D.E. Publicado em 07/12/2012 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar, e, no mérito, negar provimento ao recurso do Ministério Público Federal e dar parcial provimento ao recurso da defesa Claire Elizabeth Gordon para, majorando a pena-base em menor proporção, bem como aplicando a causa de diminuição, prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), sendo que o Juiz Federal ConvocadoMÁRCIO MESQUITA o fazia em menor extensão tão-somente para majorar a pena-base em menor proporção, ficando vencido neste ponto; restando a pena definitiva fixada em 5 (cinco) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagamento de 629 (seiscentos e vinte e nove) dias-multa, nos termos relatório e do voto do Relator que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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VOTO VENCIDO
O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA:
Trata-se de apelações da Acusação e da Defesa contra a sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara Federal de Guarulhos/SP, que condenou CLAIRE ELIZABETH GORDON à pena de 7 (sete) anos, 11 (onze) meses e 28 (vinte e oito) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e pagamento de 791 (setecentos e noventa e um) dias-multa, como incursa no artigo 33, caput, c.c. artigo 40, I, da Lei 11.343/2006.
O feito foi levado a julgamento na sessão de 27/11/2012. Em seu voto, o E. Relator Desembargador Federal José Lunardelli rejeitou a preliminar, e, no mérito, negou provimento ao recurso do Ministério Público Federal e deu parcial provimento ao recurso da defesa de Claire Elizabeth Gordon para, majorando a pena-base em menor proporção, bem como aplicando a causa de diminuição, prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), restando a pena definitiva fixada em 5 (cinco) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagamento de 629 (seiscentos e vinte e nove) dias-multa, no que foi acompanhado pelo E. Juiz Federal Convocado Paulo Domingues.
Acompanhei o E. Relator, pelas razões expendidas no seu voto, para negar provimento ao apelo do Ministério Público Federal, bem como para rejeitar a preliminar e para dar parcial provimento ao apelo do réu, contudo o fazendo em menor extensão, tão somente para majorar a pena-base em menor proporção.
Com a devida vênia, ousei divergir da douta maioria para não aplicar a causa de diminuição do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006, fixando a pena em 6 (seis) anos, 5 (cinco) meses e 23 (vinte e três) dias de reclusão e pagamento 647 (seiscentos e quarenta e sete) dias-multa.
Passo a expor as razões da divergência.
Dispõe o artigo §4° do artigo 33 da Lei 11.343/2006 sobre a possibilidade de redução da pena no crime de tráfico de drogas, de um sexto a dois terços, "desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa".
Tais requisitos são exigíveis cumulativamente, e portanto a ausência de qualquer deles implica na inexistência de direito ao benefício da diminuição da pena.
Não me parece que o citado §4° do artigo 33 da Lei n° 11.343/06 deva ser interpretado de modo a possibilitar a sua aplicação às assim chamadas "mulas" do tráfico de drogas, porquanto tal interpretação favoreceria sobremaneira a operação das organizações criminosas voltadas para o tráfico internacional, o que certamente contraria a finalidade do citado diploma legal, que visa à repressão dessa atividade.
A atividade daquele que age como "mula", transportando a droga de sua origem ao destino, na verdade pressupõe a existência de uma organização criminosa, com diversos membros, cada qual com funções específicas. Quem transporta a droga em sua bagagem, ou em seu corpo, cumpre uma função dentro de um esquema maior, que pressupõe alguém para comprar, ou de alguma forma obter a droga na origem, e alguém para recebê-la no destino, e providenciar a sua comercialização.
Se aquele que atua como "mula" desconhece quem sejam os integrantes da organização criminosa - circunstância que não põe esta em risco de ser desmantelada - e foi aliciado de forma aleatória, fortuita e sem qualquer perspectiva de ingressar na "associação criminosa", muitas vezes em face da situação de miserabilidade econômica e social em que se encontra, outras em razão da ganância pelo lucro fácil, não há como se entender que faça parte do grupo criminoso, no sentido de organização. Mas o certo é que é contratado por uma organização criminosa para servir como portador da droga e, portanto, integra essa organização.
Acresce-se que não se exige o requisito da estabilidade na integração à associação criminosa; se existente tal estabilidade ou permanência nessa integração, estaria o agente cometendo outro crime, qual seja, o de associação para o tráfico, tipificado no artigo 35 da Lei nº 11.343/2006, em concurso material com o crime de tráfico, tipificado no artigo 33 do mesmo diploma legal.
E, ainda que se entenda que o traficante que atue como "mula" não integra a organização criminosa, é certo que o benefício não alcança aqueles que se dedicam à atividades criminosas, ou seja, aqueles que se ocupam do tráfico, como meio de subsistência, ainda que de forma não habitual.
Se o agente, sem condições econômicas próprias, despende vários dias de viagem, para obter a droga, e dirigir-se ao exterior, com promessa de pagamento pelo serviço de transporte, sem que comprove ter outro meio de subsistência, forçoso é concluir que faz do tráfico o seu meio de subsistência, não fazendo jus portanto à aplicação da causa de diminuição da pena.
Nesse sentido aponto precedentes do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Seção do Tribunal Regional Federal da Terceira Região:
No caso dos autos há elementos que permitem concluir que o réu integrava organização criminosa ou, caso assim não se entenda, que dedicava-se a atividades criminosas.
A expressiva quantidade da droga apreendida (9.604 gramas de cocaína); a inexistência de prova de ocupação lícita; o fato de haver confessado que tinha sido contratada no Suriname para transportar a droga para Uganda, passando por Doha; o fato de haver combinado o recebimento de 1.500 dólares americanos pelo transporte da droga; o fato de o traficante contratante ter providenciado a compra da passagem aérea internacional e demais despesas da viagem; o fato de o traficante contratante ter fornecido as bagagens, bem como instruído a acusada a colocar seus pertences pessoais, conforme relato em interrogatório judicial, referido na r.sentença apelada (fls.179verso/180).
Portanto, por integrar organização criminosa ou, caso assim não se entenda, por dedicar-se à atividades criminosas, a ré não faz jus à causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4° da Lei n° 11.343/06.
Assim, a pena-base de 6 anos e 8 meses de reclusão e 666 dias-multa, que reduzida em 1/6 por conta da confissão espontânea, resulta em 5 anos, 6 meses e 20 dias de reclusão e 555 dias-multa, e na terceira fase aumentada em 1/6 (um sexto) por força da causa de aumento da transnacionalidade, resulta na pena definitiva de 6 (seis) anos, 5 (cinco) meses e 23 (vinte e três) dias de reclusão e pagamento 647 (seiscentos e quarenta e sete) dias-multa, mantido o valor unitário mínimo.
Pelo exposto, pelo meu voto rejeito a preliminar de nulidade suscitada, nego provimento à apelação do Ministério Público Federal, dou parcial provimento à apelação da ré para reduzir a pena-base em menor proporção, fixando a pena definitiva em 6 (seis) anos, 5 (cinco) meses e 23 dias de reclusão, em regime inicial semi-aberto, e 629 (seiscentos e vinte e nove) dias-multa, mantida no mais a sentença.
É o voto.
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RELATÓRIO
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Trata-se de Apelações Criminais interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pela ré CLAIRE ELIZABETH GORDON contra a r. sentença de fls. 172/201-v, que julgou parcialmente procedente o pedido da denúncia (recebida em 28.05.2012 - fls. 101/103-v), para condenar a denunciada como incursa no art. 33, caput, c.c art. 40, inciso I, todos da Lei n.º 11.343/06, a uma pena de 7 (sete) anos, 11 (onze) meses e 28 (vinte e oito) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e pagamento de 791 (setecentos e noventa e um) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos, porque, no dia 9 de março de 2012, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos, foi presa em flagrante, quando estava prestes a embarcar para Doha/Qatar, no voo QR922 da empresa aérea QATAR, trazendo consigo 9.604g (nove mil, seiscentos e quatro gramas - massa líquida) de cocaína.
Irresignado, apela o Ministério Público Federal, em cujas razões recursais (fls. 209/224), requer a majoração da pena-base, bem como a exclusão da atenuante da confissão.
Por sua vez, apela a Defensoria Pública da União, na defesa da ré Claire Elizabeth Gordon, em cujas razões recursais (fls. 226/243), postula em síntese:
a) preliminarmente, a nulidade do processo, por inobservância do art. 400 do Código e Processo Penal;
b) a absolvição da apelante por falta de provas da materialidade, ou em razão de ter praticado o delito em estado de necessidade exculpante, ou, ainda, pelo princípio da eventualidade, que se reconheça como causa de redução de pena ou como atenuante genérica;
c) a fixação da pena-base no mínimo legal;
d) a aplicação da atenuante da confissão em, pelo menos, 1/2 e ainda que a reduza abaixo do mínimo legal;
e) a exclusão da causa de aumento de pena decorrente da transnacionalidade do delito, por configurar bis in idem;
f) a aplicação da causa de diminuição, prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, em seu patamar máximo;
g) a fixação de regime mais brando para início do cumprimento de pena, nos termos do art. 33 do Código Penal;
h) a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos;
i) a exclusão da pena de multa;
j) a concessão do direito de recorrer em liberdade.
l) a expedição de ofício ao Ministério da Justiça, Receita Federal e Ministério do Trabalho e Emprego para expedição de RNE, CPF, CTPS ou documento equivalente.
Contrarrazões da defesa (fls. 244/249-v), nas quais requer o desprovimento do recurso da acusação.
Contrarrazões do Ministério Público Federal (fls. 251/263), nas quais requer o desprovimento do recurso interposto pela defesa.
Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República, em seu parecer (fls. 275/290-v)), opina pelo desprovimento do recurso interposto pela defesa e provimento do recurso interposto pela acusação.
Feito submetido à revisão, conforme previsão regimental.
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VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Alega a defesa a nulidade do processo por afronta ao princípio do devido processo legal, diante do indeferimento do pedido para que o interrogatório do acusado fosse realizado ao cabo da audiência de instrução, nos termos do art. 400 do Código de Processo Penal.
Não merece prosperar referida alegação de nulidade, porque, no caso dos autos, o princípio da especialidade afasta a aplicação subsidiária do art. 400 do Código de Processo Penal, pois se trata de delito de tráfico de drogas, regido, nesse aspecto, pelo art. 57 da Lei n.º 11.343/06.
Nesses termos já decidiu o colendo Superior Tribunal de Justiça:
Assim, em estrita observância ao princípio da especialidade, se existe procedimento próprio para a apuração do delito cometido pelo apelante, no caso, tráfico de substância entorpecente, restam afastadas as regras do procedimento comum ordinário, previstas no Código de Processo Penal, cuja aplicação pressupõe, por certo, a ausência de regramento específico para a hipótese.
A defesa também não demonstrou nenhum prejuízo ao acusado.
Desta forma, resta afastada a preliminar alegada.
Prejudicado o pedido de concessão do direito de recorrer em liberdade, em razão do julgamento do presente recurso.
A apelante foi presa em flagrante, tendo permanecido nesta condição durante a ação penal, sendo afinal condenada pela r. sentença recorrida. Portanto, presa deve permanecer, pois, além do art. 44 da Lei n.º 11.343/06 vedar a concessão da liberdade provisória, também se encontram preenchidos os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, pois sua condição de estrangeir, que praticou crime no território nacional, é incompatível com a medida, haja vista não possuir vínculo familiar e laboral no país.
A materialidade do delito restou demonstrada pelo auto de apresentação e apreensão (fls. 07/08), pelo laudo preliminar de constatação (fls. 12/14) e pelo laudo de exame de substância definitivo (fls. 62/66), os quais atestam que a substância apreendida, por ocasião do flagrante, trata-se de cocaína.
Como bem salientado pelo Ministério Público Federal, em seu parecer (fls. 279):
Ademais, não custa ressaltar que a perícia técnica limita-se a pequena quantidade extraída de seu total pela simples inviabilidade de se remeter todo o produto ilícito para exame. Essa exigência inevitavelmente comprometeria a razoável duração do processo, uma vez que a perícia completa da substância apreendida naturalmente demandaria tempo considerável para conclusão, sendo certo que, encontrado o produto da perícia nas mesmas circunstâncias do restante, com idênticas características de odor e aspecto, razão não há para questionamento.
A autoria e o dolo restaram claros e demonstrados. Claire foi presa em flagrante, no dia 9 e março de 2012, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos, quando estava prestes a embarcar para Doha/Qatar, no voo QR922 da empresa aérea QATAR, trazendo consigo 9.604g (nove mil, seiscentos e quatro gramas - massa líquida) de cocaína.
O argumento de que a apelante "apenas aceitou fazer o transporte da droga, em razão da difícil situação financeira pela qual passava, sendo a sua principal motivação a sua própria manutenção e a de sua família", não prospera.
Claire poderia ter-se valido de outros meios lícitos para sanar essa suposta dificuldade financeira, que sequer ficou comprovada nos autos.
E ainda que houvesse a comprovação da alegação de dificuldades financeiras, tal fato não seria hábil para justificar a prática de um ilícito de tamanha gravidade (tráfico internacional de entorpecentes) e ilidir a responsabilização criminal, já que ingressar no mundo do crime não é solução acertada, honrosa, digna para resolver problemas econômicos.
Para fazer jus à excusa do estado de necessidade, é imprescindível que o agente se encontre diante de uma "situação de perigo atual", que tenha gerado a "inevitabilidade da conduta lesiva". E no presente caso, além de tais requisitos não estarem comprovados, é certo que existem inúmeros caminhos lícitos de suprir ou amenizar problemas financeiros, sem necessitar partir para a criminalidade. Contudo, o apelante optou pelo chamado commodus discessus, a saída cômoda, preferindo auferir proventos de maneira fácil, adentrando no repugnante mundo do crime, cometendo tráfico internacional de entorpecentes.
Por sua vez, o "estado de necessidade exculpante", defendido pela teoria diferenciadora e de divergente aceitação doutrinária e jurisprudencial, é fundamentado na inexigibilidade de conduta diversa, requisito sem o qual inexiste culpabilidade. Seus adeptos pregam que se for sacrificado um bem de valor maior ao preservado, deve ser analisado o perfil subjetivo do agente e perquirido se diante de seus atributos pessoais era possível ou não lhe exigir conduta diversa da perpetrada. Em caso negativo, exclui-se a culpabilidade com base no estado de necessidade exculpante. Se, no entanto, era de se lhe exigir outro comportamento, subsiste a punição do crime, podendo o magistrado reduzir a pena. Contudo, nosso ordenamento jurídico adotou a teoria unitária, e assim, ou se trata de causa excludente da ilicitude ou de causa de diminuição de pena. E ainda que assim não fosse, melhor sorte não restaria à defesa, tendo em vista que a prática de tráfico internacional de entorpecentes não era a única alternativa de sobrevivência da apelante (ACR 26478, Proc. 2006.61.19.003619-1, rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo, DJF3 CJ1 - 26.08.09, pág. 83).
Inafastável, portanto, a condenação de Claire Elizabeth Gordon pela prática de tráfico de entorpecentes, bem como inaplicável o estado de necessidade exculpante para fins de diminuição da pena, ou mesmo aplicação de atenuante genérica.
A internacionalidade da atividade de traficância com o exterior resta configurada, seja quando o tóxico venha para o Brasil, seja quando esteja em vias de ser exportado, como é o caso dos autos, em que a apelante foi presa em flagrante, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos, transportando cocaína, prestes a embarcar em voo internacional. "A internacionalidade do tráfico de entorpecentes fica caracterizada quando provada a intenção do agente de levar a droga para o exterior, independentemente da ação ter sido obstada momentos antes do embarque." (Processo n.º 2006.61.19.007014-9, Rel. Des. Fed. Vesna Kolmar, DJF3 17.11.08).
Portanto, não há como afastar a condenação da apelante pela prática do delito de tráfico internacional de entorpecentes.
Passemos à dosimetria da pena.
Na primeira fase da dosimetria da pena, o magistrado sentenciante fixou a pena-base em 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de reclusão, e, para tanto, fundamentou, além da quantidade e qualidade da droga, no fato de o apelante já ter idade suficiente para entender o caráter ilícito da conduta, bem como na finalidade do lucro fácil proporcionado pela narcotraficância.
O fato de já ter o apelante idade suficiente para entender o caráter ilícito da conduta deve ser levado em conta no momento da aferição de sua imputabilidade, e não para majorar a pena-base.
A busca do lucro fácil é elemento inerente ao próprio tipo penal do delito de tráfico, razão pela qual não pode ser valorada negativamente no momento da aplicação da pena-base (STJ - HC 162376/SP, rel. Min. Jorge Mussi, DJe 02.09.2011).
O risco de dano à sociedade é indissociável do próprio resultado do crime de tráfico de entorpecentes, já ponderado pelo legislador quando da cominação da pena em abstrato, constituindo, portanto, circunstância indissociável ao tipo penal em exame.
A apelante é primária, não registra antecedentes, e as circunstâncias do art. 59 do Código Penal não lhe são desfavoráveis, entretanto, em decorrência da quantidade (9.604g) e qualidade (cocaína) da droga apreendida, entendo, nos termos do art. 42 da Lei n.º 11.343/06, que a pena-base do delito deve ser majorada em menor proporção, ou seja, em 1/3 (um terço), restando fixada em 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 666 (seiscentos e sessenta e seis) dias-multa.
Na segunda fase da dosimetria da pena, o magistrado sentenciante reconheceu a atenuante da confissão, pois levada em conta como elemento para a condenação.
Realmente, extrai-se dos autos que o Juízo de 1º grau alicerçou a sentença condenatória, dentre outros elementos, na confissão da ré.
A confissão do acusado, porque espontânea, ou seja, sem a intervenção de fatores externos, autoriza o reconhecimento da atenuante genérica, inclusive porque foi utilizada como um dos fundamentos da condenação.
Nessa esteira, colaciono o seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça:"(...) Se a confissão judicial é um dos fundamentos da condenação, a atenuante prevista no art.65, inciso III, alínea d, do Código Penal, deve ser aplicada"( HC 70437/RJ, Rel.Min.Felix Fischer, DJ 17.09.07,p.314).
Ressalte-se, ainda, que o fato de a apelante somente confessar após ser presa em flagrante, transportando a droga em suas sacolas, não tem o condão de afastar o reconhecimento da atenuante, direito subjetivo do réu que confessa os fatos, uma vez que havia alternativas disponíveis aos acusados, como o direito constitucional de permanecer calado, podendo, inclusive, 'inventar' qualquer estória para justificar a alegação ignorância a respeito da existência da droga, como fazem certos acusados, mesmo quando presos em flagrante delito. Contudo, optaram por dizer a verdade, colaborando com a Justiça. Essa conduta é incentivada e premiada pelo legislador ao considerá-la como fator atenuante na individualização da sanção penal.
Ressalte-se, ainda, que o fato de a ré alegar uma excludente de ilicitude, no caso, estado de necessidade, não afasta o reconhecimento dessa atenuante, pois a confissão do fato delituoso foi realizada, cabendo ao magistrado avaliar se há causa bastante para exclusão da ilicitude ou da culpabilidade. Nesse sentido, decisão também do Superior Tribunal de Justiça:
Assim, com acerto o magistrado sentenciante reconheceu a atenuante da confissão.
A defesa requer a aplicação dessa atenuante em, pelo menos, 1/2 e ainda que a reduza abaixo do mínimo legal. Sem razão, entretanto.
A pena deve ser diminuída em 1/6 (um sexto), como já assentado na jurisprudência, bem como pelo fato de a ré ter confessado, mas alegado uma excludente de ilicitude, motivo pelo qual a pena passa a ser fixada em 5 (cinco) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 555 (quinhentos e cinquenta e cinco) dias-multa.
Na terceira fase de aplicação da pena, verifico que o juiz de primeiro grau fez incidir, com acerto, a causa de aumento da internacionalidade (art. 40, inciso I, da Lei 11.343/06), no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), pois presente uma única causa de aumento.
Nesse sentido, decisão desta Corte: "(...) O emprego do acréscimo de 2/3 (dois terços) decorrente da internacionalidade do tráfico é nitidamente excessivo, eis que presente uma única causa de aumento, devendo o percentual de majoração ser reduzido ao mínimo legal. Na esteira do entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, há de se admitir a retroatividade benéfica do artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06, que abriga o percentual mínimo de 1/6 (um sexto), resultando a pena privativa de liberdade definitivamente fixada em 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão, e a pena pecuniária em 77 (setenta e sete) dias-multa, mantido o valor unitário mínimo." (ACR 2005.61.19.0069763, rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo, DJF3 27.05.10) grifei.
A defesa requer a exclusão dessa causa de aumento decorrente da internacionalidade do delito, por entender que o verbo "exportar", constante no art. 33 da Lei n.º 11.343/06, já é elemento do tipo e, portanto, não pode ser considerado novamente para fins de majoração da pena, na terceira fase da dosimetria da pena, sob pena de se configurar o bis in idem.
Não há que se falar em bis in idem, pois o legislador, em observância aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena, distinguiu o tráfico realizado dentro do território nacional, entre Municípios ou Estados, e aquele que ocorre entre diferentes países, pretendendo, desta forma, punir mais severamente este último, já que afeta o interesse de mais de um país.
Ademais, a conduta imputada à ré foi a de "trazer consigo" e não a de "exportar", mais uma razão pela qual não há como deixar de fazer incidir a majorante da internacionalidade, prevista no art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06.
Sendo assim, a pena deve ser majorada em 1/6 (um sexto), passando a ser fixada em 6 (seis) anos, 5 (cinco) meses e 23 (vinte e três) dias de reclusão e 647 (seiscentos e quarenta e sete) dias-multa.
Ainda na terceira fase de aplicação da pena, o magistrado sentenciante deixou de aplicar a causa de diminuição prevista no artigo 33, §4º, da Lei n.º 11.343/06, por entender que "efetivamente integra a organização criminosa a pessoa que transporta entorpecente para o exterior, nas condições da acusada, ou seja, mediante contratação prévia para a realização de uma viagem internacional de grandes proporções, a país desconhecido e sem qualquer laço ou vínculo prévio, providenciada por terceiros, com despesas totalmente pagas e custeadas previamente, levando grande quantidade de entorpecente que, sabidamente, tem elevadíssimo valor no mercado espúrio, lembrando-se, ainda, não se tratar de pessoa que demonstre ter condições financeiras aptas a custear ou mesmo realizar uma viagem desse tipo com finalidades unicamente turísticas."
Referido artigo 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, prevê a redução de 1/6 a 2/3 para o agente que seja primário, possua bons antecedentes e não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa.
O dispositivo foi criado a fim de facultar ao julgador ajustar a aplicação e a individualização da pena às múltiplas condutas envolvidas no tráfico de drogas, notadamente o internacional, porquanto não seria razoável tratar o traficante primário, ou mesmo as "mulas", com a mesma carga punitiva a ser aplicada aos principais responsáveis pela organização criminosa que atuam na prática deste ilícito penal.
Do fato puro e simples de determinada pessoa servir como "mula" para o transporte de droga não é possível, por si só, inferir a inaplicabilidade da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei 11.342/2006, por supostamente integrar organização criminosa.
Claire Elizbeth Gordon é primária e não ostenta maus antecedentes. Não há prova nos autos de que se dedica a atividades criminosa, nem elementos para concluir que integra organização criminosa, apesar de encarregada do transporte da droga. Ademais, caberia à acusação fazer tal comprovação, o que não ocorreu no caso dos autos. Certamente, estava transportando a droga para bando criminoso internacional, o que não significa, porém, que fosse integrante dele.
Sendo assim, faz jus à aplicação da causa de redução de pena, prevista no § 4º do art. 33 da Lei n.º 11.343/06, entretanto, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), devido às circunstâncias objetivas e subjetivas do caso concreto em que a ré transportava 9.604g de cocaína ocultos dentro de sutiãs, escondidos dentro de duas sacolas, quando estava prestes a embarcar para Doha/Qatar.
Reduzindo-se, portanto, em 1/6 (um sexto), a pena passa a ser fixada em 5 (cinco) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão e 629 (seiscentos e vinte e nove) dias-multa.
Considerando que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus n.º 111840, em 27 de junho de 2012, deferiu, por maioria, a ordem e declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, deve ser fixado o regime inicial semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, "b", do Código Penal.
Já o pleito da defesa, concernente ao reconhecimento incidental da inconstitucionalidade da pena de multa, é totalmente descabido. Isso porque se o apelante foi condenado pela prática do delito tipificado no art. 33 da Lei n.º 11.343/06, deve incidir nas penas nele cominadas, quais sejam, pena privativa de liberdade, cumulativamente, com a pena de multa.
Trata-se, portanto, de elemento inerente ao tipo penal que não pode deixar de ser aplicado pelo magistrado em razão de eventual estado de miserabilidade do acusado.
Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, uma vez que não se encontram preenchidos os requisitos do art. 44 do Código Penal, pois a pena privativa de liberdade supera 4 (quatro) anos de reclusão.
Por fim, requer a defesa a expedição de ofício ao Ministério da Justiça, Receita Federal e Ministério do Trabalho e Emprego para expedição de RNE, CPF, CTPS ou documento equivalente. Entretanto, tal requerimento deve ser dirigido ao Juízo de Primeiro Grau, em momento oportuno, pois não se trata de matéria a ser decidida em sede de apelação.
Oficie-e ao Ministério da Justiça para que instaure ou dê continuidade ao processo de expulsão da condenada.
Diante do exposto, rejeito a preliminar e, no mérito, nego provimento à apelação do Ministério Público Federal e dou parcial provimento à apelação da defesa de Claire Elizabeth Gordon para, majorando a pena-base em menor proporção, bem como aplicando a causa de diminuição, prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), fixar a pena definitiva em 5 (cinco) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagamento de 629 (seiscentos e vinte e nove) dias-multa.
É o voto.
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