Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 23/01/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008540-08.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.008540-9/SP
RELATOR : Juiz Federal Convocado FERNANDO MENDES
APELANTE : ANA PAULA DOS SANTOS SALGADO reu preso
ADVOGADO : LIVEA CARDOSO MANRIQUE DE ANDRADE (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00085400820114036119 5 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. PREJUDICADO. ERRO DE TIPO. NÃO COMPROVADO. ESTADO DE NECESSIDADE EXCULPANTE. AFASTADO. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. MAJORADA EM MENOR PROPORÇÃO. MANTIDA A APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/06 NO PERCENTUAL MÍNIMO. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA. ALTERADO PARA O SEMIABERTO. EXCLUSÃO DA PENA DE MULTA. IMPOSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO.
I - Prejudicado o pedido de concessão do direito de recorrer em liberdade, em razão do julgamento do presente recurso.
II - A materialidade do delito restou demonstrada pelo auto de apresentação e apreensão, pelo laudo preliminar de constatação e pelo laudo de exame de substância definitivo, os quais atestam que a substância apreendida, com a apelante, por ocasião do flagrante, trata-se de cocaína.
III - A autoria e o dolo restaram claros e demonstrados. A apelante foi presa em flagrante, no dia 18 de agosto de 2011, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos, quando tentava embarcar com destino a Lisboa/Portugal, trazendo consigo 2.725g (dois mil setecentos e vinte e cinco gramas) peso líquido - de cocaína.
IV - É imprescindível que a defesa comprove a caracterização do erro sobre elementar do tipo penal - o que não ocorreu no caso dos autos - não sendo suficiente mera alegação isolada da ré sobre desconhecimento da empreitada criminosa. Os elementos carreados aos autos apontam para o fato de a apelante ter agido dolosamente, sendo que a defesa não se desincumbiu do ônus de comprovar a alegação de erro de tipo.
V - O "estado de necessidade exculpante", defendido pela teoria diferenciadora e de divergente aceitação doutrinária e jurisprudencial, é fundamentado na inexigibilidade de conduta diversa, requisito sem o qual inexiste culpabilidade. Seus adeptos pregam que se for sacrificado um bem de valor maior ao preservado, deve ser analisado o perfil subjetivo do agente e perquirido se diante de seus atributos pessoais era possível ou não lhe exigir conduta diversa da perpetrada. Em caso negativo, exclui-se a culpabilidade com base no estado de necessidade exculpante. Se, no entanto, era de se lhe exigir outro comportamento, subsiste a punição do crime, podendo o magistrado reduzir a pena. Contudo, nosso ordenamento jurídico adotou a teoria unitária, e assim, ou se trata de causa excludente da ilicitude ou de causa de diminuição de pena. E ainda que assim não fosse, melhor sorte não restaria à defesa, tendo em vista que a prática de tráfico internacional de entorpecentes não era a única alternativa de sobrevivência de Ana Paula, pessoa jovem (tinha 32 anos na data dos fatos), com perspectivas de melhora em sua vida.
VI - A apelante é primária e não ostenta maus antecedentes, bem como as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não lhe são desfavoráveis. A quantidade razoável de entorpecente (quase três quilos - peso líquido), bem como a qualidade da droga apreendida (cocaína), justificam a exasperação da pena-base, entretanto, em percentual menor (de 1/6).
VIII - A apelante realmente faz jus à aplicação da causa de redução de pena, prevista no § 4º do art. 33 da Lei n.º 11.343/06, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), devido às circunstâncias objetivas e subjetivas do caso concreto, em que a apelante veio de Portugal para o Brasil, a pretexto de buscar um computador, apenas para transportar quase três quilos de cocaína, ocultos em sua mochila.
IX - Considerando que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus n.º 111840, em 27 de junho de 2012, deferiu, por maioria, a ordem e declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, deve ser fixado o regime inicial semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, "b", do Código Penal.
X - O princípio da isonomia, garantia pétrea constitucional extensível aos estrangeiros, impede que o condenado não nacional pelo crime de tráfico ilícito de entorpecentes seja privado da concessão dos benefícios previstos em lei, no caso, de regime inicial mais brando de cumprimento de pena.
XI - O pleito da defesa, concernente à exclusão da pena de multa, é totalmente descabido. Isso porque se o apelante foi condenado pela prática do delito tipificado no art. 33 da Lei n.º 11.343/06, deve incidir nas penas nele cominadas, quais sejam, pena privativa de liberdade, cumulativamente, com a pena de multa. Trata-se, portanto, de elemento inerente ao tipo penal que não pode deixar de ser aplicado pelo magistrado em razão de eventual estado de miserabilidade do acusado.
XII - Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, uma vez que não se encontram preenchidos os requisitos do art. 44 do Código penal, porquanto a pena privativa de liberdade aplicada supera 4 (quatro) anos de reclusão.
XIII - Recurso conhecido em parte e, na parte conhecida, parcialmente provido para majorar a pena-base em menor proporção e alterar o regime inicial de cumprimento de pena para o semiaberto. Prejudicado o pedido de recorrer em liberdade.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, deixar de conhecer de parte da apelação e, na parte conhecida, dar parcial provimento ao recurso da defesa de Ana Paula dos Santos Salgado, para, majorando a pena-base em menor proporção, fixar a pena definitiva em 5 (cinco) anos, 8 (oito) meses e 1 (um) dia de reclusão, no regime inicial semiaberto, e pagamento de 567 (quinhentos e sessenta e sete) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos, prejudicado o pedido de recorrer em liberdade, nos termos do voto do Relator, sendo que a Desembargadora Federal VESNA KOLMAR divergiu, quanto ao regime do cumprimento da pena, para fixar o regime inicialmente fechado.

São Paulo, 15 de janeiro de 2013.
FERNANDO MENDES
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008540-08.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.008540-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : ANA PAULA DOS SANTOS SALGADO reu preso
ADVOGADO : LIVEA CARDOSO MANRIQUE DE ANDRADE (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00085400820114036119 5 Vr GUARULHOS/SP

RELATÓRIO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Trata-se de Apelação Criminal interposta pela ré ANA PAULA DOS SANTOS SALGADO contra a r. sentença de fls. 262/272-v, que julgou procedente o pedido da denúncia (recebida em 14.03.12 - fls. 217/218), para condená-la como incursa no art. 33, caput, c.c art. 40, inciso I, todos da Lei n.º 11.343/06, a uma pena de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e pagamento de 590 (quinhentos e noventa) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos, porque, no dia 18 de agosto de 2011, foi presa em flagrante, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos, quando tentava embarcar com destino a Lisboa/Portugal, trazendo consigo 2.725g (dois mil setecentos e vinte e cinco gramas) peso líquido - de cocaína.

Apela a Defensoria Pública da União, na defesa de Ana Paula dos Santos Salgado, em cujas razões recursais (fls. 294/308v) pede, em síntese:

a) a absolvição por praticado o fato em erro de tipo;

b) a absolvição em razão do estado de necessidade exculpante ou, pelo princípio da eventualidade, que se reconheça como causa de redução de pena ou, ainda, como atenuante genérica;

c) a fixação da pena-base no mínimo legal;

d) seja afastada a internacionalidade do delito;

e) seja afastada a causa de aumento decorrente do uso de transporte público;

f) a aplicação da causa de diminuição, prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, em seu patamar máximo;

f) a fixação de regime inicial aberto ou semiaberto para o cumprimento da pena;

g) a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos;

h) a exclusão da pena de multa;

I) a concessão do direito de recorrer em liberdade.

Contrarrazões do Ministério Público Federal (fls. 332/348), nas quais requer o desprovimento do recurso interposto pela defesa.

Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República em seu parecer (fls. 351/360) opina pelo desprovimento do recurso interposto.

Feito submetido à revisão, conforme previsão regimental.



JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008540-08.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.008540-9/SP
RELATOR : Juiz Federal Convocado FERNANDO MENDES
APELANTE : ANA PAULA DOS SANTOS SALGADO reu preso
ADVOGADO : LIVEA CARDOSO MANRIQUE DE ANDRADE (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00085400820114036119 5 Vr GUARULHOS/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL CONVOCADO FERNANDO MENDES:

Inicialmente, ratifico o relatório.

Prejudicado o pedido de concessão do direito de recorrer em liberdade, em razão do julgamento do presente recurso.

A apelante foi presa em flagrante, tendo permanecido nesta condição durante a ação penal, sendo afinal condenada pela r. sentença recorrida. Portanto, presa deve permanecer, pois, além do art. 44 da Lei n.º 11.343/06 vedar a concessão da liberdade provisória, também se encontram preenchidos os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, pois sua condição de estrangeira, que praticou crime no território nacional, é incompatível com a medida, haja vista não possuir vínculo familiar e laboral no país.

A materialidade do delito restou demonstrada pelo laudo definitivo e exame em substância (fls. 177/180), que atesta que a substância apreendida com a apelante, por ocasião do flagrante, trata-se de cocaína.

A autoria e o dolo restaram claros e demonstrados. A apelante foi presa em flagrante, no dia 18 de agosto de 2011, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos, quando tentava embarcar com destino a Lisboa/Portugal, trazendo consigo 2.725g (dois mil setecentos e vinte e cinco gramas) peso líquido - de cocaína.

Aduz a defesa, em suas razões de apelação, que a ré confessou os fatos narrados na inicial, entretanto, desconhecia o fato de transportar substância entorpecente em sua bagagem, pois "a acusada, em seu interrogatório, disse que veio ao Brasil para buscar um computador para uma tal de Catarina, a título de favor, mas não iria receber nada em troca. Mas, no fundo, imaginou que talvez se fizesse esse favor para a Catarina, ela poderia ajudar sua família em Portugal. Quando chegou em São Paulo foi contactada por um homem negro que lhe entregou a mochila com o computador dentro. Nada mais." (fls. 295).

Não merece acolhida a alegação da defesa de que a apelante desconhecia o conteúdo da mochila, agindo, portanto, em erro de tipo.

Não é crível que uma pessoa, com o mínimo de discernimento, aceite viajar para outro país, apenas para buscar um computador e sequer verifica o conteúdo da mochila, entregue por um estranho, com o suposto computador.

Não se mostra verossímil, portanto, a alegação da apelante. É imprescindível que a defesa comprove a caracterização do erro sobre elementar do tipo penal, o que não ocorreu no caso dos autos, em que a apelante simplesmente alega que desconhecia o conteúdo da mochila, porque viajara para buscar um computador.


Nesse sentido, decisão desta Corte:


"APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - ERRO DE TIPO NÃO DEMONSTRADO - INTERNACIONALIDADE DO TRÁFICO - DOSIMETRIA DA PENA QUE NÃO COMPORTA REPARO - INAPLICABILIDADE DO § 4º DO ARTIGO 33 DA LEI 11.34396 - POSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL - LEI Nº 11.464/07 - IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO POR PENA RESTRITIVA DE DIREITOS - APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
(...)
É imprescindível que a defesa comprove a caracterização do erro sobre elementar do tipo penal - o que não ocorreu no caso dos autos - não sendo suficiente mera alegação isolada da ré sobre desconhecimento da empreitada criminosa. Os elementos carreados aos autos apontam para o fato de a apelante ter agido dolosamente, sendo que a defesa não se desincumbiu do ônus de comprovar a alegação de erro de tipo.
(...) Apelação parcialmente provida." ( proc 2005.61.19.003274-0, DJF3 01.09.08, Des. Fed. Johonsom Di Salvo).

O argumento de que o delito foi praticado em estado de necessidade exculpante porque "a acusada confessou os fatos narrados na inicial tendo aduzido que estava desempregada a três meses e passava por muitas dificuldades financeiras" (Sic - fls. 297-v), não prospera.

Ana Paula poderia ter se valido de outros meios lícitos para sanar essa suposta dificuldade financeira, que sequer ficou comprovada nos autos.

E ainda que houvesse a comprovação da alegação de dificuldades financeiras, tal fato não seria hábil para justificar a prática de um ilícito de tamanha gravidade (tráfico internacional de entorpecentes) e ilidir a responsabilização criminal, já que ingressar no mundo do crime não é solução acertada, honrosa, digna para resolver problemas econômicos.

Para fazer jus à excusa do estado de necessidade, é imprescindível que o agente se encontre diante de uma "situação de perigo atual", que tenha gerado a "inevitabilidade da conduta lesiva". E no presente caso, além de tais requisitos não estarem comprovados, é certo que existem inúmeros caminhos lícitos de suprir ou amenizar problemas financeiros, sem necessitar partir para a criminalidade. Contudo, o apelante optou pelo chamado commodus discessus, a saída cômoda, preferindo auferir proventos de maneira fácil, adentrando no repugnante mundo do crime, cometendo tráfico internacional de entorpecentes.

Por sua vez, o "estado de necessidade exculpante", defendido pela teoria diferenciadora e de divergente aceitação doutrinária e jurisprudencial, é fundamentado na inexigibilidade de conduta diversa, requisito sem o qual inexiste culpabilidade. Seus adeptos pregam que se for sacrificado um bem de valor maior ao preservado, deve ser analisado o perfil subjetivo do agente e perquirido se diante de seus atributos pessoais era possível ou não lhe exigir conduta diversa da perpetrada. Em caso negativo, exclui-se a culpabilidade com base no estado de necessidade exculpante. Se, no entanto, era de se lhe exigir outro comportamento, subsiste a punição do crime, podendo o magistrado reduzir a pena. Contudo, nosso ordenamento jurídico adotou a teoria unitária, e assim, ou se trata de causa excludente da ilicitude ou de causa de diminuição de pena. E ainda que assim não fosse, melhor sorte não restaria à defesa, tendo em vista que a prática de tráfico internacional de entorpecentes não era a única alternativa de sobrevivência de Ana Paula, pessoa jovem (tinha 32 anos na data dos fatos), com perspectivas de melhora em sua vida. (ACR 26478, Proc. 2006.61.19.003619-1, rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo, DJF3 CJ1 - 26.08.09, pág. 83).

Inafastável, portanto, a condenação da apelante, bem como inaplicável o estado de necessidade exculpante para fins de diminuição da pena, ou mesmo aplicação de atenuante genérica.

A internacionalidade da atividade de traficância com o exterior resta configurada, seja quando o tóxico venha para o Brasil, seja quando esteja em vias de ser exportado, como é o caso dos autos, em que a apelante foi presa em flagrante, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos, prestes a embarcar para Portugal, trazendo consigo cocaína. "A internacionalidade do tráfico de entorpecentes fica caracterizada quando provada a intenção do agente de levar a droga para o exterior, independentemente da ação ter sido obstada momentos antes do embarque." (Processo n.º 2006.61.19.007014-9, Rel. Des. Fed. Vesna Kolmar, DJF3 17.11.08).

Portanto, não há como afastar a condenação de Ana Paula dos Santos Salgado pela prática do delito de tráfico internacional de entorpecentes.

Passemos à dosimetria da pena.


DOSIMETRIA DA PENA


Na primeira fase da dosimetria, a pena-base foi fixada acima do mínimo legal, ou seja, em 6 (seis) anos de reclusão e 600 (seiscentos) dias-multa, em razão da quantidade e qualidade da droga apreendida com a apelante.

Realmente, a apelante é primária e não ostenta maus antecedentes, bem como as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não lhe são desfavoráveis. A quantidade razoável de entorpecente (quase três quilos - peso líquido), bem como a qualidade da droga apreendida (cocaína), justificam a exasperação da pena-base, entretanto, no percentual de 1/6 (um sexto), razão pela qual a pena-base deve ser fixada em 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.

Na segunda fase da dosimetria da pena, o magistrado sentenciante deixou de reconhecer a atenuante da confissão espontânea, pois a ré não admitiu, em momento algum, transportar cocaína. Ao contrário, disse acreditar ter vindo ao Brasil apenas para buscar um computador. Não houve, inclusive, irresignação da defesa.

Na terceira fase de aplicação da pena, verifico que o juiz de primeiro grau fez incidir, com acerto, a causa de aumento da internacionalidade (art. 40, inciso I, da Lei 11.343/06), no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), pois presente uma única causa de aumento.

Nesse sentido, decisão desta Corte: "(...) O emprego do acréscimo de 2/3 (dois terços) decorrente da internacionalidade do tráfico é nitidamente excessivo, eis que presente uma única causa de aumento, devendo o percentual de majoração ser reduzido ao mínimo legal. Na esteira do entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, há de se admitir a retroatividade benéfica do artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06, que abriga o percentual mínimo de 1/6 (um sexto), resultando a pena privativa de liberdade definitivamente fixada em 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão, e a pena pecuniária em 77 (setenta e sete) dias-multa, mantido o valor unitário mínimo." (ACR 2005.61.19.0069763, rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo, DJF3 27.05.10) grifei.

A defesa requer a exclusão dessa causa de aumento decorrente da internacionalidade do delito, por entender que o verbo "exportar", constante no art. 33 da Lei n.º 11.343/06, já é elemento do tipo e, portanto, não pode ser considerado novamente para fins de majoração da pena, na terceira fase da dosimetria da pena, sob pena de se configurar o bis in idem.

Não há que se falar em bis in idem, pois o legislador, em observância aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena, distinguiu o tráfico realizado dentro do território nacional, entre Municípios ou Estados, e aquele que ocorre entre diferentes países, pretendendo, desta forma, punir mais severamente este último, já que afeta o interesse de mais de um país.

Ademais, a conduta imputada à ré foi a de "trazer consigo" e não a de "exportar", mais uma razão pela qual não há como deixar de fazer incidir a majorante da internacionalidade, prevista no art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06.

Assim, a pena da apelante deve ser majorada em 1/6 (um sexto), restando fixada em 6 (seis) anos, 9 (nove) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 680 (seiscentos) dias-multa.

Deixo de conhecer do pedido de exclusão da causa de aumento decorrente do uso de transporte público, pois o magistrado a quo não a fez incidir na sentença recorrida.

Ainda na terceira fase de aplicação da pena, o magistrado sentenciante, com razão, fez incidir a causa de diminuição prevista no artigo 33, §4º, da Lei n.º 11.343/06, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto).

Apela a defesa, requerendo a aplicação da referida causa de diminuição, no percentual máximo de 2/3 (dois terços).

O artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas, prevê a redução de 1/6 a 2/3 para o agente que seja primário, possua bons antecedentes e não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa.

O dispositivo foi criado a fim de facultar ao julgador ajustar a aplicação e a individualização da pena às múltiplas condutas envolvidas no tráfico de drogas, notadamente o internacional, porquanto não seria razoável tratar o traficante primário, ou mesmo as "mulas", com a mesma carga punitiva a ser aplicada aos principais responsáveis pela organização criminosa que atuam na prática deste ilícito penal.

Dos elementos coligidos nos autos, constata-se que a conduta da acusada se enquadra no que se convencionou denominar no jargão do tráfico internacional de droga de "mula", isto é, pessoa que funciona como agente ocasional no transporte de drogas, pois não se subordina de modo permanente às organizações criminosas nem integra seus quadros. Trata-se, em regra, de mão-de-obra avulsa, esporádica, de pessoas que são cooptadas para empreitada criminosa sem ter qualquer poder decisório sobre o modo e o próprio roteiro do transporte, cabendo apenas obediência às ordens recebidas. Pouco ou nada sabem a respeito da organização criminosa.

Em suma, do fato puro e simples de determinada pessoa servir como "mula" para o transporte de droga não é possível, por si só, inferir a inaplicabilidade da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei 11.342/2006, por supostamente integrar organização criminosa.

Ana Paula dos Santos Salgado, não ostenta maus antecedentes e não há prova nos autos de que se dedica a atividades criminosas, nem elementos para concluir que integra organização criminosa, apesar de encarregado do transporte da droga. Certamente, estava transportando a droga para bando criminoso internacional, o que não significa, porém, que fosse integrante dele.

Portanto, realmente faz jus à aplicação da causa de redução de pena, prevista no § 4º do art. 33 da Lei n.º 11.343/06, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), devido às circunstâncias objetivas e subjetivas do caso concreto, em que a apelante veio de Portugal para o Brasil, a pretexto de buscar um computador, apenas para transportar quase três quilos de cocaína, ocultos em sua mochila, motivo pelo qual a pena passa a ser fixada em 5 (cinco) anos, 8 (oito) meses e 1 (um) dia de reclusão e 567 (quinhentos e sessenta e sete) dias-multa.

Considerando que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus n.º 111840, em 27 de junho de 2012, deferiu, por maioria, a ordem e declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, deve ser fixado o regime inicial de cumprimento de pena, nos termos do art. 33, § 2º, "b", do Código Penal, verbis:


"Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.
(...)
§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:
a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;
b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;
c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.
§ 3º - A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código. Grifei.

No caso dos autos, trata-se de ré primária, que não ostenta maus antecedentes e a pena definitiva restou fixada em 05 (cinco) anos e 10 meses de reclusão, razão pela qual deve ser fixado o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena.

Por fim, cumpre ressaltar que o princípio da isonomia, garantia pétrea constitucional extensível aos estrangeiros, impede que o condenado não nacional pelo crime de tráfico ilícito de entorpecentes seja privado da concessão dos benefícios previstos em lei, no caso, de regime inicial mais brando de cumprimento de pena.


Nesse sentido, decisão do Supremo Tribunal Federal:


EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. LEI Nº 6.368/76, ARTIGOS 12 E 18, I. SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS DO ART. 44 DO CÓDIGO PENAL PRESENTES. ESTRANGEIRO. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. O Princípio da Isonomia, garantia pétrea constitucional extensível aos estrangeiros, impede que o condenado não nacional pelo crime de tráfico ilícito de entorpecentes seja privado da concessão do benefício da substituição da pena privativa por restritiva de direitos quando atende aos requisitos objetivos e subjetivos do art. 44 do Código Penal. (Precedentes: HC 85894, Rel. Ministro GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO, DJe 28/09/2007; HC 103068/MG, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, PRIMEIRA TURMA, DJe 21/02/2011; HC 103093/RS, Rel. Ministro GILMAR MENDES, SEGUNDA TURMA, DJe 01/10/2010; HC 89976/RJ, Rel. Ministra ELLEN GRACIE, TRIBUNAL PLENO, DJe 24/04/2009; HC 96011/RS, Rel. Ministro JOAQUIM BARBOSA, SEGUNDA TURMA, DJe 10/09/2010; HC 96923/SP, Rel. Ministro GILMAR MENDES, SEGUNDA TURMA, DJe 10/09/2010; HC 91600/RS, Rel. Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, PRIMEIRA TURMA, DJ 06/09/2007; HC 84715, Rel. Ministro JOAQUIM BARBOSA, SEGUNDA TURMA, DJ 29/06/2007). (...)3. É cediço na Corte que: "O SÚDITO ESTRANGEIRO, MESMO AQUELE SEM DOMICÍLIO NO BRASIL, TEM DIREITO A TODAS AS PRERROGATIVAS BÁSICAS QUE LHE ASSEGUREM A PRESERVAÇÃO DO "STATUS LIBERTATIS" E QUE LHE GARANTAM A OBSERVÂNCIA, PELO PODER PÚBLICO, DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DO "DUE PROCESS". - O súdito estrangeiro, mesmo o não domiciliado no Brasil, tem plena legitimidade para impetrar o remédio constitucional do "habeas corpus", em ordem a tornar efetivo, nas hipóteses de persecução penal, o direito subjetivo, de que também é titular, à observância e ao integral respeito, por parte do Estado, das prerrogativas que compõem e dão significado à cláusula do devido processo legal. - A condição jurídica de não nacional do Brasil e a circunstância de o réu estrangeiro não possuir domicílio em nosso país não legitimam a adoção, contra tal acusado, de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório. Precedentes (HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). - Impõe-se, ao Judiciário, o dever de assegurar, mesmo ao réu estrangeiro sem domicílio no Brasil, os direitos básicos que resultam do postulado do devido processo legal, notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante (...)". (HC 102041/SP, Rel. Ministro Celso de Mello, SEGUNDA TURMA, DJe 20/08/2010). 4. "O legislador deixou por conta dos operadores jurídicos a tarefa de individualizar o instituto alternativo da substituição em cada caso concreto. É preciso que se faça um juízo de valor sobre a 'suficiência' da resposta alternativa ao delito. Essa valoração deve ter em mira a repressão e prevenção do delito. É sempre importante enfatizar que essa valoração deve ser objetiva e descritiva, isto é, fundamentada, para se possibilitar o seu democrático controle" (in Gomes, Luiz Flávio - Penas e Medidas Alternativas à Prisão, Revista dos Tribunais, p. 596/597). 5. In casu, restou comprovado o direito do estrangeiro ao benefício, máxime porque (i) a ele foi fixado o regime aberto para iniciar o cumprimento da pena; (ii) inexiste decreto de expulsão em seu desfavor; e (iii) na visão das instâncias inferiores, preenche os requisitos do art. 44, como declarou o Superior Tribunal de Justiça, in verbis: "Desse modo, fixada a pena-base no mínimo legal, sendo o agente primário e inexistindo circunstâncias judiciais desfavoráveis, não é legítimo agravar o regime de cumprimento da pena, a teor do disposto no artigo 33, § 2.º, alínea c, e § 3.º do Código Penal, que dispõe que "o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro)anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto". Portanto, a decisão que lhe impôs o regime inicial fechado para o cumprimento da pena há de ser reformada para adequar-se à individualização da sanção criminal, em estrita obediência ao disposto no mencionado texto legal." 6. Parecer do parquet pela concessão da ordem. Ordem concedida.
HC 103311 / PR - PARANÁ HABEAS CORPUS Relator(a):  Min. LUIZ FUX Julgamento:  07/06/2011           Órgão Julgador:  Primeira Turma

Já o pleito da defesa, concernente à exclusão da pena de multa, é totalmente descabido. Isso porque se o apelante foi condenado pela prática do delito tipificado no art. 33 da Lei n.º 11.343/06, deve incidir nas penas nele cominadas, quais sejam, pena privativa de liberdade, cumulativamente, com a pena de multa.

Trata-se, portanto, de elemento inerente ao tipo penal que não pode deixar de ser aplicado pelo magistrado em razão de eventual estado de miserabilidade do acusado.

Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, uma vez que não se encontram preenchidos os requisitos do art. 44 do Código Penal, pois a pena privativa de liberdade supera 4 (quatro) anos de reclusão.

Oficie-se ao Ministério da Justiça para que instaure ou dê continuidade ao processo de expulsão da condenada.

Diante do exposto, deixo de conhecer de parte da apelação e, na parte conhecida, dou parcial provimento ao recurso da defesa de Ana Paula dos Santos Salgado para, majorando a pena-base em menor proporção, fixar a pena definitiva em 5 (cinco) anos, 8 (oito) meses e 1 (um) dia de reclusão, no regime inicial semiaberto, e pagamento de 567 (quinhentos e sessenta e sete) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos, prejudicado o pedido de recorrer em liberdade.

É o voto.


FERNANDO MENDES
Juiz Federal Convocado


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