meses de reclusão.


Quanto à causa de diminuição de pena do traficante ocasional, observo que dispõe o artigo §4° do artigo 33 da Lei 11.343/2006 sobre a possibilidade de redução da pena no crime de tráfico de drogas, de um sexto a dois terços, "desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa".

Tais requisitos são exigíveis cumulativamente e, portanto, a ausência de qualquer deles implica a inexistência de direito ao benefício da diminuição da pena.

Não me parece que o citado §4° do artigo 33 da Lei n° 11.343/06 deva ser interpretado de modo a possibilitar a sua aplicação às assim chamadas "mulas" do tráfico de drogas, porquanto tal interpretação favoreceria sobremaneira a operação das organizações criminosas voltadas para o tráfico internacional, o que certamente contraria a finalidade do citado diploma legal, que visa à repressão dessa atividade.

A atividade daquele que age como "mula", transportando a droga de sua origem ao destino, na verdade pressupõe a existência de uma organização criminosa, com diversos membros, cada qual com funções específicas. Quem transporta a droga em sua bagagem, ou em seu corpo, cumpre uma função dentro de um esquema maior, que pressupõe alguém para comprar, ou de alguma forma obter a droga na origem, e alguém para recebê-la no destino, e providenciar a sua comercialização.

Se aquele que atua como "mula" desconhece quem sejam os integrantes da organização criminosa - circunstância que não põe esta em risco de ser desmantelada - e foi aliciado de forma aleatória, fortuita e sem qualquer perspectiva de ingressar na "associação criminosa", muitas vezes em face da situação de miserabilidade econômica e social em que se encontra, outras em razão da ganância pelo lucro fácil, não há como se entender que faça parte do grupo criminoso, no sentido de organização. Mas o certo é que é contratado por uma organização criminosa para servir como portador da droga e, portanto, integra essa organização.

Acresce-se que não se exige o requisito da estabilidade na integração à associação criminosa; se existente tal estabilidade ou permanência nessa integração, estaria o agente cometendo outro crime, qual seja, o de associação para o tráfico, tipificado no artigo 35 da Lei nº 11.343/2006, em concurso material com o crime de tráfico, tipificado no artigo 33 do mesmo diploma legal.

E, ainda que se entenda que o traficante que atue como "mula" não integra a organização criminosa, é certo que o benefício não alcança aqueles que se dedicam à atividades criminosas, ou seja, aqueles que se ocupam do tráfico, como meio de subsistência, ainda que de forma não habitual.

Se o agente, sem condições econômicas próprias, dispende vários dias de viagem, para obter a droga, e dirigir-se ao exterior, com promessa de pagamento pelo serviço de transporte, sem que comprove ter outro meio de subsistência, forçoso é concluir que faz do tráfico o seu meio de subsistência, não fazendo jus portanto à aplicação da causa de diminuição da pena.

Nesse sentido aponto precedentes do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e desta primeira Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região:

"Mula" e causa de diminuição de pena - 2
Em conclusão de julgamento, a 2ª Turma, por maioria, denegou habeas corpus em que pretendida a aplicação, em favor de condenada por tráfico de entorpecentes pelo transporte de 951 g de cocaína, a causa de diminuição da pena do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006. No caso, as instâncias de origem, embora tivessem reconhecido que a ré seria primária, com bons antecedentes e que não se dedicaria à atividade criminosa, concluíram que, de fato, ela integraria organização criminosa e, portanto, não teria jus à citada causa de diminuição - v. Informativo 618. Considerou-se que o tráfico internacional não existiria sem o transporte da droga pelas chamadas "mulas". O Min. Gilmar Mendes ressaltou que a "mula", de fato, integraria a organização criminosa, na medida em que seu trabalho seria condição sine qua non para a narcotraficância internacional. Pressupunha, assim, que toda organização criminosa estruturar-se-ia a partir de divisão de tarefas que objetivasse um fim comum. Assim, inegável que esta tarefa de transporte estaria inserida nesse contexto como essencial. Além disso, asseverou que o legislador não teria intenção de dispensar tratamento menos rigoroso ao "traficante mula" ou, ainda, a outros com "participação de menor importância" e não diretamente ligados ao núcleo da organização. Se esse fosse o propósito, certamente consubstanciaria elementar do tipo. Ter-se-ia, então, um tipo penal derivado. Vencido o Min. Ayres Britto, relator, que deferia a ordem.
HC 101265/SP, rel. orig. Min. Ayres Britto, red. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa, 10.4.2012. (HC-101265)
STF - Informativo nº 661
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM AEROPORTO. "MULA". DIMINUIÇÃO DA PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4.º, DA NOVA LEI DE TÓXICOS. ATUAÇÃO EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA MINORANTE. WRIT DENEGADO. 1. As circunstâncias do caso concreto - Paciente de nacionalidade estrangeira e que transportava 2.070 (dois mil e setenta) gramas de cocaína, abordada ao tentar embarcar para Lisboa - evidenciam sua dedicação a atividades criminosas. 2. Assim, considerando a dinâmica dos fatos delituosos e com indicação de elementos concretos, o referido fato é circunstância que, de per si, impede a aplicação da causa especial de diminuição prevista no § 4.º do art. 33 da Lei n.º 11.343/06. 3. Habeas corpus denegado.
STJ, 5ª Turma, HC 148148, Rel.Min. Laurita Vaz, j. 26/11/2009, DJ 15/12/2009
APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES...INAPLICABILIDADE DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ARTIGO 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06. 1. Réu condenado pela prática de tráfico internacional de entorpecentes porque trazia consigo, no interior de 70 (setenta) cápsulas por ele ingeridas, para fins de comércio ou de entrega a consumo de terceiros no exterior, 509,5g (quinhentos e nove gramas e cinco decigramas), peso líquido, de cocaína, substância entorpecente que determina dependência física e/ou psíquica, sem autorização legal ou regulamentar... 6. A pessoa que se dispõe a efetuar o transporte de substância entorpecente para o exterior com as despesas custeadas e mediante promessa de recompensa evidentemente integra organização criminosa de forma efetiva e relevante. Com efeito, o apelante, de forma voluntária, contribuiu para a narcotraficância internacional, constituindo figura essencial ao sucesso da empreitada criminosa, eis que incumbido de receber a droga devidamente embalada em cápsulas do fornecedor, ocultá-la e transportá-la dentro de seu organismo, devendo entregá-la ao destinatário na Espanha, representando, portanto, o imprescindível elo de ligação entre fornecedor e receptor, o que afasta, de plano, a incidência do benefício discorrido, cuja aplicação exige a prova extreme de dúvidas da concorrência dos quatro requisitos exigidos na norma. Ademais, o modus operandi do transporte - ingestão de cápsulas contendo a droga - está a revelar a participação de outras pessoas na dinâmica criminosa, permitindo enxergar o pertencimento do réu a grupo criminoso, conclusão que vem a ser reforçada pelo fato de KRISZTIAN ter efetuado outras 3 (três) viagens internacionais transportando substância entorpecente, conforme narrativa ofertada em contraditório judicial...
TRF 3ª Região, ACR 0007676-09.2007.4.03.6119, Rel. Des.Fed. Johonsom di Salvo, j. 14/02/2012, DJ 30/03/2012

No caso dos autos há elementos que permitem concluir que os réus dedicavam-se a atividades criminosas: a quantidade da droga apreendida (878 gramas e 1.208,8 gramas de cocaína); a inexistência de prova de ocupação lícita; o fato de haverem confessado que tinham sido contratados para o transporte da droga, mediante pagamento de 2.500 dólares americanos para cada um, tendo inclusive Lawrence vindo ao Brasil unicamente para realizar a empreitada criminosa e ficado neste país à disposição e às expensas dos traficantes contratantes, conforme relato em interrogatório judicial, constante da sentença (fls. 190v.).

Todas essas circunstâncias conduzem à conclusão de que os réus integravam organização criminosa ou, caso assim não se entenda, que dedicavam-se a atividades criminosas, e portanto não fazem jus à causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4° da Lei n° 11.343/06.


Assim, é de ser mantida a sentença, que na primeira fase da dosimetria fixou a pena-base em 05 anos e 06 meses de reclusão; na segunda fase, reduziu a pena em 3 meses por conta da atenuante da confissão espontânea; e na terceira fase aumentou a pena em 1/6 (um sexto) por força da causa de aumento da transnacionalidade, resultando a pena definitiva de 06 (seis) anos, 01 (um) mês e 15 (quinze) dias de reclusão e pagamento 550(seiscentos e quarenta e um) dias-multa, mantido o valor unitário mínimo.

Quanto ao regime inicial de cumprimento da pena, observo que vinha sustentando entendimento no sentido de que o estabelecimento de regime inicial aberto ou semiaberto não se mostra compatível com a condenação por crime de tráfico ilícito de entorpecentes, dada a equiparação do tráfico aos delitos hediondos.

E assim o fazia por entender que tanto o legislador constituinte (artigo 5º, inciso XLIII) quanto o legislador infraconstitucional (Lei nº 8.072/1990) dispensaram tratamento mais rigoroso na repressão ao crime de tráfico ilícito de entorpecentes, sendo portanto lícito o estabelecimento de regime inicial mais gravoso para cumprimento da pena, na esteira de precedentes do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região: STF, 1ª Turma, RHC 108011/RJ, Rel.Min. Luiz Fux, j. 06/09/2011, DJe 30/09/2011; STF, 2ª Turma, HC 103011/RN, Rel.Min. Ellen Gracie, j. 24/08/2010, DJe 09/09/2010; STF, 2ª Turma, HC 91360/SP, Rel.Min. Joaquim Barbosa, j. 13/05/2008, DJe 19/06/2008; STJ, 5ª Turma, HC 226379/SP, Rel.Min. Jorge Mussi, j. 24/04/2012, DJe 08/05/2012; TRF 3ª Região, 1ª Turma, HC 0001433-97.2012.403.0000, Rel. Des.Fed. Johonsom di Salvo, j. 06/03/2012, DJe 16/03/2012.

Contudo, não me é dado desconhecer que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do §1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/1990, na redação dada pela Lei nº 11.464/2007, que estabelecia o regime inicial fechado para cumprimento da pena para os condenados por crime de tráfico de drogas: HC 111840/ES, rel. Min. Dias Toffoli, 27.6.2012. (HC-111840), Informativo STF nº 672.

No caso dos autos, o entendimento pela inconstitucionalidade do referido dispositivo legal firmado pelo STF, não beneficia o réu. Isso porque apesar do regime inicial ser estabelecido, a princípio, em função da quantidade da pena, nos termos do §2º do artigo 33 do Código Penal, o §3º do citado dispositivo estabelece que "a determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código".

E, no caso dos autos, foram consideradas desfavoráveis as circunstâncias do artigo 59 do CP c/c artigo 42 da Lei nº 11.343/2006, em relação às conseqüências do crime e culpabilidade dos agentes, fixando a pena-base em patamar superior ao mínimo legal (05 anos e 6 meses de reclusão).

Dessa forma, não obstante a pena final de 6 anos, 1 mês e 15 dias de reclusão, é de ser mantido o regime inicial fechado.


Pelo exposto, pelo meu voto nego provimento à apelação.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007929-55.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.007929-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : TOCHUKWU JOHN OKONKWO reu preso
: LAWRENCE ECHEZONA NWAFOR reu preso
ADVOGADO : FERNANDO DE SOUZA CARVALHO (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00079295520114036119 6 Vr GUARULHOS/SP

RELATÓRIO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Trata-se de Apelações Criminais interpostas pelos réus TOCHUKWU JOHN OKONKWO e LAWRENCE ECHEZONA NWAFOR contra a r. sentença de fls. 189/199-v, que julgou parcialmente procedente o pedido da denúncia (recebida em 22.08.2011 - fls. 74/75), para condenar ambos como incurso no art. 33, caput, c.c art. 40, inciso I, todos da Lei n.º 11.343/06, a uma pena de 6 (seis) anos, 1 (um) mês e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e pagamento de 550 (quinhentos e cinquenta) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos, porque, no dia 2 de agosto de 2011, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos, foram presos em flagrante, trazendo em seus estômagos, o primeiro 50 (cinqüenta) cápsulas, com massa líquida de 878g (oitocentos e setenta e oito gramas) de cocaína, e o segundo 78 (setenta e oito) cápsulas, com peso líquido de 1208,8g (mil, duzentos e oito gramas e oito décimos) de cocaína.

Apela a Defensoria Pública da União, na defesa de ambos os réus, em cujas razões recursais (fls. 213/229-v) pleiteia, em síntese:

a) a absolvição dos apelantes por falta de provas da materialidade, ou porque praticaram o delito em estado de necessidade exculpante, ou, ainda, pelo princípio da eventualidade, que se reconheça como causa de redução de pena ou como atenuante genérica;

b) a fixação da pena-base no mínimo legal;

c) a aplicação da atenuante da confissão em, pelo menos, 1/6 (um sexto) e ainda que a reduza abaixo do mínimo legal;

d) a exclusão da causa de aumento de pena decorrente da transnacionalidade do delito, por configurar bis in idem;

e) a aplicação da causa de diminuição, prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, em seu patamar máximo;

f) a fixação de regime mais brando para início do cumprimento de pena, nos termos do art. 33 do Código Penal;

g) a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos;

h) a exclusão da pena de multa;

I) a concessão do direito de recorrer em liberdade.

j) a expedição de ofício ao Ministério da Justiça, Receita Federal e Ministério do Trabalho e Emprego para expedição de RNE, CPF, CTPS ou documento equivalente.

Contrarrazões do Ministério Público Federal (fls. 231/246), nas quais requer o desprovimento do recurso interposto pela defesa dos réus.

Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República, em seu parecer (fls. 254/264-v), opina pelo parcial provimento do recurso interposto pela defesa de ambos os réus, reconhecendo-lhes a aplicabilidade do art. 33, § 4º, em seu mínimo legal, mantendo-se, no mais, a sentença recorrida.

Feito submetido à revisão, conforme previsão regimental.



JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007929-55.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.007929-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : TOCHUKWU JOHN OKONKWO reu preso
: LAWRENCE ECHEZONA NWAFOR reu preso
ADVOGADO : FERNANDO DE SOUZA CARVALHO (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00079295520114036119 6 Vr GUARULHOS/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Prejudicado o pedido de concessão do direito de recorrer em liberdade, em razão do julgamento do presente recurso.

Os apelantes foram presos em flagrante, tendo permanecido nesta condição durante a ação penal, sendo afinal condenados pela r. sentença recorrida. Portanto, preso deve permanecer, pois, além do art. 44 da Lei n.º 11.343/06 vedar a concessão da liberdade provisória, também se encontram preenchidos os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, pois sua condição de estrangeiro, que praticou crime no território nacional, é incompatível com a medida, haja vista não possuir vínculo familiar e laboral no país.

A materialidade do delito restou demonstrada pelo auto de apresentação e apreensão (fls. 34/35), pelo laudo preliminar de constatação (fls. 10 e 11) e pelo laudo de exame de substância definitivo (fls. 130/141), os quais atestam que a substância apreendida, com ambos os apelantes, por ocasião do flagrante, trata-se de cocaína.

Como bem salientado pelo Ministério Público Federal, em seu parecer (fls. 255):


"Por seu turno, nada mais absurda a alegação da defesa que questiona a materialidade delitiva, em virtude da não submissão da totalidade da substância apreendida em posse dos acusados, ao passar a exame tão somente de 8g e 10g.
A perícia técnica limita-se a pequena quantidade extraída de seu total pela simples inviabilidade de se remeter todo o produto ilícito para exame. Essa exigência inevitavelmente comprometeria a razoável duração do processo, uma vez que a perícia completa da substância apreendida naturalmente demandaria tempo considerável para conclusão, sendo certo que, encontrado o produto da perícia nas mesmas circunstâncias do restante, com idênticas características de odor e aspecto, razão não há para questionamento. A apreensão das 958g e 1396g de cocaína foram devidamente relatadas em Auto de Apreensão, relatando que encontravam-se acondicionadas em 50 e 78 cápsulas ingeridas por cada um dos acusados, dos quais constou a assinatura dos réus, do intérprete e de mais de uma testemunha, inexistindo motivos idôneos para questionar-se esse ponto."

A autoria e o dolo restaram claros e demonstrados. Os apelantes, no dia 2 de agosto de 2011, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos, foram presos em flagrante, trazendo em seus estômagos, o primeiro 50 (cinqüenta) cápsulas e o segundo 78 (setenta e oito) cápsulas de cocaína.

O argumento de que os apelantes "passavam por necessidades financeiras e pessoais graves incluindo dívidas, desemprego, falta de condições mínimas de subsistência, problemas sérios de familiares próximos e somente praticaram a infração penal para ao menos atenuar tal situação precária", não prospera.

Os apelantes poderima ter se valido de outros meios lícitos para sanar essa suposta dificuldade financeira, que sequer ficou comprovada nos autos.

E ainda que houvesse a comprovação da alegação de dificuldades financeiras, tal fato não seria hábil para justificar a prática de um ilícito de tamanha gravidade (tráfico internacional de entorpecentes) e ilidir a responsabilização criminal, já que ingressar no mundo do crime não é solução acertada, honrosa, digna para resolver problemas econômicos.

Para fazer jus à excusa do estado de necessidade, é imprescindível que o agente se encontre diante de uma "situação de perigo atual", que tenha gerado a "inevitabilidade da conduta lesiva". E no presente caso, além de tais requisitos não estarem comprovados, é certo que existem inúmeros caminhos lícitos de suprir ou amenizar problemas financeiros, sem necessitar partir para a criminalidade. Contudo, o apelante optou pelo chamado commodus discessus, a saída cômoda, preferindo auferir proventos de maneira fácil, adentrando no repugnante mundo do crime, cometendo tráfico internacional de entorpecentes.

Por sua vez, o "estado de necessidade exculpante", defendido pela teoria diferenciadora e de divergente aceitação doutrinária e jurisprudencial, é fundamentado na inexigibilidade de conduta diversa, requisito sem o qual inexiste culpabilidade. Seus adeptos pregam que se for sacrificado um bem de valor maior ao preservado, deve ser analisado o perfil subjetivo do agente e perquirido se diante de seus atributos pessoais era possível ou não lhe exigir conduta diversa da perpetrada. Em caso negativo, exclui-se a culpabilidade com base no estado de necessidade exculpante. Se, no entanto, era de se lhe exigir outro comportamento, subsiste a punição do crime, podendo o magistrado reduzir a pena. Contudo, nosso ordenamento jurídico adotou a teoria unitária, e assim, ou se trata de causa excludente da ilicitude ou de causa de diminuição de pena. E ainda que assim não fosse, melhor sorte não restaria à defesa, tendo em vista que a prática de tráfico internacional de entorpecentes não era a única alternativa de sobrevivência dos apelantes (ACR 26478, Proc. 2006.61.19.003619-1, rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo, DJF3 CJ1 - 26.08.09, pág. 83).

Inafastável, portanto, a condenação dos apelantes, bem como inaplicável o estado de necessidade exculpante para fins de diminuição da pena, ou mesmo aplicação de atenuante genérica.

A internacionalidade da atividade de traficância com o exterior resta configurada, seja quando o tóxico venha para o Brasil, seja quando esteja em vias de ser exportado, como é o caso dos autos, em que os apelantes foram presos em flagrante, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos, transportando cocaína dentro de seus estômagos. "A internacionalidade do tráfico de entorpecentes fica caracterizada quando provada a intenção do agente de levar a droga para o exterior, independentemente da ação ter sido obstada momentos antes do embarque." (Processo n.º 2006.61.19.007014-9, Rel. Des. Fed. Vesna Kolmar, DJF3 17.11.08).

Portanto, não há como afastar a condenação dos apelantes pela prática do delito de tráfico internacional de entorpecentes.

Passemos à dosimetria da pena.

Na primeira fase da dosimetria, a pena-base de ambos os apelantes foi fixada acima do mínimo legal, ou seja, em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão, por entender o magistrado sentenciante que: "A culpabilidade é acentuada e a personalidade mostra temeridade direcionada ao crime, pois a ingestão e introdução de cápsulas e entorpecentes no próprio organismo é fato que sempre indica que o agente está disposto a levar a empreitada criminosa às últimas conseqüências, expondo-se até mesmo ao risco de morte, diante a possibilidade de rompimento dos invólucros."

O risco de dano à sociedade é indissociável do próprio resultado do crime de tráfico de entorpecentes, já ponderado pelo legislador quando da cominação da pena em abstrato, constituindo, portanto, circunstância indissociável ao tipo penal em exame.

Entendo que o modo como os apelantes transportavam a cocaína, qual seja, através da ingestão de cápsulas dessa substância entorpecente, transformando-os em mero compartimento de carga, com riscos à própria vida, é fato que ao invés de gerar maior censura social, a minora.


Nesse sentido, decisão do Tribunal Regional da 4º Região:


"PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. TRANSNACIONALIDADE. CIRCUNSTÂNCAIS JUDICICIAS. CULPABILIDADE. PERSONALIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. INDEVIDA VALORAÇÃO. MINORANTE DO ART. 33, § 4º DA NOVA LEI DE TRÁFICO. CABIMENTO. 1. Materialidade e autoria do delito do artigo 33 da Lei n.º 11.343/06 comprovadas de acordo com as provas dos autos, que demonstram ter sido o réu o responsável pelo transporte do entorpecente ingerido (cocaína). 2. Reconhecida a transnacionalidade do tráfico, em razão de ter sido a droga trazida do estrangeiro. 3. A ingestão da droga, transformando a pessoa agente em mero compartimento de carga, com riscos à própria vida, é fato que ao invés de gerar maior censura social, a minora. 4. Não é de ser valorada a personalidade como desvirtuada, para o cálculo da pena-base pelo delito de tráfico, em razão de suposta prática de mesmo delito, com base apenas em confissão extrajudicial de o réu já haver praticado o mesmo fato. 5. A quantia de 1000 (mil gramas) de cocaína, embora até elevada, não é suficiente para o trato como anormal das circunstâncias de crimes de tráfico, a justificar a pretendida majoração da pena. 6. A transnacionalidade do crime de tráfico não pode elevar a pena-base do crime, por sua já incidência como majorante, prevista no art. 40, I, da Lei nº 11.343/06, sob pena de indevido "bis in idem". 7. A ação como "mula" de quadrilha organizada, embora sem comprovada inserção do agente no grupo, ao par de confessada - mas não provada - reincidência no crime, autoriza a incidência da minorante do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, na fração de metade da pena. 8. Presentes indicadores de envolvimento do réu em crimes de organização criminosa, para a qual serviu de "mula", com indícios de reiteração, mesmo inaptos à condenação servem para valorar pela metade a minorante do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06" (ACR 200970020029050 - Rel. Des. Fed. Néfi Cordeiro - D. E 13/01/2010) Grifei.

Assim, tem-se que os apelantes são primários e não ostentam maus antecedentes, bem como as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não lhe são desfavoráveis. A quantidade de cocaína (878g e 1.208g), não considerada de grande monta para os padrões de tráfico internacional, não justifica a majoração da pena-base, que, para ambos os réus, deve ser fixada no mínimo legal, ou seja, em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.

Na segunda fase da dosimetria da pena, o magistrado sentenciante reconheceu a atenuante da confissão, pois levada em conta como elemento para a condenação.

Realmente, extrai-se dos autos que o Juízo de 1º grau alicerçou a sentença condenatória, dentre outros elementos, na confissão dos réus.

A confissão do acusado, porque espontânea, ou seja, sem a intervenção de fatores externos, autoriza o reconhecimento da atenuante genérica, inclusive porque foi utilizada como um dos fundamentos da condenação.

Nessa esteira, colaciono o seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça:"(...) Se a confissão judicial é um dos fundamentos da condenação, a atenuante prevista no art.65, inciso III, alínea d, do Código Penal, deve ser aplicada"( HC 70437/RJ, Rel.Min.Felix Fischer, DJ 17.09.07,p.314).

Ressalte-se, ainda, que o fato de os apelantes somente terem confessado após serem presos em flagrante, transportando cocaína dentro de seus estômagos, não tem o condão de afastar o reconhecimento da atenuante, direito subjetivo do réu que confessa os fatos, uma vez que havia alternativas disponíveis aos acusados, como o direito constitucional de permanecer calado, podendo, inclusive, 'inventar' qualquer estória para justificar a alegação ignorância a respeito da existência da droga, como fazem certos acusados, mesmo quando presos em flagrante delito. Contudo, optaram por dizer a verdade, colaborando com a Justiça. Essa conduta é incentivada e premiada pelo legislador ao considerá-la como fator atenuante na individualização da sanção penal.

Ressalte-se, ainda, que o fato de se alegar excludente de ilicitude ou culpabilidade não afasta o reconhecimento dessa atenuante, pois a confissão do fato delituoso foi realizada, cabendo ao magistrado avaliar se há causa bastante para exclusão da ilicitude ou da culpabilidade. Nesse sentido, decisão também do Superior Tribunal de Justiça:


"PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 129 DO CÓDIGO PENAL. CONDENAÇÃO. ALEGAÇÃO DE LEGÍTIMA DEFESA. NECESSIDADE DE AMPLA DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. DOSIMETRIA DA PENA. FUNDAMENTAÇÃO. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. PROVA PARA A CONDENAÇÃO. OBRIGATORIEDADE DE SUA INCIDÊNCIA.
(...)
V - Se a confissão espontânea do paciente alicerçou o decreto condenatório, é de ser reconhecido o benefício da atenuante do art. 65, III, alínea "d", do CP. Não afasta a sua incidência o fato de o réu, a par de confessar, ter alegado que agiu em legítima defesa (Precedentes). Writ parcialmente concedido" (HC 87930, Rel. Min. Félix Fischer - DJ 12.11.07). grifei.

Assim, conquanto entenda que há em benefício dos apelantes a atenuante da confissão espontânea, nos termos do artigo 65, III, alínea "d" do Código Penal, que já foi admitida na sentença apelada, tal reconhecimento não influirá na definição da pena que não pode ficar aquém do mínimo, consoante preconizado na Súmula 231 do STJ.

Na terceira fase de aplicação da pena, verifico que o juiz de primeiro grau fez incidir, com acerto, a causa de aumento da internacionalidade (art. 40, inciso I, da Lei 11.343/06), no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), pois presente uma única causa de aumento.

Nesse sentido, decisão desta Corte: "(...) O emprego do acréscimo de 2/3 (dois terços) decorrente da internacionalidade do tráfico é nitidamente excessivo, eis que presente uma única causa de aumento, devendo o percentual de majoração ser reduzido ao mínimo legal. Na esteira do entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, há de se admitir a retroatividade benéfica do artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06, que abriga o percentual mínimo de 1/6 (um sexto), resultando a pena privativa de liberdade definitivamente fixada em 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão, e a pena pecuniária em 77 (setenta e sete) dias-multa, mantido o valor unitário mínimo." (ACR 2005.61.19.0069763, rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo, DJF3 27.05.10) grifei.

A defesa requer a exclusão dessa causa de aumento decorrente da internacionalidade do delito, por entender que o verbo "exportar", constante no art. 33 da Lei n.º 11.343/06, já é elemento do tipo e, portanto, não pode ser considerado novamente para fins de majoração da pena, na terceira fase da dosimetria da pena, sob pena de se configurar o bis in idem.

Não há que se falar em bis in idem, pois o legislador, em observância aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena, distinguiu o tráfico realizado dentro do território nacional, entre Municípios ou Estados, e aquele que ocorre entre diferentes países, pretendendo, desta forma, punir mais severamente este último, já que afeta o interesse de mais de um país.

Ademais, a conduta imputada aos réus foi a de "trazer consigo" e não a de "exportar", mais uma razão pela qual não há como deixar de fazer incidir a majorante da internacionalidade, prevista no art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06.

Sendo assim, a pena dos réus devem ser majoradas em 1/6 (um sexto), passando a ser fixada em 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.

Ainda na terceira fase de aplicação da pena, o magistrado sentenciante deixou de aplicar a causa de diminuição prevista no artigo 33, §4º, da Lei n.º 11.343/06, para ambos os réus.

Referido artigo 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, prevê a redução de 1/6 a 2/3 para o agente que seja primário, possua bons antecedentes e não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa.

O dispositivo foi criado a fim de facultar ao julgador ajustar a aplicação e a individualização da pena às múltiplas condutas envolvidas no tráfico de drogas, notadamente o internacional, porquanto não seria razoável tratar o traficante primário, ou mesmo as "mulas", com a mesma carga punitiva a ser aplicada aos principais responsáveis pela organização criminosa que atuam na prática deste ilícito penal.

Do fato puro e simples de determinada pessoa servir como "mula" para o transporte de droga não é possível, por si só, inferir a inaplicabilidade da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei 11.342/2006, por supostamente integrar organização criminosa.

Tochukwu John Okonkwo e Lawence Echezona Nwafor são primários e não ostentam maus antecedentes. Não há prova nos autos de que se dedicam a atividades criminosas, nem elementos para concluir que integram organização criminosa, apesar de encarregados do transporte da droga. Ademais, caberia à acusação fazer tal comprovação, o que não ocorreu no caso dos autos. Certamente, estava transportando a droga para bando criminoso internacional, o que não significa, porém, que fosse integrante dele.

Ademais, como bem ressaltado pelo próprio Ministério Público Federal, em seu parecer (fls. 257-v/258):


"Os réus são primários, não ostentam maus antecedentes e não há provas suficientes de que estejam inseridos em organização criminosa internacional, sendo assim, por satisfazer a todos os requisitos, fazem jus à benesse.
Vale ressaltar que por integração a organização criminosa deve-se entender a participação estável (que não se confunde com permanente) do agente em grupo que se dedica habitualmente ao crime, com tarefas previamente determinadas para cada um dos seus integrantes, que, assim, convergem suas vontades para a concretização do objetivo criminoso.
Verifica-se, assim, que a causa de diminuição de pena prevista no referido dispositivo da Lei de Drogas contempla as pessoas que incorreram na conduta delitiva por uma fraqueza passageira e que não possuem envolvimento com as organizações criminosas que tanto se quer combater. Por tal razão que o artigo 33, § 4º, é aplicável aos traficantes de primeira viagem, que não integram ou colaboram de alguma forma com organização criminosa, ou seja, traficantes contratados unicamente para transportar para venda de substância entorpecente.
Oportuno reiterar que não há elementos suficientes que demonstrem que os réus integrem organização criminosa, restando comprovado, pelo contrário, que agiram a mando de terceiros, características das "mulas". A acusação, por seu turno, não se desincumbiu em demonstrar por meio de elementos robustos que a sua atuação extrapolava essa mera condição.
Nesse diapasão, é necessário reconhecer a presença dos requisitos trazidos pelo art. 33, § 4º da Lei 11.343/06, devendo, por conseguinte, ser aplicada a causa de diminuição de pena no caso em tela.
Destaque-se, no entanto, que o patamar da diminuição deve permanecer no mínimo legal de 1/6, revelando-se inconteste que os acusados figuraram em organização criminosa de forma eventual, na medida em que realizaram o transporte de droga a mando de terceiros.
(...)
Por essas razões, é necessário reconhecer a presença dos requisitos trazidos pelo art. 33, § 4º da Lei 11.343/06 para os réus, devendo, por conseguinte, lhes ser aplicada a causa de diminuição em seu mínimo legal."

Sendo assim, fazem jus à aplicação da causa de redução de pena, prevista no § 4º do art. 33 da Lei n.º 11.343/06, entretanto, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), devido às circunstâncias objetivas e subjetivas do caso concreto em que, apesar de terem aceitado transportar a droga, a mando de terceiros, alegaram que somente o fizeram em razão de dificuldade financeira.

Reduzindo-se, portanto, as penas em 1/6 (um sexto), as mesmas passam a ser fixadas em 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 486 (quatrocentos e oitenta e seis) dias-multa, no valor mínimo legal.

Considerando que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus n.º 111840, em 27 de junho de 2012, deferiu, por maioria, a ordem e declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, deve ser fixado o regime inicial semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, "b", do Código Penal.

Já o pleito da defesa, concernente ao reconhecimento incidental da inconstitucionalidade da pena de multa, é totalmente descabido. Isso porque se o apelante foi condenado pela prática do delito tipificado no art. 33 da Lei n.º 11.343/06, deve incidir nas penas nele cominadas, quais sejam, pena privativa de liberdade, cumulativamente, com a pena de multa.

Trata-se, portanto, de elemento inerente ao tipo penal que não pode deixar de ser aplicado pelo magistrado em razão de eventual estado de miserabilidade do acusado.

Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, uma vez que não se encontram preenchidos os requisitos do art. 44 do Código Penal, pois a pena privativa de liberdade supera 4 (quatro) anos de reclusão.

Por fim, requer a defesa a expedição de ofício ao Ministério da Justiça, Receita Federal e Ministério do Trabalho e Emprego para expedição de RNE, CPF, CTPS ou documento equivalente. Entretanto, tal requerimento deve ser dirigido ao Juízo de Primeiro Grau, em momento oportuno, pois não se trata de matéria a ser decidida em sede de apelação.

Oficie-e ao Ministério da Justiça para que instaure ou dê continuidade ao processo de expulsão dos condenados.

Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso da defesa de TOCHUKWU JOHN OKONKWO e LAWRENCE ECHEZONA NWAFOR para, reduzindo a pena-base para o mínimo legal, bem como aplicando a causa de diminuição, prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), fixar a pena definitiva de ambos em 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, no regime inicial semiaberto, e 486 (quatrocentos e oitenta e seis) dias-multa, no valor mínimo legal.

É o voto.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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