D.E. Publicado em 29/01/2013 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, negar provimento aos embargos infringentes, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, vencida a Desembargadora Federal Vesna Kolmar que lhe dava provimento.
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RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:
Trata-se de Embargos Infringentes interpostos por Michael Gomes Marangoni em face do v. Acórdão de fls. 156/159, proferido pela E. 1ª Turma desta Corte que, por maioria, deu provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal, para reconhecer a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito, nos termos dos votos dos Desembargadores Federais Dr. José Lunardelli (relator para acórdão) e Dr. Johonsom Di Salvo, vencida a Desembargadora Federal Dra. Vesna Kolmar, relatora, que lhe negava provimento.
A ementa foi lavrada nos seguintes termos:
"RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. AGÊNCIA FRANQUEADA DOS CORREIOS. DELITO COMETIDO POR FUNCIONÁRIO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL RECONHECIDA. RECURSO PROVIDO. |
1. Quando crimes perpetrados afetem o monopólio postal da União Federal (Constituição, art. 21, X c/c lei n.º 6.538/1978, art. 9º), a Justiça Federal é competente para processar e julgar os feitos por existir interesse da União (CF, art. 109, IV), ainda que os serviços postais estejam sendo explorados por particulares, na forma de franquias. |
2. Na hipótese dos autos, no entanto, da análise das provas, constata-se que, de fato, o delito praticado causou real prejuízo aos interesses da União e da ECT, ainda que tenha tido por vítima empresa franqueada dos Correios, fato que justifica a atribuição de competência à Justiça Federal para o processo e julgamento do ilícito penal. |
3. É inegável que a conduta do empregado atingiu interesse da União, devendo ser aplicadas as regras de competência previstas no art. 109, IV da CF, na medida em que o delito praticado envolve a apropriação de "correspondência", serviço público prestado em regime de monopólio (lei n.º 6.538/1978, art. 9º, I), conforme decidiu o STF no julgamento da ADPF n.º 46-7/DF. Do mesmo modo, o delito praticado traz, ao menos indiretamente, prejuízos à ECT, uma vez que as agências franqueadas são prestadores que propagam a rede pública "Correios", e os usuários dos serviços postais não diferenciam as agências próprias das franqueadas, exigindo de todas, que propagam a mesma marca, as mesmas características de adequação na fruição dos serviços. Precedente deste E. TRF. |
4. Por essas razões, compete à Justiça Federal o processo e julgamento desta ação penal, nos termos do art. 109, IV da CF. |
5. Recurso em sentido estrito a que se dá provimento." |
Em suas razões recursais (fls. 161/162), o embargante requer a prevalência do voto vencido, que reconheceu a competência da Justiça Estadual para processar e julgar o feito.
Os embargos foram admitidos por decisão do Desembargador Federal Dr. José Lunardelli (fl. 164).
A Procuradoria Regional da República requer seja negado provimento aos embargos infringentes (fls. 168/173).
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:
Consta da denúncia que, no dia 30 de abril de 2001, Carlos Eduardo do Nascimento, à época empregado da Agência Franqueada dos Correios Santo Antônio, e, por isso, equiparado a funcionário público, se apropriou de correspondência (carta simples), que continha dezessete cheques no valor total de R$ 3.747,70 (três mil, setecentos e quarenta e sete reais e setenta centavos), da qual tinha posse em razão do exercício de sua função, pois era responsável pelo recolhimento e expedição das correspondências simples. Por sua vez, Michael Gomes Marangoni (ora embargante) recebeu, em proveito próprio, os cheques de Carlos Eduardo do Nascimento, sabendo-os produto de crime. Segundo a peça acusatória, 03 (três) cheques foram depositados na conta-corrente de titularidade de Carla Viviane de Carvalho Donegatti que, sabedora da origem criminosa dos cheques, ocultou-os em proveito de Michael Gomes Marangoni, que receberia o valor dos cheques após a devida compensação.
O ora embargante requer a prevalência do voto vencido da Desembargadora Federal Dra. Vesna Kolmar, relatora, que reconheceu a competência da Justiça Estadual para processar e julgar o feito, nos seguintes termos:
"Com efeito, verifica-se que na situação em apreço a Agência de Correios que foi vítima da ação criminosa não é explorada diretamente pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e não possui natureza jurídica de empresa pública, na verdade a exploração do serviço se dá na forma de franquia, por particular, razão pela qual não há ofensa a bem ou interesse da União de forma a justificar a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito." (fl. 154). |
Em que pese o entendimento manifestado pela Desembargadora Federal Dra. Vesna Kolmar, entendo que deva prevalecer o entendimento esposado pelo voto condutor, que reconheceu a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito.
Diferentemente dos delitos praticados contra o patrimônio da agência franqueada da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - EBCT, em relação aos quais há jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça no sentido de reconhecer a competência da Justiça Estadual para o processo e o julgamento (a exemplo do julgado citado no voto-vencido), no caso, a denúncia narra a prática de crime de peculato praticado, em tese, por Carlos Eduardo do Nascimento, empregado da agência franqueada da EBCT, que é equiparado a funcionário público federal, nos termos do artigo 327, § 1º, do Código Penal (na redação dada pela Lei nº 9.983, de 14 de julho de 2000), verbis:
"§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública." |
O crime de peculato está inserido no Título XI, do Código Penal, que trata dos crimes contra a Administração Pública. O bem jurídico protegido, portanto, é a atividade funcional estatal, podendo ser objeto material do delito, inclusive, bem particular que esteja sob a guarda, vigilância ou custódia da Administração Pública.
Nesse sentido é a lição de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini:
"Tem em vista a lei a probidade administrativa, tutelando-se a administração pública no que tange ao patrimônio público, o interesse patrimonial do Estado, ainda que de bens particulares. A maior relevância, porém, não é tanto a defesa dos bens da administração, mas o interesse do Estado, genericamente visto, no sentido de zelar pela probidade e fidelidade da administração. O dano, mais do que material, é moral e político." (in Manual de Direito Penal. Parte Especial, vol. 3, 26ª ed., São Paulo: Atlas, 2012, p. 267). |
A apropriação, por empregado de agência franqueada dos Correios, de correspondência contendo cheques de terceiros no valor total de R$ 3.747,70 (três mil, setecentos e quarenta e sete reais e setenta centavos), de que tinha a posse em razão da função de recolhimento e expedição das correspondências simples, ofende interesse da União Federal, na medida em que afeta a sua atividade funcional, em especial a regularidade do serviço público postal, exercido em regime de monopólio pela União Federal em todo o território nacional (art. 21, X, da CF e art. 9º, da Lei nº 6.538/78).
Não se vislumbra, na presente hipótese, prejuízo econômico.
Há, portanto, ofensa direta a interesse da União Federal, a justificar a competência da Justiça Federal para o processo e o julgamento do crime de peculato, em tese praticado por funcionário público federal equiparado, nos termos do artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal, inclusive do crime conexo, em tese praticado pelos demais denunciados (art. 78, IV, CPP e Súmula nº 122, do E. STJ).
Nesse sentido é o teor da Súmula 254, do extinto Tribunal Federal de Recursos:
"Compete à Justiça Federal processar e julgar os delitos praticados por funcionário público federal, no exercício de suas funções e com estas relacionados." |
Transcrevo, por oportuno, trecho do voto proferido pela Desembargadora Federal Suzana Camargo (relatora para acórdão), nos autos do Recurso em Sentido Estrito nº 0000422-46.2002.403.6123, da 5ª Turma desta E. Corte, publicado no DJU de 06/06/2006:
"No caso dos autos, o recorrido trabalhava para a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - EBCT, porém não era empregado contratado diretamente. Prestava serviços à aludida empresa pública pela ADEFIVI, empresa conveniada com a EBCT que credenciava deficientes físicos para o trabalho (fl. 168). |
Exercia, ainda segundo a EBCT, as funções de carimbação e triagem de correspondências simples, protocolo de documentos achados e perdidos e colocação de correspondências nas caixas postais (fl. 179). |
Ora, denota-se que o recorrido exercia funções de empregado de empresa pública, situação essa que se enquadra no conceito amplo de funcionário público, dado pelo art. 327 do Estatuto Repressivo, razão pela qual o crime que lhe é imputado, em tese, subsume-se ao de peculato. |
(...) |
Não é dado desconsiderar, outrossim, que se o recorrido é equiparado a funcionário público e exercia suas funções perante a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - EBCT, em exploração direta dessa atividade, por certo que sua conduta, em tese, afeta diretamente serviços e interesse dessa empresa pública, a determinar a competência da Justiça Federal, nos termos preceituados pelo artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal." |
No mesmo sentido, julgados desta E. Corte:
"PENAL. PECULATO. CARTEIRO. APROPRIAÇÃO DE CARTÕES DE CRÉDITO POSTADOS NA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. EMPRESA PÚBLICA FEDERAL. ART. 327, § 1º DO CP. CARTEIRO: FUNCIONÁRIO PÚBLICO PARA EFEITOS PENAIS. APROPRIAÇÃO EM RAZÃO DO CARGO. IRRELEVÂNCIA DA NATUREZA PARTICULAR DO BEM APROPRIADO. LESÃO AOS INTERESSES DA ADMINISTRAÇÃO. APELO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. |
I - Incidente na hipótese a norma de extensão subjetiva prevista no artigo 327, § 1º, do Código Penal, segundo a qual considera-se como funcionário público, para efeitos penais, todo aquele que exerce emprego público, ou de qualquer modo, função pública, tomando a expressão no sentido mais amplo, diferentemente do Direito Administrativo, eis que não é propriamente a qualidade de funcionário público que caracteriza os crimes funcionais, mas sim o fato de serem praticados por quem se acha no exercício de função pública, entendida como qualquer atividade do Estado que vise diretamente à satisfação de uma necessidade ou conveniência pública. |
II - Ainda que o apelante tenha praticado o crime quando ocupante do cargo de Carteiro contratado sob o regime jurídico da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT é empresa pública federal ligada ao Ministério das Comunicações, conforme estatuído no artigo 1º do Decreto lei nº 509, de 20 de março de 1969, executando e controlando os serviços postais em todo o território nacional, em regime de monopólio previsto no artigo 21, X, da Constituição Federal. |
III - O conjunto probatório permitiu, de maneira segura, a conclusão de que o apelante efetivamente se apropriou dos cartões de crédito postados por empresa administradora de cartões de crédito, violando as correspondências que lhe eram confiadas no exercício de sua profissão de Carteiro empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT. |
IV - É irrelevante o fato de os bens desviados serem de propriedade particular, pois a objetividade jurídica da norma incriminadora do delito de peculato não é a lesão patrimonial em si, mas principalmente a ofensa aos interesses da Administração Pública, no caso presente, o desenvolvimento regular do serviço público prestado pelos Correios. |
V - Apelação a que se nega provimento." |
(ACR 00004055920044036181, rel. Desembargador Federal Henrique Herkenhoff, 2ª Turma, e-DJF3 Judicial 2 de 28/05/2009) |
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"PENAL- PECULATO E ESTELIONATO - PREJUÍZO CAUSADO A EMPRESA PÚBLICA - AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS AMPLAMENTE COMPROVADAS - DESCLASSIFICAÇÃO PARA CRIME DE FURTO OU APROPRIAÇÃO INDÉBITA - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO DA DEFESA NÃO PROVIDO. |
1. Competência da Justiça Federal para o julgamento do crime de peculato, pois praticado por funcionário da ECT no exercício de suas funções (Súmula n° 254 do antigo Tribunal Federal de Recursos). Lesão patrimonial da empresa pública federal, que assumiu os prejuízos, justificada a competência da Justiça Federal para o julgamento dos crimes de estelionato. |
2. A materialidade delitiva restou demonstrada pelas provas constantes do procedimento administrativo (fls.67/225), bem como pelos documentos juntados aos autos durante a instrução criminal, quais sejam, auto de apreensão, Boletim de Ocorrência, as faturas de cartões de crédito, bem como pela lista de objetos entregues ao apelante. |
3. A autoria, por sua vez, restou comprovada pelo auto de exibição e apreensão, bem como pelos depoimentos das testemunhas de acusação. Ademais, na primeira fase da persecução penal o apelante admitiu em parte a prática delitiva, confessou que efetuou saque e tentou fazer compras com os cartões de crédito dos quais detinha a posse, não os entregando aos proprietários, deixando clara a sua intenção de se aproximar desses bens. |
4. O réu não cometeu crime de furto, haja vista que já detinha a posse dos bens, quando do cometimento do delito. Logo, não se pode dizer tenha ele subtraído coisa alheia móvel, para outrem ou para si, já que a subtração pressupõe que o agente não detenha a posse do bem. |
5. Também o apelante não cometeu crime de apropriação indébita, haja vista que, muito embora tenha se apropriado dos cartões, o Código Penal prevê um tipo específico para aqueles casos onde o agente se vale da condição de funcionário público para se apropriar de bem particular, em detrimento da administração pública (art. 312 do Código Penal). |
6. O acusado, valendo-se da condição de funcionário dos Correios e detendo a posse de cartões de crédito pertencentes a terceiros, apropriou-se dos referidos cartões, não os entregando aos respectivos donos. Agindo como se dono fosse, chegou até mesmo a efetuar compras, obtendo para si vantagem patrimonial. Agindo desta forma, incorreu o apelante nas penas do artigo 312 do Código Penal. |
7. O delito de peculato restou caracterizado, haja vista que houve um prejuízo na prestação de serviço da empresa pública, bem como à sua imagem. Vale dizer, houve um prejuízo à administração pública. |
8. O réu não só obteve vantagem ilícita, como iludiu terceiros, mantendo-os em erro, ao efetuar as compras. Para tanto, o réu fez-se passar pelos próprios donos dos cartões de créditos, dos quais se apropriou. |
9. Ressalte-se que o crime de estelionato não requer necessariamente a manutenção da vítima em erro, podendo restar caracterizado com a ilusão de terceiros e a obtenção de vantagem indevida.Precedentes. |
10. O pedido de substituição da pena privativa de liberdade restou prejudicado, na medida em que já foi efetuada tal substituição pela MM. Juíza de primeiro grau, por ocasião da prolação da sentença. |
11. Condenação mantida. Recurso da defesa desprovido." |
(ACR 00090851820004036102, Juiz Federal Convocado Helio Nogueira, 5ª Turma, DJU 14/08/2007) |
Observo, por fim, que a decisão proferida pelo E. Superior Tribunal de Justiça, nos autos do CC 27074, em 14/06/2000 (data do julgamento), no sentido de que o empregado de agência franqueada da EBCT não comete o crime de peculato, pois não se equipara a funcionário público nos termos do artigo 327, do Código Penal, é anterior à Lei nº 9.983, de 14 de julho de 2000, que acrescentou a parte final do § 1º, do referido artigo.
Assim, no caso, a competência para o processo e o julgamento do feito é da Justiça Federal, razão pela qual há de ser mantido, integralmente, o v. Acórdão embargado.
Com tais considerações, NEGO PROVIMENTO aos embargos infringentes.
É o voto.
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Data e Hora: | 22/01/2013 14:17:30 |