Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 08/11/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002760-58.2009.4.03.6119/SP
2009.61.19.002760-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : IKECHUKWO IHUGBA reu preso
ADVOGADO : ANDRE LUIS RODRIGUES (Int.Pessoal)
: ANNE ELISABETH NUNES DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica

EMENTA

USO DE DOCUMENTO FALSO - VISTO BRASILEIRO FALSIFICADO - AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO COMPROVADOS - PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS E REGIME ABERTO - POSSIBILIDADE - PARCIAL PROVIMENTO DA APELAÇÃO DEFENSIVA
1. Materialidade delitiva comprovada pelo Laudo Documentoscópico de fls. 81/85, dando conta de que o passaporte apreendido com o réu apresenta falsidade no visto para o Brasil, que "foi confeccionado através de processo computadorizado utilizando-se impressora jato de tinta [...] Os dois selos consulares apostos ao lado do visto também foram impressos com impressora jato de tinta", não se tratando de falsificação grosseira, de possível ilusão, pois, a pessoas de mediano discernimento.
2. Autoria e dolo comprovados diante da prisão em flagrante e dos depoimentos colhidos em juízo.
3. Cabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, pois apesar da gravidade das condutas, não se trata de crime hediondo ou equiparado, sendo o réu primário e de bons antecedentes, nada havendo nos autos em seu desabono, e, ainda, o caso é de visto falso e não de uso de passaporte falso, sendo, portanto, conhecida a identidade do réu, de maneira que restringir-lhe a aplicação de reprimendas alternativas tão somente diante da sua condição de estrangeiro não residente resultaria em manifesta ofensa ao preceito constitucional da igualdade.
4. Ademais, a manutenção do acusado no cárcere revela-se desproporcional à conduta perpetrada, que, apesar de grave, não demonstra a necessidade de aplicação de pena aflitiva, que somente deve ser utilizada em casos de maior gravidade, como ultima ratio.
5. Pelos mesmos fundamentos, o regime inicial é o aberto, podendo o réu aguardar em liberdade o trânsito em julgado mediante assinatura de termo de compromisso de liberdade provisória.
6. Apelação parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação defensiva, a fim de substituir a pena privativa de liberdade por duas reprimendas restritivas de direitos, consistentes em uma de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e outra de multa, no importe de dez dias-multa, no valor unitário mínimo legal, observada a detração penal, bem como fixar o regime inicial aberto, mantendo-se, no mais, a r. sentença "a quo", nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 29 de outubro de 2012.
LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002760-58.2009.4.03.6119/SP
2009.61.19.002760-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : IKECHUKWO IHUGBA reu preso
ADVOGADO : ANDRE LUIS RODRIGUES (Int.Pessoal)
: ANNE ELISABETH NUNES DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por Ikechukwo Ihugba, em face da r. sentença que o condenou como incurso nas penas do artigo 304, c.c o art. 297, ambos do Código Penal, por duas vezes, em concurso material, a quatro anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, e ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, vedados a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e o recurso em liberdade.

Em razões de fls. 172/175, a defesa requer, em síntese:

a) a absolvição do apelante, em razão do reconhecimento do erro de tipo, porquanto não há provas consistentes nos autos de que o apelante tivesse conhecimento da natureza ilícita do visto brasileiro em seu passaporte, pois referido visto foi intermediado por agência de viagem por ele contratada em Cabo Verde, a quem inclusive pagou pelo serviço, situação corriqueira a qualquer viajante. Ademais, o acusado compareceu espontaneamente à Delegacia de Polícia Federal para renovação de seu visto, circunstância que evidentemente afasta o dolo de sua conduta, pois se soubesse da falsidade jamais assim procederia, tendo, até mesmo, pago multa de quase um mil reais para a regularização. Requer, pois, a absolvição do réu, por atipicidade de sua conduta, em face da ausência de dolo, reconhecido o erro de tipo;

b) subsidiariamente, requer o afastamento do crime de uso de documento público falso quando da saída do acusado do Brasil, porquanto o visto brasileiro em seu passaporte somente era necessário para a sua entrada neste País, mas não para a saída, de maneira que não há falar-se em crime de uso de documento falso nesta última situação, pois não há exigência legal da apresentação de tal documento;

c) a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

Contrarrazões ministeriais às fls. 177/179, pelo improvimento da apelação.


Em parecer de fls. 182/190, a Procuradoria Regional da República opinou pelo parcial provimento do recurso defensivo, a fim de fixar-se o regime inicial aberto, deferir-se a substituição da pena corporal por restritivas de direitos e conceder-se o direito ao recurso em liberdade.

É o relatório.

À revisão.


LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002760-58.2009.4.03.6119/SP
2009.61.19.002760-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : IKECHUKWO IHUGBA reu preso
ADVOGADO : ANDRE LUIS RODRIGUES (Int.Pessoal)
: ANNE ELISABETH NUNES DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica

VOTO

Segundo a denúncia, no dia 11/03/2009, no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, o acusado foi surpreendido por agentes federais fazendo uso do passaporte nigeriano nº A3782721A, o qual continha em seu interior visto brasileiro falsificado, perante a imigração brasileira, ao tentar embarcar no voo IB6820, da Companhia IBERIA, com destino a Lagos e escala em Madri.

Descreve, ademais, a inicial acusatória que no dia 17/08/2008, no Aeroporto Internacional Pinto Martins/CE, o acusado fez uso do passaporte nigeriano nº A3782721A, o qual continha em seu interior visto brasileiro falsificado, logrando, assim, desembarcar e ingressar em território nacional.

Outrossim, foi o apelante denunciado pelo uso, por duas vezes (quando da entrada e na tentativa de sair do Brasil), de referido passaporte falso, em concurso material de crimes.

Descritos sucintamente os fatos, verifico que a materialidade delitiva está efetivamente comprovada pelo Laudo Documentoscópico de fls. 81/85, dando conta de que o passaporte apreendido com o réu apresenta falsidade no visto para o Brasil, que "foi confeccionado através de processo computadorizado utilizando-se impressora jato de tinta [...] Os dois selos consulares apostos ao lado do visto também foram impressos com impressora jato de tinta", não se tratando de falsificação grosseira, de possível ilusão, pois, a pessoas de mediano discernimento.

A autoria, da mesma forma, é inconteste.

Com efeito, além de ter sido preso em flagrante delito, consta à fl. 09 do passaporte e na "Certidão de Movimentos Migratórios" de fl. 20, que no dia 17 de agosto de 2008 o acusado ingressou no Brasil pelo Aeroporto Internacional Pinto Martins apresentando o passaporte nigeriano nº A3782721A, e que no dia 11/03/2009 tentou sair deste País pelo Aeroporto Internacional de Guarulhos apresentando aquele mesmo documento, oportunidade em que preso em flagrante delito por uso de documento público falso.

Resta, assim, a análise da tese de erro de tipo alegada pela defesa.

Inquiridos em juízo, os policiais federais que atuaram no flagrante disseram, de forma expressa, coesa e harmônica, que o réu alegou, quando da prisão, que adquirira o visto brasileiro através de um amigo em Cabo Verde (fls. 127/128).

Já o acusado, em seu interrogatório, afirmou que obteve o visto numa agência de viagens em Cabo Verde e não com um amigo, como disseram os policiais.

Não obstante, tenho que a longa estória narrada pelo acusado em seu interrogatório é pouco ou quase nada verossímil, ao afirmar que teria ido a Cabo Verde para estudar economia e português, mas que decidiu vir para o Brasil porque lá não falavam bem nem o português nem o inglês.

Ocorre que aqui no Brasil ele disse que vivia de favores numa igreja nigeriana, "num quarto que lhe deram para morar", sem pagamento de aluguel, e que durante o dia ficava na Rua Vinte e Cinco de Março, onde vendia eletrônicos vindos do Paraguai.

Ora, consideradas essas circunstâncias, não me parece que o acusado possua perfil de estudante estrangeiro de economia e de português neste País, pois, por primeiro, nada há nos autos a revelar tenha ele efetivamente se matriculado em algum curso durante os sete meses que permaneceu irregularmente no Brasil.

Ademais, também não soa verossímil tenha ele vindo ao Brasil com o único intuito de estudar, mas precisasse viver de favores de terceiros que sequer conhecia, já que ele mesmo disse em seu interrogatório que "Não conhece ninguém no Brasil".

Enfim, a conclusão a que chego é que o acusado, por alguma razão não esclarecida, desejou adentrar neste País, fazendo-o, porém, de forma completamente escusa e criminosa, utilizando-se de documento público que sabia falso ou ao menos teria condições de dele conhecer, pois o cotejo dos depoimentos colhidos em juízo com a estória mal contada pelo réu não deixam qualquer dúvida de que ele, efetivamente, obteve o visto brasileiro com terceiro, razão por que deveria saber da falsidade ou ao menos dela suspeitar, do que resulta a presença do dolo em sua conduta, quer seja na modalidade direta ou eventual.

Outrossim, ante esses fundamentos, mantenho a condenação do réu nos exatos termos da r. sentença "a quo", estando convencido da presença do dolo em sua conduta, afastando-se, pois, a tese de erro de tipo invencível.

Passo, à análise da dosimetria da pena.

As reprimendas para os dois delitos foram aplicadas no mínimo legal, não havendo, pois, qualquer reparo a ser feito.

No tocante ao pleito de afastamento do cúmulo material, tenho que não procedem os argumentos defensivos, pois uma vez reconhecido o dolo na conduta do acusado, é evidente que a presença de tal elemento subjetivo deu-se em cada uma das duas vezes que o réu apresentou o passaporte com o visto falso no Brasil, isto é, quando da entrada, no dia 17/08/2008, no Aeroporto Internacional Pinto Martins/CE, e quando da tentativa de saída, no dia 11/03/2009, no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP.

Tampouco há falar-se no afastamento do crime de uso de documento público falso quando da saída do acusado do Brasil, sob o argumento de que o visto brasileiro em seu passaporte somente era necessário para a sua entrada neste País, mas não para a saída.

Ora, com a devida vênia, isso não é verdade, porquanto é de todos cediço que o controle imigratório é realizado pela Polícia Federal tanto na entrada quando da saída de qualquer pessoa do Brasil, aplicando-se tanto aos estrangeiros quanto aos próprios cidadãos brasileiros, de maneira que o falsum, uma vez verificado, deve ser rigorosamente reprimido.

Ademais, não há falar-se em ausência de ofensa ao bem jurídico tutelado, pois caso atípica pudesse ser considerada tal conduta, a consequência seria a liberação do agente pelas autoridades policiais em todos os casos dessa mesma espécie, o que seria obviamente um absurdo, já que possibilitaria ao portador do documento continuar utilizando-se de documento público falso para novas tentativas de ingresso neste País, com ferimento à ordem pública e ao controle imigratório brasileiro.

Assim, remanescendo o concurso material de crimes, restam as penas definitivamente aplicadas em quatro anos de reclusão e ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa.

Quanto ao pedido de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, entendo procedentes os argumentos delineados em parecer pelo Ministério Público Federal, pois apesar da gravidade das condutas, não se trata de crime hediondo ou equiparado, sendo o réu primário e de bons antecedentes, nada havendo nos autos em seu desabono, e, ainda, o caso é de visto falso e não de uso de passaporte falso, sendo, portanto, conhecida a identidade do réu, de maneira que restringir-lhe a aplicação de reprimendas alternativas tão somente diante da sua condição de estrangeiro não residente resultaria em manifesta ofensa ao preceito constitucional da igualdade.

Ademais, penso que a manutenção do acusado no cárcere revela-se desproporcional à conduta perpetrada, que, apesar de grave, não demonstra a necessidade de aplicação de pena aflitiva, que somente deve ser utilizada em casos de maior gravidade, como ultima ratio.

Por essas razões, presentes no caso em tela os requisitos previstos no artigo 44 e incisos do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas reprimendas restritivas de direitos, consistentes em uma de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e outra de multa, no importe de dez dias-multa, no valor unitário mínimo legal, observada a detração penal diante do tempo de cárcere por ele já cumprido.

Pelos mesmos fundamentos, o regime inicial é o aberto, podendo o réu aguardar em liberdade o trânsito em julgado desta decisão, mediante assinatura de termo de compromisso de liberdade provisória.

Ante todo o exposto, dou parcial provimento à apelação defensiva, a fim de substituir a pena privativa de liberdade por duas reprimendas restritivas de direitos, consistentes em uma de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e outra de multa, no importe de dez dias-multa, no valor unitário mínimo legal, observada a detração penal, bem como fixar o regime inicial aberto, mantendo-se, no mais, a r. sentença "a quo".

Expeça-se alvará de soltura clausulado em favor do acusado, devendo ser ele intimado pelo Sr. Oficial de Justiça a comparecer perante a Secretaria da Vara de Execução Criminal para assinatura do termo de compromisso de liberdade provisória, bem como ser cientificado das penas substitutivas ora aplicadas.

É como voto.


LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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Signatário (a): LUIZ DE LIMA STEFANINI:10055
Nº de Série do Certificado: 47D97696E22F60E3
Data e Hora: 28/09/2012 12:57:26