Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 31/01/2013
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0004673-88.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.004673-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : JORGE LUIZ MARTINS BASTOS
ADVOGADO : JORGE LUIZ MARTINS BASTOS e outro
NÃO OFERECIDA DENÚNCIA : GERSON GOMES PEREIRA
: ELZA SATIKO TAKAKI AJIMURA
: REGINA MATIAS GARCIA
: RICARDO ALVES RIBEIRO
No. ORIG. : 00046738820064036181 4P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. ESTELIONATO. CRIME PERMANENTE NÃO CARACTERIZADO. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL. DATA DE CONSUMAÇÃO DO DELITO. PERCEPÇÃO DA PRIMEIRA PARCELA INDEVIDA. RECURSO DESPROVIDO.
1. Crime permanente é aquele cuja configuração depende da contínua atividade antijurídica do sujeito ativo, cuja cessação enseja o restabelecimento do bem lesado. É o que se verifica nos exemplos paradigmáticos adotados doutrinariamente (seqüestro, cárcere privado).
2. O estelionato não é crime permanente, pois o término da atividade ilícita do agente não ocasiona o simultâneo restabelecimento do bem lesado. Ao contrário do que sucede com a liberdade, que é restituída com a cessação da atividade criminosa nos delitos de seqüestro e cárcere privado, de incontroversa natureza permanente, o patrimônio da vítima não é a ela reintegrado pela interrupção da conduta do agente que está a cometer o delito de estelionato.
3. O termo inicial do prazo prescricional do delito de estelionato previdenciário é contado a partir da data da consumação do delito, que ocorre com o recebimento da primeira parcela de prestação do benefício obtido mediante fraude.
4. Prescrição. Ocorrência. O delito se consumou na data de percepção da primeira parcela do benefício (15.04.99, fl. 293) e a denúncia foi oferecida apenas em janeiro de 2012 (fls. 760/767), quando ultrapassados mais de 12 (doze) anos desde o fato delituoso, restando superado o prazo prescricional.
6. Recurso em sentido estrito desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso em sentido estrito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 21 de janeiro de 2013.
Louise Filgueiras
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LOUISE VILELA LEITE FILGUEIRAS BORER:10201
Nº de Série do Certificado: 3EA721263F9A6AA4
Data e Hora: 23/01/2013 15:44:10



RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0004673-88.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.004673-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : JORGE LUIZ MARTINS BASTOS
ADVOGADO : JORGE LUIZ MARTINS BASTOS e outro
NÃO OFERECIDA DENÚNCIA : GERSON GOMES PEREIRA
: ELZA SATIKO TAKAKI AJIMURA
: REGINA MATIAS GARCIA
: RICARDO ALVES RIBEIRO
No. ORIG. : 00046738820064036181 4P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra a decisão que declarou extinta a punibilidade de Jorge Luiz Martins Bastos, pela prática do delito do art. 171, § 3º, do Código Penal, com fundamento no art. 107, IV, primeira parte, e art. 109, III, ambos do Código Penal (fls. 769/773).

Alega-se, em síntese o seguinte:

a) Jorge Luiz Martins Bastos foi denunciado pela prática do delito do art. 171, caput c. c. § 3º, do Código Penal, por ter obtido, fraudulentamente, aposentadoria por tempo de contribuição em favor de Gerson Gomes Pereira, a qual foi paga no período de abril de 1999 a dezembro de 2005, causando prejuízo de R$ 158.953,66 (cento e cinquenta e oito mil, novecentos e cinquenta e três reais e sessenta e seis centavos) à autarquia previdenciária;
b) o Juízo a quo entendeu que o delito é instantâneo de efeitos permanentes e se consumou na data do recebimento da primeira parcela indevida - 15.04.99 - havendo transcorrido o prazo prescricional de 12 (doze) anos quando oferecida a denúncia;
c) ao contrário da fundamentação do decisum de 1º grau, a fraude "não se esgotou com o recebimento da primeira parcela no tempo, mas prolongou-se no tempo, até o recebimento da última parcela, em 01/12/2005" (fl. 778);
d) o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS foi mantido em erro por quase 6 (seis) anos, de modo a caracterizar o crime permanente, pois o denunciado poderia ter noticiado a fraude à autarquia previdenciária para fazer cessar o pagamento indevido, mas não o fez;
e) "a jurisprudência dos Tribunais firmou-se no sentido de que a situação em tela caracteriza a permanência delitiva" (fl. 779);
f) sendo permanente o delito, a prescrição começa a correr a partir da cessação da permanência, o que se verificou, no caso, em 01.12.05, não havendo transcorrido o prazo prescricional de 12 (doze) anos até a presente data (fls. 777/781).

A defesa ofereceu contrarrazões (fls. 790/796).

A decisão foi mantida (fl. 798).

A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Maria Iraneide Olinda S. Facchini, opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 807/810).

É o relatório.


VOTO

Estelionato. Crime instantâneo. A doutrina define crime permanente como aquele em que a consumação prolonga-se no tempo, dependendo da atividade, da ação ou da omissão do sujeito ativo:


Delito permanente é aquele cuja consumação se prolonga no tempo, depende da atividade, ação ou omissão, do sujeito ativo, como sucede no cárcere privado.
(Noronha, E. Magalhães, Direito penal, 30a ed., São Paulo, Saraiva, 1993, v. 1, p. 107)
Permanente é aquele crime cuja consumação se alonga no tempo, dependente da atividade do agente, que poderá cessar quando este quiser (cárcere privado, seqüestro).
(Bittencourt, Cezar Roberto, Manual de direito penal: parte geral, 5ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 182, n. 7.4)
Crime permanente existe quando a consumação se prolonga no tempo, dependente da ação do sujeito ativo. No seqüestro ou cárcere privado (art. 148), por exemplo, a consumação se protrai durante todo o tempo em que a vítima fica privada de liberdade, a partir do momento em que foi arrebatada pelo agente, o que também ocorre nos crimes de extorsão mediante seqüestro (art. 159) e no rapto (art. 219) etc. Na violação de domicílio (art. 150), a consumação ocorre durante o tempo em que o agente se encontra na casa ou dependências da vítima contra sua vontade expressa ou tácita.
(Mirabete, Julio Fabbrini, Manual de direito penal: parte geral, 19ª ed., São Paulo, Atlas, 2003, v. 1, p. 129, n. 3.6.4)
O crime permanente se caracteriza pela circunstância de a consumação poder cessar por vontade do agente. A situação antijurídica perdura até quando queira o sujeito, explicava José Frederico Marques.
(Jesus, Damásio E. de, Direito penal: parte geral, 21a ed., São Paulo, Saraiva, 1988, p. 192, n. 9)

O que se extrai da doutrina é que o crime pode ser classificado como permanente se sua respectiva configuração estiver na dependência da ação contínua antijurídica do sujeito ativo. Este pode, a seu talante, fazer cessar a antijuridicidade da ação, o que não sucede nos crimes denominados como instantâneos, nos quais, ainda que o agente deseje fazer cessar o caráter ilícito de sua conduta, já não mais será possível, em razão da irreversível consumação.

Giuseppe Bettiol aborda a questão pela possibilidade de o bem juridicamente tutelado ser passível ou não de destruição. Sendo esse o caso, como sucede no homicídio, tratar-se-ia de crime instantâneo, pois o delito aperfeiçoa-se com a morte da vítima, cuja vida, claro está, não mais pode ser reavida nem está na dependência da ação do sujeito ativo. Ao contrário, na hipótese de crime permanente, o qual se configura, grosso modo, se o bem jurídico for de natureza imaterial, a própria lesão ao bem fica na dependência da conduta antijurídica do agente, de modo que a cessação desta faz retornar o bem à situação que lhe é própria. Bettiol conclui sua lição do seguinte modo:


Para que haja crime permanente é mister que esteja no poder do agente remover o estado antijurídico de compressão do bem, determinado por sua ação.
(...)
Pode-se portanto definir como permanente aquele crime cuja consumação, pela natureza do bem jurídico ofendido, pode protrair-se no tempo desde que esteja em poder do agente eliminar o estado antijurídico realizado.
(Bettiol, Giuseppe, Direito Penal, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1971, v. 2, p. 212-213, n. 2)

Ao afirmar que o crime permanente é aquele cuja consumação se prolonga no tempo, isto é, que depende da contínua ação do sujeito ativo, a doutrina acompanha a idéia de que a cessação da atividade antijurídica enseja o restabelecimento do bem juridicamente protegido. É o que sucede, com efeito, nos exemplos usualmente dados como crime permanente (sequestro, cárcere privado).

O estelionato não pode ser classificado como crime permanente, uma vez que, após sua consumação, a respectiva subsistência não fica na dependência da conduta do sujeito ativo. Este, caso cesse a atividade ilícita, não ocasiona o restabelecimento do bem lesado. Trata-se de crime de resultado, que reclama a obtenção de vantagem indevida mediante fraude. Com a obtenção da vantagem, preenchidos os demais requisitos, a cessação do erro em que foi mantida a vítima não provoca o restabelecimento do bem lesado, dado que o sujeito ativo, nessa situação, já se apropriou da vantagem.

Não se ignora a existência de precedentes jurisprudenciais no sentido de que o estelionato cometido contra a Previdência Social seria de natureza permanente. Contudo, cumpre registrar o entendimento da 1ª Turma do Egrégio Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o estelionato contra a Previdência Social constitui-se em crime instantâneo de repercussão permanente, cujo termo inicial da prescrição é contado a partir da data da consumação do delito, vale dizer, a partir do recebimento da primeira parcela de prestação do benefício obtido mediante fraude (CP, art. 111, I):


Estelionato Previdenciário e Prescrição.
A prática de estelionato para obtenção de benefício previdenciário é crime instantâneo de repercussão permanente, cujo termo inicial do prazo prescricional ocorre no dia em que o delito se consuma. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para declarar, com fundamento no art. 111, I, do CP, a prescrição da pretensão punitiva do Estado em relação a servidor do INSS que, valendo-se dessa condição profissional, supostamente concedera, de modo fraudulento, aposentadoria a terceiros. HC 84998/RS, rel. Min. Marco Aurélio,2.8.2005. (in Informativo do STF, n. 395, 01-05.08.05)

Do caso dos autos. Jorge Luiz Martins Bastos foi denunciado pela prática do delito do art. 171, caput e § 3º, do Código Penal, pois obteve, indevidamente, benefício previdenciário em favor de Gerson Gomes Pereira, causando prejuízo de R$ 158.953,66 (cento e cinquenta e oito mil, novecentos e cinquenta e três reais e sessenta e seis centavos) ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.

Segundo a peça acusatória, o denunciado providenciou, em 25.03.99, o protocolo do pedido de aposentadoria por tempo de contribuição, na Agência da Previdência Social na Vila Mariana, em São Paulo (SP), instruído, dentre outros documentos, com uma relação de salários de contribuição falsa, apresentando valores indevidamente majorados (fls. 764/767).

O Juízo de 1ª instância declarou a prescrição e consequente extinção da punibilidade do denunciado, considerando ser o estelionato crime instantâneo e haver decorrido período de tempo superior a 12 (doze) anos entre o pagamento da primeira parcela do benefício indevido e o oferecimento da denúncia (fls. 769/773).

Recorre o Parquet e requer o afastamento da prescrição e o recebimento da denúncia, para regular prosseguimento da ação penal, aduzindo tratar-se o estelionato de crime permanente.

Não merece prosperar o recurso.

Acompanho o entendimento do Juízo de 1º grau no sentido de ser o estelionato crime instantâneo, na hipótese dos autos em que o recorrido obteve em favor de terceiro o benefício, não se tratando do próprio beneficiário, hipótese em que o crime se considera permanente, conforme pacífica jurisprudência.

Na espécie, a prescrição é regulada pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao delito, nos termos do art. 109 do Código Penal.

A pena máxima prevista para o delito do art. 171, § 3º, do Código Penal é de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão, prescrevendo em 12 (doze) anos, a teor do inciso III do art. 109 do Código Penal.

Com efeito, o delito se consumou na data de percepção da primeira parcela do benefício (15.04.99, fl. 293) e a denúncia foi oferecida apenas em janeiro de 2012 (fls. 760/767), quando ultrapassados mais de 12 (doze) anos desde o fato delituoso, restando superado o prazo prescricional.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso em sentido estrito.

É o voto.


Louise Filgueiras
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LOUISE VILELA LEITE FILGUEIRAS BORER:10201
Nº de Série do Certificado: 3EA721263F9A6AA4
Data e Hora: 23/01/2013 15:44:03