Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 31/01/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000977-77.2012.4.03.6005/MS
2012.60.05.000977-2/MS
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
INVESTIGADO : RICARDO AUGUSTO SANTIAGO
No. ORIG. : 00009777720124036005 2 Vr PONTA PORA/MS

EMENTA

PROCESSO PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. ALIENAÇÃO ANTECIPADA DE BENS APREENDIDOS. ART. 62, §§ 4O AO 11, DA LEI N. 11.343/06. DENÚNCIA. EXIGIBILIDADE.
1. O § 4o do art. 62 da Lei n. 11.343/06 prevê a possibilidade de o juiz competente, em caráter cautelar, alienar os bens apreendidos relacionados ao tráfico ilícito de drogas, após a instauração da ação penal.
2. Apelação provida.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 21 de janeiro de 2013.
Louise Filgueiras
Juíza Federal Convocada


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000977-77.2012.4.03.6005/MS
2012.60.05.000977-2/MS
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
INVESTIGADO : RICARDO AUGUSTO SANTIAGO
No. ORIG. : 00009777720124036005 2 Vr PONTA PORA/MS

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal, contra a decisão de fls. 34/35, que extinguiu o processo sem julgamento de mérito, em medida cautelar de alienação antecipada de bens.

Apela o Parquet Federal, aduzindo, em síntese, os seguintes argumentos:

a) o pedido de alienação antecipada deve ser deferido, em razão de sua possibilidade jurídica;
b) o Ministério Público Federal tem legitimidade ativa para propor ação de alienação antecipada de bens (fls. 38/45).

A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Maria Iraneide Olinda S. Facchini, manifestou-se no sentido do provimento do recurso (fls. 48/54).

Sem revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.



VOTO

Processo penal. Tráfico ilícito de drogas. Alienação antecipada de bens apreendidos. Art. 62, §§ 4o ao 11, da Lei n. 11.343/06. Denúncia. Exigibilidade. O § 4o do art. 62 da Lei n. 11.343/06 prevê a possibilidade de o juiz competente, em caráter cautelar, alienar os bens apreendidos relacionados ao tráfico ilícito de drogas, após a instauração da ação penal:


Art. 62. Os veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de transporte, os maquinários, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza, utilizados para a prática dos crimes definidos nesta Lei, após a sua regular apreensão, ficarão sob custódia da autoridade de polícia judiciária, excetuadas as armas, que serão recolhidas na forma de legislação específica.
(...)
§ 4o Após a instauração da competente ação penal, o Ministério Público, mediante petição autônoma, requererá ao juízo competente que, em caráter cautelar, proceda à alienação dos bens apreendidos, excetuados aqueles que a União, por intermédio da Senad, indicar para serem colocados sob uso e custódia da autoridade de polícia judiciária, de órgãos de inteligência ou militares, envolvidos nas ações de prevenção ao uso indevido de drogas e operações de repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, exclusivamente no interesse dessas atividades.

Do caso dos autos. Em 29.01.12, a Autoridade Policial, nos Autos do Inquérito Policial de n. 0000283-11.2012.403.6005, apreendeu o veículo FIAT/IDEA Adventure Flex, placas EDN-0173, de Praia Grande (SP), cor verde, ano 2008, por ter sido utilizado para a prática de crime de tráfico internacional de drogas (transporte de 72.700 kg de maconha, fls. 30/32). Desde a data da apreensão o bem se encontra depositado no pátio da Delegacia de Polícia Federal de Ponta Porã (MS).

A decisão de fls. 34/35 extinguiu o processo sem julgamento de mérito, em medida cautelar de alienação antecipada de bens proposta pelo Ministério Público Federal.

Assiste razão ao apelante, haja vista que o § 4o do art. 62 da Lei n. 11.343/06 prevê a possibilidade de o juiz competente, em caráter cautelar, alienar os bens apreendidos relacionados ao tráfico ilícito de drogas, após a instauração da ação penal.

O parecer da Procuradoria Regional da República também é neste sentido, in verbis:


Quanto à legitimidade ativa do Ministério Público para propor ação de alienação antecipada de bens, o disposto no §4° do art. 62 da Lei 11.343/2006 é explícito em atribuir ao órgão ministerial o requerimento cautelar da medida.
Nesse sentido, leciona Andrey Borges de Mendonça e Paulo Roberto Galvão de Carvalho, verbis:
"O Ministério Público é o órgão legitimado para requerer a alienação cautelar dos bens - a autoridade policial fica excluída deste procedimento e a União participa como interveniente" (MENDONÇA, Andrry Borges de; CARVALHO, Paulo Roberto Galvão de. LEI DE DROGAS: Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006 - Comentada artigo por artigo, São Paulo, Método: 2007. p. 252).
11 - DO MÉRITO
11.1- DA ALIENAÇÃO ANTECIPADA DO BEM
Como visto na fotografia em anexo (fls. 20/22), tal bem, depositado no pátio da Delegacia de Polícia Federal, em Ponta Porã/MS, encontra-se em estado de contínua deterioração. Diante da demora na solução definitiva do caso, o veículo ora apreendido poderá sofrer maior depreciação, ante a ausência, no momento, de locais adequados para acondicioná-lo.
Além disso, o tempo (mais ainda no caso vertente) trata de desvalorizar o bem e o desuso danifica suas peças, havendo, ainda, custos expressivos na guarda e manutenção. Destarte, a res perde valor para a Justiça Penal ou mesmo para o proprietário, se tornando inservível, se considerarmos os possíveis destinos do bem: a perda ou a restituição.
Assim, mais razoável/proporcional a sua alienação antecipada, tudo em face da necessidade de preservar os valores correspondentes ao bem apreendido, naturalmente sujeito à depreciação, desvalorização ou descaracterização pelo tempo, pelo desuso, pela defasagem ou pelo simples envelhecimento inevitável.
Nesse sentido, reza o artigo 62, § 4°, da Lei 11.343/06:
"§ 4° - Após a instauração da competente ação penal, o Ministério Público, mediante petição autônoma, requererá ao juízo competente que, em caráter cautelar, proceda à alienação dos bens apreendidos, exetuados (sic) aqueles que a União, por intermédio do SENAD, indicar para serem colocados sob uso e custódia da autoridade de policia judiciária, de órgãos de inteligência ou militares, envolvidos nas ações de prevenção ao uso indevido de drogas e operações de repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, exclusivamente no interesse dessas autoridades." [g.n.]
Urge ressaltar que a Meta 19 da Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro - ENCLA 2005, formulada por diversos órgãos públicos reunidos, recomenda o "melhor aproveitamento dos bens apreendidos, seqüestrados, arrestados dentro das possibilidades legais já existente, inclusive a alienação antecipada, se necessário".
No mesmo sentido são as orientações insculpidas no bojo do item I, "b", da Recomendação nº 30/2010, expedida pelo Conselho Nacional de Justiça, verbis:
"ordenem, em cada caso e justificadamente, a alienação antecipada da coisa ou bem apreendido para preservar-lhe o respectivo valor, quando se cuide de coisa ou bem apreendido que pela ação do tempo ou qualquer outra circunstância, independentemente das providencias normais de preservação, venha a sofrer depreciação natural ou provocada, ou que por ela venha a perder valor em si, venha a ser depreciada como mercadoria, venha a perder a aptidão funcional ou para o uso adequado, ou que de qualquer modo venha a perder a equivalência com o valor real na data da apreensão" [g.n.]
Por outro lado, a venda antecipada tem seu alicerce legal no artigo 670, do CPC, conforme nos remete o artigo 139, do CPP, e item I, "C" (observem, quando verificada a conveniência, oportunidade ou necessidade da alienação antecipada, as disposições da lei processual penal e subsidiariamente as da lei processual civil relativas à execução por quantia certa no que respeita à avaliação, licitação e adjudicação ou arrematação e da respectiva jurisprudência), da mencionada Recomendação, além do previsto no § 5.° do artigo 120, no § 1.0 do artigo 137, no § 4°, do artigo 62, da Lei 11.343/2006 e no artigo 3°, todos do CPP. Deve-se proceder, assim, à alienação antecipada do bem a f1m de preservar o seu valor e evitar a sua progressiva depreciação ou deterioração. O procedimento ainda traz manifesta vantagem, evitando a acumulação dos custos da guarda e depósito.
É importante aduzir que não haverá, no caso, qualquer prejuízo ao proprietário do bem. Pelo contrário. Não há dúvida de que tal medida é melhor para a causa, visto que, com a venda antecipada e colocação do saldo obtido em conta vinculada ao Poder Judiciário, interesses futuros serão devidamente resguardados.
Ressalte-se, por oportuno, e de forma clara, que tal bem se torna facilmente deteriorável se seu acondicionamento, como se encontra viabilizado hoje, for cotejado com o período de trâmite processual.
Ora, o veículo, nas condições em que se encontra, tem "vida útil" estreita, enquanto o processo possui longa tramitação. A comparação entre o tempo em que se encontra parado o bem e o deslinde processual leva-nos a adequar, ao caso, o previsto no artigo 120, § 5°, do Código de Processo Penal. Anote-se o dispositivo:
"Artigo 120, § 5°, do CPP: Tratando-se de coisas facilmente deterioráveis, serão avaliadas e levadas a leilão público, depositando-se o dinheiro apurado, ou entregues ao terceiro que as detinha, se este for pessoa idônea e assinar termo de responsabilidade."
No mesmo diapasão, o disposto no artigo 62, § 7°, da Lei 11.343/2006:
"§ 7° - Autuado o requerimento de alienação, os autos serão conclusos ao juiz, que, verificada a presença de nexo de instrumentalidade entre o delito e os objetos utilizados para sua prática e risco de perda de valor econômico pelo decurso do tempo, determinará a avaliação dos bens relacionados, cientificará a Senad e intimará a União, o Ministério Público, o interessado, este, se for o caso, por edital com prazo de 5 dias."
Aliás, a esse respeito, merece referência à decisão do Ministro Barros Monteiro, então Presidente do Superior Tribunal de Justiça, na Suspensão de Segurança n.o 1.763/GO, de 03/1212007, a qual suspendeu decisão proferida por Desembargador Federal do TRF da 1ª Região que havia obstado a alienação antecipada de bens sequestrados, em processo envolvendo tráfico de entorpecente:
"Ocorre, todavia, in casu, perigo de grave lesão à ordem e à economia pública, uma vez que a decisão combatida impõe ao poder público o dever de despender recursos para custear as atividades de manutenção e conservação dos bens apreendidos de propriedade do impetrante, a saber: imóveis rurais localizados no Norte do Estado do Pará, em áreas de difícil acesso, além de imóveis urbanos e aeronave (fl. 139).
Cf. bem asseverou o MPF em seu parecer: '... a liminar lançada nos autos do mandado de segurança, ao suspender a venda antecipada dos bens, impõe ao Estado tal dever, o que implica em grave comprometimento da ordem e da economia públicas em dupla perspectiva. Se de fato forem empenhados recursos para a manutenção dos bens, aqueles, por serem escassos, estarão sendo desviados de atividades essenciais do Estado, em prejuízo a todos os cidadãos. Se não, os bens, ou perecerão, ou perderão o seu valor monetário, e não se prestarão, em caso de trânsito em julgado da condenação e sua conversão em renda da União, ao combate ao tráfico de entorpecentes e à recuperação dos viciados. De mais, não há prejuízo à parte contrária, posto que os recursos advindos da alienação estarão depositados em conta judicial remunerada, garantindo, em caso de eventual absolvição, o valor real dos bens.'"
Dessa forma, a condenação definitiva importará na apropriação do valor depositado a título de pena de perdimento, caso o bem seja considerado produto ou provento do crime. No caso de absolvição, os valores serão restituídos ao proprietário.
Assim entendeu o E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
"PROCESSO PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA. MEDIDAS ASSECURATÓRIAS. CONDENAÇÃO. PRESCINDIBILIDADE PARA A DECRETAÇÃO DO SEQÜESTRO PATRIMONIAL. CONSTRIÇÃO DE BENS DE PROCEDÊNCIA LÍCITA. POSSIBILIDADE. RISCO DE SUCATEAMENTO. ALIENAÇÃO ANTECIPADA. LEGITIMIDADE.
( ... )
3. A alienação antecipada de bem constrito judicialmente em processo penal, já perdurando a medida por prolongado período de tempo, legitima-se com a finalidade de preservação do valor patrimonial da res. Uma vez alienado o patrimônio em hasta pública, todavia, o valor auferido com a venda deverá reverter para uma conta-corrente à disposição do Juízo, aguardando-se o desfecho da ação penal para a destinação da importância." - g.n.
MANDADO DE SEGURANÇA, Processo: 200604000131479, RS, OITAVA TURMA, julgamento em 26/07/2006, DJ 02/08/2006, página 633, Relator Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
No mesmo sentido, vale colacionar outra decisão monocrática, de relatoria do Min. Barros Monteiro, do E. Superior Tribunal de Justiça, pela qual se permitiu a alienação antecipada de bens oriundos do tráfico de drogas, inclusive imóveis:
"( ... )
3. Ocorre, todavia, in casu, perigo de grave lesão à ordem e à econômica públicas, uma vez que a decisão combatida impõe ao poder público o dever de despender recursos para custear as atividades de manutenção e conservação dos bens apreendidos de propriedade do impetrante, a saber: imóveis rurais localizados no norte do Estado do Pará, em áreas de difícil acesso, além de imóveis urbanos e aeronave (fI. 139). Conforme bem asseverou o Ministério Público Federal em seu parecer: " ... a liminar lançada nos autos do mandado de segurança, ao suspender a venda antecipada dos bens, impõe ao Estado tal dever, o que implica em grave comprometimento da ordem e da economia públicas em dupla perspectiva. Se de fato forem empenhados recursos para a manutenção dos bens, aqueles, por serem escassos, estarão sendo desviados de atividades essenciais do Estado, em prejuízo a todos os cidadãos. Se não, os bens, ou perecerão, ou perderão o seu valor monetário, e não se prestarão, em caso de trânsito em julgado da condenação e sua conversão em renda da união, ao combate ao tráfico de entorpecentes e à recuperação dos viciados. De mais, não há prejuízo à parte contrária, posto que os recursos advindos da alienação estarão depositados em conta judicial remunerada, garantindo, em caso de eventual absolvição, o valor real dos bens." (Fls. 111/112):
4. Posto isso, defiro o pedido, a fim de suspender os efeitos da liminar concedida nos autos do Mandado de Segurança n. 2006.01.00.012795-6/TRF da P Região até seu trânsito em julgado.
( ... )"
SUSPENSÃO DE SEGURANÇA - 001763, Relator Ministro BARROS MONTEIRO, publicado em 12/1212007.
No que tange ao entendimento do magistrado acerca da equiparação da medida de alienação antecipada de bens com a imposição antecipada de pena, cabe salientar que são situações diversas. Esta última configura patente ilegalidade, ao passo em que a alienação antecipada de bens é legalmente prevista e constitui instrumento útil, para evitar a depreciação da coisa retida.
Como se vê, deve ser modificada a r. decisão combatida, que vedou a alienação antecipada de bens sequestrados (fls. 48/54).

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação, para que se proceda à alienação antecipada, na forma da Lei.

É o voto.


Louise Filgueiras
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LOUISE VILELA LEITE FILGUEIRAS BORER:10201
Nº de Série do Certificado: 3EA721263F9A6AA4
Data e Hora: 23/01/2013 15:41:32