D.E. Publicado em 15/01/2013 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar parcial provimento ao recurso da defesa de TOCHUKWU JOHN OKONKWO e LAWRENCE ECHEZONA NWAFOR para, reduzindo a pena-base para o mínimo legal, bem como aplicando a causa de diminuição, prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), fixar a pena definitiva de ambos em 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, no regime inicial semiaberto, e 486 (quatrocentos e oitenta e seis) dias-multa, no valor mínimo legal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, acompanhado pelo voto do Juiz Federal Convocado PAULO DOMINGUES, vencido o Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA, que negava provimento à apelação.¶
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VOTO VENCIDO
O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA:
Trata-se de apelação da Defesa contra a sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal de Guarulhos/SP, que condenou TOCHUKWU JOHN OKONKWO e LAWRENCE ECHEZONA NWAFOR às penas de 6 anos, 1 mês e 15 dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 550 dias-multa cada um, como incursos no artigo 33, caput, c.c. artigo 40, I, da Lei 11.343/2006.
O feito foi levado a julgamento na sessão de 27/11/2012. Em seu voto, o E. Relator Desembargador Federal José Lunardelli deu parcial provimento ao recurso da defesa para, reduzindo a pena-base para o mínimo legal, bem como aplicando a causa de diminuição, prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), fixar a pena definitiva de ambos em 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, no regime inicial semiaberto, e 486 (quatrocentos e oitenta e seis) dias-multa, no valor mínimo legal, no que foi acompanhado pelo E. Juiz Federal Convocado Paulo Domingues.
Acompanhei o E. Relator, pelas razões expendidas no seu voto, para negar provimento ao recurso da defesa quanto às alegações de ausência de materialidade, estado de necessidade, afastamento da internacionalidade delitiva, afastamento da pena de multa e pedido de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Com a devida vênia, ousei divergir da douta maioria quanto à redução da pena-base, à incidência da circunstância atenuante da confissão e da causa de diminuição de pena do artigo 33, §4º da Lei de Drogas, e à fixação do regime semiaberto, negando provimento ao apelo da defesa.
Passo a expor as razões da divergência.
Da pena-base: a sentença apelada fixou a pena-base de cada acusado em 5 anos e 6 (seis) meses de reclusão.
O artigo 42 da Lei 11.343/2006 estabelece expressamente que, no crime de tráfico de drogas, a natureza e a quantidade da substância, a personalidade e a conduta social do agente devem ser considerados na fixação das penas, com preponderância sobre o previsto no artigo 59 do Código Penal. Saliente-se que o objeto jurídico tutelado no crime de tráfico de entorpecente é a saúde pública e, portanto, quanto maior a quantidade da droga traficada maior o potencial lesivo e o perigo de dano à saúde pública, a justificar uma maior reprovabilidade da conduta empreendida e, conseqüentemente, a elevação da pena-base.
Nesse sentido situa-se a orientação do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
Dessa foram, verifico que a potencialidade lesiva inerente à natureza da droga apreendida, aliada à expressiva quantidade (878 gramas de cocaína com Tochukwu e 1.208,8 gramas com Lawrence) justificam a exasperação da pena-base além do patamar mínimo.
Além disso, observo que o fato do réu dispor-se a ingerir as cápsulas com cocaína revela culpabilidade mais acentuada, que também justifica a majoração da pena-base.
Com efeito, o agente que se submete ao procedimento desagradável da ingestão das cápsulas, para transportar a droga dentro de seu próprio aparelho digestivo, o que pode eventualmente resultar na própria morte em caso de rompimento, revela que está disposto correr altíssimos riscos a fim de obter sucesso na empreitada criminosa.
Tal conduta, que ainda dificulta a atuação das autoridades encarregadas da fiscalização aeroportuária, merece sem dúvida maior censurabilidade do que a conduta do agente que simplesmente transporta a droga em sua própria bagagem ou roupas.
Nesse sentido, aponto precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
Dessa forma, não comporta provimento o apelo neste ponto, devendo ser mantida a sentença que fixou a pena-base pouco acima do mínimo legal, em 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusão.
Na segunda fase da dosimetria da pena, entendo ser incabível a aplicação da atenuante da confissão espontânea, prevista no artigo 65, inciso III, alínea "d" do Código Penal, pois embora os réus tenham admitido o transporte da droga, atribuiram a conduta às dificuldades financeiras enfrentadas.
A circunstância atenuante da confissão espontânea não incide nos casos em que o réu, embora admitindo como verdadeiros os fatos narrados na denúncia, alega a ocorrência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade, posto que, ao assim agir, não está confessando a autoria de crime algum. Nesse sentido, aponto precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
Portanto, não caracterizada a confissão espontânea, para o fim de minorar-se a pena. Contudo, em virtude da ausência de recurso da acusação e da proibição da reformatio in pejus, é de ser mantida a incidência da circunstância, tal como lançada na sentença, resultando em 05 anos e 03 meses de reclusão.
Quanto à causa de diminuição de pena do traficante ocasional, observo que dispõe o artigo §4° do artigo 33 da Lei 11.343/2006 sobre a possibilidade de redução da pena no crime de tráfico de drogas, de um sexto a dois terços, "desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa".
Tais requisitos são exigíveis cumulativamente e, portanto, a ausência de qualquer deles implica a inexistência de direito ao benefício da diminuição da pena.
Não me parece que o citado §4° do artigo 33 da Lei n° 11.343/06 deva ser interpretado de modo a possibilitar a sua aplicação às assim chamadas "mulas" do tráfico de drogas, porquanto tal interpretação favoreceria sobremaneira a operação das organizações criminosas voltadas para o tráfico internacional, o que certamente contraria a finalidade do citado diploma legal, que visa à repressão dessa atividade.
A atividade daquele que age como "mula", transportando a droga de sua origem ao destino, na verdade pressupõe a existência de uma organização criminosa, com diversos membros, cada qual com funções específicas. Quem transporta a droga em sua bagagem, ou em seu corpo, cumpre uma função dentro de um esquema maior, que pressupõe alguém para comprar, ou de alguma forma obter a droga na origem, e alguém para recebê-la no destino, e providenciar a sua comercialização.
Se aquele que atua como "mula" desconhece quem sejam os integrantes da organização criminosa - circunstância que não põe esta em risco de ser desmantelada - e foi aliciado de forma aleatória, fortuita e sem qualquer perspectiva de ingressar na "associação criminosa", muitas vezes em face da situação de miserabilidade econômica e social em que se encontra, outras em razão da ganância pelo lucro fácil, não há como se entender que faça parte do grupo criminoso, no sentido de organização. Mas o certo é que é contratado por uma organização criminosa para servir como portador da droga e, portanto, integra essa organização.
Acresce-se que não se exige o requisito da estabilidade na integração à associação criminosa; se existente tal estabilidade ou permanência nessa integração, estaria o agente cometendo outro crime, qual seja, o de associação para o tráfico, tipificado no artigo 35 da Lei nº 11.343/2006, em concurso material com o crime de tráfico, tipificado no artigo 33 do mesmo diploma legal.
E, ainda que se entenda que o traficante que atue como "mula" não integra a organização criminosa, é certo que o benefício não alcança aqueles que se dedicam à atividades criminosas, ou seja, aqueles que se ocupam do tráfico, como meio de subsistência, ainda que de forma não habitual.
Se o agente, sem condições econômicas próprias, dispende vários dias de viagem, para obter a droga, e dirigir-se ao exterior, com promessa de pagamento pelo serviço de transporte, sem que comprove ter outro meio de subsistência, forçoso é concluir que faz do tráfico o seu meio de subsistência, não fazendo jus portanto à aplicação da causa de diminuição da pena.
Nesse sentido aponto precedentes do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e desta primeira Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região:
No caso dos autos há elementos que permitem concluir que os réus dedicavam-se a atividades criminosas: a quantidade da droga apreendida (878 gramas e 1.208,8 gramas de cocaína); a inexistência de prova de ocupação lícita; o fato de haverem confessado que tinham sido contratados para o transporte da droga, mediante pagamento de 2.500 dólares americanos para cada um, tendo inclusive Lawrence vindo ao Brasil unicamente para realizar a empreitada criminosa e ficado neste país à disposição e às expensas dos traficantes contratantes, conforme relato em interrogatório judicial, constante da sentença (fls. 190v.).
Todas essas circunstâncias conduzem à conclusão de que os réus integravam organização criminosa ou, caso assim não se entenda, que dedicavam-se a atividades criminosas, e portanto não fazem jus à causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4° da Lei n° 11.343/06.
Assim, é de ser mantida a sentença, que na primeira fase da dosimetria fixou a pena-base em 05 anos e 06 meses de reclusão; na segunda fase, reduziu a pena em 3 meses por conta da atenuante da confissão espontânea; e na terceira fase aumentou a pena em 1/6 (um sexto) por força da causa de aumento da transnacionalidade, resultando a pena definitiva de 06 (seis) anos, 01 (um) mês e 15 (quinze) dias de reclusão e pagamento 550(seiscentos e quarenta e um) dias-multa, mantido o valor unitário mínimo.
Quanto ao regime inicial de cumprimento da pena, observo que vinha sustentando entendimento no sentido de que o estabelecimento de regime inicial aberto ou semiaberto não se mostra compatível com a condenação por crime de tráfico ilícito de entorpecentes, dada a equiparação do tráfico aos delitos hediondos.
E assim o fazia por entender que tanto o legislador constituinte (artigo 5º, inciso XLIII) quanto o legislador infraconstitucional (Lei nº 8.072/1990) dispensaram tratamento mais rigoroso na repressão ao crime de tráfico ilícito de entorpecentes, sendo portanto lícito o estabelecimento de regime inicial mais gravoso para cumprimento da pena, na esteira de precedentes do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região: STF, 1ª Turma, RHC 108011/RJ, Rel.Min. Luiz Fux, j. 06/09/2011, DJe 30/09/2011; STF, 2ª Turma, HC 103011/RN, Rel.Min. Ellen Gracie, j. 24/08/2010, DJe 09/09/2010; STF, 2ª Turma, HC 91360/SP, Rel.Min. Joaquim Barbosa, j. 13/05/2008, DJe 19/06/2008; STJ, 5ª Turma, HC 226379/SP, Rel.Min. Jorge Mussi, j. 24/04/2012, DJe 08/05/2012; TRF 3ª Região, 1ª Turma, HC 0001433-97.2012.403.0000, Rel. Des.Fed. Johonsom di Salvo, j. 06/03/2012, DJe 16/03/2012.
Contudo, não me é dado desconhecer que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do §1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/1990, na redação dada pela Lei nº 11.464/2007, que estabelecia o regime inicial fechado para cumprimento da pena para os condenados por crime de tráfico de drogas: HC 111840/ES, rel. Min. Dias Toffoli, 27.6.2012. (HC-111840), Informativo STF nº 672.
No caso dos autos, o entendimento pela inconstitucionalidade do referido dispositivo legal firmado pelo STF, não beneficia o réu. Isso porque apesar do regime inicial ser estabelecido, a princípio, em função da quantidade da pena, nos termos do §2º do artigo 33 do Código Penal, o §3º do citado dispositivo estabelece que "a determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código".
E, no caso dos autos, foram consideradas desfavoráveis as circunstâncias do artigo 59 do CP c/c artigo 42 da Lei nº 11.343/2006, em relação às conseqüências do crime e culpabilidade dos agentes, fixando a pena-base em patamar superior ao mínimo legal (05 anos e 6 meses de reclusão).
Dessa forma, não obstante a pena final de 6 anos, 1 mês e 15 dias de reclusão, é de ser mantido o regime inicial fechado.
Pelo exposto, pelo meu voto nego provimento à apelação.
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RELATÓRIO
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Trata-se de Apelações Criminais interpostas pelos réus TOCHUKWU JOHN OKONKWO e LAWRENCE ECHEZONA NWAFOR contra a r. sentença de fls. 189/199-v, que julgou parcialmente procedente o pedido da denúncia (recebida em 22.08.2011 - fls. 74/75), para condenar ambos como incurso no art. 33, caput, c.c art. 40, inciso I, todos da Lei n.º 11.343/06, a uma pena de 6 (seis) anos, 1 (um) mês e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e pagamento de 550 (quinhentos e cinquenta) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos, porque, no dia 2 de agosto de 2011, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos, foram presos em flagrante, trazendo em seus estômagos, o primeiro 50 (cinqüenta) cápsulas, com massa líquida de 878g (oitocentos e setenta e oito gramas) de cocaína, e o segundo 78 (setenta e oito) cápsulas, com peso líquido de 1208,8g (mil, duzentos e oito gramas e oito décimos) de cocaína.
Apela a Defensoria Pública da União, na defesa de ambos os réus, em cujas razões recursais (fls. 213/229-v) pleiteia, em síntese:
a) a absolvição dos apelantes por falta de provas da materialidade, ou porque praticaram o delito em estado de necessidade exculpante, ou, ainda, pelo princípio da eventualidade, que se reconheça como causa de redução de pena ou como atenuante genérica;
b) a fixação da pena-base no mínimo legal;
c) a aplicação da atenuante da confissão em, pelo menos, 1/6 (um sexto) e ainda que a reduza abaixo do mínimo legal;
d) a exclusão da causa de aumento de pena decorrente da transnacionalidade do delito, por configurar bis in idem;
e) a aplicação da causa de diminuição, prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, em seu patamar máximo;
f) a fixação de regime mais brando para início do cumprimento de pena, nos termos do art. 33 do Código Penal;
g) a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos;
h) a exclusão da pena de multa;
I) a concessão do direito de recorrer em liberdade.
j) a expedição de ofício ao Ministério da Justiça, Receita Federal e Ministério do Trabalho e Emprego para expedição de RNE, CPF, CTPS ou documento equivalente.
Contrarrazões do Ministério Público Federal (fls. 231/246), nas quais requer o desprovimento do recurso interposto pela defesa dos réus.
Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República, em seu parecer (fls. 254/264-v), opina pelo parcial provimento do recurso interposto pela defesa de ambos os réus, reconhecendo-lhes a aplicabilidade do art. 33, § 4º, em seu mínimo legal, mantendo-se, no mais, a sentença recorrida.
Feito submetido à revisão, conforme previsão regimental.
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VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Prejudicado o pedido de concessão do direito de recorrer em liberdade, em razão do julgamento do presente recurso.
Os apelantes foram presos em flagrante, tendo permanecido nesta condição durante a ação penal, sendo afinal condenados pela r. sentença recorrida. Portanto, preso deve permanecer, pois, além do art. 44 da Lei n.º 11.343/06 vedar a concessão da liberdade provisória, também se encontram preenchidos os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, pois sua condição de estrangeiro, que praticou crime no território nacional, é incompatível com a medida, haja vista não possuir vínculo familiar e laboral no país.
A materialidade do delito restou demonstrada pelo auto de apresentação e apreensão (fls. 34/35), pelo laudo preliminar de constatação (fls. 10 e 11) e pelo laudo de exame de substância definitivo (fls. 130/141), os quais atestam que a substância apreendida, com ambos os apelantes, por ocasião do flagrante, trata-se de cocaína.
Como bem salientado pelo Ministério Público Federal, em seu parecer (fls. 255):
A autoria e o dolo restaram claros e demonstrados. Os apelantes, no dia 2 de agosto de 2011, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos, foram presos em flagrante, trazendo em seus estômagos, o primeiro 50 (cinqüenta) cápsulas e o segundo 78 (setenta e oito) cápsulas de cocaína.
O argumento de que os apelantes "passavam por necessidades financeiras e pessoais graves incluindo dívidas, desemprego, falta de condições mínimas de subsistência, problemas sérios de familiares próximos e somente praticaram a infração penal para ao menos atenuar tal situação precária", não prospera.
Os apelantes poderima ter se valido de outros meios lícitos para sanar essa suposta dificuldade financeira, que sequer ficou comprovada nos autos.
E ainda que houvesse a comprovação da alegação de dificuldades financeiras, tal fato não seria hábil para justificar a prática de um ilícito de tamanha gravidade (tráfico internacional de entorpecentes) e ilidir a responsabilização criminal, já que ingressar no mundo do crime não é solução acertada, honrosa, digna para resolver problemas econômicos.
Para fazer jus à excusa do estado de necessidade, é imprescindível que o agente se encontre diante de uma "situação de perigo atual", que tenha gerado a "inevitabilidade da conduta lesiva". E no presente caso, além de tais requisitos não estarem comprovados, é certo que existem inúmeros caminhos lícitos de suprir ou amenizar problemas financeiros, sem necessitar partir para a criminalidade. Contudo, o apelante optou pelo chamado commodus discessus, a saída cômoda, preferindo auferir proventos de maneira fácil, adentrando no repugnante mundo do crime, cometendo tráfico internacional de entorpecentes.
Por sua vez, o "estado de necessidade exculpante", defendido pela teoria diferenciadora e de divergente aceitação doutrinária e jurisprudencial, é fundamentado na inexigibilidade de conduta diversa, requisito sem o qual inexiste culpabilidade. Seus adeptos pregam que se for sacrificado um bem de valor maior ao preservado, deve ser analisado o perfil subjetivo do agente e perquirido se diante de seus atributos pessoais era possível ou não lhe exigir conduta diversa da perpetrada. Em caso negativo, exclui-se a culpabilidade com base no estado de necessidade exculpante. Se, no entanto, era de se lhe exigir outro comportamento, subsiste a punição do crime, podendo o magistrado reduzir a pena. Contudo, nosso ordenamento jurídico adotou a teoria unitária, e assim, ou se trata de causa excludente da ilicitude ou de causa de diminuição de pena. E ainda que assim não fosse, melhor sorte não restaria à defesa, tendo em vista que a prática de tráfico internacional de entorpecentes não era a única alternativa de sobrevivência dos apelantes (ACR 26478, Proc. 2006.61.19.003619-1, rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo, DJF3 CJ1 - 26.08.09, pág. 83).
Inafastável, portanto, a condenação dos apelantes, bem como inaplicável o estado de necessidade exculpante para fins de diminuição da pena, ou mesmo aplicação de atenuante genérica.
A internacionalidade da atividade de traficância com o exterior resta configurada, seja quando o tóxico venha para o Brasil, seja quando esteja em vias de ser exportado, como é o caso dos autos, em que os apelantes foram presos em flagrante, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos, transportando cocaína dentro de seus estômagos. "A internacionalidade do tráfico de entorpecentes fica caracterizada quando provada a intenção do agente de levar a droga para o exterior, independentemente da ação ter sido obstada momentos antes do embarque." (Processo n.º 2006.61.19.007014-9, Rel. Des. Fed. Vesna Kolmar, DJF3 17.11.08).
Portanto, não há como afastar a condenação dos apelantes pela prática do delito de tráfico internacional de entorpecentes.
Passemos à dosimetria da pena.
Na primeira fase da dosimetria, a pena-base de ambos os apelantes foi fixada acima do mínimo legal, ou seja, em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão, por entender o magistrado sentenciante que: "A culpabilidade é acentuada e a personalidade mostra temeridade direcionada ao crime, pois a ingestão e introdução de cápsulas e entorpecentes no próprio organismo é fato que sempre indica que o agente está disposto a levar a empreitada criminosa às últimas conseqüências, expondo-se até mesmo ao risco de morte, diante a possibilidade de rompimento dos invólucros."
O risco de dano à sociedade é indissociável do próprio resultado do crime de tráfico de entorpecentes, já ponderado pelo legislador quando da cominação da pena em abstrato, constituindo, portanto, circunstância indissociável ao tipo penal em exame.
Entendo que o modo como os apelantes transportavam a cocaína, qual seja, através da ingestão de cápsulas dessa substância entorpecente, transformando-os em mero compartimento de carga, com riscos à própria vida, é fato que ao invés de gerar maior censura social, a minora.
Nesse sentido, decisão do Tribunal Regional da 4º Região:
Assim, tem-se que os apelantes são primários e não ostentam maus antecedentes, bem como as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não lhe são desfavoráveis. A quantidade de cocaína (878g e 1.208g), não considerada de grande monta para os padrões de tráfico internacional, não justifica a majoração da pena-base, que, para ambos os réus, deve ser fixada no mínimo legal, ou seja, em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.
Na segunda fase da dosimetria da pena, o magistrado sentenciante reconheceu a atenuante da confissão, pois levada em conta como elemento para a condenação.
Realmente, extrai-se dos autos que o Juízo de 1º grau alicerçou a sentença condenatória, dentre outros elementos, na confissão dos réus.
A confissão do acusado, porque espontânea, ou seja, sem a intervenção de fatores externos, autoriza o reconhecimento da atenuante genérica, inclusive porque foi utilizada como um dos fundamentos da condenação.
Nessa esteira, colaciono o seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça:"(...) Se a confissão judicial é um dos fundamentos da condenação, a atenuante prevista no art.65, inciso III, alínea d, do Código Penal, deve ser aplicada"( HC 70437/RJ, Rel.Min.Felix Fischer, DJ 17.09.07,p.314).
Ressalte-se, ainda, que o fato de os apelantes somente terem confessado após serem presos em flagrante, transportando cocaína dentro de seus estômagos, não tem o condão de afastar o reconhecimento da atenuante, direito subjetivo do réu que confessa os fatos, uma vez que havia alternativas disponíveis aos acusados, como o direito constitucional de permanecer calado, podendo, inclusive, 'inventar' qualquer estória para justificar a alegação ignorância a respeito da existência da droga, como fazem certos acusados, mesmo quando presos em flagrante delito. Contudo, optaram por dizer a verdade, colaborando com a Justiça. Essa conduta é incentivada e premiada pelo legislador ao considerá-la como fator atenuante na individualização da sanção penal.
Ressalte-se, ainda, que o fato de se alegar excludente de ilicitude ou culpabilidade não afasta o reconhecimento dessa atenuante, pois a confissão do fato delituoso foi realizada, cabendo ao magistrado avaliar se há causa bastante para exclusão da ilicitude ou da culpabilidade. Nesse sentido, decisão também do Superior Tribunal de Justiça:
Assim, conquanto entenda que há em benefício dos apelantes a atenuante da confissão espontânea, nos termos do artigo 65, III, alínea "d" do Código Penal, que já foi admitida na sentença apelada, tal reconhecimento não influirá na definição da pena que não pode ficar aquém do mínimo, consoante preconizado na Súmula 231 do STJ.
Na terceira fase de aplicação da pena, verifico que o juiz de primeiro grau fez incidir, com acerto, a causa de aumento da internacionalidade (art. 40, inciso I, da Lei 11.343/06), no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), pois presente uma única causa de aumento.
Nesse sentido, decisão desta Corte: "(...) O emprego do acréscimo de 2/3 (dois terços) decorrente da internacionalidade do tráfico é nitidamente excessivo, eis que presente uma única causa de aumento, devendo o percentual de majoração ser reduzido ao mínimo legal. Na esteira do entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, há de se admitir a retroatividade benéfica do artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06, que abriga o percentual mínimo de 1/6 (um sexto), resultando a pena privativa de liberdade definitivamente fixada em 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão, e a pena pecuniária em 77 (setenta e sete) dias-multa, mantido o valor unitário mínimo." (ACR 2005.61.19.0069763, rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo, DJF3 27.05.10) grifei.
A defesa requer a exclusão dessa causa de aumento decorrente da internacionalidade do delito, por entender que o verbo "exportar", constante no art. 33 da Lei n.º 11.343/06, já é elemento do tipo e, portanto, não pode ser considerado novamente para fins de majoração da pena, na terceira fase da dosimetria da pena, sob pena de se configurar o bis in idem.
Não há que se falar em bis in idem, pois o legislador, em observância aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena, distinguiu o tráfico realizado dentro do território nacional, entre Municípios ou Estados, e aquele que ocorre entre diferentes países, pretendendo, desta forma, punir mais severamente este último, já que afeta o interesse de mais de um país.
Ademais, a conduta imputada aos réus foi a de "trazer consigo" e não a de "exportar", mais uma razão pela qual não há como deixar de fazer incidir a majorante da internacionalidade, prevista no art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06.
Sendo assim, a pena dos réus devem ser majoradas em 1/6 (um sexto), passando a ser fixada em 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.
Ainda na terceira fase de aplicação da pena, o magistrado sentenciante deixou de aplicar a causa de diminuição prevista no artigo 33, §4º, da Lei n.º 11.343/06, para ambos os réus.
Referido artigo 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, prevê a redução de 1/6 a 2/3 para o agente que seja primário, possua bons antecedentes e não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa.
O dispositivo foi criado a fim de facultar ao julgador ajustar a aplicação e a individualização da pena às múltiplas condutas envolvidas no tráfico de drogas, notadamente o internacional, porquanto não seria razoável tratar o traficante primário, ou mesmo as "mulas", com a mesma carga punitiva a ser aplicada aos principais responsáveis pela organização criminosa que atuam na prática deste ilícito penal.
Do fato puro e simples de determinada pessoa servir como "mula" para o transporte de droga não é possível, por si só, inferir a inaplicabilidade da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei 11.342/2006, por supostamente integrar organização criminosa.
Tochukwu John Okonkwo e Lawence Echezona Nwafor são primários e não ostentam maus antecedentes. Não há prova nos autos de que se dedicam a atividades criminosas, nem elementos para concluir que integram organização criminosa, apesar de encarregados do transporte da droga. Ademais, caberia à acusação fazer tal comprovação, o que não ocorreu no caso dos autos. Certamente, estava transportando a droga para bando criminoso internacional, o que não significa, porém, que fosse integrante dele.
Ademais, como bem ressaltado pelo próprio Ministério Público Federal, em seu parecer (fls. 257-v/258):
Sendo assim, fazem jus à aplicação da causa de redução de pena, prevista no § 4º do art. 33 da Lei n.º 11.343/06, entretanto, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), devido às circunstâncias objetivas e subjetivas do caso concreto em que, apesar de terem aceitado transportar a droga, a mando de terceiros, alegaram que somente o fizeram em razão de dificuldade financeira.
Reduzindo-se, portanto, as penas em 1/6 (um sexto), as mesmas passam a ser fixadas em 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 486 (quatrocentos e oitenta e seis) dias-multa, no valor mínimo legal.
Considerando que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus n.º 111840, em 27 de junho de 2012, deferiu, por maioria, a ordem e declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, deve ser fixado o regime inicial semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, "b", do Código Penal.
Já o pleito da defesa, concernente ao reconhecimento incidental da inconstitucionalidade da pena de multa, é totalmente descabido. Isso porque se o apelante foi condenado pela prática do delito tipificado no art. 33 da Lei n.º 11.343/06, deve incidir nas penas nele cominadas, quais sejam, pena privativa de liberdade, cumulativamente, com a pena de multa.
Trata-se, portanto, de elemento inerente ao tipo penal que não pode deixar de ser aplicado pelo magistrado em razão de eventual estado de miserabilidade do acusado.
Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, uma vez que não se encontram preenchidos os requisitos do art. 44 do Código Penal, pois a pena privativa de liberdade supera 4 (quatro) anos de reclusão.
Por fim, requer a defesa a expedição de ofício ao Ministério da Justiça, Receita Federal e Ministério do Trabalho e Emprego para expedição de RNE, CPF, CTPS ou documento equivalente. Entretanto, tal requerimento deve ser dirigido ao Juízo de Primeiro Grau, em momento oportuno, pois não se trata de matéria a ser decidida em sede de apelação.
Oficie-e ao Ministério da Justiça para que instaure ou dê continuidade ao processo de expulsão dos condenados.
Diante do exposto, dou parcial provimento ao recurso da defesa de TOCHUKWU JOHN OKONKWO e LAWRENCE ECHEZONA NWAFOR para, reduzindo a pena-base para o mínimo legal, bem como aplicando a causa de diminuição, prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), fixar a pena definitiva de ambos em 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, no regime inicial semiaberto, e 486 (quatrocentos e oitenta e seis) dias-multa, no valor mínimo legal.
É o voto.
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