Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 15/02/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005123-26.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.005123-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : Justica Publica
ASSISTENTE : Comissao de Valores Mobiliarios CVM
ADVOGADO : JULYA SOTTO MAYOR WELLISCH
APELANTE : LUIZ GONZAGA MURAT JUNIOR
ADVOGADO : CELSO SANCHEZ VILARDI e outro
APELANTE : ROMANO ANCELMO FONTANA FILHO
ADVOGADO : MIGUEL REALE JUNIOR e outro
APELADO : OS MESMOS
EXCLUIDO : ALEXANDRE PONZIO DE AZEVEDO (desmembramento)
No. ORIG. : 00051232620094036181 6P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL - CRIME CONTRA O MERCADO DE CAPITAIS - USO INDEVIDO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA - INSIDER TRADING - ART. 27-D DA LEI Nº 6.385/76 - JUSTIÇA FEDERAL - COMPETÊNCIA - AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO - COMPROVAÇÃO - OFENSA AO BEM JURÍDICO TUTELADO NO BRASIL - REPRIMENDAS QUE DEVEM SER MAJORADAS - PENA DE MULTA - FUNDO PENITENCIÁRIO NACIONAL - ARTIGO 72 DO CP - INAPLICABILIDADE - FIXAÇÃO DO DANO MORAL COLETIVO (ART. 387, VI, CPP) - APLICAÇÃO - APELAÇÃO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDA - APELAÇÃO DEFENSIVA DESPROVIDA .
1. - A Justiça Federal é competente para processar e julgar o delito de uso indevido de informação privilegiada tendo em vista que artigo 109, VI, da CF, deve ser interpretado sistematicamente com os demais dispositivos constitucionais, bem como extensivamente, em razão do interesse jurídico da União. Por conseguinte, muito embora o termo "mercado de capitais" não estivesse previsto nos dispositivos constitucionais (arts. 21, VIII, e 192), o interesse direto da União reside na higidez do Sistema Financeiro Nacional, mormente no cunho fiscalizatório da União a fim de assegurar a confiança e segurança jurídica no correto funcionamento do mercado de valores mobiliários.
2.- Autoria delitiva comprovada ante o conjunto probatório carreado, apto à demonstração de infringência ao dever de lealdade consubstanciada na utilização de informações privilegiadas ainda não divulgadas ao mercado acionário nas operações referentes à oferta pública de ações, em razão dos cargos ocupados pelos acusados. Materialidade induvidosa ante a prova documental coligida.
3.- Não há falar em ausência de dolo, pois os acusados eram ocupantes de funções de alta relevância na empresa, e por óbvio tinham ciência do dever de lealdade e de sigilo das informações em razão dos cargos que ocupavam, bem como não poderiam utilizar de informações privilegiadas para negociar valores mobiliários no mercado de capitais, valendo-se de intermediários estrangeiros com o intuito de ocultar das autoridades brasileiras as operações negociadas no exterior.
4.- O bem jurídico tutelado no delito em apreço consiste na confiança depositada pelos investidores no mercado a fim de assegurar o correto funcionamento do mercado de capitais. Ademais, a credibilidade das operações do mercado de valores mobiliários se consubstancia na transparência das informações e na divulgação ampla de fato ou ato relevante a fim de garantir a igualdade de condições a todos investidores de operar no mercado de capitais.
5.- Reprimendas que devem ser majoradas, diante da exasperação da pena-base.
6.- Nos termos do artigo 49 do CP, a multa deverá ser revertida ao fundo penitenciário, in casu, ao Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), consoante artigo 2º, V, da Lei Complementar federal 79/94, uma vez que não há previsão expressa na Lei nº 6.385/76 especificando o destino da mencionada pena pecuniária.
7.- Alinho-me ao entendimento explanado por Paulo José da Costa Júnior (Comentários ao Código Penal, pág. 248), no sentido da inaplicabilidade da apontada norma legal (art. 72 do CP) ao crime continuado, pois nessa hipótese "não há concurso de crimes mas crime único e, desta forma, em paralelismo com a pena privativa de liberdade, a unificação deve atingir também a pena de multa".
8. - O artigo 387, IV, do CPP deve ser aplicado, in casu, sem haver cogitar-se em ferimento a quaisquer preceitos constitucionais ou legais, porquanto trata-se de norma de direito processual (e não material), aplicável, pois, de imediato, nos termos do previsto no artigo 2º do Código de Processo Penal. O dispositivo legal em comento possui caráter reparatório, pois visa a compensar os danos causados pelos acusados. Não se trata de nenhuma novidade, pois o artigo 91 do CP já disciplinava a reparação civil. Na verdade, o art. 387, IV, do CPP, com redação modificada pela Lei nº 11.719/08, surgiu tão-somente para assegurar maior eficácia ao que determinava o artigo 91 do CP.
9. - O dano moral coletivo está expressamente previsto tanto no Código de Defesa do Consumidor (L. 8.078/90, art. 6º, VI e VII) quanto na Lei de Ação Civil Pública (L. 7.347/85, art. 1º, IV). Ainda, compete ressaltar, a existência da Lei nº 7.913, de 07.12.1989 que instituiu a ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários.
10. - Muito embora o interesse tutelado no caso vertente não se refira aos interesses dos consumidores, nada impede a utilização das disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que quaisquer espécies de interesses coletivos serão abarcadas pela sobredita legislação.
11. - A par disso, tanto o Código de Defesa do Consumidor quanto a Lei de Ação Civil Pública constituem um microssistema jurídico que tutela interesses coletivos ou difusos. Dessa forma, torna-se plenamente cabível a reparação de danos morais coletivos na ação cível pública prevista na Lei nº 7.913/89.
12. - Segundo o autor Leonardo Roscoe Bessa (Dano moral coletivo, in Revista de Direito do Consumidor nº 59/2006), a disciplina do dano moral coletivo não está restrita apenas ao modelo teórico da responsabilidade civil privada de órbita individual. No entanto, prossegue o autor que "em face da exagerada simplicidade com que o tema foi tratado legalmente, a par da ausência de modelo teórico próprio e sedimentado para atender aos conflitos transidividuais, faz-se necessário construir soluções que vão se utilizar, a um só tempo, de algumas noções extraídas da responsabilidade civil, bem como de perspectiva própria do direito penal".
13. - Assim, no caso vertente, em que estão em discussão danos aos interesses do conjunto de investidores do mercado de valores mobiliários, a tutela efetiva do referido direito coletivo se sobressai no aspecto preventivo da lesão, em homenagem aos princípios da prevenção e precaução. Desse modo, o dano moral coletivo se aproxima do direito penal, sobretudo pelo seu aspecto preventivo, ou seja, de prevenir nova lesão a direitos transindividuais.
14. - O dano moral coletivo reveste-se também de caráter punitivo pela qual sempre esteve presente também nas relações privadas individuais, v.g., astreintes e cláusula penal compensatória. Assim, o caráter dúplice do dano moral individual consiste na indenização e na punição que também se aplicam ao dano moral coletivo.
15. - Enfim, o dano moral coletivo constitui-se de uma função punitiva em decorrência de violação de direitos metaindividuais, sendo devidos, portanto, no caso em tela, prescindindo-se de uma afetação do estado anímico (dor psíquica) individual ou coletiva que possa ocorrer.
16. - In casu, além do insider ter praticado a conduta delitiva prevista no art. 27-D da Lei nº 6.385/76, ele violou, da mesma forma, as disposições contidas nos artigos 153 e 155 da Lei nº 6.404/76, bem como no art. 1º, I e II, da Lei nº 7.913/89.
17. - Com relação ao quantum a ser fixado a título de "valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração", um dos parâmetros a ser utilizado, será o montante que desestimule o infrator para a prática de conduta delitiva. Ademais, utilizarei os parâmetros previstos na Lei nº 6.385/76, que disciplina o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários, tendo em vista que a referida lei estabeleceu a previsão de multas administrativas no artigo 11, bem como especificou a tutela do bem jurídico protegido pela norma penal.
18. - Há de se ressaltar que o quantum fixado para cada um dos réus foi a título de valor mínimo para reparação dos danos causados pelo delito, sendo que nada impede o ajuizamento de eventual ação de natureza coletiva no juízo cível.
19. - A despeito das previsões contidas nos artigos 13 da Lei nº 7.347/85 e art. 2º, § 2º, da Lei nº 7.913/89, os valores serão destinados à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que, conforme especificado na sentença, deverão ser utilizados na promoção de eventos educativos, bem como na edição de material informativo acerca da conscientização dos investidores sobre os malefícios da prática do delito de insider trading.
20. - Preliminar rejeitada. Improvimento do recurso defensivo. Parcial provimento da apelação ministerial.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, afastar a preliminar acerca da incompetência absoluta da Justiça Federal, e negar provimento à apelação defensiva, e, dar parcial provimento à apelação ministerial, a fim de majorar as penas impostas aos coacusados Luiz Gonzaga Murat Filho para 02 (dois) anos, 06 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime aberto, e Romano Ancelmo Fontana Filho para 02 (dois) anos e 01 (um) mês de reclusão, em regime aberto, bem como determinar que o valor da pena de multa seja destinado ao Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN). Reconheceu, por fim, em relação a cada um dos réus, o dever de indenizar os prejuízos sofridos à título de dano moral coletivo, no valor mínimo de R$ 254.335,66 (duzentos e cinquenta e quatro mil, trezentos e trinta e cinco reais, e sessenta e seis centavos) para o acusado Luiz Murat, e, de R$ 305.036,36 (trezentos e cinco mil, trinta e seis reais, e trinta e seis centavos) para o acusado Romano Ancelmo, nos termos da fundamentação supra, mantendo-se, no mais, a r. sentença "a quo".



São Paulo, 04 de fevereiro de 2013.
LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LUIZ DE LIMA STEFANINI:10055
Nº de Série do Certificado: 47D97696E22F60E3
Data e Hora: 06/02/2013 18:20:59



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005123-26.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.005123-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : Justica Publica
ASSISTENTE : Comissao de Valores Mobiliarios CVM
ADVOGADO : JULYA SOTTO MAYOR WELLISCH
APELANTE : LUIZ GONZAGA MURAT JUNIOR
ADVOGADO : CELSO SANCHEZ VILARDI e outro
APELANTE : ROMANO ANCELMO FONTANA FILHO
ADVOGADO : MIGUEL REALE JUNIOR e outro
APELADO : OS MESMOS
EXCLUIDO : ALEXANDRE PONZIO DE AZEVEDO (desmembramento)
No. ORIG. : 00051232620094036181 6P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Tratam-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal e pelos acusados Luiz Gonzaga Murat Filho e Romano Ancelmo Fontana Filho, em face da r. sentença de fls. 1092/1128, proferida pelo MMº Juízo da 6ª Vara Federal da Subseção Judiciária de São Paulo, que condenou os corréus:

a) Luiz Gonzaga Murat Filho, como incurso nas penas do artigo 27-D da Lei nº 6.385/1976, por duas vezes, c/c art. 71 do Código Penal, a 1 (um) ano e 9 (nove) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e a pena de multa no valor de R$ 349.711,53 (trezentos e quarenta e nove mil, setecentos e onze reais e cinqüenta e três centavos), tendo sido a pena privativa de liberdade substituída por duas reprimendas restritivas de direitos, consistentes em uma prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e a outra proibição do exercício do cargo de administrador e/ou conselheiro fiscal de companhia aberta pelo prazo de cumprimento da pena;

b) Romano Ancelmo Fontana Filho, como incurso nas penas do artigo 27-D da Lei nº 6.385/1976, por quatro vezes, c/c art. 71 do Código Penal, a 1 (um) ano, 5 (cinco) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e a pena de multa no valor de R$ 374.940,52 (trezentos e setenta e quatro mil, novecentos e quarenta reais e cinqüenta e dois centavos), tendo sido a pena privativa de liberdade substituída por duas reprimendas restritivas de direitos, consistentes em uma prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e a outra proibição do exercício do cargo de administrador e/ou conselheiro fiscal de companhia aberta pelo prazo de cumprimento da pena.

Segundo a denúncia, nos dias 7 de abril e 29 de junho de 2006, na cidade de São Paulo, o acusado Luiz Murat, agindo na qualidade de Diretor de Finanças e Relações com Investidores da empresa "Sadia S/A", utilizou, por duas vezes, informação relevante ainda não divulgada ao mercado, consubstanciada na oferta pública de aquisição das ações da empresa "Perdigão S/A", de que teve conhecimento em razão de suas funções e da qual deveria manter sigilo, capaz de propiciar, para si, vantagem indevida, mediante a compra, em nome da empresa offshore Brackhill Investments Inc, de 5.100 (cinco mil e cem) ADR's e de 30.600 (trinta mil e seiscentos) ADR's de emissão da "Perdigão S/A" em Nova Iorque (por meio da Bolsa de Valores), no valor unitário médio de US$ 69,20 (sessenta e nove dólares norte-americanos e vinte centavos), totalizando US$ 352.907,00 (trezentos e cinquenta e dois mil e novecentos e sete dólares norte americanos) e US$ 586.801,00 (quinhentos e oitenta e seis mil e oitocentos e um dólares norte-americanos), respectivamente.

Consta, ainda, na inicial acusatória que, nos dias 5, 7, 12 e 21 de julho de 2006, na cidade de São Paulo, o acusado Romano Ancelmo, agindo na qualidade de membro do Conselho de Administração da empresa "Sadia S/A", utilizou, por quatro vezes, informação relevante ainda não divulgada ao mercado, consubstanciada na oferta pública de aquisição das ações da empresa "Perdigão S/A" e na divulgação pública da revogação da oferta pública de aquisição de ações da "Perdigão S/A" pela "Sadia S/A", de que teve conhecimento em razão de suas funções e da qual deveria manter sigilo, capaz de propiciar, para si, vantagem indevida, mediante a compra e venda, em nome próprio, de 10.000 (dez mil) ADR's, de 5.000 (cinco mil) ADR's, de 3.000 (três mil) ADR's, respectivamente, e 18.000 (dezoito mil) ADR's de emissão da "Perdigão S/A" em Nova Iorque (por meio da Bolsa de Valores), por intermédio da conta de nº 34961ZPA do Banco HSBC da Suíça, no valor unitário de US$ 19,30 (dezenove dólares norte-americanos e trinta centavos), US$ 19,00 (dezenove dólares norte-americanos), US$ 18,70 (dezoito dólares norte-americanos e setenta centavos), respectivamente, e US$ 26,84 (vinte e seis dólares norte-americanos e oitenta e quatro centavos), totalizando US$ 193.000,00 (cento e noventa e três mil dólares norte americanos), US$ 95.000,00 (noventa e cinco mil dólares norte-americanos), US$ 56.100,90 (cinquenta e seis mil e cem dólares norte-americanos e noventa centavos), respectivamente, e, US$ 483.215,40 (quatrocentos e oitenta e três mil e duzentos e quinze dólares norte-americanos e quarenta centavos).

Por fim, narra a exordial acusatória que, no dia 20 de junho de 2006, no interior do Banco ABN AMRO Real S/A, na cidade de São Paulo, o acusado Alexandre Ponzio de Azevedo, agindo na qualidade de Superintendente Executivo de empréstimos estruturados e gestão de portfólio de crédito do Banco ABN, utilizou informação relevante ainda não divulgada ao mercado, consubstanciada na oferta pública de aquisição das ações da "Perdigão S/A" pela "Sadia S/A", de que teve conhecimento em razão de suas funções e da qual deveria manter sigilo, capaz de propiciar, para si, vantagem indevida, mediante a compra, em nome próprio, de 14.000 (quatorze mil) ADR's de emissão da "Perdigão S/A" em Nova Iorque, por intermédio da corretora norte-americana Charles Schwab & Co., totalizando US$ 269.919,95 (duzentos e sessenta e nove mil e novecentos e dezenove dólares norte-americanos e noventa e cinco centavos).

O feito foi desmembrado em relação ao corréu Alexandre em razão da aceitação dele da proposta de suspensão condicional do processo (fls. 282/286).

Em razões de fls. 1136/1153, o Parquet federal aduz, em síntese, a majoração da pena-base, cominando ao coacusado Luiz Murat a pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão e ao coacusado Romano Ancelmo a pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão. Requer, ainda, a fixação do quantum debeatur em decorrência do dano moral coletivo causado pelo delito em apreço, nos termos do artigo 387, IV, do CPP, sendo que o montante será destinado à Comissão de Valores Mobiliários. Sustenta que as penas de multa fixadas na r. sentença sejam remetidas ao Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), nos termos do art. 49 do CP. Por fim, aduz que as penas pecuniárias fixadas na r. sentença sejam aplicadas distinta e integralmente, nos termos do art. 72 do CP.

A Comissão de Valores Mobiliários, ao aderir ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal, interpôs o recurso de apelação (fls. 1167/1186).

Em razões de fls. 1324/1423, o acusado Romano Ancelmo aduz, em preliminar, a incompetência da Justiça Federal. No mérito, alega a atipicidade dos fatos pela ausência de risco ou lesão ao bem jurídico quanto ao suposto delito de insider trading, bem como pela ausência da elementar do tipo "informação relevante" e pela ausência de dolo na venda das ADR's. Alega que foram realizadas inúmeras reuniões sigilosas, sendo que o apelante teria participado "de pouquíssimas reuniões". Afirma que não há provas de sua participação nas atividades corriqueiras da empresa. Subsidiariamente, requer a redução da pena-base no mínimo legal, bem como a diminuição para 1/6 (um sexto) do quantum da continuidade delitiva.

Por sua vez, o acusado Luiz Murat interpôs o recurso de apelação (fls. 1426/1554), aduzindo, em preliminar, a atipicidade dos fatos imputados ao corréu sob o argumento da ausência de bem jurídico ofendido para a configuração do tipo previsto no artigo 27-D da Lei 6.385/76. No mérito, sustenta que a acusação não apresentou provas acerca "de informação relevante apta e capaz de caracterizar o crime de uso de informação privilegiada" referentes ao fato praticado no dia 07 de abril de 2006, "para determinar, nos termos argüidos em preliminar, a conseqüente remessa dos autos ao Ministério Público Federal a fim de possibilitar o oferecimento da suspensão condicional do processo, nos termos do artigo 89 da Lei 9.099/95". O apelante sustenta que as condutas foram atípicas no segundo fato diante da ausência de informação relevante apta a caracterizar o crime de uso de informação privilegiada no mercado de capitais. Subsidiariamente, requer que a pena base seja fixada no mínimo legal, bem como a alteração da pena de multa, tendo em vista o prejuízo experimentado pelo apelante.

Contrarrazões apresentada pelo acusado Romano Ancelmo às fls. 1190/1214 e 1302/1306 e pelo acusado Luiz Murat às fls. 1217/1248 e 1270/1301, pelo desprovimento do recurso ministerial.

Contrarrazões ministeriais às fls. 1558/1565, pelo improvimento do recurso.

A Procuradoria Regional da República, em parecer de fls. 1569/1592, opinou pelo provimento do recurso da acusação e desprovimento do recurso da defesa.

É o relatório.

À revisão.



LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LUIZ DE LIMA STEFANINI:10055
Nº de Série do Certificado: 47D97696E22F60E3
Data e Hora: 20/12/2012 08:05:54



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005123-26.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.005123-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : Justica Publica
ASSISTENTE : Comissao de Valores Mobiliarios CVM
ADVOGADO : JULYA SOTTO MAYOR WELLISCH
APELANTE : LUIZ GONZAGA MURAT JUNIOR
ADVOGADO : CELSO SANCHEZ VILARDI e outro
APELANTE : ROMANO ANCELMO FONTANA FILHO
ADVOGADO : MIGUEL REALE JUNIOR e outro
APELADO : OS MESMOS
EXCLUIDO : ALEXANDRE PONZIO DE AZEVEDO (desmembramento)
No. ORIG. : 00051232620094036181 6P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

Por primeiro, a defesa de Romano Ancelmo suscitou a incompetência absoluta da Justiça Federal para processar e julgar o delito previsto no artigo 27-D da Lei nº 6.385/76, incluída pela Lei nº 10.303/2001.

O apelante sustenta que, considerando a redação do inciso VI do artigo 109 da Constituição Federal, a Justiça Federal não é competente para julgar o delito de uso indevido de informação privilegiada em razão da falta de previsão expressa na Lei de Mercado de Capitais (Lei 6.385/76), ao contrário do que estipula a Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional que contém preceito disciplinando que o processamento e o julgamento dos crimes elencados nesta lei são de competência da Justiça Federal (Lei nº 7.492/86, art. 26).

Entretanto, tal argumento não merece prosperar, pois o artigo 109, VI, da CF, deve ser interpretado sistematicamente com os demais dispositivos constitucionais e extensivamente, em razão do interesse jurídico da União, conforme bem observado pelo magistrado de primeiro grau. Ou seja, nas palavras do eminente ministro do STF Sepúlveda Pertence, o artigo 109, VI, da CF deve ser interpretado de maneira extensiva, nos seguintes termos:


"Referido inciso, na verdade, antes amplia do que restringe a competência da Justiça Federal: possibilita ele, com efeito, que a partir das peculiaridades de determinadas condutas lesivas ao sistema financeiro e à ordem econômico-financeira, possa a legislação ordinária subtrair da Justiça estadual a competência para julgar causas que se recomenda sejam apreciadas pela Justiça Federal, mesmo que não abrangidas pelo art. 109, IV, da Constituição" (RE 502.915-8/SP, DJ 27/4/07).

Por conseguinte, o apelante aduz que não restou demonstrado o interesse direto e imediato da União a fim de fixar a competência da Justiça Federal no processamento e julgamento do crime de insider trading.

Deveras, o interesse da União não repousa tão-somente em bens da União (art. 20 CF) conforme aventado pela defesa, mas também em coisas imateriais, intangíveis que é a credibilidade, a higidez, a lisura entre os investidores no Mercado de Capitais. Pois, no caso vertente, os acusados ao utilizaram informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tiveram conhecimento e da qual deveriam manter em segredo, propiciando para si, vantagem indevida, ocasionou o desequilíbrio de informações entre os demais acionistas ou investidores no mercado de valores mobiliários, bem como propiciou o uso de práticas "não equitativas" no Mercado de Capitais (Instrução CVM nº 8, de 08.10.79). Neste sentido, confira-se excerto do voto proferido pelo eminente Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, no CC 200700810965, DJE 22/06/2009:


"observa-se que a criação de situações capazes de gerar melhores resultados a determinado investidor ocasiona um abalo ao sistema financeiro, na medida em que põe em risco a higidez, a confiabilidade e o equilíbrio desse sistema. Assim, tem-se a incidência da hipótese prevista no artigo 109, inciso IV, da Carta da República"

Ademais, conforme bem ressaltado pela Ilma. Procuradora Regional da República, o mercado de capitais está inserido no Sistema Financeiro Nacional de acordo com as disposições contidas nos arts. 3º, III, IV e VI, 4º, VIII, 11, §4º, da Lei 6.385/76, bem como nos arts. 21, VIII, e 192 da Constituição Federal. Assim, muito embora o termo "mercado de capitais" não estivesse previsto nos dispositivos constitucionais acima mencionados, o interesse da União reside na higidez do Sistema Financeiro Nacional, mormente no cunho fiscalizatório da União a fim de assegurar a confiança e segurança jurídica no correto funcionamento do mercado de valores mobiliários. Confira-se:


"Não é preciso grande divagação hermenêutica para se verificar que uma interpretação racional e teleológica dos artigos supracitados leva a conclusão de que o Constituinte emprega o termo Sistema Financeiro em seu aspecto amplo, que contempla o mercado de capitais.
O interesse da União na higidez do mercado de capitais insere-se na competência definida no art. 21 da Constituição Federal, pois não é possível para a União fiscalizar as operações financeiras excepcionando o Mercado de Capitais. Essa é a razão de o Legislador ter inserido no Sistema Financeiro Nacional a CVM - Comissão de Valores Mobiliários.
(...)
"Como se depreende do acima exposto, o crime previsto no art. 27-D da Lei nº 6.385/76 afeta diretamente o interesse da União de exercer sua competência constitucional de fiscalizar as operações financeiras, no sentido de manter a higidez, a estabilidade e o equilíbrio do Sistema Financeiro, resguardando assim o interesse supra individual da ordem econômica e financeira" (fls. 1574 vº e 1575 vº).

Por fim, trago à colação precedente julgado pelo C. STJ determinando que a Justiça Federal é competente para julgar os delitos previstos na Lei de Mercado de Capitais (Lei nº 6.385/76):


PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME CONTRA O MERCADO DE CAPITAIS. INTERESSE DA UNIÃO NA HIGIDEZ, CONFIABILIDADE E EQUILÍBRIO DO SISTEMA FINANCEIRO. LEI 6.385/76, ALTERADA PELA LEI 10.303/01. AUSÊNCIA DE PREVISÃO DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ART. 109, IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. APLICAÇÃO. RELEVÂNCIA DA QUESTÃO E INTERESSE DIRETO DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. O fato de tratar-se do sistema financeiro ou da ordem econômico-financeira, por si só, não justifica a competência da Justiça Federal, embora a União tenha interesse na higidez, confiabilidade e equilíbrio do sistema financeiro. 2. A Lei 6.385/76 não prevê a competência da Justiça Federal, porém é indiscutível que, caso a conduta possa gerar lesão ao sistema financeiro nacional, na medida em que põe em risco a confiabilidade dos aplicadores no mercado financeiro, a manutenção do equilíbrio dessas relações, bem como a higidez de todo o sistema, existe o interesse direto da União. 3. O art. 109, VI, da Constituição Federal não tem prevalência sobre o disposto no seu inciso IV, podendo ser aplicado à espécie, desde que caracterizada a relevância da questão e a lesão ao interesse da União, o que enseja a competência da Justiça Federal. 4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 2ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, um dos suscitados.(CC 200700810965, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ - TERCEIRA SEÇÃO, DJE DATA:22/06/2009 LEXSTJ VOL.:00241 PG:00283.) - destaquei

Por outro lado, a alegação do acusado Luiz Murat de que não houve ofensa ao bem jurídico tutelado no Brasil é questão que se confunde com o mérito e com ele será examinado.

Vencidas tais questões, passo ao exame e julgamento do mérito.

No mais, a materialidade delitiva restou devidamente comprovada por meio do Termo de Acusação oferecida em face do acusado Romano Ancelmo (fls. 3/15 do apenso ref. a Peças Informativas 1.34.001.004607/2007-08) e do acusado Luiz Murat (fls. 02/17 do apenso ref. a Procedimento Investigatório Criminal nº 1.34.001.003927/2007-32), do Inquérito Administrativo CVM-SP nº 2007-117 (fls. 25/249 e 253/275 do apenso ref. a Peças Informativas 1.34.001.004607/2007-08), do Procedimento Administrativo Sancionador nº SP2007/0118 (fls. 23/316 e 460/484 do apenso ref. a Procedimento Investigatório Criminal nº 1.34.001.003927/2007-32) e do Procedimento Administrativo Sancionador CVM nº SP2007/0119 (fls. 27/228, 231/429, 432/635, 640/844 e 847/937 do apenso ref. a Peças Informativas nº 1.34.001.004606/2007-55 e fls. 489/492 do apenso ref. a Procedimento Investigatório Criminal nº 1.34.001.003927/2007-32).

A autoria, da mesma forma, é inconteste.

A princípio, cumpre salientar que as condutas dos réus se inserem no tipo penal previsto no artigo 27-D, da Lei nº 6.385/76, verbis:


"Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime".

Conforme bem ressaltado pelo MM. Juiz a quo, o tipo penal em epígrafe contém diversos elementos normativos cuja complementação emana do Direito Societário, ou seja, o delito em apreço é uma norma penal em branco que traz em seu bojo expressões que necessitam de complementação por uma lei ou ato infralegal. Ab initio, um das elementares do tipo que depende de complemento é a expressão "de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo", ou seja, refere-se ao sujeito ativo do delito de insider trading.

Assim, o tipo penal do artigo 27-D da Lei nº 6.385/76 estabelece que o sujeito ativo do crime de insider trading tem o dever de manter em sigilo, a informação relevante ainda não divulgada ao mercado da qual teve conhecimento.

A Instrução CVM nº 358, de 3 de janeiro de 2002, que dispõe acerca da divulgação e uso de informações sobre ato ou fato relevante relativo às companhias abertas, regulamentou a Lei de Mercado de Capitais (Lei nº 6.385/76), estabelecendo no artigo 8º um rol de funções ou cargos exercidos por agentes que têm o dever de manter em sigilo as informações relativas a ato ou fato relevante, notadamente os diretores e membros do conselho de administração.

In casu, ao serem ouvidos em juízo, os acusados disseram que exerceram cargos que tinham a obrigação de manter sigilo a respeito de informações de ato ou fato relevante, na época dos fatos. O corréu Luiz Murat (fls. 547/548) disse que exerceu a função de Diretor Financeiro e de Diretor de Relações com Investidores da empresa Sadia S/A, ao passo que Romano Ancelmo afirmou que era membro do Conselho de Administração da Sadia S/A (fl. 588).

Em seguida, analisando detidamente outros elementos do tipo, os acusados confirmaram em juízo que negociaram (ordem de compra e venda) os valores mobiliários (ADRs) da empresa Perdigão no exterior. Interrogado em juízo, o acusado José Murat asseverou que transmitiu a ordem de compra de ADR's por meio de seu telefone celular para sua empresa offshore Brackhill na Bolsa de Valores de Nova Iorque. Da mesma forma, o coacusado Romano Ancelmo confirmou perante a autoridade judiciária que efetuou a compra e venda das ADR's, por intermédio do Banco HSBC, na Bolsa de Valores de Nova Iorque.

Nesta esteira, tanto a defesa de Luiz Murat quanto de Romano Ancelmo levantaram a tese de que o fato é atípico, pois inexistiu "informação relevante" no caso em apreço.

A elementar "informação relevante" constitui-se em elemento normativo jurídico que depende de complementação de lei ou ato infra-legal (arts. 155, §1º e art. 157, §4º, da Lei nº 6.404/76; art. 2º da Instrução CVM nº 358/2002).

No caso vertente, a informação relevante objeto de discussão consiste na realização de oferta pública de aquisição de ações da Perdigão pela Sadia, pois o valor das ações da empresa Perdigão pode sofrer variação de preços no mercado e também ter influência na decisão do investidor de comprar, vender ou manter aqueles títulos, conforme bem observado pelo magistrado de primeiro grau.

Ademais, convém ressaltar que o momento exato de uma informação se tornar relevante é a partir da expectativa gerada na realização de um negócio jurídico de grande vulto, in casu, a potencialidade de realização de oferta pública de aquisição das ações da Perdigão pela Sadia, conforme observado pelo MM. Juiz a quo. Confira-se:


"Do mesmo modo, no âmbito da verificação de prática de insider trading, a mera expectativa de realização de um negócio jurídico de vulto deve ser já considerada um fato relevante. Deve-se exigir uma postura rígida por parte dos dirigentes da companhia. A vedação ao insider trading traduz um dever de lealdade, especialmente dos administradores, em relação à companhia. A partir do momento em que se tem notícia de algum ato ou fato que, ainda que sujeito a diversos condicionantes, possa vir a ser considerado relevante, deve o administrador ou equiparado se abster de negociar os valores mobiliários que possam ter seus preços afetados.
Admitir-se o argumento de que a existência de diversos condicionantes à efetiva ocorrência do ato afastaria a configuração de uma informação relevante seria um incentivo à prática do insider trading logo no início do processo. Ademais, há que se ter em mente que, especialmente nos grandes processos societários, existem invariavelmente várias etapas a serem cumpridas, as quais são de conhecimento dos administradores desde o início.
A aceitar a tese, a configuração da informação como relevante ou não ficaria na dependência do poder potestativo do administrador, que, incluindo uma condição suspensiva qualquer no negócio jurídico, poderia descaracterizar sua qualidade de informação relevante" (fls. 1111 e verso)

A defesa do coacusado Luiz Murat alegou, em razões de apelação, que não há provas de informação relevante apta a caracterizar o delito de insider trading referente ao fato praticado no dia 7 de abril de 2006. Contudo, entendo que restou devidamente comprovado nos autos que o apelante incorreu na prática do delito de uso indevido de informação privilegiada pelo vasto conjunto probatório desenvolvido tanto na fase pré-processual quanto na fase de instrução judicial, sobretudo pelo depoimento prestado em juízo pelo próprio réu (fls. 546/585).

Antes de tecer considerações a respeito do fato praticado no dia 07 de abril de 2006, é importante ressaltar que, em juízo, o coacusado Luiz disse que liderou o processo ou projeto relativo à Oferta Pública, pois afirmou que coordenava às áreas que cuidavam do estudo administrativo, societário, jurídico e financeiro, ou seja, ele disse que tinha papel importante neste processo (fls. 546/585).

Pois bem. No dia 7 de abril de 2006, a empresa Sadia foi contatada pelo Banco ABN AMRO Real S/A acerca da possibilidade de oferta hostil das ações da Perdigão. Iniciaram-se assim os estudos relativos à oferta em que estiveram envolvidos os profissionais da empresa: Walter Fontana Filho (Presidente do Conselho de Administração da Sadia S/A), Eduardo Fontana D'Ávila (Vice-Presidente do Conselho de Administração da Sadia), o acusado Luiz Murat e Delmir Dal Cim, conforme missiva enviada à CVM pelo próprio acusado, datada em 31/07/2006 (fls. 44/45 do apenso procedimento investigatório criminal sob nº 1.34.001.003927/2007-32). Os dois primeiros profissionais citados acima tomaram conhecimento do Projeto nesta mesma data, consoante documentos de fls. 391/392 do referido apenso procedimento investigatório criminal encaminhado pelo próprio coacusado ao escritório de advocacia TOZZINI, FREIRE, TEIXEIRA E SILVA. O acusado também tomou conhecimento deste projeto no dia 7 de abril quando este foi indagado pelo magistrado de primeiro grau. Ainda nesta reunião, dita como "encontro informal" pelo próprio acusado, estiveram presentes: Fábio Barbosa (Presidente do Banco ABN Amro S/A) e João Roberto Gonçalves Teixeira (vice-Presidente do Banco).

A reunião que foi realizada na sede do Banco ABN na data referida foi o primeiro acontecimento relevante que originou o projeto relativo à oferta pública de ações da Perdigão. Assim, verifico que, não se tratou de um mero "encontro informal", pois estavam presentes profissionais ocupantes de funções de alta relevância das duas empresas que acreditavam "na efetiva viabilidade do projeto", conforme bem ressaltado pelo magistrado de primeiro grau (fl. 1113 vº).

Assim vejamos. Em juízo, Walter Fontana disse que esta reunião possibilitou a realização de uma oferta hostil em decorrência da Perdigão de estar entrando no "novo mercado", sendo que foram feitas análises referentes "a situação, preços" juntamente com os executivos do Banco ABN (fls. 348/349). Além disso, João Teixeira disse que o Banco apresentou a ideia de realizar a oferta pública de aquisição das ações da Perdigão nesta primeira reunião ocorrida no dia 7 de abril (fls. 369; fl. 108 do referido apenso do procedimento investigatório criminal). De igual forma, Fabio Barbosa disse que participou da reunião a fim de dar credibilidade ao processo de oferta pública de ação (fl. 389).

A alegação defensiva tanto do apelante Luiz Murat quanto de Romano Ancelmo de que a informação só se tornou relevante a partir da publicação do "Edital de Oferta Pública para Aquisições de Ações de Emissões da Perdigão S/A", datada em 17.07.2006, não merece prosperar. Pois, conforme bem ressaltado pelo MM. Juiz a quo, as dificuldades jurídicas (existência de poison pills no Estatuto da PERDIGÃO S/A), societárias e econômicas (aprovação do financiamento pela matriz holandesa do Banco ABN) foram circunstâncias de somenos importância.

No desenrolar do processo, houve a preocupação dos participantes daquela reunião de que não fosse divulgado ao mercado o projeto de oferta pública de aquisição das ações da Perdigão, ou seja, o processo foi tratado por absoluto sigilo pelos próprios profissionais, conforme podemos observar pelo depoimento de Fabio Barbosa que disse no bojo do procedimento investigatório criminal: "Para fins de confidencialidade, internamente, as empresas foram denominadas de 'blue' (Sadia) e 'red' (Perdigão)" (fl. 328 do referido apenso do procedimento investigatório criminal). Tendo, inclusive, o próprio acusado Luiz Murat se preocupado em não divulgar o teor da negociação aos seus subalternos.

Isto porque, com a mera divulgação ao mercado da possibilidade de ser realizada a oferta pública de aquisição não solicitada de ações da empresa Perdigão conduziria a uma variação na cotação dos valores mobiliários da sobredita empresa. Isto, por sinal, influenciaria na decisão do investidor de comprar, e, posteriormente vender as ações da empresa Perdigão, sendo que tal hipótese foi confirmada pelo depoimento da testemunha João Teixeira. Confira-se:


"nós tínhamos uma obsessão com a questão do vazamento de informações porque, claro, que na medida que essa informação vazasse para o mercado a tendência era o preço da ação da Perdigão subir como consequência qualquer oferta que a Sadia viesse a fazer teria um prêmio sobre o preço do mercado pequeno" (fl. 376).

Assim, ao término da reunião, o acusado de posse desta informação privilegiada em razão do cargo que ocupava na época na empresa Sadia, transmitiu ordem de compra de lotes de ADR'S da empresa Perdigão em Nova Iorque, por intermédio de corretora Merry Linch. Ao contrário do que disse em juízo, a compra das ADR's da Perdigão não foi motivada por causa da gripe aviária, bem como pelo ingresso da Perdigão no "novo mercado", ou seja, alteração jurídica das ações da referida empresa. Isto porque, os valores das ações estavam com cotação em alta entre os períodos de janeiro de 2003 a junho de 2006 (fl. 10 do referido apenso do procedimento investigatório criminal). E a divulgação do ingresso da Perdigão no novo mercado ocorreu em 17 de fevereiro de 2006 (fl. 11 do referido apenso do procedimento investigatório criminal).

Por outro lado, no dia 29 de junho de 2006, o acusado adquiriu novamente ADR's da Perdigão na Bolsa de Nova Iorque, por intermédio de sua empresa offshore Brachill Investiments Inc. Nesta segunda aquisição de lotes de ADR´s da Perdigão, o réu alegou em seu interrogatório judicial que antes de comprar pela segunda vez as ADR, os fatos anteriores eram mera especulação.

Ocorre que, o processo da oferta pública de aquisição não solicitada de ações da Perdigão já estava em "estágio muito bem avançado", conforme decisão proferida pelo Rel. Marcos Barbosa Pinto no procedimento administrativo realizado na CVM (fl. 474 do referido apenso do procedimento investigatório criminal).

Além disso, o acusado Luiz Murat participou de uma reunião pela qual estava presente o advogado Dr. Mauro Guizeline. O referido advogado teria alertado o acusado a respeito da proibição de negociar valores mobiliários diante do acesso deste à informação privilegiada de fato relevante ainda não divulgado ao mercado.

Ademais, não poderia deixar de apresentar, a ponderação colocada pela Ilma. Procuradora Regional da República a respeito do projeto no período que antecedeu na divulgação do "Edital de Oferta Pública para Aquisições de Ações de Emissões da Perdigão S/A":


"Uma transação daquele porte, por óbvio, traz em si enorme complexidade. Todavia, em junho de 2006, faltando pouco mais de um mês para oferta ser feita, não é verossímil afirmar que o projeto era duvidoso e que, ausente o Laudo do Bradesco ou a concordância da família, tratar-se-ia de uma circunstância meramente especulativa e que não poderia, de per si, influenciar um investidor.
A esta altura dos acontecimentos a opção da empresa por fazer a oferta hostil era firme, concreta e efetiva, mesmo que ainda dependesse de algumas diligências e da aprovação dos acionistas e do Conselho de Administração (momento que teria de ocorrer a publicidade da intenção)." (fl. 1585 verso)

Em juízo (fls. 586/602), o coacusado Romano Ancelmo (fls. 586/602) disse que soube do projeto de oferta pública de ações da Perdigão na segunda quinzena de abril de 2006. Quem lhe comunicou a respeito deste projeto foi o Walter Fontana. Ainda, em seu depoimento, Romano confirmou a informação prestada pelo corréu Luiz Murat de que teria tomado conhecimento do projeto no dia 14 de abril de 2006, conforme documentos de fls. 391 e 392 do referido apenso do procedimento investigatório criminal.

A partir daí, consoante o testemunho de Walter Fontana, no bojo do procedimento investigatório criminal (fls. 346/347), a participação do coacusado Romano tornou-se mais evidente no projeto, tendo em vista a condição dele de acionista e membro do Conselho de Administração o que facilitou o acesso dele às informações relevantes no processo de oferta pública de aquisição de ações não solicitadas da Perdigão.

Em seu depoimento perante o juiz singular, o coacusado Romano afirmou que participou de uma reunião em que estava presente o Dr. Mauro Guizeline, advogado do escritório Tozzini. Romano disse que foi alertado pelo sobredito advogado de que não poderia negociar ações e ADR´s da Perdigão. Entretanto, Romano alegou que só não poderia negociar na hipótese de irreversibilidade do negócio, pois na época que ele comprou as ADR só havia meros estudos e projetos de viabilidade de aquisição da Perdigão pela Sadia. Assim, o acusado entendeu que só deixaria de negociar valores mobiliários quando o projeto se tornasse irreversível, ou seja, a partir do dia 13 de julho.

Entretanto, conforme bem observado pela Ilma. Procuradora Regional da República, o coacusado Romano foi descrito pela própria defesa como profissional qualificado, ocupante de cargo de alta relevância e com experiência no mercado, sendo que ele esteve envolvido nas tentativas anteriores de fusão da empresa Sadia com a Perdigão.

Assim, concluo que o corréu Romano tinha plena ciência de que não poderia negociar ADR´s no mercado norte-americano em razão de sua vetusta experiência no mercado e de ter sido orientado pelo Dr. Mauro Guizeline a respeito da proibição de negociar ADR's da Perdigão, conforme restou devidamente comprovado pelo depoimento do coacusado no procedimento administrativo instaurado na CVM (fls. 116/117 do referido apenso procedimento investigatório criminal). Sendo certo que, as condutas praticadas pelo réu Romano nos dias 05, 07 e 12 de julho de 2006 se subsumem perfeitamente ao tipo previsto no artigo 27-D da Lei nº6.385/76 em razão do acesso facilitado dele à informação privilegiada.

Por outro lado, a alegação defensiva acerca da irreversibilidade do negócio não se sustenta tendo em vista que o processo de fusão envolvendo duas grandes empresas do setor alimentício no Brasil foi demasiadamente complexo, ou seja, de acordo com depoimento dos réus houve tentativas anteriores de fusão que não obtiveram êxito.

É importante salientar que no período em que Romano negociou as ADR's, o projeto de oferta pública de aquisição de ações estava em estágio muito avançado, sendo que o mercado de ações não interpretaria como irrelevante ou duvidoso o projeto daquela envergadura se dependesse apenas de elaboração do laudo financeiro pelo Banco Bradesco e a adesão dos demais acionistas no Conselho.

E, por fim, permito-me reproduzir a observação feita pela Ilma. Procuradora Regional da República a respeito da natureza do mercado de capitais. Confira-se:


"O mercado de ações possui natureza especulativa. Busca-se comprar por um preço baixo ações que, pretende-se, serão valorizadas no futuro. A análise dos investidores não se dá apenas sobre fatos certos, mas em grande medida, apostando-se em previsões" (fl. 1585 verso)

Com relação à venda de ADR´s pelo coacusado Romano no dia 21 de julho de 2006, a autoria do fato restou evidenciada pelo próprio depoimento do acusado. Desse modo, o juiz analisou a questão debatida, concluindo que a venda das ADR's ocorreram antes da publicação da revogação definitiva da oferta pública de aquisição, nos seguintes termos:


"O acusado ROMANO afirma que não sabe se vendeu os ADRs antes ou depois da publicação da revogação da OPA. Essa afirmativa é, por óbvio, inacreditável. Esse momento, sem dúvida nenhuma, devia ser um motivo de preocupação para o acusado, que já havia comprado ações municiado por informações privilegiadas. Parece-me claro que, se tivesse boa intenção, ele se preocupararia em garantir que a venda somente ocorresse após a publicação da revogação.
Para comprovar que a venda ocorreu antes da revogação da oferta pública de aquisição de ações, basta se notar que ROMANO obteve o preço unitário de venda de US$ 26,84, ao passo que LUIZ obteve apenas US$ 23,00, já que deu a ordem apenas após ter sido tornada pública a retirada da proposta de aquisição da PERDIGÃO S.A.. Por essa razão, inclusive, LUIZ não foi denunciado pela venda, mas apenas ROMANO." (fls. 1119/1120).

Nesta esteira, ao contrário do aduzido pela defesa, houve lesão ao bem jurídico tutelado no Brasil ainda que os apelantes tenham negociado valores mobiliários (ADR's) da empresa Perdigão perante o mercado norte-americano.

A princípio, cumpre enfatizar o magistério do eminente autor João Carlos Castellar a respeito da objetividade jurídica do tipo penal previsto no artigo 27-D da Lei nº 6.385/76. Confira-se:


"que o bem jurídico objeto da tutela penal no delito de uso indevido de informação privilegiada estará na proteção da confiança que deve imperar no mercado de valores mobiliários, pois é este bem que estimula os investidores a aplicarem seus recursos neste mercado, e, concomitantemente, na proteção do patrimônio dos investidores que negociarem com o insider desconhecendo determinada informação relevante, pois estes correm o risco de sofrerem diminuição do seu patrimônio em virtude da desvantagem com quem operam" (Insider Trading e os Novos Crimes Corporativos, Ed. Lumen Juris, p. 108).

Desse modo, entendo que o bem jurídico tutelado no delito em apreço consiste na confiança depositada pelos investidores no mercado a fim de assegurar o correto funcionamento do mercado de capitais. Ademais, a credibilidade das operações do mercado de valores mobiliários se consubstancia na transparência das informações e na divulgação ampla de fato ou ato relevante a fim de garantir a igualdade de condições a todos investidores de operar no mercado de capitais.

No caso em tela, os apelantes alegam que somente houve ofensa ao mercado de capitais norte-americano. No entanto, conforme bem observado pelo juiz singular, o bem jurídico tutelado deste crime repousa na confiança dos investidores de aplicarem seus recursos no mercado de capitais, in verbis:


"O argumento não me convence. Como expus, o bem jurídico protegido é a confiança que os investidores depositam no mercado de capitais. A prática de negociação de valores mobiliários a partir da utilização de informações privilegiadas obtidas em companhias brasileiras, com ações negociadas na bolsa de valores brasileira, evidentemente afeta o mercado de capitais brasileiro.
Aceitar o contrário seria admitir que o investidor brasileiro fizesse o seguinte (e refinado) raciocínio: apesar de eu ter conhecimento dessa prática desleal, não há porque perder a confiança no mercado de capitais. A prática de negociação de valores mobiliários a partir da utilização de informações privilegiadas obtidas em companhias brasileiras, com ações negociadas na bolsa de valores brasileira, evidentemente afeta o mercado de capitais brasileiro.
É evidente que assim não se passa na realidade. O investidor brasileiro que toma conhecimento dessas práticas envolvendo companhias brasileiras, a partir de ordem emanadas do território brasileiro, não importa em que local a negociação ocorra, fica naturalmente mais arredio, mais desconfiado, menos propenso a investir seu dinheiro no mercado de capitais brasileiro. Com isso, perde força uma das mais democráticas formas de financiamento do setor produtivo brasileiro: o mercado de capitais.
O bem jurídico estará ofendido, enfim, pela simples razão de que, com essa prática maléfica, os investidores perdem a confiança no mercado de capitais." (fls. 1105 verso e 1106).

Ademais, o mercado de capitais é globalizado, ou seja, há influência de um mercado sobre o outro, conforme bem observado no parecer ministerial. Por isso, independe para o investidor se a aplicação financeira daquela pessoa que detinha a informação privilegiada ocorreu aqui no Brasil ou não, pois o que é crucial para o investidor é a presença da credibilidade para que ocorra o bom funcionamento do mercado de capitais.

Por fim, há correlação instantânea de preços entre os valores mobiliários negociados da empresa Perdigão tanto no mercado de capitais brasileiros quanto no mercado norte-americano, segundo demonstração feita pela CVM por meio de gráficos (fls. 4/5 do referido procedimento investigatório criminal).

Não há falar em ausência de dolo, pois os apelantes eram ocupantes de funções de alta relevância na empresa, e por óbvio tinham ciência do dever de lealdade e de sigilo das informações em razão dos cargos que ocupavam, bem como não poderiam utilizar de informações privilegiadas para negociar valores mobiliários no mercado de capitais, valendo-se de intermediários estrangeiros com o intuito de ocultar das autoridades brasileiras as operações negociadas no exterior.

Não deve ser acolhida a tese defensiva de Luiz Murat, quanto à possível aplicação ao caso vertente do instituto da suspensão condicional do processo (Lei nº 9.099/95, art. 89), pois, verifico que houve a tipicidade da conduta praticada pelo réu no dia 7 de abril de 2006, de acordo com as provas acima produzidas.

No mais, ante todo o exposto nos autos, restaram comprovadas a autoria e materialidade do crime descrito na denúncia, sendo a condenação dos acusados, medida de inteiro rigor.

Passo, então, à dosimetria das suas penas, à luz do artigo 68 do estatuto repressivo.

Observadas as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal, verifico que os réus são primários e ostentam bons antecedentes (folhas de antecedentes e certidões de fls. 26/27, 30/35, 37/39 e 69 do apenso).

Não obstante, o grau de sua culpabilidade é elevado, tendo em vista a posição dos réus Luiz Murat e Romano Ancelmo como ocupantes de funções de alta relevância na empresa Sadia, conhecedores, portanto, do dever de lealdade à companhia (art. 155 da Lei nº 6.404/76), a revelar maior consciência da ilicitude de sua conduta comissiva, principalmente pelo conhecimento e experiência que tiveram nos trabalhos que antecederam na divulgação do "Edital de Oferta Pública para Aquisições de Ações de Emissões da PERDIGÃO S/A". Tais fatores demonstram uma maior reprovabilidade na conduta dos agentes, merecendo, assim, uma punição mais efetiva por parte do Estado, mormente porque a conduta ilícita praticada pelos réus tem como conseqüência, geralmente, a causação de prejuízos não apenas à própria empresa, mas também a todos que operam no mercado de valores mobiliários.

Com relação às conseqüências do crime, agiu com costumeiro acerto o MM. Juiz a quo, pois a infração prevista no artigo 27-D da Lei nº 6.385/76, possui natureza de crime formal, e se consuma com a mera utilização de informação privilegiada em razão do cargo que o agente ocupa na empresa, mediante a negociação de valores mobiliários, sendo prescindível a "efetiva obtenção da vantagem indevida".

Por conseguinte, devem ser reconhecidas negativamente as circunstâncias do crime, notadamente o modus operandi efetuado pelo corréu Luiz Murat de ludibriar as autoridades brasileiras negociando valores mobiliários no exterior por intermédio de empresa offshore.

No tocante ao quantum da pena-base fixado pelo juiz singular, entendo que razão assiste ao Parquet federal, merecendo ser exasperada a reprimenda, tendo em vista que a sanção penal independe da sanção administrativa diante do princípio da independência das instâncias, os réus renunciaram aos cargos que exerciam na empresa e de que não há provas de que os acusados foram criticados pela mídia especializada e pelos seus pares no meio empresarial.

Dessa forma, elevo a pena-base para 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão para o corréu Luiz Murat, e de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão para o corréu Romano Ancelmo.

Não há agravantes e nem atenuantes a serem consideradas.

E, por fim, entendo que o magistrado agiu corretamente ao reconhecer a majorante prevista no artigo 71 do Código Penal, aplicada no patamar de 1/6 (um sexto), resultando, em relação ao acusado Luiz Gonzaga Murat Filho, 02 (dois) anos, 06 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão, e em relação ao corréu Romano Ancelmo Fontana Filho, aplicada no patamar de ¼ (um quarto), o que resultou na pena de 02 (dois) anos e 01 (um) mês de reclusão.

Com relação à pena pecuniária aplicada ao corréu Luiz Murat, entendo que a decisão de primeiro grau também não merece qualquer reparo, tendo em vista que houve vantagem financeira nas operações engendradas pelo acusado.

Com efeito, a multa foi fixada acima do mínimo legal, tendo o juiz singular corretamente fundamentado o quantum debeatur, que está assim explicitado (fl.542):


"Quanto à pena de multa, o artigo 27-D da Lei nº 6.385/76 veicula uma regra especial, estabelecendo que a pena de multa será "de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.
Interpreto esse dispositivo da seguinte forma: a pena mínima a ser aplicada é de 1 (uma) vez o montante da vantagem ilícita. O aumento, em até 3 (três), será aplicado de forma proporcional à fixação da pena privativa de liberdade.
(...)
No caso concreto, segundo a CVM, caso houvesse vendido todos seus títulos, pela cotação de fechamento do dia, em 21 de julho de 2006, o acusado LUIZ teria obtido lucro de US$ 176.656,00 (cento e setenta e seis mil, seiscentos e cinquenta e seis dólares), conforme se verifica da tabela elaborada pela CVM à fl. 08 do apenso procedimento investigatório criminal nº 1.34.001.003927/2007-32.
Já a defesa de LUIZ sustenta que, na realidade, ele teria suportado um prejuízo estimado de U$ 931,00 (novecentos e trinta e um dólares). A resultado próximo a este (US$ 918,00), porém, somente se chegaria se comparados unicamente o valor pago pelos primeiros 15.300 ADRs adquiridos (US$ 352.907,00) ao custo unitário de US$ 23,06 [Em realidade, foram 5.100 ADRs adquiridos ao custo unitário de US$ 69,20, mas, em 20 de abril de 2006, a PERDIGÃO S. A. realizou um "split" (desmembramento) de suas ações na proporção de um para três, de forma que o número total de ADRs passou a ser de 15.300 e o respectivo custo unitário passou a ser de US$ 23,06.], e o valor recebido pela venda (US$ 351.976,00), ao valor unitário de US$ 23,00.
Não obstante, a meu ver, o cálculo deve levar em conta as duas operações consideradas de forma conjunta, a partir da obtenção do seu custo médio, da mesma forma que se calcula o ganho de capital no mercado acionário para fins de imposto de renda (média ponderada dos custos unitários) [ Sobre esse cálculo, vide FERRERO, Gilberto. Imposto de Renda nas Bolsa de Valores para Pessoas Físicas. São Paulo: Saint Paulo Editora, 2008. PP. 26-29. ] Isso porque somente assim se pode apurar se houve efetivo ganho ou não.
Recapitulando os fatos, o réu LUIZ adquiriu, somadas as duas operações, 45.900 ADRs, ao custo médio de US$ 20,47. Vendeu, no dia 21 de julho, apenas 15.300, pelo valor unitário de US$ 23,00, mantendo os demais 30.600 ADRs em sua titularidade.
A circunstância de LUIZ não ter vendido todas as ações adquiridas naquele momento não descaracteriza a existência de efetivo lucro (embora ainda não integralmente realizado). Caso assim não se entenda, bastaria ao "insider" simplesmente, após adquirir as ações com base na informação privilegiada, mantê-las em carteira por longo período para descaracterizar a ocorrência de lucro, evitando, assim, a aplicação da multa penal.
Portanto, deve ser levado em consideração o total dos valores mobiliários envolvidos, ainda que não vendidos naquele momento. Porém, discordo do cálculo efetuado pela CVM para indicar o lucro auferido. Isso porque se levou em consideração a cotação de fechamento dos títulos no dia 21 de julho de 2006, quando foi realizada a venda parcial. Parece-me mais razoável utilizar o valor da efetiva venda parcial realizada, porquanto mais baixa. Ora, se o acusado quisesse vender todos os seus títulos, muito provavelmente teria obtido o valor unitário de US$ 23,00 - e não o valor unitário de US$ 24,98, correspondente à cotação de fechamento daquele dia.
Assim sendo, reputo que o lucro auferido pelo acusado (realizado ou não), consideradas as duas operações de compra, a operação de venda parcial e a manutenção do restante em carteira, corresponde à diferença entre aquilo que pagou pelos ADRs (US$ 939.708,00) e aquilo que obteria se tivesse vendido todos os títulos pelo valor que efetivamente obteve com a venda parcial (45.900 x US$ 23,00 = US$ 1.055.700,00). Tal valor corresponde a US$ 115.992,00.
Convertido em reais, pela taxa de câmbio vigente no dia da efetivação da venda (21.07.2006), conforme verificado no site do Banco Central do Brasil (http://www4.bcb.gov.br/pec/conversao/conversao.asp), tal valor correspondia a R$ 254.335.66 (duzentos e cinquenta e quatro mil, trezentos e trinta e cinco reais e sessenta centavos). Realizado o aumento proporcional à continuidade delitiva, a pena de multa resta fixada definitivamente em R$ 349.711,53 (trezentos e quarenta e nove mil, setecentos e onze reais e cinquenta e três centavos)" . (fls. 1123 verso/1124 e verso ).

Entretanto, nos termos do artigo 49 do CP, a multa deverá ser revertida ao fundo penitenciário, in casu, ao Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), consoante artigo 2º, V, da Lei Complementar federal 79/94, uma vez que não há previsão expressa na Lei nº 6.385/76 especificando o destino da mencionada pena pecuniária.

Por outro lado, verifico que sua Excelência procedeu com total acerto ao aplicar a regra do artigo 71 do Código Penal na fixação das penas pecuniárias.

Em relação à matéria, alinho-me ao entendimento explanado por Paulo José da Costa Júnior (Comentários ao Código Penal, pág. 248), no sentido da inaplicabilidade da apontada norma legal (art. 72 do CP) ao crime continuado, pois nessa hipótese "não há concurso de crimes mas crime único e, desta forma, em paralelismo com a pena privativa de liberdade, a unificação deve atingir também a pena de multa".

Nesse mesmo sentido trago à colação os seguintes julgados:


"CRIME CONTINUADO. PENA DE MULTA. INAPLICABILIDADE DO ART. 72 DO CÓDIGO PENAL.
A pena de multa, aplicada ao crime continuado, escapa à norma contida no artigo 72 do Código Penal. Recurso especial não conhecido" (Resp 68.186-DF - DJU de 18.12.95, p.44.597).
"Deferida a unificação de pena, deve ser aplicada à sanção pecuniária o disposto no artigo 71 do Código Penal, pois a incidência do artigo 72 do mesmo Diploma constituiria flagrante contradição e injustiça" (RJTACRIM 45/441).


DO DANO MORAL COLETIVO


No tocante ao pleito ministerial, quanto à fixação de valor mínimo para reparação do dano moral coletivo, tenho que merecem prosperar as alegações aduzidas pelo Parquet Federal.

Antes, porém, de tecermos considerações a respeito da disciplina do dano moral coletivo, é importante destacar o dispositivo legal previsto no CPP que disciplina a reparação do dano quando o crime causar prejuízo à vítima. Assim, dispõe o art. 387, verbis:


"Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória:
[...]
IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido" (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

Considero que referida alteração legislativa deve ser aplicada, in casu, sem haver cogitar-se em ferimento a quaisquer preceitos constitucionais ou legais, porquanto trata-se de norma de direito processual (e não material), aplicável, pois, de imediato, nos termos do previsto no artigo 2º do Código de Processo Penal.

Ademais, o dispositivo legal em comento possui caráter reparatório, pois visa a compensar os danos causados pelos acusados. Conforme bem observado pela douta Procuradora Regional da República, não se trata de nenhuma novidade, pois o artigo 91 do CP já disciplinava a reparação civil. Na verdade, o art. 387, IV, do CPP, com redação modificada pela Lei nº 11.719/08, surgiu tão-somente para assegurar maior eficácia ao que determinava o artigo 91 do CP.

Feitas estas considerações, volvemos à questão referente ao dano moral coletivo no crime de uso indevido de informação privilegiada.


A princípio, cumpre enfatizar que o dano moral coletivo está expressamente previsto tanto no Código de Defesa do Consumidor quanto na Lei de Ação Civil Pública, a saber:


- Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor):
"art. 6º - São direitos básicos do consumidor:
(...)
VI - a efetiva proteção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos (...) - destaquei.
- Lei nº 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública):
"art. 1.º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
(...)
IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;"

Ainda, compete ressaltar, a existência da Lei nº 7.913, de 07.12.1989 que instituiu a ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários.

Muito embora o interesse tutelado no caso vertente não se refira aos interesses dos consumidores, nada impede a utilização das disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que quaisquer espécies de interesses coletivos serão abarcadas pela sobredita legislação.

A par disso, tanto o Código de Defesa do Consumidor quanto a Lei de Ação Civil Pública constituem um microssistema jurídico que tutela interesses coletivos ou difusos. Dessa forma, torna-se plenamente cabível a reparação de danos morais coletivos na ação cível pública prevista na Lei nº 7.913/89.

Pois bem. Segundo o autor Leonardo Roscoe Bessa (Dano moral coletivo, in Revista de Direito do Consumidor nº 59/2006), o artigo 1º da Lei nº 7.347/85 que dispôs a respeito da responsabilidade por dano moral em decorrência de violação de direitos relativos a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, teve o propósito de conferir uma proteção diferenciada.

De acordo com o autor acima mencionado, a disciplina do dano moral coletivo não está restrita apenas ao modelo teórico da responsabilidade civil privada de órbita individual. No entanto, prossegue o autor que "em face da exagerada simplicidade com que o tema foi tratado legalmente, a par da ausência de modelo teórico próprio e sedimentado para atender aos conflitos transidividuais, faz-se necessário construir soluções que vão se utilizar, a um só tempo, de algumas noções extraídas da responsabilidade civil, bem como de perspectiva própria do direito penal".

Assim, no caso vertente, em que estão em discussão danos aos interesses do conjunto de investidores do mercado de valores mobiliários, a tutela efetiva do referido direito coletivo se sobressai no aspecto preventivo da lesão, em homenagem aos princípios da prevenção e precaução.

Desse modo, o dano moral coletivo se aproxima do direito penal, sobretudo pelo seu aspecto preventivo, ou seja, de prevenir nova lesão a direitos transindividuais.

Ademais, o dano moral coletivo reveste-se também de caráter punitivo pela qual sempre esteve presente também nas relações privadas individuais, v.g., astreintes e cláusula penal compensatória. Assim, o caráter dúplice do dano moral individual consiste na indenização e na punição que também se aplicam ao dano moral coletivo.

Enfim, o dano moral coletivo constitui-se de uma função punitiva em decorrência de violação de direitos metaindividuais, sendo devidos, portanto, no caso em tela, prescindindo-se de uma afetação do estado anímico (dor psíquica) individual ou coletiva que possa ocorrer. Neste sentido:


ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE - IDOSOS - DANO MORAL COLETIVO - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DOR E DE SOFRIMENTO - APLICAÇÃO EXCLUSIVA AO DANO MORAL INDIVIDUAL - CADASTRAMENTO DE IDOSOS PARA USUFRUTO DE DIREITO - ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE TRANSPORTE - ART. 39, § 1º DO ESTATUTO DO IDOSO - LEI 10741/2003 VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO. 1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base. 2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos. 3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a submissão dos idosos a procedimento de cadastramento para o gozo do benefício do passe livre, cujo deslocamento foi custeado pelos interessados, quando o Estatuto do Idoso, art. 39, § 1º exige apenas a apresentação de documento de identidade. 4. Conduta da empresa de viação injurídica se considerado o sistema normativo. 5. Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que considerou as circunstancias fáticas e probatória e restando sem prequestionamento o Estatuto do Idoso, mantém-se a decisão. 5. Recurso especial parcialmente provido.(RESP 200801044981, ELIANA CALMON, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:26/02/2010.) - destaquei

In casu, além do insider ter praticado a conduta delitiva prevista no art. 27-D da Lei nº 6.385/76, ele violou, da mesma forma, as disposições contidas nos artigos 153 e 155 da Lei nº 6.404/76, bem como no art. 1º, I e II, da Lei nº 7.913/89.

Assim, considerando que é obrigação do Estado tutelar os interesses difusos de grande número de pequenos investidores que nele aplicam suas reservas financeiras, que o correto funcionamento do mercado acionário é fator relevante para o desenvolvimento econômico e social de um país, que as regras básicas do mercado de valores mobiliários consistem no nivelamento de informações entre os investidores e a transparência das operações, que há muitos investidores não qualificados e que necessitam dessa proteção coletiva, e, por fim, que a defesa da regularidade e do bom desenvolvimento do mercado de valores mobiliários é de interesse público, pois repercute em diversos índices de desenvolvimento econômico e social do País, determino o ressarcimento do dano moral coletivo sofrido por todos os investidores do mercado acionário que foram vítimas das condutas perpetradas pelos acusados.

Com relação ao quantum a ser fixado a título de "valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração", um dos parâmetros a ser utilizado, será o montante que desestimule o infrator para a prática de conduta delitiva.

Neste sentido:


AGRAVO REGIMENTAL - AÇÃO INDENIZATÓRIA POR ATO ILÍCITO - ATAQUE DE CACHORRO CONTRA CRIANÇA, EM VIA PÚBLICA - REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO - IMPOSSIBILIDADE - SÚMULA 7/STJ - VALOR DA INDENIZAÇÃO - CASO DOS AUTOS - DESNECESSIDADE DE REVISÃO - DECISÃO AGRAVADA MANTIDA - IMPROVIMENTO. ... 2. No que se refere à verba indenizatória, não obstante o grau de subjetivismo que envolve o tema da fixação da indenização, uma vez que não existem critérios determinados e fixos para a quantificação do dano moral, reiteradamente tem-se pronunciado esta Corte no sentido de que a reparação do dano deve ser fixada em montante que desestimule o ofensor a repetir a falta, sem constituir, de outro lado, enriquecimento indevido [...] STJ, 3ª Turma, AgRg no AREsp 38057/SC, Rel.Min. Sidnei Beneti, j. 15/05/2012, DJe 28/05/2012.

Ademais, utilizarei os parâmetros previstos na Lei nº 6.385/76, que disciplina o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários, tendo em vista que a referida lei estabeleceu a previsão de multas administrativas no artigo 11, bem como especificou a tutela do bem jurídico protegido pela norma penal.

Neste sentido:


PROCESSUAL PENAL. CAUTELARES PENAIS DE ARRESTO E HIPOTECA LEGAL. CRIME TIPIFICADO NA PRIMEIRA PARTE DO ARTIGO 22 DA LEI 7.492/86. ALÍQUOTA INCIDENTE SOBRE O VALOR SUPOSTAMENTE EVADIDO, PARA FINS DE FIXAÇÃO DO DANO MÍNIMO. ARTIGO 387, INCISO IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. 1. As hipóteses de manutenção de depósitos no exterior não declarados à repartição federal competente (artigo 22, 2ª parte, da Lei 7.492/86) e de promoção, sem autorização legal, da saída de moeda ou divisa para o exterior (artigo 22, 1ª parte, da Lei 7.492/86) não se confundem. Enquanto a segunda parte do referido dispositivo tutela um bem jurídico que é ofendido quando se viola o dever de informação à administração das reservar cambiais no que concerne à manutenção de capital no estrangeiro; a primeira parte do tipo penal cogita já momento primeiro, é dizer, envio, clandestino, de divisas, daí o recurso à multa mais expressiva, apurada conforme percentuais, progressivos, em face do montante evadido, incidente, administrativamente, pela prática da infração da mesma espécie. 2. Na hipótese, em se tratando de condenação alusiva à promoção, sem autorização legal, de saída de moeda ou divisa para o exterior (artigo 22, 1ª parte, da Lei 7.492/86), os parâmetros instituídos pela Lei 4.131/62, que disciplina a aplicação do capital estrangeiro e as remessas de valores para o exterior, revelam-se mais adequados para tais fins, em substituição àqueles concernentes à legislação que rege o imposto de renda da pessoa jurídica, seja porque o referido diploma diz respeito, especificamente, à tutela do bem jurídico protegido pela norma penal ou porque provê o juiz de instrumental legislativo mais consentâneo com a colmatação da lacuna normativa, em ordem a possibilitar-lhe estimar, com razoabilidade e proporcionalidade, a quantificação em face do proveito alcançado pelo delito. 3. A fixação de tal alíquota, por ora somente para fins de garantia penal, não fere o direito à propriedade, posto que a indenização somente tornar-se-á definitiva quando, mantida a condenação pelo crime de evasão de divisas, for interposta a ação cível reparatória e fixado o quantum para indenização.(ENUL 200670000162983, VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, TRF4 - QUARTA SEÇÃO, D.E. 04/06/2010.) - destaquei.

Assim, em razão da gravidade do ato ilícito cometido pelos acusados, que colocou em risco o correto funcionamento do mercado de valores mobiliários, a astúcia de um dos réus, ao se utilizar de uma empresa offshore com o propósito de ocultar das autoridades brasileiras a negociação de valores mobiliários, e o grande lucro potencialmente auferido, fixo o valor mínimo a título de reparação de danos morais coletivos, em consonância com as disposições contidas no artigo 11, §1º, inciso III, da Lei nº 6.385/76, em R$ 254.335,66 (duzentos e cinquenta e quatro mil, trezentos e trinta e cinco reais e sessenta e seis centavos) para o acusado Luiz Murat, e de R$ 305.036,36 (trezentos e cinco mil, trinta e seis reais e trinta e seis centavos) para o acusado Romano Ancelmo, em virtude da vantagem econômica obtida, conforme foi apurada na decisão de primeiro grau.

Há de se ressaltar que o quantum fixado acima para cada um dos réus foi a título de valor mínimo para reparação dos danos causados pelo delito, sendo que nada impede o ajuizamento de eventual ação de natureza coletiva no juízo cível.

Por fim, a despeito das previsões contidas nos artigos 13 da Lei nº 7.347/85 e art. 2º, § 2º, da Lei nº 7.913/89, os valores serão destinados à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que, conforme especificado na sentença, deverão ser utilizados na promoção de eventos educativos, bem como na edição de material informativo acerca da conscientização dos investidores sobre os malefícios da prática do delito de insider trading.

No mais, estando presentes os requisitos previstos no artigo 44 do Código Penal, mantenho as reprimendas restritivas de direito fixada na r. sentença. No entanto, para o caso de revogação, mantenho o regime aberto aplicado em primeiro grau, tendo em vista a natureza das penas ora impostas, assim como ante a ausência de recurso da acusação.


DISPOSITIVO


Ante todo o exposto, afasto a preliminar acerca da incompetência absoluta da Justiça Federal, e nego provimento à apelação defensiva, e, dou parcial provimento à apelação ministerial, a fim de majorar as penas impostas aos coacusados Luiz Gonzaga Murat Filho para 02 (dois) anos, 06 (seis) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime aberto, e Romano Ancelmo Fontana Filho para 02 (dois) anos e 01 (um) mês de reclusão, em regime aberto, bem como determinar que o valor da pena de multa seja destinado ao Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN).

Reconheço, por fim, em relação a cada um dos réus, o dever de indenizar os prejuízos sofridos à título de dano moral coletivo, no valor mínimo de R$ 254.335,66 (duzentos e cinquenta e quatro mil, trezentos e trinta e cinco reais, e sessenta e seis centavos) para o acusado Luiz Murat, e, de R$ 305.036,36 (trezentos e cinco mil, trinta e seis reais, e trinta e seis centavos) para o acusado Romano Ancelmo, nos termos da fundamentação supra, mantendo-se, no mais, a r. sentença "a quo".

É como voto.



LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LUIZ DE LIMA STEFANINI:10055
Nº de Série do Certificado: 47D97696E22F60E3
Data e Hora: 31/01/2013 17:45:59