Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 24/01/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010253-18.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.010253-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : KEVIN IGBOAMALU ODEH reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00102531820114036119 4 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS: ART. 33, CAPUT, C/C ART. 40, I DA LEI 11.343/06. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. LAUDO PERICIAL ELABORADO EM PARTE DO VOLUME TOTAL DA DROGA: REGULARIDADE: SUBSTÂNCIA INALTERADA: MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA. AUTORIA E DOLO INEQUÍVOCOS. ESTADO DE NECESSIDADE JUSTIFICANTE E EXCULPANTE : REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA: NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA: FUNÇÃO PREDOMINANTE. CIRCUNSTÂNCIAS DO FATO: INGESTÃO: ELEVAÇÃO DA PENA-BASE. CONFISSÃO: PRISÃO EM FLAGRANTE: IRRELEVÂNCIA: FUNDAMENTO DA CONDENAÇÃO: MANUTENÇÃO DA ATENUANTE: "QUANTUM": AUSÊNCIA DE CRITÉRIOS LEGAIS: VALORAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS E PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE, RAZOABILIDADE E SUFICIÊNCIA PARA A PREVENÇÃO E REPRESSÃO DO CRIME. TRANSNACIONALIDADE: CONDUTA DE "EXPORTAR" DROGAS: CAUSA DE AUMENTO DO INC. I DO ART. 40 DA LEI 11.343/06: COMPATIBILIDADE COM O NÚCLEO DO ART. 33 DA LEI 11.343/06: CRIME DE AÇÃO MÚLTIPLA: INEXISTÊNCIA DE "BIS IN IDEM". DISTÂNCIA ENTRE PAÍSES: AUSÊNCIA DE PROVAS DE DISTRIBUIÇÃO DA DROGA POR MAIS DE UM PAIS: APLICAÇÃO DA CAUSA DE AUMENTO DA TRANSNACIONALIDADE NO PATAMAR MÍNIMO. § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/06: INAPLICABILIDADE: "MULA": PROVAS DE ENVOLVIMENTO COM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: EXCLUSÃO DO BENEFÍCIO. PENA DE MULTA: PRECEITO SECUNDÁRIO: LEGALIDADE. MANUTENÇÃO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE: VEDAÇÃO DECORRENTE DE PRECEITO CONSTITUCIONAL E DE LEI ESPECIAL: CF ART. 5º, XLIII, ART. 2º, II, DA LEI 8.072/90, ARTS. 33, § 1º, 34, 37 E 59 DA LEI 11.343/06.
1 . Comprovadas nos autos a materialidade, autoria e dolo do crime previsto no art. 33, caput, c/c o art. 40, I, da Lei 11.343/06 praticado pelo réu, preso em flagrante no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, quando prestes a embarcar em vôo para Casablanca/Marrocos, trazendo consigo, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo, no exterior, 1.110 g. (mil e cento e dez gramas) de cocaína, contida em 73 (setenta e três) cápsulas que havia ingerido.
2 . Os laudos de exame toxicológico não são realizados na totalidade da droga, mas sim em amostras. A cocaína, quando apresentada na forma sólida, não é uma peça única, mas sim um pó, com diversas partículas compactadas. Ainda que ocorra a mistura de outros elementos químicos, a natureza da substância entorpecente não é alterada. Realizada a perícia em parte do volume, extrai-se o resultado para o todo, não se podendo falar em dúvidas acerca da materialidade do crime.
3 . Estado de necessidade não comprovado, quer como causa de exclusão de ilicitude, quer como causa de redução de pena, diante da falta de comprovação da existência de um conflito entre bens igualmente amparados pela lei, em decorrência de uma situação de perigo que o agente não provocou voluntariamente, nem poderia de outro modo evitar, por não se exigir o perecimento do bem do qual o agente é titular. Meras alegações de dificuldades financeiras, cuja gravidade e intensidade não é possível aferir, não são aptas a atrair a aplicação do estado de necessidade .
4 . Condenação mantida.
5 . O julgador, na individualização da pena, deve examinar detidamente os elementos que dizem respeito ao fato, segundo os critérios estabelecidos pelo artigo 59 do CP. No caso de tráfico de drogas, há ainda que observar o artigo 42 da Lei 11.343/06, o qual determina expressamente que o Juiz, na fixação da pena, deve considerar, com preponderância sobre as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do CP, a natureza e quantidade da droga, bem como a personalidade e conduta do agente. Apesar da primariedade e bons antecedentes, o acusado não faz jus à fixação da pena-base no mínimo legal, considerando-se a natureza e quantidade da droga que transportava, bem como as circunstâncias do fato.
6 . Não pode ser considerada pequena a quantidade apreendida nestes autos, se comparada às quantidades normalmente portadas pelo criminoso no tráfico urbano de varejo, quando é vendida diretamente aos consumidores pelos pequenos traficantes. Ainda que o réu, na qualidade de "mula" do tráfico , não decida acerca da quantidade da droga que irá transportar, é inegável que possui consciência, por agir mediante promessa de pagamento, que estava colaborando com a atuação de uma organização voltada ao tráfico de entorpecentes.
7 . A cocaína é tão maléfica ao organismo quanto as demais que são usualmente traficadas, pois vicia facilmente, sendo alta sua lesividade à saúde dos usuários, Por outro lado, a que é normalmente exportada possui grau de pureza altíssimo, sendo misturada a outras substâncias antes da entrega ao consumidor para elevar o rendimento. Pena-base elevada para seis anos de reclusão.
8 . Ainda que o réu seja preso em flagrante e que a autoria criminosa seja conhecida, a atenuante da confissão deve ser mantida quando efetivamente ocorreu e contribuiu para a formação do convencimento do Juiz acerca da autoria delitiva. Precedentes.
9 . Não existem critérios legais para a valoração do "quantum" a ser aplicado em razão das atenuantes, devendo ser consideradas as circunstâncias dos autos e os princípios da proporcionalidade, razoabilidade, necessidade e suficiência para a prevenção e repressão do crime, bem como a relevância probatória da confissão. Mantida a atenuante da confissão espontânea no patamar eleito pelo Juiz. Pena reduzida para cinco anos e seis meses de reclusão.
10 . Não se há de falar que a aplicação da causa de aumento de pena do art. 40, I, da Lei de drogas configura dupla punição pelo mesmo fato ante o argumento de que a conduta de "exportar" está contida no núcleo do art. 33 da Lei 11343/06, que é crime de ação múltipla e prevê a conduta imputada ao réu, a de transportar ou trazer consigo o entorpecente quando estava em vias de embarcar para o exterior.
11. A simples distância entre países não justifica a aplicação da causa de aumento do inciso I do art. 40 da lei de drogas em patamar acima do mínimo, admitindo-se apenas nos casos em que a droga deixe o território nacional para ser distribuída em mais de um país no exterior. O legislador previu, nos incisos desse artigo, uma série de causas de aumento de pena, que justificam um aumento variável de um a dois terços, porém não estabeleceu os parâmetros para a quantificação do percentual. O índice de aumento deve ser calculado de acordo com as circunstâncias especificamente relacionadas com a causa de aumento, (e não às do crime), e variar de acordo com a quantidade de majorantes que estiverem presentes, de forma que na incidência de apenas um inciso não se justifica a elevação do percentual mínimo. Caso em que o réu foi preso com a droga ainda em território brasileiro e, em que pese sua intenção de levá-la a outro continente, não está comprovado que pretendesse difundi-la em mais de um país. Mantida a aplicação da causa de aumento em sexto, elevando a pena para 6 (seis) anos e 5 (cinco) meses de reclusão e 650 (seiscentos e cinqüenta dias-multa, no valor unitário fixado pela sentença.
12 . Excluída a aplicação da causa de redução de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas. Ainda que não se dedique a atividades criminosas e não haja notícias de ter praticado anteriormente algum crime, o réu, ao transportar a droga, integrou, de maneira voluntária, uma estrutura criminosa voltada à prática do tráfico transnacional de drogas, pois promoveu a conexão entre os membros da organização, de forma que não preencheram um dos requisitos necessários para gozar do benefício, que é o de "não integrar organização criminosa".
13 . A imposição de pagamento de pena pecuniária para os crimes não ofende a proibição constitucional de prisão civil por dívida (art. 5º, LXVII, da CF), uma vez que não se está punindo a inadimplência civil, mas sim a prática de um delito. A aplicação da pena pecuniária decorre do preceito secundário expresso no art. 33 da lei de drogas, previsão legal e incondicional, que incide obrigatoriamente em cumulação com a pena privativa de liberdade , independentemente da situação econômica do réu.
14 . Nos termos do art. 51 do CP, a pena de multa é considerada dívida de valor após o trânsito em julgado da condenação, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, de forma que a pena pecuniária prevista no preceito secundário de um tipo penal não pode ser convertida em pena privativa de liberdade caso não seja paga, cabendo sua execução na forma da legislação tributária, razão pela qual não há possibilidades de que a ré permaneça custodiada por período superior ao da condenação. Pena pecuniária fixada em seiscentos e cinquenta dias-multa, no valor unitário estabelecido pela sentença.
15 . Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. A conversão não se mostra como medida social recomendável, diante do estímulo para a prática do tráfico de drogas, crime que causa grave lesão ao bem jurídico tutelado (saúde pública), sendo insuficiente para a prevenção e repressão do delito. Ainda que se admita a substituição das penas pelo fato de os estrangeiros serem iguais aos brasileiros perante a Constituição Federal, para a concessão será necessário que não estejam em situação irregular no país e que nele possuam residência fixa.
16. O Plenário do STF declarou, através do "habeas corpus" 97256, pela via incidental, a inconstitucionalidade da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos" contida no parágrafo 4º do art. 33, da Lei nº 11.343/06, bem como da expressão "vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos", constante do art. 44 da mesma lei. Contudo, a ordem não foi concedida para assegurar ao paciente a imediata substituição, mas sim para remover o óbice contido na Lei 11.343/06, devolvendo ao Juízo das Execuções Criminais a tarefa de auferir o preenchimento das condições objetivas e subjetivas para a concessão.
16 . Caso em que as particularidades do crime não recomendam a substituição, tendo em vista o grau elevado de culpabilidade do réu, com provas contundentes de que participou de uma organização criminosa complexa.
17 . A proibição da liberdade provisória, nos casos de crimes hediondos e assemelhados, decorre da própria proibição de fiança imposta pela CF, art. 5º, XLIII. O art. 2º, II, da Lei nº 8.072/90 nada mais fez do que atender à norma constitucional, ao considerar inafiançáveis os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes definidos como hediondos.
18 . A Lei nº 11.343/2006, que é específica para os crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, no artigo 44 estabelece que os crimes previstos nos artigos 33, caput e § 1º e 34 a 37 são insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória. Dispõe ainda o artigo 59 da mesma lei que, nos crimes de tráfico , o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória. Contudo, não tem o direito de recorrer em liberdade o acusado que permaneceu justificadamente preso durante a instrução criminal, por força de prisão em flagrante ou preventiva, ainda que seja primário e de bons antecedentes. Sobrevindo sentença penal condenatória, um de seus efeitos é a manutenção da custódia do réu para apelar, o que não constitui ofensa à garantia constitucional da presunção de inocência, nos termos da Súmula 09 do STJ, de forma que eventuais condições favoráveis do agente, como primariedade e bons antecedentes, não são garantidoras de direito subjetivo à liberdade provisória, quando outros elementos recomendam a prisão.
19 . A vigência da Lei nº 11.464/07, que deu nova redação ao artigo 2º, II, da Lei 8.702/90 afastando a vedação à liberdade provisória aos crimes equiparados a hediondos, não revogou o disposto no artigo 44 da lei 11.343/06 em relação à liberdade provisória, já que a Lei 11.343/06 se trata de legislação especial, que expressamente veda essa concessão aos acusados de tráfico de drogas, não se havendo que falar que o artigo 44 da lei de drogas foi derrogado tacitamente pela Lei 11.464/2007, ou em inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, uma vez que é fruto da regra constitucional prevista no art. 5º, inc. XLIII da Constituição Federal, e de uma política criminal mais rigorosa de repressão aos crimes de tráfico .
20 . Caso em que o acusado foi preso em flagrante e assim permaneceu durante toda a instrução criminal. Ademais,é estrangeiro, sem vínculos com o distrito da culpa, com fortes possibilidades de se evadir se for solto, razão pela qual sua prisão tem por finalidade assegurar a aplicação da lei penal e o próprio resultado do processo, com o cumprimento integral da pena.
21 . Apelação da defesa a que se nega provimento.
22 . Apelação ministerial a que se dá parcial provimento para majorar a pena-base e não aplicar a causa de redução do § 4º, da Lei 11.343/06, fixando a pena do réu definitivamente em seis anos e cinco meses de reclusão e seiscentos e cinquenta dias-multa.



ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, à unanimidade, negar provimento à apelação defensiva e, por maioria, dar parcial provimento à apelação ministerial para majorar a pena-base e não aplicar a causa de redução do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06, restando a pena definitivamente fixada em 6 (seis) anos e 5 (cinco) meses de reclusão e 650 (seiscentos e cinquenta) dias-multa, nos termos do voto do Des. Fed. Antonio Cedenho, acompanhado pela Des. Fed. Ramza Tartuce, vencido o Relator que dava parcial provimento à apelação ministerial para majorar a pena-base aplicada, que restava definitivamente fixada em 5 (cinco) anos, 4 (quatro) meses e 5 (cinco) dias de reclusão e 535 (quinhentos e trinta e cinco) dias-multa.


São Paulo, 22 de outubro de 2012.
Antonio Cedenho
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 17/01/2013 18:21:15



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010253-18.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.010253-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : KEVIN IGBOAMALU ODEH reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00102531820114036119 4 Vr GUARULHOS/SP

VOTO CONDUTOR

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


Trata-se de apelações criminais interpostas pela JUSTIÇA PÚBLICA e por KEVIN IGBOAMALU ODEH, nigeriano, atualmente sob custódia na Penitenciária de Itai/SP, contra sentença de fls. 175/191, que condenou o réu à pena de 4 (quatro) anos e 11 (onze) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, e pagamento de 486 (quatrocentos e oitenta e seis) dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, por infração ao artigo 33, caput, c/c o artigo 40, I, da Lei 11.324/06.


Segundo a denúncia, no dia 23 de setembro de 2011, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, Kevin Igboamalu Odeh foi preso em flagrante delito quando tentava embarcar em vôo com destino final a Casablanca/Marrocos, trazendo consigo, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo, no exterior, 1.110 g. (mil e cento e dez gramas) de cocaína, contida em 73 (setenta e três) cápsulas que havia ingerido.


Apelam a Justiça Pública e o réu condenado.


Nas razões de fls. 193/201, o representante do "Parquet" Federal requer a reforma parcial da sentença, para:


1 . aumentar a pena-base imposta ao réu;


2 . afastar, da dosimetria da pena, a atenuante genérica da confissão;

3 . excluir a causa de redução prevista no § 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06;


4 . aumentar a causa de aumento de pena prevista no inciso I, do artigo 40 da mesma lei.


Contrarrazões da defesa às fls. 205/216.


A defesa de Kevin Igboamalu Odeh, nas razões de fls. 217/238, requer inicialmente a absolvição do réu, com fundamento no artigo 386, VII, do CPP por ausência de provas da materialidade do crime, tendo em vista que o laudo pericial não atestou a massa líquida da droga ou ao menos a não utilização da quantidade da droga como critério par a elevação da pena, ou em razão do reconhecimento do estado de necessidade exculpante, ou ao menos a redução da pena nos termos do art. 24, § 2º do CP;


Caso não alcance a absolvição, requer:


1 .a redução da pena-base ao mínimo legal;


2 . a aplicação da atenuante da confissão espontânea em maior grau;

3 . a aplicação da causa de redução de pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei de Drogas no patamar máximo;


4 . a exclusão da causa de aumento de pena derivada da transnacionalidade do tráfico (inciso I do art. 40 da Lei 11.343/06);


5 . a exclusão da pena de multa ou, pelo princípio da eventualidade, sua fixação no mínimo legal;


6 . a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos termos dos mais recentes precedentes do STF, do STJ e desta Corte;


7 . o reconhecimento da inconstitucionalidade do disposto no § 1º do artigo 2º da Lei 8.078/90, aplicando-se o artigo 33 do Código Penal para a fixação do regime inicial de cumprimento da pena;


8 . a concessão do direito de o réu recorrer em liberdade, com a expedição de alvará de soltura.

Contrarrazões ministeriais às fls. 240/279.


A Procuradoria Regional da República, no parecer de fls. 298/339, opina seja dado parcial provimento à apelação ministerial, para afastar a atenuante genérica da confissão espontânea e a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da lei 11.343 e para que seja negado provimento à apelação da defesa.


Inicialmente, não tendo dúvidas em acompanhar o E. Relator no sentido de manter a condenação do réu, pois ao contrário do alegado pela defesa, as provas coligidas pela acusação demonstram de maneira inequívoca que cometeu o crime de tráfico transnacional de drogas.


MATERIALIDADE DELITIVA:


Está consubstanciada pelo laudo de constatação (fls. 8/9) e laudo pericial de fls. 81/86, atestando que a substância entorpecente contida nas cápsulas que o réu ingeriu foi positiva para cocaína.


Não prospera a alegação da defesa, no sentido de que não há provas da materialidade pelo fato de o laudo ter sido realizado por amostragem, não contemplando a totalidade da substância entorpecente apreendida.


Sabe-se que as perícias não são realizadas na totalidade da droga, mas sim em amostras, e os exames são realizados por peritos criminais federais, funcionários públicos cujas conclusões possuem presunção de veracidade e de legitimidade.


Ademais, também é de conhecimento geral que a cocaína, quando apresentada na forma sólida, não é uma peça única, mas um pó, ou seja, diversas partículas extremamente pequenas. Note-se que, geralmente, tais partículas encontram-se compactadas, sendo impossível que parte da substância não se trate de cocaína, uma vez que todo o volume em pó era formado por substância idêntica. Assim, realizada a perícia em parte do volume, é óbvio que extrai-se o resultado para o todo.


Mesmo que ocorresse a mistura de outras substâncias em forma de "pó", somente seria possível vislumbrar alteração na qualidade do entorpecente por ter sido mesclado com outro elemento químico, mas nunca alteração na própria substância, que permanece incólume.

Portanto, não há dúvidas acerca da quantidade da droga, que deverá ser considerada no momento da fixação das penas-base, nos exatos termos do art. 42 da Lei 11.343/06.


A respeito, confira-se:



"HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT DA LEI 11.343/06). PACIENTE ABSOLVIDO EM PRIMEIRO GRAU. RECURSO DA ACUSAÇÃO. APELAÇÃO PROVIDA PARA CONDENAR O RÉU A 6 ANOS DE RECLUSÃO, EM REGIME FECHADO, E 600 DIAS-MULTA. CONDENAÇÃO EMBASADA EM UMA SOMA DE CIRCUNSTÂNCIAS (APREENSÃO DA DROGA, DE BALANÇA PORTÁTIL DE PRECISÃO, DINHEIRO TROCADO, ALÉM DE JÁ TER SIDO O PACIENTE CONDENADO, EM MOMENTO ANTERIOR, POR TRÁFICO DE ENTORPECENTES). ALEGAÇÃO DE INOCÊNCIA. IMPROPRIEDADE DO MANDAMUS. PARECER DO MPF PELO NÃO CONHECIMENTO DO WRIT. ORDEM NÃO CONHECIDA.
(...)
2. É comum que o exame pericial seja feito por amostragem e a partir da simples falta de menção, no laudo pericial, de que a quantidade de entorpecente analisada representava uma amostra do todo apreendido, não se pode concluir que o exame tenha sido realizado em toda substância confiscada.
(...)
4. Ordem não conhecida, em consonância com o parecer ministerial. "
(STJ, HC 125310, Relator(a) NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO , QUINTA TURMA, DJE DATA:05/10/2009)
"PENAL - PROCESSUAL PENAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - LEI 11.343/2006 - PRELIMINAR DE NULIDADE AFASTADA - PROVA PERICIAL VÁLIDA - ERRO DE TIPO NÃO CONFIGURADO - CONDENAÇÃO MANTIDA - AUTORIA E MATERIALIDADE DO DELITO AMPLAMENTE COMPROVADAS - PENA BASE ELEVADA - INTERNACIONALIDADE DEMONSTRADA - CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º, DO ARTIGO 33, DA LEI 11.343/06 - INAPLICABILIDADE - PENA DE MULTA - APLICABILIDADE - REGIME INICIAL FECHADO DE CUMPRIMENTO DE PENA - CRIME HEDIONDO OU ASSEMELHADO - SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS - IMPOSSIBILIDADE - AUSENTES OS REQUISITOS DA LIBERDADE PROVISÓRIA - ACUSADA QUE DEVE PERMANECER PRESA PARA APELAR - RECURSOS DESPROVIDOS.
1. Afastada a preliminar de nulidade argüida, pois, apesar de a novel legislação processual penal geral prever o interrogatório como último ato de instrução, a fim de ampliar o direito de defesa do réu, no caso dos crimes de tráfico de entorpecentes, a Lei 11.343/2006 dispõe de forma diversa no artigo 57, tratando-se de norma especial em relação ao Código de Processo Penal, lei geral, que, portanto, não revoga a legislação especial, à luz do artigo 2º, § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil pátrio.
2. É fato notório que todas as perícias envolvendo entorpecentes são feitas por amostragem, o que, em momento algum, invalida a prova. A matéria é pacífica na doutrina e jurisprudência, não havendo qualquer lógica na argumentação da defesa.
(...)"
(TRF 3, ACR 00057981020114036119, Relator(a) DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE, QUINTA TURMA, DJF3 Judicial 1 DATA:26/09/2012 ..FONTE_REPUBLICACAO)


"PENAL. APELAÇÃO. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. MATERIALIDADE E AUTORIA CONFIGURADAS. ESTADO DE NECESSIDADE NÃO CONFIGURADO. DOSIMETRIA DA PENA. RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DE CONFISSÃO ESPONTÂNEA. AUMENTO DA MAJORANTE DO ART. 40, I, DA LEI 11.343/06. NÃO APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 33, §4º, DA LEI 11.343/06. IMPOSIÇÃO LEGAL DO REGIME INICIAL FECHADO DE CUMPRIMENTO DE PENA. PROVIMENTO PARCIAL DA APELAÇÃO DO MPF.
1.A materialidade restou devidamente comprovada tanto pelo auto de apresentação e apreensão, como pelo Laudo de Exame de Substância, que atestou que o material apreendido era cocaína.
2. O argumento de que a perícia fora feita por amostragem e contemplando quantidade ínfima da substância, não se podendo aferir se todo material apreendido tratava-se de cocaína não merece prosperar já que as fotos expostas no Laudo Preliminar de Constatação evidenciam que a totalidade da substância entorpecente apreendida representava uma massa homogênea, sendo desnecessário e inviável o exame pericial de todo o volume de entorpecentes. Outrossim, é do procedimento ordinário do núcleo de criminalística a separação de apenas uma pequena porção do material avaliado, suficiente para um exame de natureza laboratorial, estendendo-se as conclusões da perícia ao restante do objeto material.
(...)"
(TRF3, ACR 00075631620114036119, Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/10/2012 ..FONTE_REPUBLICACAO)

AUTORIA DELITUOSA:


Está devidamente comprovada, inicialmente pela prisão em flagrante do acusado, no momento em que estava prestes a embarcar com a droga para o exterior.


A corroborar a autoria, há o depoimento das testemunhas de acusação, que, em seus depoimentos na fase judicial, reconheceram o réu como sendo a pessoa presa em flagrante que, após ser levada ao Hospital Geral de Guarulhos, expeliu as cápsulas com a droga que havia ingerido.


Ademais, consoante consta na sentença, o réu, em seu interrogatório, admitiu serem verdadeiros os fatos que lhes foram imputados (mídia-fls. 139).


ELEMENTO SUBJETIVO:


Tampouco restam dúvidas com relação ao dolo com que agiu o apelante.


Também conforme ressaltado na sentença, o réu afirmou que morava no Brasil há dois anos e exercia a profissão de cabeleireiro. Recebeu a proposta de transportar a droga do Brasil para Mali de uma pessoa de nome "Odumodu Agu", tendo aceito por estar passando por dificuldades financeiras. Odumodu lhe disse que iria mandar seu irmão ao seu encontro para entregar a droga e auxiliá-lo na empreitada. Afirmou que receberia dois mil dólares pelo serviço e que, após receber a droga do irmão de Odumodu" em um quarto de hotel, foi orientado por telefone pelo próprio Odumodu para que engolisse as cápsulas com a droga.


ALEGAÇÃO DE ESTADO DE NECESSIDADE:


Não merece crédito a alegação da defesa, referente ao estado de necessidade derivado de dificuldades financeiras, como justificativa para a absolvição pela ausência de dolo ou exclusão da tipicidade ou de ilicitude, bem como causa de redução de pena com fundamento no § 2º do art. 24 do CP. O artigo 24 do CP dispõe:


"Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.
§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços."

Para que seja aplicado o estado de necessidade, quer como causa de exclusão de ilicitude ou como causa de redução de pena, exige-se a existência de um conflito entre bens igualmente amparados pela lei, em decorrência de uma situação de perigo que o agente não provocou voluntariamente, nem poderia de outro modo evitar, por não se exigir o perecimento do bem do qual o agente é titular.


É preciso que o agente atue de acordo com o senso comum daquilo que é razoável, não havendo culpabilidade sempre que não se puder exigir conduta diferente daquela empreendida.


No caso, para que estivesse configurado o estado de necessidade, seria necessário que se comprovasse que a prática do crime era a única forma ao alcance do réu, ônus que incumbe à defesa nos termos do artigo 156, do Código Penal, considerando-se as circunstâncias em que ocorreu, e verificado, pela confrontação entre o bem jurídico em perigo e o bem lesado, a razoabilidade ou não do sacrifício exigido daquele, o que não ocorreu.


Isso porque meras alegações de dificuldades financeiras, cuja gravidade e intensidade não é possível aferir, não são aptas a atrair a aplicação do estado de necessidade como causa excludente da culpabilidade ou da ilicitude, não estando também comprovado que a prática desse crime tido como hediondo diante do grave perigo de dano à saúde de terceiros, fosse o único meio ao alcance do réu para prover as necessidades financeiras, que podem ser contornadas por outros meios e atividades lícitas, ao invés do cometimento de delitos.

No caso, o réu não comprovou a alegação de que viveria em situação diferente da de milhares de pessoas que vivem sob dificuldades financeiras.


No sentido dessas explanações, confira-se alguns Acórdãos:



"APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO COMPROVADOS. COAÇÃO MORAL RESISTÍVEL. ESTADO DE NECESSIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. ADVENTO DA LEI 11.343/2006 NO CURSO DO PROCESSO. CONDENAÇÃO MANTIDA.
(...)
III - Meros indícios de coação moral resistível vivenciada pela ré e cuja gravidade e intensidade não é possível aferir, não pode ensejar o reconhecimento da causa de diminuição de pena do art. 65, III, alínea c, do Código Penal.
IV - Dificuldades econômicas vivenciadas pelo réu, cuja gravidade e intensidade não é possível aferir, não pode ensejar o reconhecimento do denominado estado de necessidade. Ademais, também não há como reconhecer a incidência da causa de diminuição prevista no art. 24, §2º, CP.
(...)"
(TRF 3, ACR 200561190027136, Relator(a) Des. Fed. JOSÉ LUNARDELLI , PRIMEIRA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:05/04/2011 PÁGINA: 71)
"PENAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. INADMISSIBILIDADE. ESTADO DE NECESSIDADE. INADMISSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DIMINUIÇÃO DE PENA DO § 4° DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/06. CAUSA DE AUMENTO DO ART. 40, I, DA LEI N. 11.343/06. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. INADMISSIBILIDADE. REGIME INICIAL. SEMIABERTO. ABERTO. INADMISSIBILIDADE.
(...)
2. Para que se reconheça que o réu agiu em estado de necessidade exculpante ou justificante, é obrigatório que traga aos autos comprovação cabal do preenchimento dos requisitos do art. 24 do Código Penal para o reconhecimento dessa excludente de ilicitude ou de culpabilidade, sendo ônus da defesa fazê-lo, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal. No caso do crime de tráfico, todavia, o argumento, mesmo sendo objeto de prova, não merece prosperar. Precedentes do TRF da 3ª Região (ACr n. 2007.61.19.007015-4, Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, j. 11.01.10; ACr n. 2007.61.19.009691-0, Rel. Des. Fed. Rampa Tartuce, j. 05.04.10 e ACr n. 2008.60.05.002173-2, Rel. Des. Fed. Henrique Herkenhoff, j. 27.04.10).
(TRF 3, ACR 43852, Relator(a) Des. Fed. ANDRÉ NEKATSCHALOW , QUINTA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:31/05/2011 PÁGINA: 605)

TRANSNACIONALIDADE DO TRÁFICO:


A natureza da substância entorpecente que o réu ingeriu (cocaína), o bilhete eletrônico par o exterior (fls. 17/18), o passaporte do réu (fl. 73), o local da abordagem policial (checkin em aeroporto internacional), bem como o depoimento do réu, confirmando que sua intenção era a de levar a droga para o exterior, demonstram que estava em vias de exportação, não havendo dúvidas acerca da transnacionalidade do tráfico.


Portanto, demonstradas a materialidade, autoria e dolo pela acusação, e diante da ausência de elementos aptos a ilidi-los, mantenho a condenação do réu pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, c/c o artigo 40, I, ambos da Lei 11.343/06.


DOSIMETRIA DA PENA:


PENA-BASE:


Foi fixada pelo MM. Juiz acima do mínimo legal, em cinco anos e dez meses de reclusão.


A Justiça Pública requer a elevação do patamar de aumento, enquanto a defesa alega que deve ser reduzida ao mínimo legal, afirmando que apenas a natureza e a quantidade da droga não justificam o aumento.


Sabe-se que o julgador, na individualização da pena, deve examinar detidamente os elementos que dizem respeito ao fato, segundo os critérios estabelecidos pelo artigo 59 do CP. No caso de tráfico de drogas, há ainda que observar o artigo 42 da Lei 11.343/06, o qual determina expressamente que o Juiz, na fixação da pena, deve considerar, com preponderância sobre as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do CP, a natureza e quantidade da droga, bem como a personalidade e conduta do agente.


No caso, apesar da primariedade e bons antecedentes, o acusado não faz jus à fixação da pena-base no mínimo legal, como quer a defesa, considerando-se a natureza e quantidade da droga que transportava.


De fato, não pode ser considerada de pequena monta a quantidade apreendida nestes autos, se comparada às quantidades normalmente portadas pelo criminoso no tráfico urbano de varejo, quando é vendida diretamente aos consumidores pelos pequenos traficantes.


Ainda que o réu, na qualidade de "mula" do tráfico , não decida acerca da quantidade da droga que irá transportar, é inegável que possui consciência, por agir mediante promessa de pagamento, que estava colaborando com a atuação de uma organização voltada ao tráfico de entorpecentes.


Por outro lado, a cocaína é tão maléfica ao organismo quanto as demais que são usualmente traficadas, pois vicia facilmente, sendo alta sua lesividade à saúde dos usuários, Por outro lado, a que é normalmente exportada possui grau de pureza altíssimo, sendo misturada a outras substâncias antes da entrega ao consumidor para elevar o rendimento.


Ademais, o bem jurídico tutelado pela Lei 11.343/06 é a saúde pública. Portanto, as consequências do crime de tráfico de drogas são extremamente nefastas, já que objetiva o fornecimento de expressivo numerário aos controladores da mercancia internacional de entorpecente, em prejuízo da saúde e do patrimônio honesto de milhares de cidadãos. Não se pode olvidar também que é um crime que está diretamente vinculado a outras práticas delitivas, em especial os crimes contra a pessoa.


Portanto, ainda que o réu seja primário e de bons antecedentes, mas levando em conta a natureza e a quantidade da droga, bem como a gravidade e conseqüências do crime, e tendo em vista a larga faixa de graduação da reprimenda corporal prevista pelo preceito secundário do tipo descrito no artigo 33 da Lei 11.343/06 (de cinco a quinze anos de reclusão), penso que se mostra justa e suficiente para a prevenção, reprovação e repressão do crime, a fixação em patamar acima do mínimo legal.


Nesse aspecto, concordo com o E. Relator, quando afirma que as circunstâncias do crime justificam a exasperação da pena, tendo em vista a audácia do réu em transportar mais de setenta cápsulas em seu organismo, contendo mais de um quilo de cocaína, o que denota que estava disposto a chegar até as últimas conseqüências para o sucesso da atividade criminosa.


Assim sendo, fixo a pena-base do réu em seis anos de reclusão.


ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA:


Na segunda etapa da dosimetria da pena, o MM. Juiz aplicou a atenuante genérica da confissão e reduziu a pena do réu para o mínimo legal (cinco anos de reclusão e 500 dias-multa).


O representante do "Parquet" Federal requer a exclusão da atenuante, afirmando que apenas deve ser aplicada quando a autoria delituosa for desconhecida e a confissão colaborar para o esclarecimento, o que não é o caso dos autos em que o réu foi preso em flagrante. A defesa, por sua vez, requer seja aplicada a atenuante em patamar maior.


Entendo que a circunstância de o réu ter sido preso em flagrante não impede o reconhecimento da atenuante, tendo em vista que admitiu os fatos e forneceu detalhes sobre o crime. Ademais, de acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, bem como desta Corte, a atenuante da confissão (CP, art. 65, III, d), ainda que não seja espontânea ou seja parcial, deve incidir sempre que fundamentar a condenação do acusado, como no caso.


Consoante ressaltado na fundamentação da sentença (fls. 183):


"Na hipótese dos autos, tenho que a intenção do réu- revelada em seu interrogatório judicial, cfr. Mídia à fl. 139, de admitir a veracidade das acusações e fornecer detalhes da prática criminosa foi sincera.
Veja-se que, não fosse a confissão do réu em seu interrogatório, saberíamos, pelo flagrante, apenas que transportava drogas em cápsulas engolidas, nada mais. Com sua colaboração, porém, puderam-se esclarecer, de forma satisfatória, as circunstâncias em que praticado o delito, como, e.g., onde e quando surgiu a proposta do transporte, se havia pagamento ou não, para onde seria levado o entorpecente, etc.
Tais circunstâncias, bem se nota, embora não tenham permitido elucidar cabalmente a rede criminosa por trás do transporte de droga impedido pelo flagrante, permitiram, ao menos, a visão de um quadro mais completo deste delito sob julgamento, servindo, inclusive, à á comprovação cabal da transnacionalidade do tráfico e da autoria delitiva.
Demais, disso, não se pode olvidar que os elementos fornecidos pelo réu em seu interrogatório foram utilizados para comprovação cabal da autoria delitiva, do dolo e da internacionalidade do tráfico. Tendo sido utilizados em desfavor do réu, impõe-se a sua utilização, por medida de justiça, também para fins de atenuação da pena."

Dessa forma, se confissão do acusado contribuiu para a formação do convencimento do Juiz, deve ser aplicada.


Transcrevo alguns julgados a respeito:



" PENAL E PROCESSUAL PENAL . HABEAS CORPUS. LATROCÍNIO. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE SOMENTE EM RELAÇÃO A UMA CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. CONFISSÃO ESPONTÂNEA EXTRAJUDICIAL. RETRATAÇÃO EM JUÍZO. INCIDÊNCIA COMO ATENUANTE.
(...)
V - Finalmente, se a confissão na fase inquisitorial, posteriormente retratada em juízo, alicerçou o decreto condenatório, é de ser reconhecido o benefício da atenuante do art. 65, III, alínea d, do CP (Precedentes do STJ e do Pretório Excelso). Habeas corpus concedido."
STJ, HC 200902101441, Relator(a) Min. FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJE DATA:03/05/2010)
" PENAL E PROCESSUAL PENAL . TRÁFICO TRANSNACIONAL DE COCAÍNA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DEVIDAMENTE COMPROVADOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE.
(...)
4. Aplica-se a atenuante da confissão prevista no art. 65, inc. III, alínea "d", do Código penal sempre que a palavra do réu contribuir para a formação do juízo condenatório.
(...)"
(TRF3, ACR 200961190007489, Relator(a) Des. Fed. NELTON DOS SANTOS, SEGUNDA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:14/12/2010 PÁGINA: 145 )

Diante da ausência de critérios legais para a valoração do "quantum" a ser aplicado em razão das atenuantes, tendo em vista as circunstâncias dos autos e aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, necessidade e suficiência para a prevenção e repressão do crime, e dada a pouca relevância probatória da confissão diante da prisão em flagrante do réu, entendo que a pena deve ser reduzida para cinco anos e seis meses de reclusão.


Não se verificam outras circunstâncias atenuantes, bem como agravantes.


CAUSA DE AUMENTO DE PENA: INCISO I, DO ART. 40, DA LEI 11.343/2006:


Na terceira fase da dosimetria da pena, mantenho a aplicação da causa de aumento da transnacionalidade do tráfico ( art. 40, I, da Lei 11.343/06) no patamar de um sexto.

Não procede a alegação da defesa no sentido de que não deve incidir essa causa de aumento sob pena de "bis in idem", ante o argumento de que a conduta de "exportar" está contida no núcleo do art. 33 da Lei 11.343/06.


De fato, o crime previsto no artigo 33, caput, da Lei de drogas é de ação múltipla, e ao réu foi imputada a conduta de trazer consigo substância entorpecente, quando estava em vias de embarcar para o exterior.


Desde a vigência da lei anterior, é pacífico o entendimento de que a causa de aumento derivada da internacionalidade do tráfico é aplicável em todas as modalidades do crime, sem que isso implique em dupla valoração pelo mesmo fato, pois o objetivo da majorante é o de punir com maior rigor o comércio com o exterior, com finalidades lucrativas, e não apenas a exportação sem essa finalidade, razão pela qual não há se falar em identidade de elementares do tipo.


Nesse sentido:



"PENAL - PROCESSUAL PENAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - LEI 11.343/2006 - LIBERDADE PROVISÓRIA - IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO - RÉU PRESO DURANTE TODO O PROCESSO - ARTIGO 312 CPP - PRESENTES OS REQUISITOS PARA A PRISÃO CAUTELAR - PRELIMINAR REJEITADA - AUTORIA E MATERIALIDADE DO DELITO AMPLAMENTE COMPROVADAS - INTERNACIONALIDADE DEMONSTRADA - PENA BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL - CONDIÇÕES JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS - CONFISSÃO - CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º, DO ARTIGO 33, DA LEI 11.343/06 - MANUTENÇÃO DO PATAMAR FIXADO - NE REFORMATIO IN PEJUS - PENA PECUNIÁRIA REDIMENSIONADA - RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO.
(...)
Não há bis in idem na aplicação da causa de aumento referente à internacionalidade do delito, uma vez que, como assinalado pela própria defesa, o verbo exportar significa "vender (algo), remetendo-o para fora do país, estado, município ou região que o produziu. A conduta de "exportar" não está sendo duplamente considerada para agravar a situação do réu, uma vez que tal conduta até mesmo poderia ter sido praticada, v.g., pela venda de drogas entre dois municípios, devendo, portando, incidir a causa de aumento prevista no inciso I, do artigo 40, da Lei 11.343/06, quando a conduta pretende atingir dois países, como no caso dos autos. 9. É certo, ainda, que o apelante não praticou a conduta de "vender", mas sim a de "transportar" ou "trazer consigo", não se podendo falar, in casu, em exportação da droga, por parte do réu.
(TRF 3, ACR 200961190052203, Relator(a) JUIZA RAMZA TARTUCE, QUINTA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:27/10/2010 PÁGINA: 810)
"APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. ART. 33, CAPUT, C/C ART. 40, INCISO I, DA LEI 11.343/06. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. FATOR DE ATENUAÇÃO. TRANSNACIONALIDADE. ART. 40, I, DA LEI Nº 11.343/06. CAUSA DE MAJORAÇÃO. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. CAUSA DE REDUÇÃO DO ART. 33, §4º, DA LEI 11.343/06. APLICABILIDADE. FRAÇÃO DE REDUÇÃO. DELAÇÃO PREMIADA. INEFICÁCIA DO AUXÍLIO PRESTADO PELO ACUSADO. MANUTENÇÃO DA REPRIMENDA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE INVIÁVEL ANTE O QUANTUM DA PENA. LIBERDADE PROVISÓRIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS DA PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 DO CPP. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.
"Não se vislumbra incompatibilidade da combinação da conduta "exportar" com a aplicação da majorante prevista no artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06, já que a exportação constitui um dos verbos nucleares veiculados pelo tipo penal com o agravamento representado pela efetiva transposição das fronteiras nacionais. O objetivo da majorante é punir com maior rigor a atividade dos agentes que apresentam, em sua conduta, uma culpabilidade mais exacerbada, ao demonstrarem a audácia de promover a traficância para fora das fronteiras nacionais ou, em sentido inverso, para dentro delas. 7. Portanto, não se cogita de bis in idem se a lei conferiu uma punição mais rigorosa ao agente que pratica as condutas típicas imbuído da pretensão de difundir a droga por outros países, apresentando uma culpabilidade mais intensa do que o criminoso que se presta à prática do mesmo delito no âmbito territorial do mesmo Estado
8. Além disso, o delito em apreço é de natureza multitudinária, podendo o agente incidir no tipo penal praticando quaisquer um de seus verbos nucleares. No caso vertente, o acusado praticou ao menos dois deles, mais precisamente nas modalidades "trazer consigo" e "guardar", não tendo logrado êxito, todavia, em alcançar o seu objetivo principal, que era a exportação do narcótico. Assim, legítima a aplicação da causa especial de aumento.
(TRF3, ACR 200961190091014, Relator(a) JUIZ COTRIM GUIMARÃES, SEGUNDA TURMA , DJ3 CJ1 DATA:02/09/2010 PÁGINA: 321).

A Justiça Pública insurge-se quanto à aplicação da majorante no mínimo legal e requer seja aplicada em patamar maior, em razão das circunstâncias do caso, notadamente em atenção ao maior espectro espacial a ser atingido pela conduta delitiva, já que o réu levaria a droga para Marrocos, passando pela Espanha.


Apesar desse entendimento estar referendado em algumas decisões, o entendimento desta Turma é no sentido de que a simples distância entre países não justifica a aplicação dessa causa de aumento em patamar acima do mínimo, admitindo-se apenas nos casos em que a droga deixe o território nacional para ser distribuída em mais de um país no exterior.


Ademais, o legislador previu, nos incisos do artigo 40, da Lei 11.343/06, uma série de causas de aumento de pena, que justificam um aumento variável de um a dois terços, porém não estabeleceu os parâmetros para a quantificação do percentual.


À míngua desses critérios, o índice de aumento deve ser calculado de acordo com as circunstâncias especificamente relacionadas com a causa de aumento, (e não às do crime), e variar de acordo com a quantidade de majorantes que estiverem presentes, de forma que na incidência de apenas um inciso não se justifica a elevação do percentual mínimo. Não se deve olvidar ainda a regra do artigo 42 do mesmo texto legal, que determina a consideração da natureza e quantidade da droga para a fixação da pena.


No caso, há que ser considerado que o réu foi preso com a droga ainda em território brasileiro e, em que pese sua intenção de levá-la a outro continente, não está comprovado nos autos que pretendesse difundi-la em mais de um país.


Portanto, penso ser razoável a exasperação da pena no mínimo legal (um sexto), considerando-se a natureza e quantidade da droga e a rota planejada por mais de um continente, não estando evidenciadas outras circunstâncias que justifiquem o agravamento da causa de aumento.


A respeito, confira-se os seguintes excertos de alguns julgados desta Turma:



"(...)
16. O caráter transnacional do tráfico restou evidenciado porque o estupefaciente seria transportado entre dois países (Brasil e Malásia), e a mera distância entre os referidos países não se afigura suficiente para justificar a majoração da reprimenda penal em metade, como efetuado pela sentença de primeiro grau: tal causa de aumento poderia incidir em patamar maior se, por exemplo, o entorpecente em questão deixasse o território nacional para ser distribuído em mais de um país no exterior.
17. É de se ressaltar, ainda, que, apesar de integrar a organização criminosa, a apelante não possuía a faculdade de escolher os destinos que percorreria, e que, no caso concreto, a acusada ainda foi presa em solo pátrio, razões pelas quais o aumento referente à internacionalidade do tráfico de drogas não deve ultrapassar seu patamar mínimo.
(...)"
(TRF 3, ACR 34767, Relator(a) JUIZ CONVOCADO EM AUXILIO HELIO NOGUEIRA, QUINTA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:13/11/2009 PÁGINA: 693).
"PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. BENEFÍCIO DO RECURSO EM LIBERDADE. PENA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º DA LEI Nº 11.343/06. TRANSNACIONALIDADE.
A internacionalidade do tráfico se caracteriza pela execução potencial ou efetiva do delito abrangendo o território de mais de um país, não infirmando esta intelecção o pensamento de implicação de "bis in idem" em relação à conduta de exportação, exegese que ignora as características da figura delituosa de conteúdo variado e opera descabida decomposição do tipo penal que como um todo unitário se apresenta à interpretação. Descabida a pretensão da acusação de aumento do percentual em função da distância do destino da droga, o que não se depara de maior censurabilidade, tudo dependendo de casuísmos, numa viagem mais curta mas de riscos maiores podendo o agente revelar maior capacidade para a traficância, mantido o patamar mínimo previsto na sentença.
(...)"
(TRF 3ª REGIÃO, ACR - 2009.61.19.002878-0/SP, QUINTA TURMA , DJF3 CJ1 DATA:02/07/2010 PÁGINA: 259 , Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL PEIXOTO JUNIOR)

Por esses motivos, mantenho a aplicação da causa de aumento prevista no artigo 40, I , da Lei 11.343/06 no percentual de um sexto. Assim, a pena, anteriormente estabelecida em cinco anos e seis meses de reclusão, com esse acréscimo totaliza 6 (seis) anos e 5 (cinco) meses de reclusão.


CAUSA DE REDUÇÃO DE PENA: § 4º DO ART. 33, DA LEI 11.343/06:


Ainda na terceira fase da aplicação da pena, o MM. Juiz aplicou o benefício previsto no § 4º do artigo 33, da Lei 11.343/06 no patamar de um sexto.


A Justiça Pública requer o afastamento do benefício, enquanto a defesa pleiteia por sua aplicação do patamar máximo (dois terços).


Neste ponto, discordo do voto do E. Relator, que entendeu ser aplicável o benefício.

Isso porque essa causa de redução exige a presença de quatro requisitos, que devem ser preenchidos cumulativamente, ou seja, que o agente "seja primário, de bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa".


Como a lei utilizou a conjunção "NEM", deduz-se que há uma diferença substancial entre "se dedicar a atividades criminosas" e "integrar uma organização criminosa". A dedicação a atividades criminosas exige habitualidade, permanência, conjunção de propósitos, divisão de tarefas, ou seja, que o réu faça do crime seu meio de vida. Por outro lado, para que se afirme que o réu integra uma organização criminosa, basta a prova de que participou da empreitada criminosa de alguma forma.


Assim, quando o parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06 exige que o agente não integre organização criminosa, significa que não é necessário, para esse fim, que esteja incurso no crime de associação para o tráfico. A reiteração de condutas criminosas no passado, ou o ânimo de reiterá-las futuramente, é elemento caracterizador da estabilidade e permanência, exigíveis para a configuração do crime autônomo de associação para o tráfico (antigo artigo 14 da Lei nº 6.368/75 e atual artigo 35, da Lei nº. 11.343/06).


Contudo, no parágrafo 4º do artigo 33, da Lei 11.343/06, não é necessário esse ânimo para que se caracterize a integração em organização criminosa, já que está presente em outro requisito, que é o "não se dedicar a atividades criminosas". Repito: se a lei exigisse que a prática reiterada de delitos, ou a vontade de praticá-los reiteradamente fosse elemento essencial para a integração a uma atividade criminosa, não teria inserido como requisito da causa de redução de pena a exigência de que o agente também não se dedique a atividades criminosas.


Feitas tais considerações, e passando à análise do caso concreto, é certo que o acusado é primário, sem antecedentes e que não há provas de que se dedique a atividades criminosas.


Entretanto, as circunstâncias do fato, a quantidade da droga, o alto valor pela qual é comercializada, bem como a prática do crime mediante promessa de pagamento demonstram que não agiu sozinho na prática criminosa e que integrou uma organização criminosa voltada ao tráfico transnacional de drogas que atua em dois países, na qual há a divisão de tarefas e em que cada integrante tem uma função específica, havendo sempre de um lado um membro da organização que fornece a droga, embala, prepara o local para ocultá-la e, de outro lado, uma pessoa que recebe a droga, prepara para consumo e posteriormente fornece a pessoas que irão vendê-la.


Embora não possa ser considerado como membro efetivo de uma quadrilha ou que não tivesse o ânimo de voltar a delinqüir, não há como negar que efetivamente figurou, ainda que de forma eventual, em uma ponta da organização criminosa voltada ao tráfico internacional de drogas. Integrou a organização ao lhe prestar serviços transportando a droga de um para outro país, ao promover a conexão entre seus membros e ao colaborar, como elemento essencial, para o sucesso da atividade ilícita e a distribuição mundial de entorpecentes.


Por esses motivos, comungo do entendimento de que a causa de diminuição prevista no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei de drogas não foi criada a fim de ser aplicada a pessoas que, como o réu, participa de organização criminosa de tráfico internacional de grande poder financeiro e logístico, que distribui grandes quantidades de entorpecentes, plenamente cientes de que está se envolvendo com pessoas que vivem do crime, mas sim ao tráfico de menor expressão, que não envolve quantidades tão expressivas de entorpecente; como no tráfico urbano de varejo, onde pequenos distribuidores comercializam drogas em quantidades menores, diretamente aos usuários.


Ressalto que a aplicação indiscriminada dessa causa de redução de pena aos "mulas" do tráfico transnacional de drogas certamente servirá como incentivo para que o Brasil se torne, muito em breve, a principal rota para o transporte de drogas provenientes dos países vizinhos para o exterior, fato incompatível com os vários acordos internacionais sobre o combate às drogas firmados pelo nosso País.


Esse é também o entendimento de parte dos integrantes desta Turma. Confira-se:



"PENAL - PROCESSUAL PENAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - LEI 11.343/2006 - LIBERDADE PROVISÓRIA - IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO - RÉU PRESO DURANTE TODO O PROCESSO - ARTIGO 312 CPP - PRESENTES OS REQUISITOS PARA A PRISÃO CAUTELAR - PRELIMINAR REJEITADA - AUTORIA E MATERIALIDADE DO DELITO AMPLAMENTE COMPROVADAS - INTERNACIONALIDADE DEMONSTRADA - AUSÊNCIA DE "BIS IN IDEM" - PENA BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL - CONDIÇÕES JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS - CONFISSÃO - OCORRÊNCIA - CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º, DO ARTIGO 33, DA LEI 11.343/06 - INAPLICABILIDADE - RECURSO DA ACUSAÇÃO PROVIDO - RECURSO DA DEFESA IMPROVIDO.
(...)
O apelante, de forma habitual ou não, integrava associação criminosa, participando, como transportador da droga, de esquema criminoso voltado para o comércio ilícito de entorpecentes, impossibilitando a aplicação do benefício legal previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06.
(...)"
(TRF 3, ACR 200861190080255, Relator(a) JUIZA RAMZA TARTUCE, QUINTA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:15/06/2010 PÁGINA: 18 )
"PENAL - PROCESSUAL PENAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - LEI 11.343/2006 - AUTORIA E MATERIALIDADE DO DELITO AMPLAMENTE COMPROVADAS - INTERNACIONALIDADE DEMONSTRADA - PENA BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL MANTIDA - CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º, DO ARTIGO 33, DA LEI 11.343/06: INAPLICABILIDADE - RECURSO DA DEFESA IMPROVIDO.
1 . A autoria e a materialidade do delito restaram bem demonstradas pelo Auto de Prisão em Flagrante, pelo Laudo Preliminar de Constatação, pelo Laudo de Apresentação e Apreensão, pelas Fotos Digitalizadas, pelo Laudo de Exame Químico Toxicológico, com resultado positivo para maconha, pelos depoimentos prestados pelas testemunhas e pelo próprio interrogatório judicial do apelante, que acabou reconhecendo a existência do entorpecente no interior do veículo Astra, embora tenha asseverado desconhecer tal fato.
2. As circunstâncias em que foi realizada a prisão em flagrante do apelante, aliadas aos depoimentos dos agentes policiais, colhidos tanto na fase policial como judicial, confirmam, de forma precisa e robusta, a ocorrência dos fatos delituosos e a responsabilidade do recorrente, que não é excluída com sua pueril alegação de que desconhecia a existência do entorpecente no interior do veículo que conduzia, já que tal versão não se harmoniza com a prova carreada aos autos.
3. A versão de inocência do apelante, além de insulada no acervo probatório, não se afigura verossímil, não sendo crível que o réu aceitasse proposta de paraguaio desconhecido para conduzir veículo Astra, recebido de pessoa estranha em território paraguaio, até a cidade de Eldorado/MS (tendo como destino final a cidade de São Paulo), obtendo valores em dinheiro para tanto, sem que tivesse ciência que no interior do automóvel houvesse enorme quantidade de estupefaciente (mais de 60 Kg de maconha), o que denota, desde logo, que agia dolosamente, cônscio de sua participação na empreitada criminosa. Ademais, ao assumir a responsabilidade de conduzir o veículo Astra, recebido em cidade paraguaia, cumpria-lhe vistoriar o automóvel que recebia, mormente diante da circunstância de já ter sido preso pelo transporte de cigarros também do Paraguai, como declarou em juízo por ocasião de seu interrogatório.
4. A versão do acusado, apresentada por ocasião do interrogatório, deve ser interpretada, apenas, como intenção de eximir-se da responsabilidade penal, pelo que fica rejeitada 5. No que se refere à fixação da pena-base, como se observa do auto de apreensão e do laudo de exame em substância, foi apreendida, em poder do apelante, razoável quantidade de substância entorpecente, com poder de criar vício e dependência (maconha) e em montante considerável, como já dito (60.715 gramas), o que denota, sem dúvida, uma maior culpabilidade e lesão mais intensa ao bem jurídico tutelado (saúde pública), justificando o recrudescimento da sanção penal, atendendo, inclusive, o comando normativo inserto no art. 42 da Lei nº 11.343/06: "O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância do produto, a personalidade e a conduta social do agente"
6. Ausentes circunstâncias agravantes ou atenuantes, na terceira fase de fixação da pena, com relação à causa de aumento da pena pela internacionalidade do tráfico de drogas, resta patente a sua configuração. A majorante prevista no artigo 40, inciso I da Lei n.º 11.343/06, aplica-se ao tráfico com o exterior, seja quando o tóxico venha para o Brasil, seja quando esteja em vias de ser exportado. Assim, é evidente, in casu, a tipificação do tráfico internacional de entorpecentes, já que o apelante, ao ser preso, confessou aos policiais que vinha do Paraguai conduzindo o veículo no qual o entorpecente era transportado.
7. O apelante, de forma habitual ou não, dedicava-se à atividade criminosa de tráfico de entorpecentes, participando, como transportador da droga, de esquema criminoso voltado para o comércio ilícito de entorpecentes, impossibilitando a aplicação do benefício legal previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06. Nesta trilha já decidiu o Tribunal Regional Federal da 3a. Região que: "(...) Incabível a aplicação do art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/06, frente às circunstâncias que norteiam a prática delitiva, a natureza e a grande quantidade de droga apreendida, bem como diante as declarações do réu, que seguramente transportava a droga por conta e ordem de organização criminosa, exercendo a função de mula" (ACR nº 29658 - Proc. nº 2006.61.19.008219-0 - 2ª T. - Rel. Desembargadora Cecília Mello - DJF3 12.06.08).
8. O benefício não é, pois, cabível, dada a notória lesividade do entorpecente e sua significativa quantidade, e o fato de o recorrente, no mínimo, estar colaborando diretamente com as atividades de organização criminosa voltada para o comércio ilícito de drogas. Além disso, como se verifica da certidão de fls. e do próprio interrogatório judicial do acusado, constata-se que este já responde a processo criminal por crime de descaminho, dedicando-se, pois, ao desenvolvimento de atividades delituosas, não fazendo jus, também por essa razão, ao benefício legal previsto no § 4º do art. 33 da Lei Antidrogas.
9. Recurso da defesa improvido. "
(TRF 3, ACR 2009.60.06.000074-2/MS , QUINTA TURMA, Fonte: DJF3 CJ1 DATA:13/09/2010 PÁGINA: 626, Relator: JUIZ CONVOCADO EM AUXILIO HELIO NOGUEIRA).

Por esses motivos, excluo, da dosimetria da pena do réu, a causa de redução prevista no § 4º do artigo 33, da Lei 11.343/06, razão pela qual fixo sua pena definitivamente em 6 (seis) anos e 5 (cinco) meses de reclusão.


PENA PECUNIÁRIA:


Não procedem as alegações da defesa, no sentido de que seja excluída ou reduzida a pena pecuniária.


Alega-se que as "mulas" do tráfico não dispõem de recursos financeiros, de forma que de nada adiantaria a aplicação dessa pena se não há bens a serem penhorados e que, no caso de cumprir totalmente a pena a que foi condenada, a apelante apenas poderá retornar ao seu país de origem após a conclusão do processo de expulsão, que se concretiza com o pagamento integral da multa, que será impossível diante das condições financeiras da ré, o que fará com que permaneça presa por mais tempo do que realmente deveria.


Inicialmente, consigno que não há de se falar que a falta de pagamento da pena pecuniária se constituiria em ofensa à proibição constitucional de prisão civil por dívida (art. 5º, LXVII, da CF), uma vez que não se está punindo a inadimplência civil, mas sim a prática de um crime.


Por outro lado, a aplicação da pena pecuniária decorre do preceito secundário expresso no artigo 33 da lei de drogas, previsão legal e incondicional, como ocorre com tantos outros tipos penais, e que incide obrigatoriamente em cumulação com a pena privativa de liberdade, independentemente da situação econômica do réu, tendo em vista que não existe, na legislação penal ou processual penal, dispositivo que permita ao juiz isentar o réu do pagamento da pena de multa em razão de insuficiência financeira.


Também não está configurada qualquer afronta ao princípio da isonomia, pois, aqueles que optam pela prática de crimes não podem buscar igualdade com as pessoas que optaram por uma vida honesta, tampouco se podendo cogitar em desrespeito ao mesmo princípio dentre as várias espécies de agentes que cometem o crime de tráfico de drogas.


Deve-se considerar ainda que as "mulas" do tráfico agem sempre movidas pela cobiça, no sentido de obter recompensa financeira patrocinada pelos verdadeiros traficantes, motivo pelo qual a cumulação da pena pecuniária com privativa de liberdade se torna necessária para a prevenção e repressão desse crime.


Assim, se o réu não dispõe de recursos financeiros, tal fato não o isenta do pagamento de multa, justificando apenas a fixação do valor unitário no mínimo legal, como, aliás, acertadamente decidido na sentença.


Por outro lado, a exigibilidade ou não da cobrança da multa trata-se de matéria a ser apreciada em sede de execução.


Ademais, consoante dispõe o artigo 51 do Código Penal, a pena de multa é considerada dívida de valor após o trânsito em julgado da condenação, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, de forma que a pena pecuniária prevista no preceito secundário de um tipo penal não pode ser convertida em pena privativa de liberdade caso não seja paga, cabendo sua execução na forma da legislação tributária, razão pela qual não há possibilidades de que as rés permaneçam custodiadas por período superior ao da condenação.


Portanto, se a aplicação da pena de multa cumulada com a privativa de liberdade está prevista em lei, respeita o princípio da legalidade e não ofende a Constituição, é de rigor sua aplicação, na quantidade estipulada pela legislação aplicável.

Por esses motivos, fixo a pena pecuniária proporcionalmente à pena privativa de liberdade, em 650 (seiscentos e cinqüenta) dias-multa, no valor unitário estipulado pela sentença.


SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS :


A vedação à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos tem fundamento nos artigos 33, parágrafo 4º e 44, ambos da Lei nº 11.343/06, que proíbem expressamente que a pena privativa de liberdade cominada, embora possa ser objeto de redução, seja convertida em restritiva de direitos, em atenção à função preventivo-repressiva da pena privativa de liberdade como instrumento eficaz ao combate das atividades relacionadas ao tráfico de entorpecentes.


Em primeiro lugar, há que se considerar que não está preenchido o requisito objetivo exigido (quantidade da pena).


Ademais, em que pesem alguns entendimentos em contrário, entendo que a regra prevista no artigo 44 da Lei nº 11.343/2006, ao vedar a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, não fere a Constituição Federal. Ao contrário, a completa, porque tal substituição se mostra incompatível com a necessidade de maior repressão e prevenção aos crimes considerados mais gravosos à sociedade, tais como o de tráfico internacional de entorpecentes, que causa efeitos altamente maléficos aos usuários e à sociedade. Por esses motivos, não se há falar-se em afronta ao princípio da individualização da pena.


Reconheço ainda que o Plenário do STF recentemente declarou, através do "habeas corpus" 97.256, pela via incidental, a inconstitucionalidade da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos" contida no parágrafo 4º do artigo 33, da Lei nº 11.343/06, bem como da expressão "vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos", constante do artigo 44 da mesma lei. Contudo, a ordem não foi concedida para assegurar ao paciente a imediata substituição , mas sim para remover o óbice contido na Lei 11.343/06, devolvendo ao Juízo das Execuções Criminais a tarefa de auferir o preenchimento das condições objetivas e subjetivas para a concessão.


Ainda que seja adotado o entendimento do Supremo Tribunal Federal, há que se considerar que as penas restritivas de direitos dificilmente serão aptas a reprimir o tráfico ilícito de drogas e, portanto, além dos requisitos objetivos exigidos pelo art. 44 do Código Penal, deve haver outros elementos subjetivos altamente favoráveis ao réu para que possa ser concedida a substituição.


No caso, as particularidades não recomendam a substituição, tendo em vista que os elementos dos autos revelaram um grau elevado de culpabilidade do réu, com provas contundentes de que participou de uma organização criminosa complexa.


Ademais, é estrangeiro, de forma que facilmente poderá se evadir se permanecer solto, mais um motivo demonstrando não ser recomendável a substituição, por não se mostrar suficiente para a reprovação e a prevenção do crime, inclusive pela repercussão que terá sobre a aplicação da lei penal.


Destaco que esse fato de forma alguma fere o princípio da isonomia, que consiste em conceder tratamento diferenciado para situações distintas.


Levando-se em consideração os motivos e as circunstâncias do crime, observa-se que a substituição da pena privativa de liberdade não se mostra suficiente para impedir que o réu volte a traficar drogas, refreando o desejo de ganho irrefletido de dinheiro. Por outro lado, prestando serviços em instituições públicas, haverá o sério risco de dar continuidade ao crime de tráfico de drogas.


Assim, entendo não ser socialmente recomendável a substituição da pena privativa de liberdade, que deve limitar-se a crimes considerados de menor gravidade, sendo inadequada sua aplicação aos condenados pelo crime de tráfico de drogas por ser por demais branda e insuficiente para reprimir tão grave delito, em nosso país equiparado a hediondo, tendo em vista os terríveis malefícios que causam aos usuários e à sociedade como um todo.


Confira-se alguns julgados acerca desse tema:



"HABEAS CORPUS. ART. 10, § 2º, DA LEI N. 9.437/97. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA. PRETENDIDO RECONHECIMENTO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. WRIT NÃO CONHECIDO.
(...)
SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. REQUISITOS OBJETIVO E SUBJETIVO. AUSÊNCIA DE PREENCHIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE PROCEDER-SE À PERMUTA.
Inviável substituir-se a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, haja vista a ausência de preenchimento do pressuposto objetivo previsto no art. 44 do CP e a desfavorabilidade de 2 (duas) circunstâncias judiciais, o que evidencia que, in casu, a conversão da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos não se mostrará suficiente para a prevenção e repressão dos delitos denunciados. (...)"
(STJ, HC 200901593924, Relator(a) JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJE DATA:01/02/2011)
"HABEAS CORPUS. NARCOTRAFICÂNCIA. CRIME COMETIDO NA VIGÊNCIA DA LEI 6.368/76. PACIENTE CONDENADO A 4 ANOS DE RECLUSÃO, EM REGIME INICIAL FECHADO, E MULTA, POR TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES (ART. 12, CAPUT, C/C ART. 18, I, AMBOS DA LEI 6.368/76). INGESTÃO DE 72 CÁPSULAS DE COCAÍNA, PARA COMERCIALIZAÇÃO NO ESTRANGEIRO. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL: 3 ANOS. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO POR PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. FALTA DO REQUISITO SUBJETIVO. QUANTIDADE, NATUREZA E FORMA DE TRANSPORTE DA DROGA APREENDIDA. REGIME PRISIONAL. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO PARA EXPULSÃO DO PACIENTE DO PAÍS. MANUTENÇÃO DO REGIME MAIS GRAVOSO. PARECER DO MPF PELO CONHECIMENTO PARCIAL DO WRIT E, NA EXTENSÃO, PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA.
(...)
2. O óbice à substituição por pena restritiva de direitos e o cumprimento da pena em regime progressivo, ou mesmo em regime inicial aberto, decorre de construção jurisprudencial, que versa sobre a impossibilidade de se reconhecer a progressão de regime prisional a estrangeiro condenado pela prática de crime de tráfico ilícito, que tenha contra si decretada a expulsão, ou esteja em vias de ser decretada, quando não detenha residência fixa no país, sendo esta a hipótese dos autos.
(...)"
(STJ, HC 200801221176, Relator(a) NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, DJE DATA:03/11/2010)
"Política criminal. Pena de prisão (limitação aos casos de reconhecida necessidade). Entorpecente ( tráfico internacional). Estrangeiro não-residente no país (caso). Art. 44 do Cód. Penal (não-aplicação). substituição da pena (impossibilidade).
1. A norma penal prevê a possibilidade de se aplicarem sanções outras que não a pena privativa de liberdade para crimes de pequena e média gravidade, como meio eficaz de combater a crescente ação criminógena do cárcere.
(...)
3. Tratando-se de condenado de nacionalidade outra, certamente tal não impede a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, porquanto brasileiros e estrangeiros são iguais perante a lei - di-lo a Constituição -, pressupondo-se, porém, quanto aos estrangeiros, a regular residência no país.
(...)"
(STJ, RESP 200602656993, Relator(a) NILSON NAVES, SEXTA TURMA, DJE DATA:16/06/2008 LEXSTJ VOL.:00229 PG:00396)
"PENAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE ENTORPECENTE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. TRANSNACIONALIDADE DEMONSTRADA. INTERNACIONALIDADE. CAUSA DE AUMENTO DE PENA. SUBSTITUIÇÃO POR PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 44 DO CP. APELAÇÃO DESPROVIDA.
(...)
2 - Embora preenchidos os requisitos objetivos constantes dos incisos I e II do art. 44 do CP, a concessão da substituição resultaria inviável pela inadequação do caso aos requisitos subjetivos do inciso III do dispositivo supra mencionado. Trata-se de acusado estrangeiro, em situação irregular no que diz respeito à permanência no território nacional, sem ocupação lícita e que não demonstrou qualquer vínculo com o distrito da culpa. Logo, a substituição de pena privativa por restritiva certamente frustraria a aplicação da lei penal, não se revelando medida recomendável e suficiente para prevenção e repressão do delito em tela;
(...)"
(TRF 3ª REGIÃO, ACR 2010.61.12.005145-5, SP, SEGUNDA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:02/06/2011 PÁGINA: 437 , Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES )

DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE


Consoante entendimento cediço nas Cortes Superiores, a proibição da liberdade provisória, nos casos de crimes hediondos e assemelhados, decorre da própria proibição de fiança, imposta pela Constituição Federal no artigo 5º, inciso XLIII.

E o artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.072/90, atendendo à norma constitucional, considerou inafiançáveis os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes definidos como hediondos.


Por outro lado, a Lei nº 11.343/2006, que é específica para os crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, no artigo 44 estabelece que os crimes previstos nos artigos 33, caput e § 1º e 34 a 37 são insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória. Dispõe ainda o artigo 59 da mesma lei que, nos crimes de tráfico, o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória.


Sabe-se, contudo, que não tem o direito de recorrer em liberdade o acusado que permaneceu justificadamente preso durante a instrução criminal, por força de prisão em flagrante ou preventiva, ainda que seja primário e de bons antecedentes e que, sobrevindo sentença penal condenatória, um de seus efeitos é a manutenção da custódia do réu para apelar, o que não constitui ofensa à garantia constitucional da presunção de inocência, nos termos da Súmula 09 do STJ, de forma que eventuais condições favoráveis do agente, como primariedade e bons antecedentes, não são garantidoras de direito subjetivo à liberdade provisória, quando outros elementos recomendarem a prisão.


Postas tais premissas, verifico que o réu foi preso em flagrante e assim permaneceu durante toda a instrução criminal. É estrangeiro, com fortes possibilidades de se evadir se for solto, razão pela qual a prisão tem por finalidade assegurar a aplicação da lei penal e o próprio resultado do processo, com o cumprimento integral da pena.


Por outro lado, a mera circunstância de o réu integrar uma organização criminosa dedicada à prática do tráfico de drogas já é suficiente para que permaneça preso, pois sabe-se que essas organizações não se intimidam com ações repressoras no sentido de investigar e punir a ação do grupo, tanto é que a própria Lei nº 9.034/95, que trata das organizações criminosas, prevê expressamente no artigo 7º, que não será concedida liberdade provisória, com ou sem fiança, aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa, como no caso.


Assim sendo, para a efetivação da ação repressora do Estado, é necessário que o grupo seja desestruturado, o que somente se obtém com a prisão de todos os seus integrantes, daí porque o principal fundamento para a custódia é a garantia da ordem pública.


E ainda que não mais se justifique o requisito concernente à conveniência da instrução criminal, já que a instrução probatória já foi encerrada, remanesce também a necessidade da garantia da ordem pública e da necessidade de se garantir a aplicação da lei penal, razão pela qual não cabe o deferimento do benefício do apelo em liberdade, quer seja mediante termo de comparecimento (artigo 310, parágrafo único), ou mediante pagamento de fiança (artigo 324, inciso IV).


Nesse sentido:



"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. PROIBIÇÃO DECORRENTE DE NORMA CONSTITUCIONAL.
I - A proibição de concessão do benefício de liberdade provisória para os autores do crime de tráfico ilícito de entorpecentes está prevista no art. 44 da Lei nº 11.343/06, que é, por si, fundamento suficiente por se tratar de norma especial especificamente em relação ao parágrafo único do art. 310, do CPP.
II - Além do mais, o art. 5º, XLIII, da Carta Magna, proibindo a concessão de fiança, evidencia que a liberdade provisória pretendida não pode ser concedida.
III - Precedentes do Pretório Excelso (AgReg no HC 85711-6/ES, 1ª Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence; HC 86814-2/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa; HC 86703-1/ES, 1ª Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence; HC 89183-7/MS, 1ª Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence; HC 86118-1/DF, 1ª Turma, Rel. Ministro Cezar Peluso; HC 79386-0/AP, 2ª Turma, Rel. Ministro Maurício Corrêa; HC 83468-0/ES, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; HC 82695-4/RJ, 2ª Turma, Rel. Ministro Carlos Velloso)
Habeas corpus denegado."
(STJ - HC 78.237/RS, 5ª Turma, Rel. Ministro FELIX FISCHER, DJU de 24.9.2007)

Diante do exposto, nego provimento à apelação da defesa e dou parcial provimento à apelação ministerial para majorar a pena-base do réu e excluir a aplicação da causa de redução do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, fixando a pena definitivamente em seis anos e cinco meses de reclusão e pagamento de 650 (seiscentos e cinquenta) dias-multa.


Determino o envio de ofício ao Ministério da Justiça, com o escopo de verificação da conveniência e oportunidade da instauração de procedimento administrativo tendente à expulsão do réu Kevin Igboamalu Odeh, a ser efetivada após o cumprimento da pena.


É o voto.


Antonio Cedenho
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): ANTONIO CARLOS CEDENHO:10061
Nº de Série do Certificado: 07ED7848D1F21816
Data e Hora: 09/01/2013 21:05:38



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010253-18.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.010253-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : KEVIN IGBOAMALU ODEH reu preso
ADVOGADO : MAIRA SANTOS ABRAO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00102531820114036119 4 Vr GUARULHOS/SP

QUESTÃO DE ORDEM

Submeto à apreciação desta C. 5ª Turma a presente questão de ordem.


Na sessão de julgamento realizado em 22 de Outubro de 2012, o presente feito foi submetido à apreciação perante essa Egrégia Quinta Turma que, por unanimidade decidiu negar provimento à apelação defensiva e, por maioria, dar parcial provimento à apelação ministerial para majorar a pena-base e não aplicar a causa de redução do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06, restando a pena definitivamente fixada em 06 (seis) anos e 05 (cinco) meses de reclusão e 650 (seiscentos e cinquenta) dias-multa, ao réu KEVIN IGBOAMALU ODEH mantendo, quanto ao mais, a decisão de Primeiro Grau, nos termos do voto do Desembargador Federal Antonio Cedenho, acompanhado pela Des. Fed. Ramza Tartuce, vencido o Relator Desembargador Luiz Stefanini, que dava parcial provimento à apelação ministerial para majorar a pena-base aplicada, que restava definitivamente fixada em 5 (cinco) anos, 4 (quatro) meses e 5 (cinco) dias de reclusão e 535 (quinhentos e trinta e cinco) dias-multa. (fls. 369/383-V)


A ementa do julgado se encontra assim redigida:


PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS: ART. 33, CAPUT, C/C ART. 40, I DA LEI 11.343/06. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. LAUDO PERICIAL ELABORADO EM PARTE DO VOLUME TOTAL DA DROGA: REGULARIDADE: SUBSTÂNCIA INALTERADA: MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA. AUTORIA E DOLO INEQUÍVOCOS. ESTADO DE NECESSIDADE JUSTIFICANTE E EXCULPANTE : REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA: NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA: FUNÇÃO PREDOMINANTE. CIRCUNSTÂNCIAS DO FATO: INGESTÃO: ELEVAÇÃO DA PENA-BASE. CONFISSÃO: PRISÃO EM FLAGRANTE: IRRELEVÂNCIA: FUNDAMENTO DA CONDENAÇÃO: MANUTENÇÃO DA ATENUANTE: "QUANTUM": AUSÊNCIA DE CRITÉRIOS LEGAIS: VALORAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS E PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE, RAZOABILIDADE E SUFICIÊNCIA PARA A PREVENÇÃO E REPRESSÃO DO CRIME. TRANSNACIONALIDADE: CONDUTA DE "EXPORTAR" DROGAS: CAUSA DE AUMENTO DO INC. I DO ART. 40 DA LEI 11.343/06: COMPATIBILIDADE COM O NÚCLEO DO ART. 33 DA LEI 11.343/06: CRIME DE AÇÃO MÚLTIPLA: INEXISTÊNCIA DE "BIS IN IDEM". DISTÂNCIA ENTRE PAÍSES: AUSÊNCIA DE PROVAS DE DISTRIBUIÇÃO DA DROGA POR MAIS DE UM PAIS: APLICAÇÃO DA CAUSA DE AUMENTO DA TRANSNACIONALIDADE NO PATAMAR MÍNIMO. § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/06: INAPLICABILIDADE: "MULA": PROVAS DE ENVOLVIMENTO COM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: EXCLUSÃO DO BENEFÍCIO. PENA DE MULTA: PRECEITO SECUNDÁRIO: LEGALIDADE. MANUTENÇÃO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE: VEDAÇÃO DECORRENTE DE PRECEITO CONSTITUCIONAL E DE LEI ESPECIAL: CF ART. 5º, XLIII, ART. 2º, II, DA LEI 8.072/90, ARTS. 33, § 1º, 34, 37 E 59 DA LEI 11.343/06.
1 . Comprovadas nos autos a materialidade, autoria e dolo do crime previsto no art. 33, caput, c/c o art. 40, I, da Lei 11.343/06 praticado pelo réu, preso em flagrante no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, quando prestes a embarcar em vôo para Casablanca/Marrocos, trazendo consigo, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo, no exterior, 1.110 g. (mil e cento e dez gramas) de cocaína, contida em 73 (setenta e três) cápsulas que havia ingerido.
2 . Os laudos de exame toxicológico não são realizados na totalidade da droga, mas sim em amostras. A cocaína, quando apresentada na forma sólida, não é uma peça única, mas sim um pó, com diversas partículas compactadas. Ainda que ocorra a mistura de outros elementos químicos, a natureza da substância entorpecente não é alterada. Realizada a perícia em parte do volume, extrai-se o resultado para o todo, não se podendo falar em dúvidas acerca da materialidade do crime.
3 . Estado de necessidade não comprovado, quer como causa de exclusão de ilicitude, quer como causa de redução de pena, diante da falta de comprovação da existência de um conflito entre bens igualmente amparados pela lei, em decorrência de uma situação de perigo que o agente não provocou voluntariamente, nem poderia de outro modo evitar, por não se exigir o perecimento do bem do qual o agente é titular. Meras alegações de dificuldades financeiras, cuja gravidade e intensidade não é possível aferir, não são aptas a atrair a aplicação do estado de necessidade .
4 . Condenação mantida.
5 . O julgador, na individualização da pena, deve examinar detidamente os elementos que dizem respeito ao fato, segundo os critérios estabelecidos pelo artigo 59 do CP. No caso de tráfico de drogas, há ainda que observar o artigo 42 da Lei 11.343/06, o qual determina expressamente que o Juiz, na fixação da pena, deve considerar, com preponderância sobre as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do CP, a natureza e quantidade da droga, bem como a personalidade e conduta do agente. Apesar da primariedade e bons antecedentes, o acusado não faz jus à fixação da pena-base no mínimo legal, considerando-se a natureza e quantidade da droga que transportava, bem como as circunstâncias do fato.
6 . Não pode ser considerada pequena a quantidade apreendida nestes autos, se comparada às quantidades normalmente portadas pelo criminoso no tráfico urbano de varejo, quando é vendida diretamente aos consumidores pelos pequenos traficantes. Ainda que o réu, na qualidade de "mula" do tráfico , não decida acerca da quantidade da droga que irá transportar, é inegável que possui consciência, por agir mediante promessa de pagamento, que estava colaborando com a atuação de uma organização voltada ao tráfico de entorpecentes.
7 . A cocaína é tão maléfica ao organismo quanto as demais que são usualmente traficadas, pois vicia facilmente, sendo alta sua lesividade à saúde dos usuários, Por outro lado, a que é normalmente exportada possui grau de pureza altíssimo, sendo misturada a outras substâncias antes da entrega ao consumidor para elevar o rendimento. Pena-base elevada para seis anos de reclusão.
8 . Ainda que o réu seja preso em flagrante e que a autoria criminosa seja conhecida, a atenuante da confissão deve ser mantida quando efetivamente ocorreu e contribuiu para a formação do convencimento do Juiz acerca da autoria delitiva. Precedentes.
9 . Não existem critérios legais para a valoração do "quantum" a ser aplicado em razão das atenuantes, devendo ser consideradas as circunstâncias dos autos e os princípios da proporcionalidade, razoabilidade, necessidade e suficiência para a prevenção e repressão do crime, bem como a relevância probatória da confissão. Mantida a atenuante da confissão espontânea no patamar eleito pelo Juiz. Pena reduzida para cinco anos e seis meses de reclusão.
10 . Não se há de falar que a aplicação da causa de aumento de pena do art. 40, I, da Lei de drogas configura dupla punição pelo mesmo fato ante o argumento de que a conduta de "exportar" está contida no núcleo do art. 33 da Lei 11343/06, que é crime de ação múltipla e prevê a conduta imputada ao réu, a de transportar ou trazer consigo o entorpecente quando estava em vias de embarcar para o exterior.
11. A simples distância entre países não justifica a aplicação da causa de aumento do inciso I do art. 40 da lei de drogas em patamar acima do mínimo, admitindo-se apenas nos casos em que a droga deixe o território nacional para ser distribuída em mais de um país no exterior. O legislador previu, nos incisos desse artigo, uma série de causas de aumento de pena, que justificam um aumento variável de um a dois terços, porém não estabeleceu os parâmetros para a quantificação do percentual. O índice de aumento deve ser calculado de acordo com as circunstâncias especificamente relacionadas com a causa de aumento, (e não às do crime), e variar de acordo com a quantidade de majorantes que estiverem presentes, de forma que na incidência de apenas um inciso não se justifica a elevação do percentual mínimo. Caso em que o réu foi preso com a droga ainda em território brasileiro e, em que pese sua intenção de levá-la a outro continente, não está comprovado que pretendesse difundi-la em mais de um país. Mantida a aplicação da causa de aumento em sexto, elevando a pena para 6 (seis) anos e 5 (cinco) meses de reclusão e 650 (seiscentos e cinqüenta dias-multa, no valor unitário fixado pela sentença.
12 . Excluída a aplicação da causa de redução de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas. Ainda que não se dedique a atividades criminosas e não haja notícias de ter praticado anteriormente algum crime, o réu, ao transportar a droga, integrou, de maneira voluntária, uma estrutura criminosa voltada à prática do tráfico transnacional de drogas, pois promoveu a conexão entre os membros da organização, de forma que não preencheram um dos requisitos necessários para gozar do benefício, que é o de "não integrar organização criminosa".
13 . A imposição de pagamento de pena pecuniária para os crimes não ofende a proibição constitucional de prisão civil por dívida (art. 5º, LXVII, da CF), uma vez que não se está punindo a inadimplência civil, mas sim a prática de um delito. A aplicação da pena pecuniária decorre do preceito secundário expresso no art. 33 da lei de drogas, previsão legal e incondicional, que incide obrigatoriamente em cumulação com a pena privativa de liberdade , independentemente da situação econômica do réu.
14 . Nos termos do art. 51 do CP, a pena de multa é considerada dívida de valor após o trânsito em julgado da condenação, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, de forma que a pena pecuniária prevista no preceito secundário de um tipo penal não pode ser convertida em pena privativa de liberdade caso não seja paga, cabendo sua execução na forma da legislação tributária, razão pela qual não há possibilidades de que a ré permaneça custodiada por período superior ao da condenação. Pena pecuniária fixada em seiscentos e cinquenta dias-multa, no valor unitário estabelecido pela sentença.
15 . Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. A conversão não se mostra como medida social recomendável, diante do estímulo para a prática do tráfico de drogas, crime que causa grave lesão ao bem jurídico tutelado (saúde pública), sendo insuficiente para a prevenção e repressão do delito. Ainda que se admita a substituição das penas pelo fato de os estrangeiros serem iguais aos brasileiros perante a Constituição Federal, para a concessão será necessário que não estejam em situação irregular no país e que nele possuam residência fixa.
16. O Plenário do STF declarou, através do "habeas corpus" 97256, pela via incidental, a inconstitucionalidade da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos" contida no parágrafo 4º do art. 33, da Lei nº 11.343/06, bem como da expressão "vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos", constante do art. 44 da mesma lei. Contudo, a ordem não foi concedida para assegurar ao paciente a imediata substituição, mas sim para remover o óbice contido na Lei 11.343/06, devolvendo ao Juízo das Execuções Criminais a tarefa de auferir o preenchimento das condições objetivas e subjetivas para a concessão.
16 . Caso em que as particularidades do crime não recomendam a substituição, tendo em vista o grau elevado de culpabilidade do réu, com provas contundentes de que participou de uma organização criminosa complexa.
17 . A proibição da liberdade provisória, nos casos de crimes hediondos e assemelhados, decorre da própria proibição de fiança imposta pela CF, art. 5º, XLIII. O art. 2º, II, da Lei nº 8.072/90 nada mais fez do que atender à norma constitucional, ao considerar inafiançáveis os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes definidos como hediondos.
18 . A Lei nº 11.343/2006, que é específica para os crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, no artigo 44 estabelece que os crimes previstos nos artigos 33, caput e § 1º e 34 a 37 são insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória. Dispõe ainda o artigo 59 da mesma lei que, nos crimes de tráfico , o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória. Contudo, não tem o direito de recorrer em liberdade o acusado que permaneceu justificadamente preso durante a instrução criminal, por força de prisão em flagrante ou preventiva, ainda que seja primário e de bons antecedentes. Sobrevindo sentença penal condenatória, um de seus efeitos é a manutenção da custódia do réu para apelar, o que não constitui ofensa à garantia constitucional da presunção de inocência, nos termos da Súmula 09 do STJ, de forma que eventuais condições favoráveis do agente, como primariedade e bons antecedentes, não são garantidoras de direito subjetivo à liberdade provisória, quando outros elementos recomendam a prisão.
19 . A vigência da Lei nº 11.464/07, que deu nova redação ao artigo 2º, II, da Lei 8.702/90 afastando a vedação à liberdade provisória aos crimes equiparados a hediondos, não revogou o disposto no artigo 44 da lei 11.343/06 em relação à liberdade provisória, já que a Lei 11.343/06 se trata de legislação especial, que expressamente veda essa concessão aos acusados de tráfico de drogas, não se havendo que falar que o artigo 44 da lei de drogas foi derrogado tacitamente pela Lei 11.464/2007, ou em inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, uma vez que é fruto da regra constitucional prevista no art. 5º, inc. XLIII da Constituição Federal, e de uma política criminal mais rigorosa de repressão aos crimes de tráfico .
20 . Caso em que o acusado foi preso em flagrante e assim permaneceu durante toda a instrução criminal. Ademais,é estrangeiro, sem vínculos com o distrito da culpa, com fortes possibilidades de se evadir se for solto, razão pela qual sua prisão tem por finalidade assegurar a aplicação da lei penal e o próprio resultado do processo, com o cumprimento integral da pena.
21 . Apelação da defesa a que se nega provimento.
22 . Apelação ministerial a que se dá parcial provimento para majorar a pena-base e não aplicar a causa de redução do § 4º, da Lei 11.343/06, fixando a pena do réu definitivamente em seis anos e cinco meses de reclusão e seiscentos e cinquenta dias-multa. (fls. 384/386-V)

Após a interposição de Recurso Especial, o feito foi remetido ao Colendo Superior Tribunal de Justiça, onde a Egrégia Quinta Turma, ao conhecer do Recurso Especial, deu parcial provimento ao Recurso Especial para que, afastada a obrigatoriedade do regime inicial fechado no tocante ao crime de tráfico de drogas, essa Corte Regional avalie a possibilidade de modificação do regime inicial do cumprimento de pena, à luz do artigo 33, §§2º e 3º do Código Penal.

Após o retorno dos autos, a Ilustre Representante do Ministério Público Federal atuante perante essa Egrégia Corte Regional, manifestou-se pela manutenção do regime inicial fechado (fls. 523), reportando-se à sua manifestação de fls. 298/339.

Reconhecida a inconstitucionalidade do § 1º, do artigo 2º, da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, o regime prisional deverá ser fixado à luz do Código Penal.

Ao fixar os parâmetros para a fixação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, dispõe o § 3º, do artigo 33, do Código Penal que:


"Art. 33. (...)
§ 3º. A determinação do regime inicial de cumprimento de pena far-se-á com observância dos critérios previstos no artigo 59 deste Código."

No caso dos autos, a Colenda 5ª Turma dessa Corte Regional, ao sopesar a natureza e a quantidade da substância entorpecente apreendida em poder da apelante (1.110 gramas de cocaína) quando da sua prisão em flagrante, reconheceu como desfavoráveis as circunstâncias judiciais referentes à culpabilidade e conseqüências do delito, como se depreende do seguinte excerto do voto proferido pelo então Desembargador Federal Antonio Cedenho, in verbis:


"(...) No caso, apesar da primariedade e bons antecedentes, o acusado não faz jus à fixação da pena-base no mínimo legal, como quer a defesa, considerando-se a natureza e quantidade da droga que transportava.
De fato, não pode ser considerada de pequena monta a quantidade apreendida nestes autos, se comparada às quantidades normalmente portadas pelo criminoso no tráfico urbano de varejo, quando é vendida diretamente aos consumidores pelos pequenos traficantes.
Ainda que o réu, na qualidade de "mula" do tráfico , não decida acerca da quantidade da droga que irá transportar, é inegável que possui consciência, por agir mediante promessa de pagamento, que estava colaborando com a atuação de uma organização voltada ao tráfico de entorpecentes.
Por outro lado, a cocaína é tão maléfica ao organismo quanto as demais que são usualmente traficadas, pois vicia facilmente, sendo alta sua lesividade à saúde dos usuários, Por outro lado, a que é normalmente exportada possui grau de pureza altíssimo, sendo misturada a outras substâncias antes da entrega ao consumidor para elevar o rendimento.
Ademais, o bem jurídico tutelado pela Lei 11.343/06 é a saúde pública. Portanto, as consequências do crime de tráfico de drogas são extremamente nefastas, já que objetiva o fornecimento de expressivo numerário aos controladores da mercancia internacional de entorpecente, em prejuízo da saúde e do patrimônio honesto de milhares de cidadãos. Não se pode olvidar também que é um crime que está diretamente vinculado a outras práticas delitivas, em especial os crimes contra a pessoa.
Portanto, ainda que o réu seja primário e de bons antecedentes, mas levando em conta a natureza e a quantidade da droga, bem como a gravidade e consequências do crime, e tendo em vista a larga faixa de graduação da reprimenda corporal prevista pelo preceito secundário do tipo descrito no artigo 33 da Lei 11.343/06 (de cinco a quinze anos de reclusão), penso que se mostra justa e suficiente para a prevenção, reprovação e repressão do crime, a fixação em patamar acima do mínimo legal.
Nesse aspecto, concordo com o E. Relator, quando afirma que as circunstâncias do crime justificam a exasperação da pena, tendo em vista a audácia do réu em transportar mais de setenta cápsulas em seu organismo, contendo mais de um quilo de cocaína, o que denota que estava disposto a chegar até as últimas conseqüências para o sucesso da atividade criminosa.
Assim sendo, fixo a pena-base do réu em seis anos de reclusão.
Consoante entendimento cediço nas Cortes Superiores, a proibição da liberdade provisória, nos casos de crimes hediondos e assemelhados, decorre da própria proibição de fiança, imposta pela Constituição Federal no artigo 5º, inciso XLIII.
E o artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.072/90, atendendo à norma constitucional, considerou inafiançáveis os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes definidos como hediondos.
Por outro lado, a Lei nº 11.343/2006, que é específica para os crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, no artigo 44 estabelece que os crimes previstos nos artigos 33, caput e § 1º e 34 a 37 são insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória. Dispõe ainda o artigo 59 da mesma lei que, nos crimes de tráfico, o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória.
Sabe-se, contudo, que não tem o direito de recorrer em liberdade o acusado que permaneceu justificadamente preso durante a instrução criminal, por força de prisão em flagrante ou preventiva, ainda que seja primário e de bons antecedentes e que, sobrevindo sentença penal condenatória, um de seus efeitos é a manutenção da custódia do réu para apelar, o que não constitui ofensa à garantia constitucional da presunção de inocência, nos termos da Súmula 09 do STJ, de forma que eventuais condições favoráveis do agente, como primariedade e bons antecedentes, não são garantidoras de direito subjetivo à liberdade provisória, quando outros elementos recomendarem a prisão.
Postas tais premissas, verifico que o réu foi preso em flagrante e assim permaneceu durante toda a instrução criminal. É estrangeiro, com fortes possibilidades de se evadir se for solto, razão pela qual a prisão tem por finalidade assegurar a aplicação da lei penal e o próprio resultado do processo, com o cumprimento integral da pena.
Por outro lado, a mera circunstância de o réu integrar uma organização criminosa dedicada à prática do tráfico de drogas já é suficiente para que permaneça preso, pois sabe-se que essas organizações não se intimidam com ações repressoras no sentido de investigar e punir a ação do grupo, tanto é que a própria Lei nº 9.034/95, que trata das organizações criminosas, prevê expressamente no artigo 7º, que não será concedida liberdade provisória, com ou sem fiança, aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa, como no caso.
Assim sendo, para a efetivação da ação repressora do Estado, é necessário que o grupo seja desestruturado, o que somente se obtém com a prisão de todos os seus integrantes, daí porque o principal fundamento para a custódia é a garantia da ordem pública.
E ainda que não mais se justifique o requisito concernente à conveniência da instrução criminal, já que a instrução probatória já foi encerrada, remanesce também a necessidade da garantia da ordem pública e da necessidade de se garantir a aplicação da lei penal, razão pela qual não cabe o deferimento do benefício do apelo em liberdade, quer seja mediante termo de comparecimento (artigo 310, parágrafo único), ou mediante pagamento de fiança (artigo 324, inciso IV).
Diante do exposto, nego provimento à apelação da defesa e dou parcial provimento à apelação ministerial para majorar a pena-base do réu e excluir a aplicação da causa de redução do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, fixando a pena definitivamente em seis anos e cinco meses de reclusão e pagamento de 650 (seiscentos e cinquenta) dias-multa.
Determino o envio de ofício ao Ministério da Justiça, com o escopo de verificação da conveniência e oportunidade da instauração de procedimento administrativo tendente à expulsão do réu Kevin Igboamalu Odeh, a ser efetivada após o cumprimento da pena. (...)".(fls. 381/383-V)

Cumpre ressaltar que a jurisprudência exarada pelos Tribunais Superiores é firme no sentido de que as circunstâncias judiciais reveladas pela natureza e a quantidade da droga se mostram suficientes para a determinação do regime prisional mais gravoso.



Nesse sentido:

"Recurso ordinário em habeas corpus. 2. Recorrente condenada à pena de 4 anos, 9 meses e 15 dias de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do delito previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006. 3. Denegada a ordem impetrada no STJ que objetivava o estabelecimento de regime prisional mais brando. 4. A hediondez ou a gravidade abstrata do delito não obriga, por si só, o regime prisional mais gravoso, pois o juízo, em atenção aos princípios constitucionais da individualização da pena e da obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais, deve motivar o regime imposto, observando a singularidade do caso. Precedentes. 5. A fixação de regime diverso do fechado para condenados por tráfico de drogas é possível a depender do quantum da pena e das circunstâncias judiciais. Entretanto, neste caso, a qualidade da droga (crack), que possui alto grau de determinação de dependência física e psíquica, associada à elevada quantidade apreendida (293 pedras), justificam a determinação do regime inicial fechado, ainda que a pena final seja inferior a 8 (oito) anos. 6. Recurso ao qual se nega provimento."(RHC 116080, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 25/06/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-156 DIVULG 09-08-2013 PUBLIC 12-08-2013)
"AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO. QUANTIDADE DE DROGAS. CONSIDERAÇÃO NAS ETAPAS DA DOSIMETRIA. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. ALTERAÇÃO DO PATAMAR. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA. ART. 33, §4º DA LEI 11.343/06 E CAUSA DE AUMENTO DE PENA. ART. 40, I, DA LEI DE DROGAS. REEXAME DE PROVA. SÚMULA 7/STJ. FIXAÇÃO DO REGIME SEMIABERTO. IMPOSSIBILIDADE. NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. MALFERIMENTO AO ART. 44 DO CP. INOCORRÊNCIA. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUPERIOR A 4 ANOS. SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVA DE DIREITOS. NÃO PREENCHIMENTO DO REQUISITO OBJETIVO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é uniforme no sentido de que não ocorre bis in idem na consideração da quantidade de droga para a fixação da pena-base e também do patamar da causa especial de diminuição de pena, com a utilização de um mesmo parâmetro de referência, mas em momentos distintos e com finalidades diversas, visando à fixação de reprimenda proporcionalmente suficiente à reprovação e prevenção do delito, diante das circunstâncias em que perpetrado.
2. Não pode esta Corte Superior, que não constitui instância revisora, proceder à alteração da fração aplicada a título de causa de diminuição de pena, nos termos do artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, nem da causa de aumento prevista no artigo 40, inciso I do mesmo diploma normativo, seja para majorá-las, seja para reduzi-las, sem revolver o acervo fático-probatório. Incidência da Súmula 7/STJ.
3. Nos termos da jurisprudência pacífica deste Tribunal, ainda que o quantum de pena tenha sido fixado entre 4 e 8 anos, "a quantidade de droga apreendida e a internacionalidade do delito, por evidenciarem maior reprovabilidade da conduta, bem como a acentuada periculosidade do paciente, recomendam a fixação do regime inicial fechado". (AgRg no RHC 32.119/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, DJe 13/06/2012). Incidência do enunciado 83 da Súmula deste STJ.
4. Não há falar em violação ao art. 44 do Código Penal se o recorrente não preenche o requisito objetivo constante no inciso I, primeira parte, do mesmo artigo, que estabelece o máximo de quatro anos de pena aplicada, para que se faça jus ao benefício da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
5. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no REsp 1371371/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 17/09/2013, DJe 25/09/2013)
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO. REGIME INICIAL.
I - Na determinação do regime inicial do cumprimento da pena privativa de liberdade, deve-se ter em consideração, além da quantidade de pena aplicada (§ 2º do art. 33 do CP), também as condições pessoais do réu (§ 3º do art. 33 c/c art. 59 do CP), sendo vedado, em regra, considerar apenas a gravidade do crime em si.
II - Incompatibilidade da fixação do regime inicial fechado se a quantidade da pena imposta permite seja estabelecido o semi-aberto e as circunstâncias judiciais, na determinação da pena base, foram tidas como favoráveis ao réu. Precedentes.
Writ concedido." (HC 10.299/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 03/02/2000, DJ 21/02/2000, p. 144)

Diante do exposto, suscito a presente questão de ordem para, considerando que a natureza e a quantidade da droga apreendida no caso concreto se consubstanciam em circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu KEVIN IGBOAMALU ODEH, fixar o regime inicial para o cumprimento da pena privativa de liberdade como o fechado, nos termos do § 3º, do artigo 33, do Código Penal.

Dispensado o acórdão, nos termos do art. 84, parágrafo único, inciso IV, do Regimento Interno desta E. Corte.

É COMO VOTO.


PAULO FONTES
Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010253-18.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.010253-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : KEVIN IGBOAMALU ODEH reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00102531820114036119 4 Vr GUARULHOS/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública da União, em face da r. sentença que condenou Kevin Igboamalu Odeh como incurso nas penas do artigo 33, "caput", c/c o artigo 40, inciso I, ambos da Lei n.º 11.343/2006, a 04 (quatro) anos e 11 (onze) meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, e ao pagamento de 486 (quatrocentos e oitenta e seis) dias-multa, no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à data do fato.

Em razões de fls. 193/201, o Ministério Público Federal requer, em síntese:

a) a exasperação da pena-base;

b) a inaplicabilidade da atenuante da confissão;

c) a majoração do patamar fixado na r. sentença referente à causa de aumento de pena prevista pelo artigo 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06;

d) a não incidência da causa de diminuição prevista no artigo 33, §4º, da Lei n.º 11.343/06.

Contrarrazões defensivas às fls. 205/216, pelo improvimento da apelação ministerial.

Em razões de fls. 217/238, a defesa requer, em síntese:

a) a absolvição do apelante, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, ante a ausência de prova da materialidade, ou, ao menos, a não utilização da quantidade do entorpecente como critério para a elevação da pena;

b) a absolvição do apelante, em razão do reconhecimento do estado de necessidade exculpante, ou a redução da pena, nos termos do artigo 24, "caput" e §2º, do Código Penal, ou sua aplicação como atenuante genérica (artigo 65, inciso III, alínea "a", do Código Penal);

c) em caso de condenação, a aplicação da pena-base no seu patamar mínimo;

d) maior diminuição da pena pelo reconhecimento da atenuante de confissão espontânea do acusado;

e) a aplicação da causa de diminuição de pena prevista pelo §4º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/06 no seu patamar máximo (2/3);

f) a não aplicação do artigo 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06, sob pena de "bis in idem";

g) a não aplicação da pena de multa ou, pelo princípio da eventualidade, sua fixação no mínimo legal;

h) a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos termos dos precedentes dos tribunais superiores;

i) o reconhecimento da insconstitucionalidade do disposto no §1º do artigo 2º da Lei n.º 8.078/90, aplicando-se o artigo 33 do Código Penal para a fixação do regime inicial de cumprimento da pena;

j) a concessão do direito de recorrer em liberdade, expedindo-se, consequentemente, o competente alvará de soltura.

Contrarrazões ministeriais às fls. 240/279, pelo improvimento da apelação defensiva.

Em parecer, a Procuradoria Regional da República opinou pelo parcial provimento do recurso ministerial e pelo desprovimento do recurso defensivo.

É o relatório.

À revisão.

LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010253-18.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.010253-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : KEVIN IGBOAMALU ODEH reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00102531820114036119 4 Vr GUARULHOS/SP

VOTO

Segundo a denúncia, no dia 23/09/2011, no saguão do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos/SP, o apelante foi surpreendido por agente federal, atuando em fiscalização de rotina, na posse de 1.110g (mil cento e dez gramas - massa líquida) de cocaína, na iminência de embarcar em voo da Companhia Aérea IBERIA, com destino a Casablanca/Marrocos, estando a droga alojada no estômago do réu, que, após ser submetido a exames médicos, expeliu 73 (setenta e três) cápsulas contendo substância branca, posteriormente identificada como cocaína.


A materialidade delitiva restou efetivamente comprovada por meio do Laudo Preliminar de Constatação (fls. 08/09), posteriormente ratificado pelo Laudo de Perícia Criminal Federal encartado às fls. 81/85, que atesta ser cocaína a substância entorpecente apreendida na posse do acusado.


Nesse aspecto, não merece prosperar a alegação defensiva no sentido de que não houve prova da materialidade da conduta do apelante, na medida em que os laudos teriam sido elaborados com base, apenas, em "amostra" do material apreendido, não se demonstrando que a totalidade da substância encontrada em poder do réu - 1.110g (mil cento e dez gramas) -, seria, de fato, cocaína.


Ora, como bem explicitado pelo MM. Juízo "a quo", as perícias toxicológicas são realizadas com base em amostras, sem que isso retire a credibilidade de suas conclusões:


"Disso se extrai que não bastam meras alegações da Defesa para que se tenha por duvidoso o laudo técnico apresentado. É preciso, mais, que a Defesa aponte dados concretos do material apreendido - como, e.g., a existência de porções do material de consistências, cores ou odores diferentes - que permitam inferir, com razoável grau de plausibilidade, que nem todo o material apreendido tem a mesma natureza da amostra periciada." (fl. 177, verso) - destaque no original.

Reputo comprovada, portanto, a materialidade delitiva.


A autoria, da mesma forma, é inconteste.


Com efeito, além de ter sido preso em flagrante delito na posse da droga, alojada em cápsulas em seu estômago, ao ser interrogado em juízo, o apelante confessou integralmente a prática delitiva, afirmando que a cocaína teria como destino final a cidade de Mali, no continente africano, recebendo US$ 2.000 (dois mil dólares) pelo transporte da droga. Sua versão fora corroborada pelos testemunhos harmônicos e coesos colhidos em inquérito e em juízo.


No tocante à transnacionalidade do tráfico, também restou demonstrada ante as circunstâncias da prisão, realizada no Aeroporto Internacional de São Paulo momentos antes de o acusado embarcar com destino à Casablanca/Marrocos, corroboradas pelo cartão de embarque e passaporte encartados aos autos (fls. 17/18 e 73, respectivamente), bem como pela confissão do apelante.


Ao contrário do aduzido pela defesa, não há falar-se no reconhecimento de quaisquer causas excludentes da ilicitude ou da culpabilidade.


Com efeito, o réu alegou que estaria em dificuldades financeiras, porém, tais circunstâncias não têm o condão de extrair a ilicitude ou a culpabilidade de sua conduta.


De fato, é cediço que o ordenamento jurídico pátrio permite, excepcionalmente, a prática de condutas típicas em razão de situações especiais, como aquele que age em legítima defesa ou em estado de necessidade justificante ou exculpante.


Porém, para que se possa reconhecer tais excludentes, é imprescindível que aquele que as alega comprove as suas razões sem qualquer sombra de dúvida, sob pena de desqualificação do próprio instituto, cuja finalidade é a de garantir, excepcionalmente, a tutela de um bem jurídico ao mesmo tempo em que outro é preterido, mas desde que presente uma causa justificante, sendo certo que a defesa não se desincumbiu desse ônus, nos termos do que determina o artigo 156 do Código de Processo Penal.


Ademais, eventuais privações econômicas devem ser superadas através de meios lícitos, jamais pela opção criminosa, sendo certo que os institutos em tela somente hão de ser reconhecidos em situações especialíssimas, nas quais o agente não possuía efetivamente outra alternativa senão a opção delitiva, mas desde que haja a devida proporcionalidade entre os bens jurídicos em confronto, o que não é o caso destes autos, porquanto não se pode preterir a saúde e a vida humana em prol do patrimônio do agente, máxime quando não comprovado, de forma cabal, que o proveito do crime seria utilizado para seu sustento e/ou de sua da família.


Por todas essas razões, não há como absolver o réu da prática do delito a que foi condenado.


Passo, pois, à análise da dosimetria da pena.


Considerando as circunstâncias judiciais previstas nos artigos 59 do Código Penal e 42 da Lei Antitóxicos, particularmente a natureza e a quantidade de substância entorpecente apreendida na posse do réu - 1.110g (mil cento e dez gramas - massa líquida) de cocaína, a pena-base foi fixada em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.


Entendo que referido "quantum" foi incorreta e desproporcionalmente aplicado, pois a grande quantidade e a natureza da droga (cocaína), apta a causar consequências gravíssimas a relevante número de pessoas e famílias, são circunstâncias que legitimam a fixação da pena-base acima daquele patamar.

Ademais, as circunstâncias do crime corroboram para a exasperação, porquanto a audácia do apelante em transportar 73 (setenta e três) cápsulas em seu estômago, contendo mais de 1kg (um quilograma) de cocaína, merece maior reprovabilidade, denotando estar o réu disposto a chegar às últimas consequências para o sucesso da empreitada criminosa.

Assim, sopesados esses aspectos, aplico a pena-base em 06 (seis) anos de reclusão.

Ao contrário do aduzido pela acusação, entendo presente o instituto da confissão espontânea (artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal), pois, independentemente de o réu ter arguido excludentes, certo é que ele confessou integralmente a prática delitiva, o que basta ao reconhecimento daquela atenuante, sendo a pena, pois, reduzida para 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

Na terceira e última fase, em razão da transnacionalidade do delito, deve ser mantida a aplicação da causa de aumento prevista no artigo 40, inciso I, da Lei em questão, no patamar de 1/6 (um sexto), resultando, assim, na pena de 06 (seis) anos e 05 (cinco) meses de reclusão.


Não há falar-se na ocorrência de "bis in idem", porquanto o verbo "exportar", previsto no "caput" do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006 pode significar, como bem esclarecido pela própria defesa, o transporte da droga tanto para o exterior, quanto para os demais Estados ou Municípios da Federação Brasileira.


Nesse sentido, o Dicionário Aurélio prevê expressamente que o verbo "exportar" significa, verbis:


"Mandar transportar para fora de um país, estado ou município (artigos nele produzidos)."

Ocorre, porém, que, exclusivamente quanto ao transporte da droga para o exterior, entendeu o legislador por bem majorar as reprimendas impostas (artigo 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/2006), face a maior reprovabilidade da conduta, de forma que as penas mínimas (de reclusão e multa) previstas no "caput" do artigo 33 (05 anos de reclusão e 500 dias-multa) referem-se, tão somente, à exportação da droga entre os estados e municípios brasileiros, se o tráfico for praticado no Brasil, incidindo a majorante do artigo 40, inciso I, apenas quando a exportação realizar-se ao exterior.


Deve-se ressaltar, ademais, que a redação do inciso I do artigo 40 da Lei n.º 11.343/2006, ao externar que a transnacionalidade do tráfico deve ser aferida pelas circunstâncias concretas do fato, possibilita ao interprete concluir que o tráfico de drogas terá caráter transnacional toda vez que estiver presente qualquer liame com o exterior, independentemente de a conduta praticada pelo agente tenha, ou não, voltado-se à exportação ou à importação de entorpecente.


Por todas essas razões, rechaço a alegação de "bis in idem".


Quanto à aplicação do §4º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006, não vislumbro nos autos a existência de quaisquer elementos que possibilitem concluir seja o apelante integrante da organização criminosa que o aliciou ou mesmo que se dedique à prática reiterada de atividades criminosas, não sendo lícito presumir-se seja o réu criminoso habitual ou com personalidade voltada ao crime, sob pena de odiosa responsabilização objetiva, razão pela qual mantenho a aplicação da referida minorante no patamar de 1/6 (um sexto).


Portanto, a pena privativa de liberdade resta definitivamente aplicada em 05 (cinco) anos, 04 (quatro) meses e 05 (cinco) dias de reclusão.


A pena de multa, por sua vez, observada a proporcionalidade com a pena privativa de liberdade, resta fixada em 535 (quinhentos e trinta e cinco) dias-multa.

Não há que se falar na inaplicabilidade da pena de multa, posto que expressamente prevista na legislação de regência, não havendo ressalva no texto da lei.

Ademais, não há inconstitucionalidade no simples fato de referida reprimenda ser mais drástica frente aquela prevista no Código Penal, porquanto é lícito ao legislador infraconstitucional estabelecer parâmetros mais gravosos a determinadas espécies delitivas, nas hipóteses em que o delito também causar à sociedade consequências mais intensas e danosas, como se dá nos casos dos crimes hediondos e aos a eles equiparados.

Assim, a eventual impossibilidade de cumprimento da pena deverá ser sopesada pelo MM. Juízo das Execuções Penais, em momento oportuno.


Com relação ao regime inicial, deve ser mantido o inicial fechado, único compatível com a prática de crimes extremamente gravosos à sociedade, tal como o verificado no caso presente, devendo prevalecer o artigo 2º, §1º, da Lei n.º 8.072/90, com a redação da Lei n.º 11.464/2007.


No que se refere à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, ausentes estão os pressupostos objetivos à concessão, tendo em vista que fixada reprimenda privativa de liberdade superior a 04 (quatro) anos de reclusão.


Ainda que assim não fosse, ausentes estão os pressupostos subjetivos previstos no artigo 44 do Código Penal, porquanto a quantidade e a natureza da droga teriam o condão de causar consequências gravíssimas a diversas pessoas, não sendo, assim, tal conduta compatível com os escopos da substituição.


Não há falar-se em direito à liberdade provisória e ao recurso em liberdade, pois, por primeiro, tendo o acusado sido preso em flagrante e assim permanecido durante todo o processo, com maior razão deve ser mantida a prisão cautelar até o trânsito em julgado, conforme reiterada jurisprudência de nossos tribunais superiores.


Ademais, verifico presentes os pressupostos da prisão preventiva, pois além de a autoria e a materialidade delitivas já terem sido exaustivamente demonstradas, é certo que o acusado é estrangeiro, não havendo qualquer garantia de que, posto em liberdade, se apresente espontaneamente após o trânsito em julgado para o cumprimento de sua pena, circunstância suficiente à manutenção da prisão cautelar, como forma de garantir a aplicação da lei penal.


Ante todo o exposto, nego provimento à apelação defensiva e dou parcial provimento à apelação ministerial, a fim de majorar a pena-base aplicada, restando a reprimenda definitivamente fixada em 05 (cinco) anos, 04 (quatro) meses e 05 (cinco) dias de reclusão e 535 (quinhentos e trinta e cinco) dias-multa, mantendo-se, no mais, a r. sentença "a quo".

É como voto.

LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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