Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 09/11/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007217-54.2003.4.03.6181/SP
2003.61.81.007217-0/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : MARCOS DONIZETTI ROSSI
ADVOGADO : ANTONIO ROVERSI JUNIOR (Int.Pessoal)
: ANNE ELISABETH NUNES DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
REU ABSOLVIDO : FRANCISCO TADEU VELOSO

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES DA DEFESA E DA ACUSAÇÃO. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA REJEITADA. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. DOLO CONFIGURADO. DOSIMETRIA DA PENA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO: CABIMENTO.
1. Apelações interpostas pela Defesa e pela Acusação contra sentença que condenou o réu à pena de 1 ano e 10 meses de reclusão, como incurso no artigo 171, §3º, do Código Penal.
2. Alegação preliminar de nulidade da sentença, em virtude do acolhimento de embargos de declaração opostos pelo Ministério Público Federal para suprir contradição na sentença, rejeitada.
3. Não houve qualquer inovação na sentença com o acolhimento dos embargos de declaração, mas apenas e tão somente mera correção de erro de cálculo, ou seja, de erro material constante da dosimetria da pena. Tal correção poderia ter sido feita até mesmo ex officio pela MM. Juíza a quo.
4. Não há qualquer previsão legal acerca de abertura de vista à parte contrária para contraarrazoar embargos de declaração, sendo certo que a decisão dos declaratórios integra a sentença, de modo que eventual inconformismo deve ser combatido pela via adequada do recurso de apelação.
5. Ainda que se possa cogitar, em hipóteses excepcionais, de abertura de vista à parte contrária para contraarrazoar embargos de declaração, quando presentes nítidos efeitos infringentes, no caso dos autos não se cogita disso, tratando-se de mera correção de erro material.
6. A materialidade do delito restou comprovada pela documentação constante dos autos, em especial o processo administrativo, que revela a obtenção do benefício de aposentadoria por tempo de serviço com o cômputo de tempo de serviço especial, de forma indevida.
7. A autoria e o dolo restaram demonstrados no conjunto probatório coligido aos autos.
8. A pena-base foi fixada em seis meses acima do mínimo legal. Com relação à culpabilidade, a MM. Juíza a quo não apontou nenhum dado concreto que permitisse concluir pela sua consideração em grau exasperado. E, no caso concreto, não há nenhum elemento que leve à conclusão de culpabilidade em grau elevado.
9. O "tempo da permanência da conduta" apontado pelo MPF não justifica a exasperação da pena base. Com ressalva do ponto de vista pessoal do Relator, o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento segundo o qual o "estelionato previdenciário" tem natureza de crime permanente apenas para o segurado que recebe indevidamente o benefício durante certo período de tempo, e de crime instantâneo de efeitos permanentes para o agente que apenas participa da sua concessão fraudulenta.
10. O "tempo de permanência na conduta" resultaria em maior prejuízo para a Previdência Social, e portanto deve ser valorado na consideração das conseqüências do crime. As conseqüências do crime realmente não foram tais que justifiquem a exasperação da pena base, posto que o prejuízo à Previdência Social foi apurado em R$ 28.798,95.
11. A condição de servidor público do réu é circunstância agravante expressamente prevista no artigo 61, II, g, do Código Penal. Precedentes desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Tal condição poderia ser considerada na segunda fase da dosimetria da pena. Contudo, a apelação do Ministério Público Federal limita-se a pedir, expressamente, a majoração da pena-base em razão de tal condição, e não comporta provimento, quanto ao ponto, sob pena de ofensa ao princípio tantum devolutum quantum apellatum.
12. Consoante Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça, "é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base". Processos em andamento não podem ser considerados como maus antecedentes, conduta social reprovável e personalidade perniciosa do agente.
13. Afastada a majoração da pena-base em razão da culpabilidade, bem como a consideração de processos em andamento como maus antecedentes, de rigor a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
14. Preliminar rejeitada. Apelação da Acusação imporvida. Apelação da defesa parcialmente provida.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, negar provimento à apelação do Ministério Público Federal e dar parcial provimento à apelação do réu para reduzir a pena para 01 ano e 04 meses de reclusão e 13 dias-multa, substituída por duas penas restritivas de direito, nos termos do voto do Relator e na conformidade da minuta de julgamento, que ficam fazendo parte deste julgado.



São Paulo, 23 de outubro de 2012.
MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007217-54.2003.4.03.6181/SP
2003.61.81.007217-0/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : MARCOS DONIZETTI ROSSI
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APELADO : OS MESMOS
REU ABSOLVIDO : FRANCISCO TADEU VELOSO

RELATÓRIO

O Juiz Federal Convocado Márcio Mesquita (Relator):


O Ministério Público Federal, em 10/09/2003, ofereceu denúncia contra FRANCISCO TADEU VELOSO e MARCOS DONIZETTI ROSSI, qualificados nos autos, nascidos respectivamente aos 06/10/1954 e 13/03/1965, como incursos no artigo 171, caput e §3º, c.c. os artigos 29 e 71, todos do Código Penal. Consta da denúncia:


... Em 07 de abril de 1998, na Agência da Previdência Social Vila Mariana, nesta Capital, FRANCISCO TADEU VELOSO e MARCOS DONIZETTI ROSSI, dolosa e previamente ajustados, com unidade de desígnios, obtiveram para Francisco Tadeu, vantagem ilícita correspondente a R$28.798,95 (vinte e oito mil, setecentos e noventa e oito reais, noventa e cinco centavos) em prejuízo do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, induzindo-o em erro, mediante expediente fraudulento.
A importância em questão corresponde aos pagamentos efetuados pelo INSS dentro do período de 07/04/1998 a 30/06/2001, tendo sido recebida através do Banco BMB, Agência Vila Mariana (fls. 28).
A Auditoria Regional II do Instituto Nacional do Seguro Social apurou que no dia 07 de abril de 1998, Francisco Tadeu, deu entrada no requerimento de aposentadoria perante a Agência da Previdência Social Vila Mariana, dando ensejo à concessão do benefício de aposentadoria, pelo servidor do INSS, Marcos Donizetti Rossi.
Ciente de que não tinha como comprovar tempo de serviço suficiente para se aposentar e sabedor de que o denunciado Marcos havia fraudado a obtenção de aposentadorias de inúmeros outros segurados, Francisco Tadeu ingressou, em 07 de abril de 1998, com pedido de benefício junto à Agência onde o denunciado trabalhava.
No requerimento de benefício, o denunciado Francisco Tadeu apresentou duas vias da Carteira de Trabalho nº 037158, série 534, expedidas em 08 de agosto de 1977 e 11 de maio de 1989 das quais constavam informações relativas aos contratos de trabalho firmados com diversos empregadores (fls. 22/23), entregando a documentação diretamente nas mãos de Marcos, com quem estava conluiado (fls.01).
Francisco Tadeu apresentou, também, dois formulários específicos de tempo especial (DSS 8030), referente às atividades realizadas entre 01/12/1989 a 07/04/1998 (fls. 05 e 12) e respectivos laudos técnicos periciais (fls. 06/11 e 13/16) junto as empresas "Zilmer Ineltec Construções Elétricas Ltda" e "Itallux Indústria e Comércio Ltda.", bem como um formulário específico de tempo especial (DSS 8030), referente às atividades realizadas no período de 03/06/1974 a 11/05/1989 junto à empresa ITAVOLT ELETRO ELETRÔNICA (fls.59), visando obter a conversão do tempo de serviço de atividade comum em tempo especial.
Embora o laudo e os formulários não atendessem às exigências da OS INSS/DSS nº 564 de 09/05/1997 em vigor à época da concessão, Marcos ignorou a realização de pesquisa, obrigatória, em caso de dúvida e, ao conceder e formatar a concessão, efetuou a conversão indevida do tempo de serviço de atividade comum prestado na empresa ITAVOLT ELETRO ELETRONICA LTDA., nos períodos de 03/06/1974 a 11/05/1989, em tempo especial.
A fraude somente foi descoberta a partir de informações de um dos beneficiários do esquema, que desistiu antes da obtenção do benefício fraudulento. Foi realizada uma verificação especial da Auditoria do INSS em todos os benefícios concedidos por Marcos, sendo identificados inúmeros casos semelhantes ao tratado nos presentes autos, que buscavam o auxílio do funcionários denunciado para a obtenção de seus benefícios de forma fraudulenta.
Pela análise da Auditoria, constatou-se que para conceder-se o benefício a Francisco Tadeu houve a conversão indevida do tempo de serviço de atividade comum em tempo especial referente à atividade exercida na empresa ITAVOLT ELETRO ELETRÔNICA LTDA., no período de 03/06/1974 a 11/05/1989, o que lhe proporcionou acréscimo de tempo de Aposentadoria por Tempo de Contribuição. Caso o denunciado Marcos tivesse realizado a diligência prévia visando esclarecer a dúvida quanto as informações trazidas pelo segurado, não teria sido feita a conversão indevida e o benefício não teria sido concedido, pois ele teria verificado que não haveria prova da prestação de serviço em condições especiais...

A denúncia foi recebida em 28/05/2004 (fls. 221/224).

Processado o feito, sobreveio sentença, da lavra da MM. Juíza Federal Substituta Janaína Rodrigues Valle Gomes e publicada em 16/12/2008 (fls. 576/585) que:

a) absolveu o réu FRANCISCO, com fundamento no artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal;

b) condenou o réu MARCOS como incurso no artigo 171, §3º, do Código Penal à pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e pagamento de 20 (vinte) dias-multa, no valor unitário mínimo. Foi negada a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e concedido o direito de apelar em liberdade.

O Ministério Público Federal opôs embargos de declaração, que foram acolhidos para retificar o quantum da pena do réu MARCOS para 2 (dois) anos de reclusão e 20 (vinte) dias-multa.

O MPF apela (fls. 593/601), insurgindo-se contra a fixação da pena. Requer a exasperação da pena base, para no mínimo três anos e seis meses, considerando o tempo de permanência do delito (mais de 3 anos), o que revela uma maior culpabilidade, além do valor do prejuízo causado e o fato de o réu ser funcionário público.

Contrarrazões do réu às fls. 606/614.

Apelação do réu MARCOS, representado pela DPU - Defensoria Pública da União, às fl. 615. Razões às fls. 621/642. Suscita a nulidade da sentença modificada pelos embargos de declaração, uma vez que se reformou a pena em desfavor do acusado sem abrir vista para a defesa. Pleiteia a absolvição do réu, por ausência de dolo. Argumenta que quem recepcionou as peças e inseriu os dados no sistema foi outra servidora, Heloísa de Faria Cardoso Curione, e que MARCOS funcionou no procedimento como mero conferente, e confiou na análise já feita, o que poderia, em tese, configurar culpa por negligência, e não dolo. Subsidiariamente, requer a fixação da pena base no mínimo legal e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Contrarrazões do Ministério Público Federal às fls. 644/656.

A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da Dra. Ana Lúcia Amaral, opinou pelo desprovimento do recurso interposto pela defesa e pelo provimento do recurso da acusação (fls. 668/675).


É o relatório.

Ao MM. Revisor.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007217-54.2003.4.03.6181/SP
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RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
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APELADO : OS MESMOS
REU ABSOLVIDO : FRANCISCO TADEU VELOSO

VOTO

O Juiz Federal Convocado Márcio Mesquita (Relator):


DA APELAÇÃO DA DEFESA:


Rejeito a preliminar de nulidade da sentença, argüida pela Defesa ao argumento de que, opostos embargos de declaração, houve modificação do decisum em desfavor do acusado, sem que lhe fosse dada oportunidade de manifestação.

A sentença foi proferida inicialmente nos seguintes termos:


... Diante das circunstâncias judiciais negativas, exaspero a pena mínima prevista no preceito secundário do art. 171 do Código Penal em ½, fixando a pena-base em 01 (um) ano e 5 (cinco) meses de reclusão e 15 dias-multa.
Na segunda fase, observo a ausência de atenuantes e agravantes, pelo que, mantenho a pena no montante fixado na fase anterior.
Na terceira fase, aumento a pena em 1/3 (um terço), elevando-a para 01 (um) ano e 10 (dez) meses de reclusão, e 20 (vinte) dias-multa, tendo em vista incidir o §3º, do artigo 171 do Código Penal.

Embargos de declaração foram opostos pelo Ministério Público Federal para suprir contradição na decisão, decorrente de erro de cálculo. Os embargos foram acolhidos, passando a sentença a dispor:


... Diante das circunstâncias judiciais negativas, exaspero a pena mínima prevista no preceito secundário do art. 171 do Código Penal em ½, fixando a pena-base em 01 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão e 15 dias-multa.
Na segunda fase, observo a ausência de atenuantes e agravantes, pelo que, mantenho a pena no montante fixado na fase anterior.
Na terceira fase, aumento a pena em 1/3 (um terço), elevando-a para 02 (dois) anos de reclusão, e 20 (vinte) dias-multa, tendo em vista incidir o §3º, do artigo 171 do Código Penal.

Como se vê, não há sequer como se cogitar de qualquer ofensa aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Não houve qualquer inovação na sentença com o acolhimento dos embargos de declaração, mas apenas e tão somente mera correção de erro de cálculo, ou seja, de erro material constante da dosimetria da pena. Tal correção poderia ter sido feita até mesmo ex officio pela MM. Juíza a quo.

Ressalte-se que não há qualquer previsão legal acerca de abertura de vista à parte contrária para contraarrazoar embargos de declaração, sendo certo que a decisão dos declaratórios integra a sentença, de modo que eventual inconformismo deve ser combatido pela via adequada do recurso de apelação.

Ainda que se possa cogitar, em hipóteses excepcionais, de abertura de vista à parte contrária para contraarrazoar embargos de declaração, quando presentes nítidos efeitos infringentes, no caso dos autos, como assinalado, não se cogita disso, tratando-se, repita-se, de mera correção de erro material.


A materialidade do delito restou comprovada pela documentação constante dos autos, em especial o processo administrativo 108.914.030-1, que revela a obtenção do benefício de aposentadoria por tempo de serviço por FRANCISCO TADEU VELOSO, requerido em 07/04/1998, com o cômputo de tempo de serviço especial, de forma indevida, na empresa Itavolt S/A Aparelhos Elétricos, sem o qual o benefício não teria sido concedido (fls.69).


A autoria e o dolo restaram demonstrados no conjunto probatório coligido aos autos. Da análise do documento de fl. 48, vê-se que o réu MARCOS foi, de fato, quem concedeu o benefício a FRANCISCO TADEU VELOSO, já que o seu nome e a sua matrícula consta como o responsável pela habilitação de FRANCISCO, pelo protocolo, pela inserção no sistema de informações acerca de tempo de serviço e valores e pela formatação da concessão.

O réu aduziu em seu interrogatório (fls. 251/256) que outros servidores também utilizavam sua senha, entretanto, o réu não soube apontar o nome de nenhum funcionário.

A declaração do corréu FRANCISCO, em seu interrogatório judicial, demonstra que houve um arranjo feito por intermédio de uma pessoa chamada Ivanildo para a concessão da aposentadoria, pelo que foi pago R$2.800,00. Confira-se:


Foi procurado por Ivanildo, motorista de ônibus da Viação Bristol, na qual o interrogando trabalhava. Ivanildo disse que tinha um primo advogado, que poderia obter aposentadoria para o interrogando. O interrogando deu a Ivanildo todos os documentos e recebeu normalmente a aposentadoria. Pagou R$2.800,00 a Ivanildo. Quando teve seu benefício suspenso, procurou Ivanildo, mas não o encontrou. Não tentou reaver o benefício junto ao INSS. Nunca foi ao INSS. Não conhece o co-réu MARCOS. (fls. 263/264)

O depoimento da testemunha João Paulo da Rocha confirmou as afirmações de Francisco:


Eu e o acusado Francisco tivemos aposentadoria na mesma época. Obtivemos a aposentadoria através do mesmo advogado. Não me lembro do nome do advogado. Eu e Francisco entregamos os papéis para a aposentadoria para Ivanildo, em sua casa. Não sei outros dados de Ivanildo. O advogado era parente de Ivanildo. Paguei pouco mais de R$2.000,00 para Ivanildo. Francisco pagou o mesmo valor. Ivanildo era motorista de ônibus. [...] Ivanildo falou que o advogado trabalhava dentro do prédio do INSS. (fl. 360)

A servidora do INSS Eunides Araújo Tavares Miranda esclarece que o corréu MARCOS costumava conceder benefícios previdenciários indevidamente, aludindo, ainda, ao fato de que a aposentadoria do corréu Francisco foi concedida com base em tempo de serviço especial convertido em comum sem que nos autos constasse nenhum documento comprovando a exposição a agentes nocivos.


Diz que MARCOS DONIZETTI tinha a prática comum de fazer conversão de tempo de serviço especial em tempo comum indevidamente, bem como a consideração de vínculos empregatícios não existentes. No caso em questão, houve inclusão de exposição a agentes nocivos no período de 1974 a 1989, qual seja a eletricidade, sem que nos autos constasse ao menos o formulário respectivo. (fls. 311/312)

Portanto, é de se concluir que o corréu MARCOS estava envolvido num esquema para a concessão indevida de benefícios previdenciários, inclusive o que se cuida nos autos, de modo que o dolo é evidente.

Assim, é de rigor a manutenção da condenação.

DA DOSIMETRIA DA PENA

Tanto a Acusação quanto a Defesa apelam da sentença no que se refere à dosimetria da pena, pedindo respectivamente a majoração e a redução da pena-base, de forma que quanto a esse ponto os recursos serão apreciados conjuntamente.

A pena base a pena base foi fixada em seis meses acima do mínimo legal, pelos seguintes fundamentos:


Em relação às circunstâncias judiciais (art. 59 do Código Penal), verifico que Marcos Donizetti é culpável. No que tange aos antecedentes, verifico que o réu não possui condenações transitadas em julgado. Com relação à culpabilidade, deve ser considerada em grau exaperado.
Prosseguindo na análise das circunstâncias judiciais, não foram colhidos elementos que permitam a avaliação de sua conduta social. Há, contudo, elementos que permitem avaliar a personalidade do acusado de forma negativa, ante a existência de inúmeras ações judiciais contra o mesmo (fls. 475/492 e 493/553), inclusive com uma condenação em primeira instância (fls. 558), revelando que, a conduta criminosa descritas nestes autos não é mero fato isolado em sua vida. Os motivos do crime são normais à espécie. As conseqüências do crime não foram de grande monta.

Com relação à culpabilidade, a MM. Juíza a quo não apontou nenhum dado concreto que permitisse concluir pela sua consideração em grau exasperado. E, no caso concreto, não há nenhum elemento que leve à conclusão de culpabilidade em grau elevado.

O "tempo da permanência da conduta" apontado pelo MPF não justifica a exasperação da pena base. Em primeiro lugar porque, com ressalva de meu ponto de vista pessoal, o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento segundo o qual o "estelionato previdenciário" tem natureza de crime permanente apenas para o segurado que recebe indevidamente o benefício durante certo período de tempo, e de crime instantâneo de efeitos permanentes para o agente que apenas participa da sua concessão fraudulenta (STF, 1ª Turma, HC 102049/RJ, Rel.Min. Luiz Fux, j. 22/11/2011, DJe 09/12/2011; STF, 2ª Turma, ARE 663735 AgR/ES, Rel.Min. Ayres Britto, j. 07/02/2012, DJe 16/03/2012; STF, 1ª Turma, HC 101999/RS, Rel.Min. Dias Toffoli, j. 24/05/2011, DJe 24/08/2011).

E, em segundo lugar e principalmente, porque o "tempo de permanência na conduta" resultaria em maior prejuízo para a Previdência Social, e portanto deve ser valorado na consideração das conseqüências do crime.

E, no caso dos autos, as conseqüências do crime realmente não foram tais que justifiquem a exasperação da pena base, posto que o prejuízo à Previdência Social foi apurado em R$ 28.798,95 (fls.77).

A condição de servidor público do réu é circunstância agravante expressamente prevista no artigo 61, II, g, do Código Penal, conforme precedentes desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

PENAL. PROCESSO PENAL. ESTELIONATO MAJORADO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. DOSIMETRIA. AGRAVANTE PREVISTA NO ARTIGO 61 , II, 'G', DO CP. PENA DA RÉ VERA SUELI LOBO RAMOS MAJORADA. PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA, NOS TERMOS DO ARTIGO 92, I, 'A', POR ABUSO DE PODER...
11. Em relação à ré VERA SUELI LOBO RAMOS: a pena-base foi mantida como fixada na sentença, em 01 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa, nos termos do artigo 59 do CP.
12. Ausentes atenuantes. Presente a agravante prevista no artigo 61 , II, 'g', do CP, tendo em vista que a ré agiu com abuso de poder, a pena foi majorada em 1/3, passando para 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa.
13. Ausentes causas de diminuição de pena. Presente a causa de aumento prevista no § 3º, do artigo 171, do Código Penal, a pena foi majorada em 1/3, passando para 01 (um) ano, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 17 (dezessete) dias-multa, restando definitiva.
14. Determinada a perda da função pública, nos termos do artigo 92, I, 'a', tendo em vista que a ré agiu com abuso de poder ao valer-se de seu cargo de Chefe Substituta da Agência do INSS de Campo Grande/MS para habilitar e conceder o benefício de pensão por morte à Vera Lúcia Aparecida Leite, com base em documentos falsos.
15. Apelação do Ministério Público Federal provida para majorar a pena da ré VERA SUELI LOBO RAMOS, aplicando a agravante prevista no artigo 61 , II, 'g', do CP, e determinar a perda da função pública, nos termos do artigo 92, I, 'a'. Apelação da ré desprovida.
TRF 3ª Região, 1ª Turma, ACR 0000546-49.1998.4.03.6000, Rel. Des.Fed. José Lunardelli, j. 07/08/2012, DJe 15/08/2012,

Portanto, a condição servidor público do réu poderia ser considerada na segunda fase da dosimetria da pena. Contudo, a apelação do Ministério Público Federal limita-se a pedir, expressamente, a majoração da pena-base em razão de tal condição. Desta forma, o apelo não comporta provimento, quanto ao ponto, sob pena de ofensa ao princípio tantum devolutum quantum apellatum.

A insurgência da Defesa quanto à majoração da pena-base merece acolhida. Consoante Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça, "é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base". Dessa forma, processos em andamento não podem ser considerados como maus antecedentes, conduta social reprovável e personalidade perniciosa do agente. Nesse sentido:


PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ARTIGO 2º, INCISO II, DA LEI 8.137/90). DIVERGÊNCIA QUE SE RESTRINGE AO QUANTUM DA FIXAÇÃO DA PENA-BASE. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. II - Não é possível agravar a pena com alusão ao desajuste na personalidade e na conduta social do acusado se tal avaliação se funda no registro de inquéritos e ações penais em andamento, ou seja, sem que haja prova da existência de trânsito em julgado, como é o caso dos autos, visto que tal juízo choca-se com o princípio da presunção de inocência. Súmula 444 do STJ. II - A avaliação da personalidade do acusado e também da sua conduta social devem estar assentadas em elementos idôneos e devidamente demonstrados nos autos, não servindo para tal fim os registros supracitados. Precedentes do STJ. III - Não havendo circunstâncias judiciais desfavoráveis ao condenado, nos termos do art. 59 do Código Penal, deve a pena-base ser fixada no mínimo legal. IV - Embargos Infringentes providos para fazer prevalecer integralmente o voto vencido
TRF 3ª Região, 1ª Seção, EINFNU 0000679-55.2008.4.03.6125, Rel. Des.Fed. José Lunardelli, j. 04/10/2012, DJe 16/10/2012

Sendo assim, a pena base deve ser fixada no mínimo legal de 01 ano de reclusão e 10 dias-multa. Não havendo circunstâncias atenuantes ou agravantes - como assinalado - a serem consideradas na segunda fase, na terceira fase incide a causa de aumento do artigo 171, 3º do CP, restando a pena definitiva fixada em 01 ano e 04 meses de reclusão e 13 dias-multa, mantido o valor unitário mínimo, tal como fixado na sentença.


4. Da pena substitutiva: a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos foi negada na sentença apelada pelos seguintes fundamentos:


Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos ou multa, dado o não preenchimento, pelo acusado, do requisito do art. 44, III, do Código Penal, em virtude dos maus antecedentes e da culpabilidade diferenciada.

Afastada a majoração da pena-base em razão da culpabilidade, bem como a consideração de processos em andamento como maus antecedentes, tal como já exposto, é de rigor é de rigor a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

Dessa forma, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, sendo: a) prestação de serviços a entidade beneficente a ser designada pelo juízo das execuções; e b) prestação pecuniária de 5 (cinco) salários mínimos em favor do Instituto Nacional do Seguro Social.


Pelo exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, nego provimento à apelação do Ministério Público Federal e dou parcial provimento à apelação do réu MARCOS DONIZETTI ROSSI para reduzir a pena para 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa, substituída por duas penas restritivas de direitos, na forma especificada.

É o voto.



MARCIO MESQUITA
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Data e Hora: 22/10/2012 18:01:14