D.E. Publicado em 13/11/2012 |
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EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - MATERIALIDADE COMPROVADA - EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE CONSISTENTE NA INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO DEMONSTRADA - PENA-BASE MANTIDA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL - INAPLICABILIDADE DA CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE DA CONFISSÃO - INTERNACIONALIDADE DO TRÁFICO COMPROVADA - INOCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM - INAPLICABILIDADE DAS CAUSAS DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTAS NO ARTIGO 24, § 2º, DO CÓDIGO PENAL E NO ARTIGO 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006 - CONSTITUCIONALIDADE DA PENA DE MULTA - IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS E DE RECORRER EM LIBERDADE - REGIME PRISIONAL INICIAL FECHADO CORRETAMENTE FIXADO -APELAÇÃO IMPROVIDA.
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ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Criminal interposta pela Defensoria Pública da União, representante legal de PASCHAL CHIDI OKEREKE, contra a r. sentença condenatória, publicada em 14 de junho de 2012 (fls. 306), proferida em ação penal destinada a apurar a prática do crime descrito no artigo 33, caput c.c artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06.
Fato praticado em 18 de julho de 2011; denúncia recebida em 14 de março de 2012 (fls. 228/229).
Após a regular instrução do feito, PASCHAL CHIDI OKEREKE foi condenado ao cumprimento de 7 (sete) anos de reclusão, a serem descontados em regime inicialmente fechado, e pagamento de 700 (setecentos) dias-multa, no valor unitário mínimo, pela prática do delito previsto no artigo 33, caput c.c artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06.
Expedida a Guia de Recolhimento Provisória (fls. 312).
Em razões de apelação (fls. 337/349v), a Defensoria Pública da União, representante legal de PASCHAL CHIDI OKEREKE, pleiteia, preliminarmente, a absolvição pela não caracterização da materialidade delitiva em razão da realização de perícia por amostragem e também porque o laudo pericial não atestou a massa líquida total do entorpecente e, dessa forma, não restou devidamente individualizada a conduta do réu. No mérito, requer a absolvição em razão da configuração da causa excludente de culpabilidade consistente no estado de necessidade exculpante. Subsidiariamente, requer:
- a redução da pena-base ao mínimo legal;
- a incidência da circunstância atenuante da confissão;
- a exclusão da majorante relativa à internacionalidade do tráfico, por configurar bis in idem;
- a aplicação da causa de redução prevista no artigo 24, § 2º, do Código Penal, em face do estado de necessidade exculpante;
- a aplicação da causa de redução de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 no patamar máximo de 2/3 (dois terços);
- o afastamento da pena de multa;
- a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos;
- a alteração do regime prisional inicial para o semi-aberto ou aberto;
- a viabilização do direito de recorrer em liberdade.
Nas contrarrazões (fls. 351/392), o Ministério Público Federal pleiteia a manutenção da r. sentença em sua íntegra.
A Procuradoria Regional da República, na pessoa da Dra. Sonia Maria Curvello, opinou pelo improvimento do recurso interposto pela defesa (fls. 395/406).
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
Consta da denúncia (fls. 182/184) que no dia 18 de julho de 2011, nas dependências do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos/SP, PASCHAL CHIDI OKEREKE foi preso em flagrante delito quando estava prestes a embarcar em vôo da companhia aérea TAAG com destino à Luanda/Angola, trazendo consigo - em 109 (cento e nove) cápsulas por ele ingeridas -, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros, no exterior, 1.967g (um mil novecentos e sessenta e sete gramas) - peso líquido - de cocaína, substância entorpecente que determina dependência física e/ou psíquica, sem autorização legal ou regulamentar.
Ao contrário do que aduz a defesa, a comprovação da materialidade delitiva é incontestável, conforme se observa do auto de apresentação e apreensão (fl. 7); laudo preliminar de constatação (fls. 8/9); exame químico toxicológico (fls. 138/141); e interrogatório do réu, oportunidade na qual confessou que ingeriu as cápsulas contendo entorpecente (fl. 272).
As perícias toxicológicas, de um modo geral, são realizadas por amostragem, sem que tal modo de proceder retire a credibilidade da conclusão pericial, de modo que eventuais divergências deveriam ter sido demonstradas pela defesa e não apenas alegadas em sede recursal. Ora, é inconcebível a suposição da defesa de que do conteúdo das 109 (cento e nove) cápsulas expelidas pelo réu, num total de 1.967g - peso líquido - de substância em pó, apenas e tão somente os 5g retirados aleatoriamente e enviados para a realização do exame químico toxicológico, conteriam substância entorpecente, ao passo que todo o material restante transportado clandestinamente pelo réu, dentro de seu organismo, com idênticas características físicas aos da amostragem, consistiria em mero pó inofensivo, de natureza diversa da constatada pela perícia. Não é crível que a organização criminosa tenha promovido a inútil ingestão de 1.962g de material inerte.
Nesse sentido é o entendimento desta Corte: ACR 0000823-42.2011.4.03.6119, PRIMEIRA TURMA, Relator Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO, j. 17/4/2012; ACR 0002315-74.2008.4.03.6119, QUINTA TURMA, Relatora Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE, j. 18/10/2010.
Além disso, vale destacar trecho do parecer ministerial (fl. 398):
"A exigência de realização do exame toxicológico em toda a substância apreendida é, além de inviável, desmesurada. Imagine-se em casos de grandes apreensões de substâncias ilícitas, como a Polícia Federal recorrentemente vem apreendendo, a realização do exame em toneladas de substâncias demandaria tempo e recursos incompatíveis com os princípios da economia e da celeridade processuais".
Dessa forma, diante da total insubsistência dos argumentos lançados pela defesa, resta satisfatoriamente demonstrada a materialidade delitiva e perfeitamente individualizada a conduta do réu.
Devidamente demonstrada - e não impugnada em sede recursal - a autoria da conduta típica e antijurídica, à defesa compete fazer prova das excludentes de ilicitude ou de culpabilidade que venha a alegar.
Nesse passo, não há a menor demonstração da condição financeira adversa do apelante, alegada de forma genérica pela Defensoria Pública - apenas mencionou que os proventos de PASCHAL como vendedor de bijuterias em uma galeria na avenida São João, não eram suficientes para prover o sustento de sua família: esposa e dois filhos menores de idade - como motivo "justificador" da narcotraficância à conta de "estado de necessidade" (ofensa ao artigo 156 do CPP).
Indo além, considero impossível a tentativa de emprestar juridicidade para a narcotraficância transnacional que vitima milhões de pessoas no mundo todo, sob o pálio do enfrentamento de agruras econômicas. Auferir dinheiro com a prática do narcotráfico insere-se no índice de reprovabilidade que justifica o próprio tipo penal.
Passo à análise da dosimetria da pena.
Em observância às circunstâncias judiciais elencadas no artigo 59 do Código Penal e artigo 42 da Lei nº 11.343/06, em especial, à culpabilidade e à quantidade (1.967g - peso líquido) da droga apreendida (cocaína) - circunstância preponderante, a pena-base foi fixada acima do mínimo legal, em 6 (seis) anos de reclusão.
De fato. A quantidade da droga apreendida (quase dois quilos de cocaína), bem como a eleição de audacioso, doloroso e perigosíssimo método de ocultação, consistente na ingestão de 109 (cento e nove) cápsulas de cocaína, a demonstrar elevado grau de culpabilidade, já que a forma de ocultação da droga em seu próprio corpo - com risco de morte - evidencia que o acusado aceitava até esse desfecho letal no afã de perpetrar a traficância, denotam o acerto da fixação da pena-base acima do mínimo legal.
Na segunda fase, incabível a incidência da circunstância atenuante prevista no artigo 65, inciso III, "d", do Código Penal, eis que a confissão traduziu-se em admissão da autoria impossível de ser negada, diante da prova inequívoca do transporte da droga pelo réu, dentro de seu organismo, nas dependências do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos/SP.
Nesse sentido, a jurisprudência do STF vem repelindo o reconhecimento da atenuante nos casos de prisão em flagrante (HC 102002/RS, rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 22/11/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-234 DIVULG 09-12-2011 PUBLIC 12-12-2011; HC 101861/MS, rel. Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 13/4/2011, DJe-085 DIVULG 06-05-2011 PUBLIC 09-05-2011; HC 108148/MS, rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 7/6/2011, DJe-125 DIVULG 30-06-2011 PUBLIC 01-07-2011 de 1/7/2011).
Além disso, PASCHAL agregou à confissão tese defensiva consistente na incomprovada excludente de culpabilidade relativa ao estado de necessidade exculpante.
Ora, é irreconhecível a confissão espontânea na conduta do agente que admite conduta criminosa incontrovertível, mas no mesmo ato aduz causa excludente do injusto da prática criminosa.
Na terceira e última etapa, não há que se cogitar da ocorrência de bis in idem, como inutilmente almeja a defesa diante do frágil argumento de que o verbo "exportar", contido no caput do artigo 33 da Lei nº 11.343/06, já conteria a causa da internacionalidade. É que o crime previsto no artigo 33 da Lei nº 11.343/06 caracteriza-se como tipo penal misto alternativo, e PASCHAL foi denunciado e posteriormente condenado pela conduta de trazer consigo substância entorpecente destinada à exportação para Angola, e não pela conduta de exportar droga.
Nesse sentido já decidiu a Primeira Turma desta Corte: ACR 0007422-70.2006.4.03.6119, Juíza Federal Convocada SILVIA ROCHA, j. 6/3/2012, TRF3 CJ1 16/3/2012.
Assim, há de ser mantido o percentual de aumento decorrente da internacionalidade do tráfico no mínimo legal de 1/6 (um sexto), restando a pena privativa de liberdade fixada em 7 (sete) anos de reclusão.
Ainda na terceira etapa, não há que se suscitar da aplicação da causa de redução de pena prevista no artigo 24, § 2º, do Código Penal, eis que não se afigura nada razoável, nem aceitável, expor a risco a saúde pública, bem jurídico tutelado pela norma penal, em prol de uma temporária melhora na situação financeira do apelante, recordando que no caso dos autos não restou comprovado sequer um fato concreto que demonstrasse a sua necessidade. O conjunto probatório carreado aos autos conduz a inafastável ilação de que o motivo propulsor da atuação criminosa de PASCHAL foi a obtenção de dinheiro fácil (receberia dois mil dólares pelo transporte bem sucedido da droga).
Também na última fase da dosimetria da pena, entendo pela não incidência da causa de diminuição elencada no § 4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/06, pois a pessoa que se dispõe a efetuar o transporte de substância entorpecente para o exterior mediante promessa de recompensa evidentemente age animada pela affectio de pertencer a uma organização criminosa. Isso é certo, pois nenhum grupo de narcotraficantes arriscaria uma custosa operação de busca de cocaína entregando-a em mãos de pessoa neófita e deles desconhecida.
Com efeito, o apelante, de forma voluntária, contribuiu para a narcotraficância internacional, constituindo figura essencial ao sucesso da empreitada criminosa, eis que incumbido de receber a droga do fornecedor, transportá-la dentro de seu organismo, devendo entregá-la ao destinatário em Angola, representando, portanto, o imprescindível elo de ligação entre fornecedor e receptor, o que afasta, de plano, a incidência do benefício discorrido, cuja aplicação exige a prova extreme de dúvidas da concorrência dos quatro requisitos exigidos na norma.
Ademais, o modus operandi do transporte - ingestão de cápsulas contendo a droga - está a revelar a participação de outras pessoas na dinâmica criminosa, permitindo enxergar o pertencimento do réu a grupo criminoso.
Nesse sentido, a jurisprudência do STF vem reconhecendo a quantidade de droga e as circunstâncias em que cometido o narcotráfico para fins de afastamento do benefício do § 4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/06: HC 111954, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 10/04/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-082 DIVULG 26-04-2012 PUBLIC 27-04-2012; HC 107605, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 03/04/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-085 DIVULG 02-05-2012 PUBLIC 03-05-2012; HC 103118, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 20/03/2012, DJe-073 DIVULG 13-04-2012 PUBLIC 16-04-2012.
Em observância ao critério bifásico eleito no artigo 43 da Lei nº 11.343/06, o número de dias-multa foi devidamente fixado em 700 (setecentos), no valor unitário mínimo.
Não merece guarida o pleito defensivo de afastamento da pena pecuniária, pois o preceito secundário do tipo penal em questão prevê a cominação cumulativa da pena privativa de liberdade e da multa, sendo a imposição desta última, portanto, de caráter obrigatório. Não existe em nosso ordenamento jurídico positivo disposição legal que permita ao juiz "isentar" os réus da pena de multa em razão da alegada penúria dos mesmos. Trata-se, portanto, de pedido juridicamente impossível, cujo acolhimento implicaria em ofensa ao princípio da legalidade. In casu, o número de dias-multa foi fixado nos termos da legislação em vigor, sendo que no que concerne ao seu valor unitário, o magistrado sentenciante sopesou a capacidade econômica do réu, presumindo-a precária, tanto que o fixou no mínimo previsto em lei.
Acrescenta-se que a pena de multa é de aplicação indiscriminada a qualquer traficante, seja nacional ou estrangeiro, que seja condenado no Brasil, não se vislumbrando sentido algum na argüição da inconstitucionalidade da pena de multa sob o frágil argumento de que "impediria" que o traficante alienígena retornasse ao seu país de origem antes de solvê-la. É que diante do princípio da igualdade (artigo 5º, inciso XLVI, da CF) não se pode privilegiar o estrangeiro em detrimento do nacional, conferindo-lhe uma pena mais doce do que ao brasileiro.
Ainda que tenha sido declarada pelo STF a inconstitucionalidade da Lei nº 11.343/06 na parte em que vedava a conversão em pena substitutiva, na singularidade do caso é incabível a incidência de pena alternativa em razão da quantidade de pena privativa de liberdade fixada, que excede o limite disposto no inciso I do artigo 44 do Código Penal.
Outrossim, o regime prisional inicial fechado atende aos ditames contidos na Lei nº 11.343/06 e está de acordo com o disposto no artigo 33, § 3º, do Código Penal, sendo incabível a fixação de regime de cumprimento de pena menos severo.
Por fim, é entendimento cediço que ao condenado por crime de tráfico ilícito de entorpecentes é negado o direito de recorrer em liberdade, máxime se o agente respondeu preso a todo o processo em razão de prisão em flagrante - exatamente a hipótese sub judice - ou de prisão preventiva, não havendo de se cogitar em ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência, nos termos da Súmula nº 09 do Colendo Superior Tribunal de Justiça.
Nesse sentido: STJ, HC 152.470/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 04/04/2011.
Em face de todo o exposto, nego provimento à apelação.
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 08/11/2012 15:31:43 |