D.E. Publicado em 08/01/2013 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar e conceder a ordem para anular a decisão que revogou a suspensão da ação penal e o curso do lapso prescricional e os atos ulteriores praticados no processo, aplicando-se o art. 366 do Código de Processo Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
Trata-se de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de LEA DWORA KREMER contra ato do Juízo Federal da 6ª Vara Criminal de São Paulo/SP que revogou a decisão que suspendeu a ação penal e o curso do lapso prescricional, com fulcro no artigo 366 do Código de Processo Penal, sob o fundamento de que o artigo 2º da Lei nº 9.613/98 veda expressamente a aplicação daquele dispositivo processual aos processos por crime nela estabelecidos.
A impetrante aponta a ilegalidade da decisão que deixou a aplicar do artigo 366 do Código de Processo Penal por violação ao Pacto de San José da Costa Rica.
Aduz, em resumo, que, ao obstar a incidência do citado artigo, a Lei nº 9.613/93 atenta contra a garantia da ampla defesa e do contraditório, uma vez que nega ao réu o direito de realmente tomar conhecimento da acusação que lhe é feita e de ser adequadamente ouvido e defendido, notadamente quando ignora a existência do processo.
Afirma que, conforme entendimento jurisprudencial e doutrinário dominantes, o Pacto de São José da Costa Rica tem hierarquia de norma supra legal, motivo pelo qual a regra prescrita no §2º do artigo 2º da Lei nº.9.613/98 com ele conflitante não prevalece.
Pede a reforma da decisão com a devida aplicação do artigo 366 do Código de Processo Penal.
Sem pedido liminar.
Requisitadas, foram prestadas informações pela autoridade apontada coatora ( fls.52/53).
Parecer da Procuradoria Regional da República no sentido de, preliminarmente, ser regularizada a representação processual e, no mérito, pela denegação da ordem.
É o relatório.
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VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
1. Da preliminar. A Procuradoria Regional da República suscita preliminar de ilegitimidade da atuação da Defensoria Pública da União ao seguinte argumento:
Pede a intimação da Defensoria Pública da União a fim de que comprove o estado de necessidade da paciente, sob pena de ser desconstituída a representação da Defensoria Pública, com a nomeação de defensor dativo ou intimação do advogado constituído nos autos de origem.
Rejeito a preliminar, porquanto as informações prestadas pela autoridade impetrada indicam que na ação penal originária a Defensoria Pública da União fora nomeada para defender a acusada, oferecendo resposta escrita à acusação, circunstância que lhe confere legitimidade para a impetração.
2. Do mérito. A paciente foi denunciada por ter praticado, em tese, o crime descrito no artigo 1º, inciso VI e §1º, inciso II, da Lei nº 9.613/98.
O processo foi suspenso em 09 de fevereiro de 2011, com supedâneo no artigo 366 do Código de Processo Penal, sendo desmembrados os autos em relação aos demais denunciados.
Posteriormente, em 18 de março de 2011, o Juízo de 1º grau reconsiderou a decisão anterior, de sobrestamento da ação penal, de forma a retomar o curso da ação penal, sob o fundamento de que o artigo 2º da Lei nº 9.613/98 expressamente prevê que não se aplica o disposto no artigo 366 do Código de Processo Penal.
A impetrante aponta ser ilegal a decisão que revogou a aplicação do artigo 366 do Código de Processo Penal por violação ao Pacto de San José da Costa Rica, porque, ao obstar a incidência do citado artigo, a Lei nº 9.613/93 viola a garantia da ampla defesa e do contraditório, uma vez que nega ao réu o direito de realmente tomar conhecimento da acusação que lhe e feita e de ser ouvido, notadamente quando ignora a existência do processo.
Afirma que, conforme entendimento jurisprudencial e doutrinário dominantes, o Pacto de São José da Costa Rica tem hierarquia de norma supralegal, motivo pelo qual a regra prescrita no §2º do artigo 2º da Lei nº.9.613/98 com ele conflitante não prevalece, pois os comandos da lex superior têm preferência de aplicação, afastando, dessa forma, a antinomia existente.
Com razão a impetrante.
Dispõe o artigo 2º, §2º, da Lei nº.9613/98:
O art. 366 do Código de Processo Penal assim dispõe:
Por sua vez, o art. 8º do Pacto de São José da Costa Rica determina o seguinte:
O Supremo Tribunal Federal, em 3 de dezembro de 2008, pronunciou-se sobre a eficácia e integração dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos no ordenamento jurídico pátrio, ao julgar do RE 466.343/SP e HC 87.585/TO, em conjunto com o RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566, reconhecendo o status normativo supralegal dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos subscritos pelo Brasil, no caso, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), o que torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão, verbis:
Como é cediço, a citação por edital é ficta, isto é, presume-se que a pessoa a qual se destina tenha sido cientificada da acusação que lhe é imputada; porém, na maioria da vezes, essa presunção não se verifica, o que conduz à situação processual na qual o imputado desconhece a acusação. Em face da incerteza advinda esse tipo de citação, o legislador, a fim de preservar a efetividade do direito de defesa, adotou como regra geral o procedimento descrito no artigo 366 do Código de Processo Penal que prescreve, para a hipótese de o acusado citado por edital não comparecer nem constituir advogado, a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional.
No caso dos autos, o status normativo supralegal do Pacto de San José da Costa Rica, que garante o direito de defesa mediante o prosseguimento da ação somente após a cientificação pessoal do acusado, que tem o direito de participação direta no processo que lhe é movido, prevalece em detrimento do artigo 2º, §2º, da Lei nº.9.613/98 que, ao afastar a aplicação do art. 366 do Código de Processo Penal, permite que o processo crime prossiga, normalmente, contra um réu citado fictamente que possivelmente ignora a existência do processo penal, em clara ofensa ao contraditório e à ampla defesa devidamente regrados no Pacto de San José da Costa Rica.
Não há justificativa razoável para excluir os crimes de lavagem de dinheiro da disciplina prescrita no artigo 366 do Código de Processo Penal, visto que, assim agindo, o legislador afronta diretamente a garantia da ampla defesa e do contraditório, que exige prévia e efetiva comunicação da acusação, nos termos no artigo 8º do Pacto de São José da Costa Rica que assegura toda pessoa o direito de: "b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada; c) concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados a preparação de sua defesa; d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor."
A citação ficta não assegura a certeza indispensável e necessária de que houve a comunicação prévia e pormenorizada ao imputado da acusação formulada e, por conseguinte, suprime, obviamente nos casos em que não ocorreu tal cientificação, a oportunidade de o acusado defender-se pessoalmente e de constituir defensor de sua escolha por ignorar a existência do processo, além de a própria defesa técnica, nomeada nessas circunstâncias anômalas da citação ficta, restar severamente limitada pela ausência de diálogo entre o acusado e o seu defensor que sequer o conhece e não ouve a sua versão da acusação (autodefesa).
Não é compatível com a garantia da ampla defesa prescrita no Pacto de São José da Costa Rica a inaplicabilidade do artigo 366 do Código de Processo Penal (artigo 2º, § 2º, da Lei n.º 9.613/98) aos delitos de lavagem de dinheiro, por macular com o grave vício da incerteza jurídica o ato fundamental do processo penal, isto é: citação do acusado, o que corrói a legitimidade do processo penal justo e equilibrado necessário à responsabilização penal de qualquer pessoa, ao propiciar que alguém possa ser condenado sem que tenha sido efetivamente cientificado da acusação e, por consequência, devidamente ouvido. Não se podem fechar os olhos ao fato público e notório de que, via de regra, o edital de citação, publicado na imprensa ou afixado na porta do Fórum, raramente cumpre o escopo de dar real ciência da acusação ao destinatário do ato ficto.
Nem se alegue que o sacrifício e a restrição impostos ao direito de defesa pela regra em análise são proporcionais e compatíveis com a política criminal estabelecida para a repressão desse tipo de delito, pois "a suspensão do processo constituiria um premio para os deliquentes astutos e afortunados e um obstáculo à descoberta de uma grande variedade de ilícitos que se desenvolvem em parceria com a lavagem e ocultação", conforme constou da Exposição de Motivos à Lei 9.613/98.
O artigo 366 do CPP não conduz à impunidade ao determinar a suspensão do processo na hipótese de citação por edital quando o acusado não comparece ou não constitui defensor, pois há salvaguardas contra tal risco ao se suspender também o prazo prescricional, bem como facultar a produção antecipada de provas urgentes e, se for o caso, a decretação de prisão preventiva. Aliás, crimes mais graves como o latrocínio no qual o patrimônio e a vida da vítima são atingidos ou até mesmo os delitos qualificados como hediondos pela Constituição observam a regra do art. 366 do CPP, o que bem evidencia a falta de razoabilidade da exceção contida no art. 2º, § 2º, da Lei n.º 9.613/98.
É excessivamente oneroso à ampla defesa e carece de legitimidade pela desproporcionalidade entre proveito gerado pela punição e a restrição imposta ao direito de defesa o prosseguimento do processo penal com base numa citação ficta que não gera a segurança necessária de que o acusado tomou conhecimento prévio e pormenorizado da acusação, o que permite a responsabilização penal de quem ignora a existência do processo penal. Há meios e medidas processuais cautelares mais eficazes para inibir criminalidade em matéria de lavagem de dinheiro que não imponham sacrifício tão intenso e desnecessário que praticamente esvazia o direito de defesa.
Discorrendo sobre a vedação à aplicação do artigo 366 pelo art. 2º, § 2º, da Lei n.º 9.613/98, ensina Marco Antonio de Barros, em sua obra "Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas, Ed. RT, 2004, pág 225/229), verbis:
Com tais considerações, deve-se aplicar o art. 366 do Código de Processo Penal aos crimes de lavagem de dinheiro, em consonância com o art. 8º do Pacto de San José da Costa Rica, os quais permitem que o processo seja suspenso enquanto o réu não comparecer pessoalmente para realizar sua defesa ou constituir defensor para tanto, em observância aos princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal.
Com tais considerações, rejeito a preliminar e concedo a ordem para anular a decisão que revogou a suspensão da ação penal e do curso do lapso prescricional, bem como os atos ulteriores já praticados no processo, aplicando-se o art. 366 do Código de Processo Penal.
É o voto.
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