Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 13/11/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002769-17.2008.4.03.6002/MS
2008.60.02.002769-0/MS
RELATOR : Juiz Convocado PAULO DOMINGUES
APELANTE : APARECIDO DA SILVA
ADVOGADO : IRENE MARIA DOS SANTOS ALMEIDA e outro
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00027691720084036002 1 Vr DOURADOS/MS

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRANSPORTE DE MERCADORIA ESTRANGEIRA DESACOMPANHADA DE DOCUMENTAÇÃO FISCAL ENTRE ESTADOS DA FEDERAÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE DESCAMINHO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE FAVORECIMENTO REAL. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA, RESTANDO PREJUDICADAS AS DEMAIS QUESTÕES ARGUIDAS NO RECURSO.
1. A inicial acusatória, ainda que narre que o réu tinha conhecimento da procedência estrangeira da mercadoria, não lhe imputa nenhuma conduta que possa ser interpretada como participação na internação da mercadoria no território nacional, apartada da necessária e imprescindível documentação fiscal.
2. O simples transporte de mercadoria estrangeira desacompanhada de documentação fiscal, ainda que originada do crime descaminho, entre Estados da Federação, não constitui o crime de descaminho.
3. Desclassifica-se o delito tipificado no artigo 334, §1º, "b" do Código Penal c/c artigo 3º do Decreto-Lei nº 399/68, para aquele descrito no artigo 349 do Código.
4. Na dosimetria da nova reprimenda, deve ser mantida a sanção no mínimo legal, em face das circunstâncias judiciais favoráveis, o que representa, para o ilícito sob análise, 01 (um) mês de detenção e multa, a qual fixo em 10 (dez) dias-multa no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo. Ausentes agravantes e atenuantes genéricas, bem como causas de aumento ou diminuição da pena, torna-se definitiva a pena imposta.
5. Presentes as condições do art. 44 do Estatuto Repressivo, deve ser a pena privativa de liberdade substituída por prestação pecuniária, no valor de 01 (um) salário mínimo, a ser prestada em favor da União.
6. Recurso parcialmente provido.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo para desclassificar a conduta, subsumindo-a ao que dispõe o artigo 349 do Código Penal, restando prejudicada a análise das demais questões arguidas no recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 06 de novembro de 2012.
PAULO DOMINGUES
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002769-17.2008.4.03.6002/MS
2008.60.02.002769-0/MS
RELATOR : Juiz Convocado PAULO DOMINGUES
APELANTE : APARECIDO DA SILVA
ADVOGADO : IRENE MARIA DOS SANTOS ALMEIDA e outro
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00027691720084036002 1 Vr DOURADOS/MS

VOTO

Narra a denúncia que no dia 08/06/2008, por volta das 17h30min, Policiais Rodoviários Federais receberam uma denúncia anônima informando que 03 (três) carretas, de cor branca, estariam transportando cigarros e outras mercadorias clandestinas. Diante de tal informação, os milicianos ficaram aguardando a passagem dos veículos com as características na denúncia anônima, sendo que nesse mesmo dia, por volta das 18h00min, na BR 163, no Posto da Polícia Rodoviária Federal em Caarapó/MS, abordaram uma carreta Scania, de cor branca, placa ADK-0230, de Dourados/MS, conduzida pelo réu.


Durante as buscas no caminhão, foram encontradas, além dos cigarros, diversas mercadorias sem documentação que comprovasse terem sido adquiridas em solo pátrio, nem documento comprobatório de sua regular internação em território nacional, conforme autos de apresentação e apreensão de fls. 09/10/IPL.


Preso em flagrante e conduzido até a presença da Autoridade Policial, o réu afirmou que não sabia estar transportando cigarros e demais mercadorias oriundas do Paraguai. Alegou, ainda, que foi contratado por uma pessoa desconhecida e que pegou o caminhão carregado com a mercadoria clandestina num posto de gasolina, localizado em Coronel Sapucaia/MS, sendo que deveria entregar a mercadoria em Andradina/SP, e para tanto recebeu a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais - fls. 06-07/IPL).


Passo à análise do recurso.


No presente caso, valho-me da manifestação anterior desta Egrégia Primeira Turma, quando do julgamento do "Habeas Corpus" nº 2008.03.00.024464-5.


Naquela oportunidade foi concedido ao réu o benefício da liberdade provisória, tendo em vista que não se vislumbrava a necessidade da manutenção do seu encarceramento.


A conclusão da instrução processual robustece o posicionamento anterior da Turma, pois se verifica que, na verdade, o que ocorreu no caso em tela, foi o cometimento do delito tipificado no artigo 349 do Código Penal (favorecimento real). Pois, ficou demonstrado que o trecho a ser percorrido pelo réu com o carregamento, dentro dos Estados da Federação, era de Coronel Sapucaia/MS até Andradina/SP, não ficando demonstrada a sua participação na internação ilegal da mercadoria no território nacional.


Em que pese, naquele momento terem sido analisadas as condições para a concessão de liberdade provisória, constatou-se que a denúncia apresentada beirava à inépcia, tendo em vista que se limitou a consignar que o acusado transportava um grande carregamento de cigarros e outras mercadorias provenientes do Paraguai.


Por ser esclarecedor transcrevo excerto do aludido voto condutor:


"Em seu interrogatório judicial o paciente confirma sua participação nos fatos descritos na denúncia (fls. 79/80). Confira-se:
...Que onde é domiciliado a residência é alugada, coabitando com a esposa e uma filha de 03 (três) anos; que é motorista e trabalha para uma pessoa de nome Fábio, o qual tem 02 (dois) caminhões; que dos trabalhos que realiza, com o caminhão, ganha a porcentagem de 12% (doze por cento); que já foi preso e processado por contrabando e descaminho, no Estado do Paraná, que desconhece qual o final deste processo; que no dia 008/06/2008, por volta das 19 horas, encontrava-se na BR 163 conduzindo o veículo Scania, placas ADK-0230, de Dourados/MS; que nesse dia foi abordado pelo Polícia Rodoviária Federal; que confirma que a PRF em revista na Scania encontrou cigarros e diversas mercadorias sem documentação; que tinha consciência de que os cigarros e as diversas mercadorias eram do Paraguai e que não tinham documentação; que referidas mercadorias foram carregadas no Município de Coronel Sapucaia/MS, cujo destino final seria o Município de Andradina/SP; que quem o contratou para o serviço foi uma pessoa de nome Ramirez, que, salvo engano, mora no Município de Amambaí/MS, não possuindo nenhum telefone; que ganharia pelo serviço a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais); que afirma que o dono da Scania, Fábio, desconhecia o transporte que foi feito de cigarros e diversas mercadorias; que Fábio permitia ao interrogando que só puxasse soja, e não outro tipo de serviço; que apesar de saber que seu ato era ilegal, como só ele trabalha e tem uma mulher e filha para sustentar, imaginou que os R$ 3.000,00 (três mil reais) complementariam seu orçamento; que no Município de Andradina/SP deixaria a Scania num determinado posto e uma pessoa lá pegaria o caminhão; que recebeu os R$ 3.000,00 (três mil reais) em Coronel Sapucaia/MS, das mãos de Ramirez, o qual seria utilizado inclusive no abastecimento da Scania; que nada tem com relação às testemunhas arroladas...
Sob o ângulo da vida pregressa do paciente não é possível, nesse quadro, enxergar arbitrariedade nas determinações do d. Juízo a quo, pois o indeferimento do pedido de liberdade provisória baseou-se em elementos concretos existentes nos autos que demonstram a persistência do paciente na mesma prática delitiva, com risco à ordem pública. Merece nota que o paciente já foi beneficiado em outro processo com a liberdade provisória mediante fiança, todavia, ao que parece não se intimidou com a atuação da Justiça e não teme a aplicação da lei penal.
Todavia, sob outra ótica, parece que a detenção cautelar do paciente não se sustenta.
Observo que a denúncia, oferecida somente contra APARECIDO DA SILVA, sem que tivesse havido investigação para apurar quem seria o dono do caminhão SCANIA, placa ADK0230 de Dourados/MS, fotografado às fls. 73/76, não teve o cuidado de indicar quais seriam efetivamente os bens contrabandeados/descaminhados, limitando-se a dizer que o paciente transportava ..um grande carregamento de cigarros e outras mercadorias provenientes do Paraguai...
Além de sequer minudenciar a identificação, a quantidade e o valor desses bens (cigarros e outras), a denúncia imputou ao paciente a conduta de transportar as tais mercadorias que já tinham sido internalizadas no Brasil ... por terceira pessoa não identificada...
Sucede que a lei penal, no caput e nos parágrafos do artigo 334 do Código Penal, não criminaliza a mera ação de transportar a coisa que já foi introduzida no território brasileiro.
Quem transporta o bem que já foi introduzido no território nacional por outrem, achando-se portanto já consumado o delito de contrabando/descaminho - porque já transposta ou zona alfandegária ou de fronteira, momento consumativo do crime que, conforme a unanimidade da doutrina, é delito instantâneo - ou pratica post factum impunível ou comete o crime de favorecimento real, previsto no artigo 349 do Código Penal. De concurso de agentes não se pode cogitar porque não existe a possibilidade de co-delinquência em crime já consumado.
Assim, tudo indica que a imputação de contrabando/descaminho a quem apenas transporta, dentro das fronteiras brasileiras, mercadoria que terceiro introduziu anteriormente no território nacional, é indevida. No máximo seria caso do artigo 349 do Código Penal.
Parece-me muito difícil manter alguém preso por imputação com possibilidade de inépcia da inicial.
Indo além, até mesmo a legalidade da manutenção do flagrante é complicada.
Admitindo-se, na melhor hipótese, que tenha ocorrido o delito do artigo 349 do Código Penal, o mesmo é punido com detenção, variável de 1 (um) a 6 (seis) meses.
Sucede que a prisão preventiva só pode ser decretada nos crimes punidos com reclusão - a possibilidade no caso de detenção aqui não se aplica - conforme artigo 313, inciso I, do Código de Processo Penal.
Assim, sendo incabível a preventiva, também seria a prisão em flagrante de pessoa que tem a seu favor condições pessoais abonadoras, ao que se aduz, mais uma vez, os problemas que apresenta a denúncia de fls. 62/64, beirando a inépcia."

Destarte, não se verifica qualquer mudança no quadro fático apresentado àquela época, a acusação não logrou demonstrar durante a instrução processual se realmente o apelante havia internado a mercadoria em território nacional, o que torna inviável o seu enquadramento no crime de contrabando ou descaminho, cabendo a desclassificação para o delito de favorecimento real.


Repiso. A inicial acusatória, ainda que narre que APARECIDO tinha conhecimento da procedência estrangeira da mercadoria, não lhe imputa nenhuma conduta que possa ser interpretada como participação na internação da mercadoria no território nacional, apartada da necessária e imprescindível documentação fiscal.


Nesse diapasão, é certo que o simples transporte de mercadoria estrangeira desacompanhada de documentação fiscal, ainda que originada do crime descaminho, entre Estados da Federação, não constitui o crime de descaminho.


Diante disso, desclassifico o delito tipificado no artigo 334, §1º, "b" do Código Penal c/c artigo 3º do Decreto-Lei nº 399/68, para aquele descrito no artigo 349 do Código Penal.


Na dosimetria da nova reprimenda, deve ser mantida a sanção no mínimo legal, em face das circunstâncias judiciais favoráveis, o que representa, para o ilícito sob análise, 01 (um) mês de detenção e multa, a qual fixo em 10 (dez) dias-multa no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.


Ausentes agravantes e atenuantes genéricas, bem como causas de aumento ou diminuição da pena, torno definitiva a pena imposta.


Presentes as condições do art. 44 do Estatuto Repressivo, deve ser a pena privativa de liberdade substituída por prestação pecuniária, no valor de 01 (um) salário mínimo, a ser prestada em favor da União.


Ante o exposto, dou parcial provimento ao apelo para desclassificar a conduta, subsumindo-a ao que dispõe o artigo 349 do Código Penal, restando prejudicada a análise das demais questões arguidas no recurso.


É o voto.


PAULO DOMINGUES
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): PAULO SERGIO DOMINGUES:10112
Nº de Série do Certificado: 5A3F5317054ABE2A
Data e Hora: 08/11/2012 15:31:25