Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 27/09/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001839-73.2002.4.03.6110/SP
2002.61.10.001839-5/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : CESAR JOSE DOS SANTOS
ADVOGADO : JOAO JOSE DE MORAES
: RICARDO ALMEIDA DE SOUZA
APELADO : Justica Publica

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. INTERROGATÓRIO REALIZADO NOS TERMOS DA LEI PROCESSUAL VIGENTE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. NULIDADE DO PROCESSO: INOCORRÊNCIA. OPERAÇÃO CLANDESTINA DE RADIODIFUSÃO. CONDUTA NÃO DEFINIDA COMO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. TRANSAÇÃO PENAL: IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INAPLICABILIDADE. PROTEÇÃO DA REGULARIDADE DOS SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES E DO MONOPÓLIO DA UNIÃO.
1. Em matéria processual, aplica-se o princípio tempus regit actum. A nova lei aplica-se imediatamente, inclusive aos processos em curso, mantida a validade dos atos processuais praticados em conformidade com a legislação anterior. A realização do interrogatório sob o rito processual anterior à vigência da Lei nº 11.719/2008 está absolutamente regular. Precedentes.
2. Ao decidir o Conflito de Competência instaurado nos presentes autos, o E. Superior Tribunal de Justiça definiu estar a conduta imputada ao apelante enquadrada no artigo 183 da Lei nº 9.472/97, afastando a ocorrência de crime de menor potencial ofensivo e, por conseguinte, a competência da Turma Recursal para o julgamento da presente apelação.
3. O Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de que a conduta de manter emissora de radiodifusão sem autorização enquadra-se no artigo 183 da Lei nº 9.472/1997. Ressalva do ponto de vista pessoal do Relator.
4. A norma do artigo 183 da referida Lei 9.472/1997 protege não só a regularidade dos serviços de telecomunicações, mas também o monopólio, constitucionalmente atribuído à União, na exploração desses serviços. Dessa forma, é irrelevante que o aparelho apreendido não tenha potencial de interferência em outras frequências.
5. A se admitir a aplicação do princípio da insignificância, ao argumento da falta de potencialidade de interferência em outras faixas de freqüência, estar-se-ia, na verdade, descriminalizando a conduta em qualquer caso. Contudo, foi opção política do legislador proteger o monopólio constitucional da União mediante norma penal incriminadora.
6. Inaplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes de telecomunicação clandestina. Precedentes.
7. Autoria comprovada nos autos. O apelante não possuía autorização para operar a rádio. O réu já foi processado e condenado por fato ocorrido posteriormente à obtenção de habeas corpus e não há como se aceitar como séria a sua alegação de que pensava estar ao abrigo de decisão judicial que lhe possibilitaria a exploração da rádio.
8. Considerando que a condenação de primeiro grau baseou-se no artigo 70 da Lei 4.117/62, cuja pena é de um a dois anos de detenção, com trânsito em julgado para a Acusação, a fim de não incorrer em reformatio in pejus indireta, a pena não pode ultrapassar o fixado na sentença.
9. Quanto à prestação pecuniária, substitutiva da pena privativa de liberdade, é caso de diminuí-la, considerando a condição econômica do apelante, e deve ser destinada à entidade lesada com a ação criminosa, a União, nos termos do artigo 45, §1º do Código penal.
10. Preliminar rejeitada. Apelação parcialmente provida.



ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar e, no mérito, dar parcial provimento à apelação para reduzir a pena de prestação pecuniária, substitutiva da pena privativa de liberdade, para um salário-mínimo e, de ofício, alterar a sua destinação em favor da União, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 18 de setembro de 2012.
MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001839-73.2002.4.03.6110/SP
2002.61.10.001839-5/SP
RELATOR : Juiz Federal Convocado MARCIO MESQUITA
APELANTE : CESAR JOSE DOS SANTOS
ADVOGADO : JOAO JOSE DE MORAES
: RICARDO ALMEIDA DE SOUZA
APELADO : Justica Publica

RELATÓRIO


O Juiz Federal Convocado Márcio Mesquita (Relator):


O Ministério Público Federal, em 08/03/2006, denunciou CÉSAR JOSÉ DOS SANTOS, qualificado nos autos, nascido aos 11/05/1973, como incurso no artigo 70 da Lei 4.117/62. Consta da denúncia:


Consta dos autos (fls. 35/37) que o denunciado mantinha em utilização equipamento de telecomunicação (rádio FM), sem a devida autorização dos órgãos competentes.
Segundo consta do relatório técnico da Anatel de fls.40, no dia 16 de janeiro de 2002, agentes de fiscalização constataram a existência de rádio FM, operando na freqüência de 106,7 Mhz, explorando clandestinamente serviço de radiodifusão, na rua Tenente Urias de Barros, nº 763, bairro Vila Nova Itapetininga, Itapetininga/SP.
A autoria delitiva fica comprovada a fls.40, quando CESAR identificou-se como proprietário da rádio e não autorizou a entrada dos agentes de fiscalização sem um mandado de busca e apreensão, fato que prorrogou a prática do crime, que cessou apenas em 17 de novambro de 2003, quando do cumprimento do mandado judicial.
A materialidade delitiva ficou caracterizada pelo Auto de Apreensão de fls.83. Os equipamentos de telecomunicação que compunham a rádio estão descritos à fls.130, em Parecer Técnico da Anatel, e o Laudo de Exame em Aparelho Eletrônico, realizado pelo NUCRIM (fls.171/173), concluiu que os referidos aparelhos prestam-se à radiodifusão em FM, operando na freqüência 106,7 Mhz e com potência de 40 watts (fls.172).
Sendo assim conclui-se que CÉSAR, com vontade livre e consciente, mantinha em utilização equipamento de telecomunicação (rádio FM), sem a devida autorização dos órgãos competentes.

A denúncia foi recebida em 09.03.2006 (fls. 181).

Aditamento da denúncia, para a inclusão do número do CPF do acusado (fls. 190), recebido em 06.04.2006 (fls. 191).

Após regular instrução, sobreveio sentença, da lavra do MM. Juiz Federal Substituto Marcos Alves Tavares e publicada em 12.12.2008, condenando o réu à pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção, em regime inicial aberto, como incurso no artigo 70 da Lei nº 4.117/62. Substituída a pena privativa de liberdade pelas penas de prestação de serviços à entidade assistencial e prestação pecuniária correspondente a 6 salários mínimos a ser paga a entidade pública com destinação social (fls. 292/311).

Apela o réu sustentando, em preliminar, a nulidade do feito em virtude de não ter sido realizado novo interrogatório, nos termos do novel artigo 400 do Código de Processo Penal. No mérito, pleiteia a absolvição. Subsidiariamente, caso mantida a condenação, pede a redução da pena e do montante da prestação pecuniária ou ainda que seja oferecida a transação penal nos moldes do artigo 76 da Lei 9.099/95 (fls. 326/328).

A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da Dra. Janice Agostinho Barreto Ascari, opinou pela remessa do feito à Turma Recursal competente (fls. 331/332).

O feito foi levado a julgamento na sessão de 30.11.2010, oportunidade em que esta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região declinou da competência em favor da Turma Recursal Criminal da Seção Judiciária de São Paulo (fls. 339/341).

Redistribuído o feito à Turma Recursal Criminal da Seção Judiciária de São Paulo, esta suscitou conflito negativo de competência perante o E. Superior Tribunal de Justiça (fls. 353/356).

O Superior Tribunal de Justiça, por decisão monocrática do MM. Ministro Jorge Mussi, conheceu do conflito para declarar competente para o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (fls. 367/369).

Os autos foram recebidos neste Tribunal em 04.06.2012


É o relatório.

Dispensada a revisão, nos termos regimentais.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 18/07/2012 16:03:03



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001839-73.2002.4.03.6110/SP
2002.61.10.001839-5/SP
RELATOR : Juiz Federal Convocado MARCIO MESQUITA
APELANTE : CESAR JOSE DOS SANTOS
ADVOGADO : JOAO JOSE DE MORAES
: RICARDO ALMEIDA DE SOUZA
APELADO : Justica Publica

VOTO


O Juiz Federal Convocado Márcio Mesquita (Relator):


Rejeito a preliminar de nulidade do processo argüida pela Defesa, ao argumento inobservância ao artigo 400 do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei nº 11.719/2008, por não ter sido o interrogatório do réu realizado após a oitiva das testemunhas.

Primeiramente, destaco que a Lei nº 11.719/2008, publicada no DOU de 23.06.2008, tinha previsão para entrada em vigor sessenta dias após sua publicação. Assim, sua vigência teve início em 22.08.2008.

Em matéria processual, aplica-se o princípio tempus regit actum. A nova lei aplica-se imediatamente, inclusive aos processos em curso, mantida a validade dos atos processuais praticados em conformidade com a legislação anterior.

No caso concreto, o interrogatório foi validamente realizado em 19/03/2007, anteriormente à vigência da Lei nº 11.719/2008 (fls. 208/210).

Ademais, até mesmo a fase instrutória encerrou-se antes da entrada em vigor da nova lei processual, com a oitiva das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, ocorrida em 30.07.2008 (fls. 261/264).

Portanto, a realização do interrogatório sob o rito processual anterior à vigência da Lei nº 11.719/2008 está absolutamente regular.

Nesse sentido, aponto precedente desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:


HABEAS CORPUS - PROCESSO PENAL - INTERROGATÓRIO - APLICAÇÃO DO ARTIGO 400 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COM A NOVA REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI Nº 11.719/2008 - NORMA DE NATUREZA PROCESSUAL - APLICAÇÃO IMEDIATA - TEMPUS REGIT ACTUM - ORDEM DENEGADA. 1. Habeas corpus em que se objetiva o reconhecimento do direito dos réus de serem novamente interrogados ao cabo da instrução criminal, afirmando-se a aplicação do novel discurso do artigo 400 do Código de Processo Penal, na redação conferida pela Lei nº 116.719/2008. 2. O artigo 400 do Código de Processo Penal é norma de caráter eminentemente processual e, como tal, possui aplicação imediata, sem prejuízo de validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior, eis que é consagrado o princípio do tempus regit actum. 3. O princípio tempus regit actum em matéria de direito processual, hoje constante do artigo 1.211 do Código de Processo Civil e do artigo 2º do Código de Processo Penal, é da tradição jurídica brasileira e encontra raiz de validade na própria Constituição Federal quando a Carta resguarda o ato jurídico perfeito (artigo 5°, XXXVI). Se assim não fosse, para além de reinar a insegurança jurídica, seria possível a ampla manipulação das regras processuais com evidente desprestígio da Jurisdição: o processo deixaria de ser um "caminhar para frente" e se transformaria numa massa amorfa chapinhando ao sabor de conveniências. 4. Ordem de habeas corpus denegada.
TRF 3ª Região, 1ª Turma, HC 2012.03.00.010645-8, Rel. Des.Fed. Johonsom di Salvo, j. 03/07/2012, DJe 12/07/2012

Quanto ao requerimento de oferecimento de transação penal, observo que o E. Superior Tribunal de Justiça decidiu que o crime imputado ao apelante, do qual foi condenado em primeiro grau de jurisdição, não se enquadra nos definidos como de menor potencial ofensivo.

Com efeito, ao decidir o Conflito de Competência 118.367 instaurado nos presentes autos, o E. STJ definiu estar a conduta imputada ao apelante enquadrada no artigo 183 da Lei nº 9.472/97, afastando a ocorrência de crime de menor potencial ofensivo e, por conseguinte, a competência da Turma Recursal para o julgamento da presente apelação. Confira-se:


"Extrai-se dos autos, apelação impetrada ao TRF3 pelo réu, César José dos Santos, condenado pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Sorocaba, como incurso no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, devido à utilização de equipamento de telecomunicação (rádio FM), sem a devida autorização dos órgãos competentes.
Pois bem.
É letra do artigo 183, da Lei nº 9.472/97:
Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação:
Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, direta ou indiretamente, concorrer para o crime.
Nota-se que os artigos 70, da Lei 4.117/62 e 183, da Lei 9.472/97, tipificam diferentes tipos de condutas. No presente caso o réu, por realizar atividade clandestina se enquadra nas hipóteses do artigo 183, da Lei 9.472/97, cuja pena máxima é de 4 (quatro) anos. Portanto a hipótese que atraia a competência para os juizados especiais devido ao crime ser de menor potencial ofensivo, é afastado, restando assim configurada a competência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
(...)
Ante o exposto, com fundamento no art. 120, parágrafo único, do Código de Processo Civil, c/c o art. 3º do Código de Processo Penal, conheço do conflito para declarar competente o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, ora suscitado."

Acrescento, outrossim, com a ressalva de meu entendimento pessoal, que o Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de que a conduta de manter emissora de radiodifusão sem autorização enquadra-se no artigo 183 da Lei nº 9.472/1997:


CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE JUIZADO ESPECIAL FEDERAL E VARA FEDERAL. PROCESSUAL PENAL. ESTAÇÃO DE RÁDIO CLANDESTINA. CONDUTA QUE SE SUBSUME NO TIPO PREVISTO NO ART. 183 DA LEI 9.472/97 E NÃO AO ART. 70 DA LEI 4.117/62. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL COMUM.
PARECER DO MPF PELA COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL COMUM. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO FEDERAL DA 2A. VARA DE PELOTAS - SJ/RS, ORA SUSCITADO.
1. A prática de atividade de telecomunicação sem a devida autorização dos órgãos públicos competentes subsume-se no tipo previsto no art. 183 da Lei 9.472/97; divergindo da conduta descrita no art. 70 da Lei 4.117/62, em que se pune aquele que, previamente autorizado, exerce a atividade de telecomunicação de forma contrária aos preceitos legais e aos regulamentos. Precedentes do STJ.
2. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 2a. Vara de Pelotas - SJ/RS, ora suscitado, em conformidade com o parecer ministerial.
STJ, 3ª Seção, CC 101468/RS, Rel.Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 26/08/2009, DJe 10/09/2009

Passo ao exame de mérito.


A materialidade delitiva restou comprovada nos autos.

O ofício da Agência Nacional de Telecomunicações - Anatel (fls. 40/42) noticia a existência da "Rádio Associação Movimento Comunitário Regional Educativa FM" instalada clandestinamente.

O Auto de Apreensão de fls. 89 descreve a apreensão dos equipamentos utilizados para operar a rádio clandestina, na sede da "Rádio Associação Movimento Comunitário Regional Educativa FM". Constato que a diligência foi cumprida na presença do presidente da empresa, o apelante.

O ofício da Anatel de fls. 117/118 demonstra que a rádio não possuía concessão/permissão da União para operar. E o laudo de fls. 149/152 comprova que a rádio estava em funcionamento.

A Constituição Federal de 1.988 dispõe, em seu artigo 21, inciso XII, alínea "a", com redação dada pela Emenda Constitucional n° 08/1995, que "compete à União: explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens" . Por outro lado, a Lei nº 9.472/1997 estabelece em seus artigos 157 e 163:


Art. 157. O espectro de radiofreqüências é um recurso limitado, constituindo-se em bem público, administrado pela Agência.
Art. 163. O uso de radiofreqüência, tendo ou não caráter de exclusividade, dependerá de prévia outorga da Agência, mediante autorização, nos termos da regulamentação.


Bem se vê, portanto, que a norma do artigo 183 da referida Lei 9.472/1997 protege não só a regularidade dos serviços de telecomunicações, mas também o monopólio, constitucionalmente atribuído à União, na exploração desses serviços.

Dessa forma, é irrelevante que o aparelho apreendido não tenha potencial de interferência em outras frequências.

A se admitir a aplicação do princípio da insignificância, ao argumento da falta de potencialidade de interferência em outras faixas de freqüência, estar-se-ia, na verdade, descriminalizando a conduta em qualquer caso. Contudo, foi opção política do legislador proteger o monopólio constitucional da União mediante norma penal incriminadora.

No sentido da inaplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes de telecomunicação clandestina aponto precedentes dos Tribunais Regionais Federais:


PENAL E PROCESSUAL PENAL - DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADES DE TELECOMUNICAÇÃO - OPERAÇÃO DE ESTAÇÃO DE RADIOFREQÜÊNCIA - ART. 183 DA LEI 9.472/97 - NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO DO PODER PÚBLICO - EXIGÊNCIA PREVISTA NOS ARTS. 21, XI, E 223 DA CF/88 E NOS ARTS. 19, IX, 157 E 163 DA LEI 9.472/97 - INAPLICABILDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - INDÍCIOS SUFICIENTES DA AUTORIA E DEMONSTRAÇÃO DA MATERIALIDADE DO DELITO - REJEIÇÃO DA DENÚNCIA - DESCABIMENTO - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO. I - A utilização clandestina de serviços de telecomunicação amolda-se ao tipo penal do art. 183 da Lei 9.472/97, consoante a jurisprudência do egrégio STJ: "1. Aquele que instala ou utiliza de serviços de telecomunicações sem prévia autorização do órgão regulador está sujeito às penas cominadas no art. 183 da Lei 9.472/97. 2. Ordem denegada." (STJ, HC 77.887/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, unânime, DJU de 07/02/2008, p. 1) II - A operação de estação de radiofreqüência constitui atividade de telecomunicação , sujeita a outorga pela ANATEL, na forma do art. 21, XI, da CF/88 e dos arts. 19, IX, 157 e 163, §§ 1º e 2º, da Lei 9.472/97. III - O princípio da insignificância não se aplica ao crime do art. 183 do Código penal , que é formal, de perigo abstrato, e tem, como bem jurídico tutelado, a segurança dos meios de comunicação, IV - Demonstrados, na denúncia, suficientes indícios de autoria e a materialidade do delito, com preenchimento dos requisitos constantes do art. 41 do Código de Processo penal , impõe-se o seu recebimento, mormente em face da prevalência, nessa fase processual, do princípio in dubio pro societate. V - Recurso provido.
TRF 1ª Região, 3ª Turma, RSE 0000176-95.2011.4.01.3308, Rel. Juiz Fed.Conv. Murilo Fernandes de Almeida, j. 14/05/2012, DJe 25/05/2011
PENAL . DELITO DO ARTIGO 183 DA LEI 9.472/97. TIPICIDADE. PROVA. PENA. MULTA. - Preliminares rejeitadas. - É dispensável, para um juízo positivo de criminalidade do fato, a ocorrência de danos a terceiros, circunstância esta que é prevista como causa de aumento de pena e não se configura como pressuposto da modalidade simples do delito. - O tipo penal e a liberdade de expressão e comunicação são institutos com campos próprios e distintos de atuação, não havendo incompatibilidade entre a proibição e o regime de liberdades insculpido no Texto Maior. - Baixa potência do equipamento que é irrelevante, sendo suficiente à caracterização do delito o exercício da atividade de telecomunicações desprovida de autorização não importa em que grau uma vez que o bem jurídico tutelado é insuscetível de mensuração. Inaplicabilidade do princípio da insignificância em delitos da espécie. - Pedido de instauração de incidente de uniformização de jurisprudência quanto à aplicabilidade ou não do princípio da insignificância em delitos da espécie que se rejeita. Referidos precedentes no sentido da aplicabilidade do princípio de direito penal que se revelam isolados. - Fatos imputados que se amoldam à definição do delito contida no artigo 183 da Lei 9.472/97. Precedentes. - Materialidade e autoria dolosa comprovadas no conjunto processual. - Pena privativa de liberdade aplicada que é superior a um ano. Impossibilidade de aplicação de uma só pena substitutiva. - Pena de multa no valor de dez mil reais cominada no artigo 183 da Lei 9.472/97 declarada inconstitucional pelo Órgão Especial desta Corte no julgamento da Argüição de Inconstitucionalidade Criminal nº 2000.61.13.005455-1. Redução para dez dias-multa, fixado o valor unitário em 1/3 do salário mínimo. Inteligência do artigo 60 do Código penal . - Determinação de perda dos equipamentos utilizados na consecução do delito mantida. Inteligência do artigo 184, inciso II, da Lei 9.742/97. - Recurso parcialmente provido para fins de redução da pena de multa.
TRF 3ª Região, 2ª Turma, ACR 00022401120074036106, Rel. Des.Fed. Peixoto Junior, j. 07/02/2012, DJe 16/02/2012
PENAL . ARTIGO 183 DA LEI 9472/97. RÁDIO DIFUSORA CLANDESTINA. MATERIALIDADE. AUTORIA. PROVA. TESTEMUNHAS. CONDUTA TÍPICA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO LEGAL. DOSIMETRIA DA PENA. MANUTENÇÃO INTEGRAL DA SENTENÇA. APELAÇÃO IMPROVIDA. O apelante foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 70 da Lei nº 4.117/62, por desenvolver atividade de telecomunicação , por meio da instalação da emissora de radiodifusão denominada "Rádio Ativa FM", sem a devida autorização do poder concedente, operando na faixa de freqüência modulada 92,7 Mhz. MM. Juiz "a quo" aplicou o disposto no artigo 383, do Código de Processo penal para alterar a capitulação legal do tipo descrito na denúncia e condenar o ora apelante pela prática do delito previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/97. Autoria e materialidade comprovadas. Conduta típica. A política legislativa favoreceu o estabelecimento de rádios comunitárias, todavia, para o funcionamento destas rádios, é imprescindível a concessão, permissão ou autorização, do poder público concedente, consoante o art. 223 da Constituição Federal. O tipo penal em exame independe de resultado danoso, uma vez que é de natureza formal, configurando-se com a simples instalação e utilização de equipamentos de telecomunicações, sem a devida autorização do órgão competente. O eventual caráter comunitário não justifica utilização clandestina de radiodifusão ante a necessidade de expressa autorização estatal. Inaplicabilidade do princípio da insignificância. O delito ora em comento é formal, de perigo abstrato, e tem como bem jurídico tutelado a segurança dos meios de comunicação. Não há que se falar em mera irregularidade administrativa. A conduta se subsume ao tipo penal definido no artigo 183 da Lei nº 9.472/97. Mantida a r. sentença condenatória. Dosimetria da pena. Pena privativa de liberdade e multa fixadas no mínimo legal. Substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos. Impossibilidade de redução das penas aquém do limite legal. Prestação pecuniária, de ofício revertida para a União Federal. Apelação a que se nega provimento.
TRF 3ª Região, 1ª Turma, ACR 00046403520054036181, Rel. Des.Fed. Vesna Kolmar, j. 13/12/2011, DJe 10/01/2012

A autoria restou comprovada nos autos. O apelante não possuía autorização para operar a rádio e em interrogatório disse "que na data ali (na denúncia) descrita realmente fazia funcionar uma rádio, sem autorização", apresentando a escusa de que acreditava "que estava amparado por uma decisão judicial do TRF da 3ª Região em que foi reconhecida a atipicidade da conduta" (fls. 207/208).

O recorrente afirmou ainda em interrogatório que "já foi processado anteriormente pelo mesmo motivo" e que "a rádio pertencia a uma associação de pessoas e não exclusivametne ao réu", "era o Presidente da Associação acima citada, que era proprietário da rádio".

A testemunha Waldemar Cordiolli, ouvida em juízo, confirmou o funcionamento da rádio de forma clandestina, operada por Cesar José dos Santos (fls. 261/262):


"Recordei-me que o acusado era o proprietário da rádio. A diligência realizada foi em cumprimento ao mandado de busca e apreensão. O acusado percebendo que havia viaturas da policial e da ANATEL na porta da rádio, tirou-a do ar e não permitiu a nossa entrada. A porta teve que ser arrombada. Apreendemos todos os equipamentos que faziam parte do estúdio da ráfio. (...) A rádio estava em funcionamento até a nossa chegada."

Quanto à escusa do réu, também não lhe socorre, sendo a questão bem dirimida na r.sentença apelada, que merece transcrição quanto ao ponto>


No que se refere ao dolo - materialidade subjetiva - a tese da defesa caminha no sentido de que o acusado supunha a existência de autorização legal que lhe permitisse a exploração de atividade comunitária.
Não obstante, tal alegação não pode prosperar. Com efeito, em consulta ao "site" do Tribunal Regional Federal da 3ª Região observa-se que existe em favor do réu um Recurso em Sentido Estrito nº 96.03.027641-3 em sede de habeas corpus que havia sido denegado pelo juízo monocrático. O acusado obteve no julgamento do Tribunal pleito favorável para não ser indiciado em um inquérito policial que se referia a operações na rádio no ano de 1996.
Através da leitura do acórdão verifica-se que a ordem de habeas corpus estava relacionada com uma situação específica ocorrida no ano de 1996, sendo relevante ponderar que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região no julgamento da apelação do processo nº 1999.61.10.004349-2 reconheceu expressamente que "a referida decisão perdeu seu objeto na medida que diz respeito à situação fática ocorrida no ano de 1996, pouco importando se tratar da mesma emissora e modo de atuação".
Ou seja, o próprio Tribunal Regional Federal da 3ª Região reconheceu que a decisão antiga proferida em 1996 já não mais vigia quando houve a apreensão de equipamentos no ano de 1999, fato este que gerou a ação penal nº 1999.61.10.004349-2.

Como se vê, se o réu já foi processado e condenado por fato ocorrido em 09/09/1999, na ação penal nº 1999.61.10.004349-2, posteriormente à obtenção de habeas corpus no RSE nº 96.03.027641-3, não há como se aceitar como séria a sua alegação de que pensava estar ao abrigo de decisão judicial que lhe possibilitaria a exploração da rádio.


Portanto, a condenação é de rigor e resta mantida.


Quanto à dosimetria da pena, observo que ainda que o E. Superior Tribunal de Justiça tenha definido o enquadramento da conduta no artigo 183 da Lei nº 9.472/1997, incabível a fixação da pena com base no referido dispositivo (detenção de dois a quatro anos), mais gravoso do que o que consta da sentença condenatória, porque o Ministério Público Federal não recorreu.

Assim, considerando que a condenação de primeiro grau baseou-se no artigo 70 da Lei 4.117/62, cuja pena é de um a dois anos de detenção, com trânsito em julgado para a Acusação, a fim de não incorrer em reformatio in pejus indireta, a pena não pode ultrapassar o fixado na sentença.

Dessa forma, fica mantida a pena fixada em primeiro grau - um ano e seis meses de detenção - ainda que inferior ao mínino legal previsto pelo artigo 183 da Lei nº 9.472/1997.

Quanto à prestação pecuniária, substitutiva da pena privativa de liberdade, constato ser caso de diminuí-la, considerando a condição econômica do apelante, que declarou em 17.11.2003 (fls. 96/97) perante a autoridade policial ser funcionário público do município de Itapetininga/SP e perceber mensalmente a quantia de setecentos e cinquenta reais. Posteriormente, anexou à apelação o recibo de pagamento de salário, datado de maio de 2009, onde consta salário bruto de R$ 485,00 (quatrocentos e oitenta e cinco reais).

Assim, levando-se em conta a condição econômica do apelante fixo o valor da prestação pecuniária em um salário-mínimo.

Por fim, observo que a pena de prestação pecuniária deve ser destinada à entidade lesada com a ação criminosa, a União, nos termos do artigo 45, §1º do Código penal.


Pelo exposto, rejeito a preliminar e, no mérito, dou parcial provimento à apelação para reduzir a pena de prestação pecuniária, substitutiva da pena privativa de liberdade, para um salário-mínimo e, de ofício, alterar a sua destinação em favor da União.

É o voto.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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