Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 08/11/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006049-97.2007.4.03.6109/SP
2007.61.09.006049-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : LUIZ ANTONIO JACINTO
ADVOGADO : FELLIPE JUVENAL MONTANHER (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00060499720074036109 1 Vr PIRACICABA/SP

EMENTA

PENAL - ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL - RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO POR PARTE OUTREM APÓS A MORTE DO BENEFICIÁRIO - JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - NÃO APLICAÇÃO - DOLO DA CONDUTA - MANUTENÇÃO EM ERRO, MEDIANTE FRAUDE, ARDIL OU ARTIFÍCIO - VANTAGEM ILÍCITA EM PREJUÍZO À AUTARQUIA E SEGURADOS - ART. 171 DO CÓDIGO PENAL - SUBSUNÇÃO DA CONDUTA AO TIPO PENAL - CONTINUIDADE DELITIVA - PENA MANTIDA - IMPROVIMENTO DO RECURSO.
1. No período de março de 2004 a março de 2006, na cidade de Limeira, o acusado, agindo de forma livre e consciente, obteve para si vantagem ilícita, consistente no recebimento de aposentadoria por invalidez, em prejuízo da Previdência Social, mantendo-a em erro, ao não comunicar ao órgão previdenciário o falecimento do segurado titular do benefício, ocorrido no dia 15 de março de 2004.
2. Inquérito policial que lastreou denúncia instaurado a partir de procedimento administrativo encaminhado pelo INSS, dando conta de que terceira pessoa estava recebendo o benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez do segurado, mesmo após o seu óbito.
3. O benefício foi recebido mensalmente, de forma indevida, no período de março de 2004 a março de 2006, visto que o segurado faleceu em 15 de março de 2004, causando prejuízo aos cofres da Previdência Social no valor de R$ 9.739,32 (nove mil, setecentos e trinta e nove reais e trinta e dois centavos).
4. A materialidade do crime é inconteste, diante do procedimento administrativo levado a efeito pela repartição do Ministério da Previdência Social.
5. Inicialmente, o benefício de aposentadoria indevidamente recebido pelo acusado foi concedido ao seu pai que veio a falecer em 15 de março de 2004 (certidão de óbito acostada aos autos), passando a ser recebido pelo acusado, conforme demonstrativo acostado aos autos.
6.A afirmação do desconhecimento da necessidade de aviso ao órgão não aproveita ao réu, pessoa esclarecida, para o fim de eximi-lo de responsabilidade pelo delito.
7. Na qualidade de procurador do seu pai, providenciou o réu toda a documentação necessária ao pedido de benefício por invalidez, não se podendo crer na versão apresentada de inconsciência da ilicitude da conduta.
8. Nenhuma prova foi produzida no sentido de confirmar a orientação do advogado que o acusado citou em seu depoimento como aquele que o aconselhou a continuar recebendo o benefício, mesmo após a morte de seu pai, prova que lhe incumbiria, diante da norma prevista no art. 156, do Código de Processo Penal.
9. Restou evidente a existência de dolo na conduta, em face do conhecimento da necessidade de comunicação do falecimento do beneficiário aos órgãos públicos que o acusado omitiu para possibilitar a continuidade daqueles recebimentos.
10.Também demonstrado o dolo com a renovação do cartão magnético a ser utilizado para o saque das quantias referentes ao benefício e a assinatura aposta na carta de recebimento, como o próprio acusado admitiu.
11.Há justa causa para a ação penal, uma vez que, à evidência, tratam os autos de crime praticado contra a Previdência Social, demonstrada a materialidade delitiva e autoria, não socorrendo ao réu a tese de aplicação do princípio da insignificância que não se aplica ao presente caso, em face da objetividade jurídica visada pela norma.
12. A Previdência Social é entidade que ampara toda a sociedade e seu patrimônio pertence a todos os trabalhadores, de modo que a conduta prejudicial não haveria de ser acobertada pela insignificância, diante da dimensão das suas consequências.
13. O tipo penal a que se subsume a conduta é o de estelionato com recebimento de vantagem indevida, em prejuízo alheio, mediante artifício, ardil ou qualquer meio fraudulento. O ardil consistiu na própria omissão da informação ao órgão autárquico do evento morte que faria cessar o direito ao recebimento do benefício e ainda o uso de cartão bancário pertencente à pessoa falecida como se próprio fosse, a evidenciar o animus delitivo, elemento subjetivo do crime.
14. Não socorre ao réu a alegação de tratar-se do crime previsto no art. 169, caput, do Código Penal de apropriação havida por erro, caso fortuito ou força da natureza, cujo objeto material é a coisa desviada acidentalmente, o que aqui não se trata.
15. Manutenção da condenação tal como fundamentada na sentença.
16. Não há que se entender pela habitualidade delitiva e, sim, pela continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal) tal como classificada a conduta na denúncia.
17. O réu recebeu o benefício em prestações continuadas e subsequentes havidas da primeira, nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução e derivadas da mesma espécie. Não se trata de habitualidade do agente que faz do crime um meio de vida ou "profissão".
18. A continuidade delitiva é ficção que beneficia o agente, porque os crimes posteriores são havidos como desdobramentos do primeiro, não incidindo o concurso material de delitos com soma de penas. No caso dos autos, os recebimentos mensais do benefício não se revestiram de natureza autônoma, mas sim, de ações advindas das anteriores, em face dos mesmos desígnios das condutas praticadas, ou seja, enquanto a entidade previdenciária pagasse o valor dos benefícios, o réu, em tese, estaria disposto a recebê-lo, valendo-se da vantagem anteriormente concedida em forma de pagamento da parcela por parte do instituto previdenciário, o que viabilizaria a perpetuação das condutas subsequentes até que a ação delitiva fosse descoberta.
19. Não há qualquer reparo a ser feito na reprimenda fundamentadamente imposta.
20. Por fim, os pleitos referentes à aplicação da circunstância da confissão espontânea e substituição por penas alternativas não cabem na apelação, pois foram providências adotadas na sentença.
21. Improvimento ao recurso.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 29 de outubro de 2012.
LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006049-97.2007.4.03.6109/SP
2007.61.09.006049-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : LUIZ ANTONIO JACINTO
ADVOGADO : FELLIPE JUVENAL MONTANHER (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00060499720074036109 1 Vr PIRACICABA/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta por Luiz Antonio Jacintho contra a r. sentença (fls.172/175) do MM. Juízo da 1ª Vara Federal de Piracicaba/SP que, julgando procedente a denúncia, o condenou ao cumprimento das penas de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime aberto e 66 (sessenta e seis) dias-multa, à razão de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo corrigido, como incurso no art. 171, caput, e § 3º, c.c. art. 71 do Código Penal.

A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em: prestação de serviços à comunidade pelo prazo daquela em entidade de assistência social a ser designada pelo Juízo e pena de prestação pecuniária de 05 (cinco) salários mínimos vigente à época dos fatos, atualizada.

Em razões recursais (fls. 199/207) a defesa do réu pugna pela reforma da sentença condenatória, para absolvê-lo, sob os seguintes argumentos:

1.Há falta de justa causa para ação penal, em face de aplicação do princípio da insignificância, uma vez que o alegado prejuízo aos cofres públicos foi de R$9.739,23 (nove mil, setecentos e trinta e nove reais e vinte e três centavos), ao argumento de que o C. Supremo Tribunal Federal entende por não haver justa causa para a ação penal se o valor do tributo não recolhido é inferior ao limite estabelecido no art. 20 da Lei nº 10.522/02, a ensejar reconhecimento de atipicidade da conduta;

2. A questão deve ser resolvida na esfera cível, com cobrança pela via executiva, a partir de débito em dívida ativa;

3. Falta de dolo específico na conduta, em face da ausência do dever de comunicação ao INSS sobre o óbito do genitor do acusado, competindo tal ato ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais de Limeira;

4. O réu apelante não tinha obrigação de informar o óbito do beneficiário do INSS à entidade previdenciária;

5. Não há o elemento do tipo consistente em emprego de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento, faltando também elemento subjetivo do crime;

6. Ainda que se entendesse a conduta como típica, seria apropriação de coisa havida por erro (art. 169, caput, do Código Penal).

Subsidiariamente, pugna:

1. Pela inaplicabilidade da continuidade delitiva, diante do caráter permanente do crime.

2. Pelo reconhecimento da confissão espontânea (art. 65, III, "d", do Código Penal) e fixação de pena mínima, tratando-se de réu primário e que ostenta bons antecedentes.

3. Pela substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, nos termos do art. 44, I, do Código Penal.

Contrarrazões de apelação pelo improvimento do recurso (fls. 218/229).

Parecer do Ministério Público Federal opina pelo não provimento do recurso, confirmando-se a sentença condenatória (fls.232/236).

É o relatório.

Feito sujeito à revisão.


LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006049-97.2007.4.03.6109/SP
2007.61.09.006049-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : LUIZ ANTONIO JACINTO
ADVOGADO : FELLIPE JUVENAL MONTANHER (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00060499720074036109 1 Vr PIRACICABA/SP

VOTO

Consta dos autos que, no período de março de 2004 a março de 2006, na cidade de Limeira, Luiz Antonio Jacinto, agindo de forma livre e consciente, obteve para si vantagem ilícita, consistente no recebimento de aposentadoria por invalidez nº 32/001.438.432-9, em prejuízo da Previdência Social, mantendo-a em erro, ao não comunicar ao órgão previdenciário o falecimento do segurado titular do benefício em questão, Sr. Eurides José Jacintho, ocorrido no dia 15 de março de 2004.

O inquérito policial que lastreou a denúncia foi instaurado a partir de procedimento administrativo encaminhado pelo INSS, dando conta de que terceira pessoa estava recebendo o benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez do segurado, mesmo após o seu óbito.

O benefício foi recebido mensalmente, de forma indevida, no período de março de 2004 a março de 2006, visto que o segurado faleceu em 15 de março de 2004, causando prejuízo aos cofres da Previdência Social no valor de R$ 9.739,32 (nove mil, setecentos e trinta e nove reais e trinta e dois centavos).

A fim de esclarecer os fatos, o INSS enviou, em 26 de abril de 2006, comunicado ao endereço residencial do segurado falecido, cujo aviso de recebimento foi supostamente assinado pelo próprio Sr. Eurides. Diante do constatado, recaiu a suspeita sobre Luiz Antonio Jacinto, filho do Sr. Eurides, haja vista ter sido procurador de seu pai junto ao INSS.

Na repartição policial, Luiz confessou ter sacado os valores creditados na conta do segurado, mesmo após o seu óbito, pois o cartão magnético permaneceu em seu poder e confirmou ter assinado o comprovante de recebimento retro aludido no nome de seu genitor, segundo ele, na qualidade de procurador do seu pai, tendo incorrido do delito de estelionato classificado na denúncia.

Feita a necessária narrativa dos fatos, passo ao exame do recurso.

Pretende o apelante a reforma da r. sentença condenatória, porém, é de ser negado provimento ao recurso.

A materialidade do crime é inconteste, diante do procedimento administrativo levado a efeito pela repartição do Ministério da Previdência Social (fls.8 e segs).

Inicialmente, o benefício de aposentadoria indevidamente recebido pelo acusado foi concedido ao seu pai, Eurides José Jacintho, que veio a falecer em 15 de março de 2004 (certidão de óbito às fls. 22), passando a ser recebido pelo acusado, conforme demonstrativo de fls. 23/24 e 28 e segs.

O instituto do INSS apurou que o réu passou a receber os valores do benefício sem comunicar o falecimento do segurado.

Ao ser inquirido em sede extrajudicial, o acusado afirmou que quando seu pai ficou muito doente (inválido) foi ao INSS e se cadastrou como procurador do mesmo, sendo que a partir daí passou a sacar o benefício previdenciário (aposentadoria por invalidez) em nome de seu genitor; que com o falecimento do seu pai em março de 2004 chegou a procurar um advogado para saber se poderia continuar recebendo o benefício, sendo que o profissional lhe disse que não haveria problema, passando então o acusado a continuar a receber o benefício, utilizando-se do cartão do banco BRADESCO para sacar o dinheiro.

Em Juízo (fls. 105) disse ele que são verdadeiros os fatos articulados na denúncia; que, após a morte de seu pai, não comunicou o óbito ao INSS, pois não tinha conhecimento de que deveria fazer tal comunicação; disse que cuidou do pai por dez anos e que, em razão disso, pensava ter direito ao recebimento de pensão. Confirmou que assinou o documento enviado pelo INSS através do Correio como sendo o seu pai e que teria utilizado o dinheiro do recebimento do benefício para a sua sobrevivência.

A afirmação do desconhecimento da necessidade de aviso ao órgão não lhe aproveita para o fim de eximi-lo de responsabilidade pelo delito.

Com efeito, na qualidade de procurador do seu pai, providenciou o réu toda a documentação necessária ao pedido de benefício por invalidez, não se podendo crer na versão apresentada de inconsciência da ilicitude da conduta, ainda porque é pessoa que possui curso superior completo (fls. 63) com capacidade de discernimento suficiente a compreender o caráter ilícito dos indevidos recebimentos.

Insta lembrar que nenhuma prova foi produzida no sentido de confirmar a orientação do advogado que citou em seu depoimento como aquele que o aconselhou a continuar recebendo o benefício, mesmo após a morte de seu pai, prova que lhe incumbiria, diante da norma prevista no art. 156, do Código de Processo Penal.

Assim, resta evidente a existência de dolo na conduta, em face do conhecimento da necessidade de comunicação do falecimento do beneficiário aos órgãos públicos que o acusado omitiu para possibilitar a continuidade daqueles recebimentos.

Além disso, também demonstrativa do dolo foi a renovação do cartão magnético a ser utilizado para o saque das quantias referentes ao benefício e a assinatura aposta na carta de recebimento, como o próprio acusado admitiu.

Outrossim, há justa causa para a ação penal, uma vez que, à evidência, tratam os autos de crime praticado contra a Previdência Social, demonstrada a materialidade delitiva e autoria, não socorrendo ao réu a tese de aplicação do princípio da insignificância que não se aplica ao presente caso, em face da objetividade jurídica visada pela norma.

Veja-se jurisprudência em caso similar:


"Habeas corpus. Penal. Estelionato praticado contra a Previdência Social. Artigo 171, § 3º, do Código Penal. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Elevado grau de reprovabilidade da conduta praticada, o que não legitima a aplicabilidade do postulado. Ordem denegada.

1. A aplicação do princípio da insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, carece, entre outros fatores, além da pequena expressão econômica do bem objeto de subtração, de um reduzido grau de reprovabilidade da conduta do agente.

2. Ainda que se admitisse como norte para aferição do relevo material da conduta praticada pelo paciente a tese de que a própria Fazenda Pública não promove a execução fiscal para débitos inferiores a R$ 10.000 (dez mil reais) - Lei nº 10.522/02 -, remanesceria, na espécie, o alto grau de reprovabilidade da conduta praticada. Esse fato, por si só, não legitimaria a aplicabilidade do postulado da insignificância.

3. Paciente que, após o falecimento de terceiro, recebeu indevidamente, no período de junho de 2001 a fevereiro de 2003, o benefício de prestação continuada a ele devido, causando prejuízo ao INSS na ordem de R$ 4.000,00 (quatro mil reais).

4. Esse tipo de conduta contribui negativamente com o deficit previdenciário do regime geral, que alcança, atualmente, expressivos 5,1 bilhões de reais. Não obstante ser ínfimo o valor obtido com o estelionato praticado, à luz do deficit indicado, se a prática de tal forma de estelionato se tornar comum, sem qualquer repressão penal da conduta, certamente se agravaria a situação dessa prestadora de serviço fundamental à sociedade, responsável pelos pagamentos das aposentadorias e dos demais benefícios dos trabalhadores brasileiros. Daí porque se afere como elevado o grau de reprovabilidade da conduta praticada.

5. Segundo a jurisprudência da Corte "o princípio da insignificância, cujo escopo é flexibilizar a interpretação da lei em casos excepcionais, para que se alcance o verdadeiro senso de justiça, não pode ser aplicado para abrigar conduta cuja lesividade transcende o âmbito individual e abala a esfera coletiva" (HC nº 107.041/SC, Primeira Turma, de minha relatoria, DJe de 7/10/11).

6. Ordem denegada.

(STF - HC 111918, Rel. Dias Toffoli 1ª Turma, 29.5.2012).


Insta lembrar que a Previdência Social é entidade que ampara toda a sociedade e que seu patrimônio pertence a todos os trabalhadores, de modo que a conduta prejudicial não haveria de ser acobertada pela insignificância, diante da dimensão das suas consequências.

Por fim, o tipo penal a que se subsume a conduta é o de estelionato com recebimento de vantagem indevida, em prejuízo alheio, mediante artifício, ardil ou qualquer meio fraudulento. O ardil consistiu na própria omissão da informação ao órgão autárquico do evento morte que faria cessar o direito ao recebimento do benefício e ainda o uso de cartão bancário pertencente à pessoa falecida como se próprio fosse, a evidenciar o animus delitivo, elemento subjetivo do crime.

De outro turno, não socorre ao réu a alegação de tratar-se do crime previsto no art. 169, caput, do Código Penal de apropriação havida por erro, caso fortuito ou força da natureza, cujo objeto material é a coisa desviada acidentalmente, o que aqui não se trata.

Mantenho, pois, a condenação tal como fundamentada na sentença.

Passo ao exame da dosimetria da pena.

Por primeiro, não há que se entender pela habitualidade delitiva e, sim, pela continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal) tal como classificada a conduta na denúncia.

O réu recebeu o benefício em prestações continuadas e subsequentes havidas da primeira, nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução e derivadas da mesma espécie. Não se trata de habitualidade do agente que faz do crime um meio de vida ou "profissão".

A respeito, vale ressaltar que a continuidade delitiva é ficção que beneficia o agente, porque os crimes posteriores são havidos como desdobramentos do primeiro, não incidindo o concurso material de delitos com soma de penas. No caso dos autos, os recebimentos mensais do benefício não se revestiram de natureza autônoma, mas sim, de ações advindas das anteriores, em face dos mesmos desígnios das condutas praticadas, ou seja, enquanto a entidade previdenciária pagasse o valor dos benefícios, o réu, em tese, estaria disposto a recebê-lo, valendo-se da vantagem anteriormente concedida em forma de pagamento da parcela por parte do instituto previdenciário, o que viabilizaria a perpetuação das condutas subsequentes até que a ação delitiva fosse descoberta.

Assim, incidiu sobre a pena-base de dois anos, além da atenuante de confissão espontânea que a diminuiu para 01 (um) ano e 06 (seis) meses, também o aumento em 1/3 (um terço) em razão do disposto no § 3º, do art. 171, a aumentar a pena para 02 (dois) anos de reclusão e majoração em 2/3 (dois terços) pela continuidade delitiva, a totalizar a pena definitiva de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime aberto e 66 (sessenta e seis) dias-multa, esses estabelecidos proporcionalmente à pena privativa de liberdade, não havendo qualquer reparo a ser feito na reprimenda fundamentadamente imposta.

Ainda no que diz com a pena, entendo que não procede o pedido de fixação mínimo legal, não obstante tratar-se de réu primário que ostenta bons antecedentes.

E isto porque está ela devidamente fundamentada na sentença, tendo o Julgador justificado o quantum fixado acima do mínimo legal em 02 (dois) anos de reclusão, sobrelevando-se os motivos do crime considerado como injustificáveis, as circunstâncias desfavoráveis ao réu que induziu em erro servidores do INSS e do Banco sacado, as consequências que resultaram em prejuízo para a autarquia e contribuintes em geral e aos verdadeiros segurados que sofrem com a demora e espera do seu legítimo benefício, enquanto o réu recebia valores indevidos da entidade previdenciária.

Por fim, os pleitos referentes à aplicação da circunstância da confissão espontânea e substituição por penas alternativas não cabem na apelação, pois foram providências adotadas na sentença.

Ante tais fundamentos, nego provimento ao recurso.

É como voto.


LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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Data e Hora: 27/09/2012 15:23:48