Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 01/02/2013
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0015933-26.2011.4.03.6105/SP
2011.61.05.015933-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
RECORRENTE : Ministerio Publico Federal
RECORRIDO : LUCAS ISAIAS DA SILVA
ADVOGADO : RODRIGO ALVES SUNEGA e outro
No. ORIG. : 00159332620114036105 1 Vr CAMPINAS/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. FALSO TESTEMUNHO. DENÚNCIA. RECEBIMENTO. IN DUBIO PRO SOCIETATE. APLICABILIDADE. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO.
1. Ao apreciar a denúncia, o juiz deve analisar o seu aspecto formal e a presença das condições genéricas da ação (condições da ação) e as condições específicas (condições de procedibilidade) porventura cabíveis. Em casos duvidosos, a regra geral é de que se instaure a ação penal para, de um lado, não cercear a acusação no exercício de sua função e, de outro, ensejar ao acusado a oportunidade de se defender, mediante a aplicação do princípio in dubio pro societate.
2. Há evidências da materialidade do crime e indícios da autoria, conforme decorre do termo de audiência em que Lucas Isaías da Silva prestou depoimento na condição de testemunha de defesa (fls. 3/4) e do laudo de exame de equipamento computacional (fls. 5/15).
3. Nota-se que os elementos dos autos indicam ser mendaz o testemunho prestado por Lucas Isaías da Silva em Juízo, bem como ter relevância jurídica, referindo-se ao conhecimento dos fatos descritos na denúncia da ação penal em que atuou como testemunha.
4. Recurso em sentido estrito provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso em sentido estrito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 21 de janeiro de 2013.
Louise Filgueiras
Juíza Federal Convocada


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0015933-26.2011.4.03.6105/SP
2011.61.05.015933-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
RECORRENTE : Ministerio Publico Federal
RECORRIDO : LUCAS ISAIAS DA SILVA
ADVOGADO : RODRIGO ALVES SUNEGA e outro
No. ORIG. : 00159332620114036105 1 Vr CAMPINAS/SP

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra a decisão de fls. 52/54, que rejeitou a denúncia oferecida contra Lucas Isaías da Silva pela prática do delito do art. 342, § 1º, do Código Penal.

Alega-se, em síntese, o seguinte:

a) Lucas Isaías da Silva foi denunciado pela prática de falso testemunho, por ter prestado depoimento mendaz como testemunha em processo criminal, e a peça acusatória foi acompanhada dos elementos de convicção necessários, a saber, "a ata da audiência em que colhido o depoimento mendaz (fls. 3/4); o Laudo de Exame em Equipamento Computacional em que se registrou o diálogo travado entre o denunciado Lucas e o réu Cristiano via "MSN", comprobatório da falsidade (fls. 5/13) e a cópia da denúncia ofertada no processo em que foi colhido o depoimento (fls. 20/40)" (fl. 62), mas o Juízo de 1ª grau rejeitou-a sob o fundamento de falta de justa causa para o início da ação penal;
b) "nenhum dos motivos elencados pelo magistrado é suficiente à rejeição da denúncia, quer pela ausência de justa causa, quer pela atipicidade dos fatos narrados" (fl. 63);
c) "em relação ao primeiro ponto, o magistrado cogita a possibilidade de que o conteúdo da denúncia não tenha sido lido para a testemunha ou que esta não tivesse ciência de seu conteúdo. Esta elucubração, embora possível em tese, é contrária à prova dos autos e à presunção de veracidade dos atos judiciais. Observe-se que o magistrado fez consignar, expressamente, que a testemunha teria dito 'Dos acusados conhece Erlam A. Lima Filho e Cristiano. Desconhece o envolvimento deles nos fatos tratados na denúncia' (termo de depoimento - fls. 4). Ora, só faz sentido consignar tal afirmativa se a testemunha tiver ciência do conteúdo da denúncia, conclusão que parece suficiente ao recebimento da denúncia" (fl. 64);
d) "profligado o primeiro motivo para rejeição da denúncia, também o segundo, qual seja a incerteza de que o assunto discutido via MSN era o mesmo objeto do processo criminal, revela-se indigno de dar esteio à conclusão alcançada pelo magistrado. Basta cotejar os fatos descritos na denúncia originária (fls. 20/40) com o diálogo mantido entre LUCAS e Cristiano para concluir que o assunto entre os dois é exatamente a fraude tratada no processo criminal em que LUCAS iria depor." (fl. 64);
e) "é certo que, em juízo, a transcrição do diálogo entre Cristiano e Lucas será submetida ao contraditório e seu valor probante será avaliado em acordo com as demais provas produzidas, inclusive levando-se em conta a defesa pessoal a ser apresentada pelo denunciado. Nessa situação, a conclusão alcançada pode ser diversa. Não há como negar, todavia, que o laudo pericial juntado fornece esteio suficiente ao oferecimento da denúncia e constitui indício bastante de que o acusado faltou com a verdade em seu depoimento" (fl. 65);
f) não se sustenta o argumento do Juízo de 1º grau no tocante à alegada irrelevância jurídica do depoimento falso, pois o testemunho tratou do mérito da ação penal, da participação do réu nos fatos delituosos, sendo que o depoente tinha conhecimento, mas afirmou não saber da participação do réu;
g) o fato de a testemunha ter sido arrolada pela defesa com o intuito de depor sobre antecedentes do réu não interfere no deslinde da presente causa, permanecendo o dever de falar a verdade independentemente da parte que a tenha arrolado;
h) "outro ponto que pode levar a erro o julgador é o fato de a mendacidade resguardar-se, justamente, no aspecto subjetivo, versando apenas sobre a ciência da testemunha a respeito dos fatos tratados na denúncia originária. Tal aspecto não é apto, isoladamente, a afastar a tipicidade" (fl. 67)
i) "a imputação ministerial, aqui, é justamente a de que LUCAS afirmou desconhecer os fatos, quando em realidade os conhecia cabalmente e deveria ter apontado, pelo compromisso de verdade, a participação de Cristiano nestes. É hipótese semelhante à da testemunha que presencia um conhecido praticar um homicídio e nega ter ciência dos fatos. A dificuldade, nestes casos, não é aferir-se a relevância jurídica do depoimento, mas comprovar-se que faltou com a verdade ao negar ter ciência dos fatos. E tal constitui matéria probatória, a ser discutida em juízo após regular instrução" (fl. 67);
j) há indícios suficientes de autoria e materialidade delitiva para recebimento da denúncia (fls. 59/68).

A defesa ofereceu contrarrazões (fls. 72/76).

A decisão foi mantida (fl. 78).

A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Sonia Maria Curvello, manifestou-se no sentido de provimento do recurso (fls. 80/81).

É o relatório.


VOTO

Denúncia. Recebimento. In dubio pro societate. Aplicabilidade. O juiz, ao apreciar a denúncia, deve analisar o seu aspecto formal e a presença das condições genéricas da ação (condições da ação) e as condições específicas (condições de procedibilidade) porventura cabíveis:


Pode o Magistrado rejeitar a denúncia ou queixa. Para tanto, deve atentar para o aspecto formal da peça vestibular da ação penal e para as condições genéricas da ação, e, se for o caso, para eventual condição específica, nos termos do art. 43 do CPP.
(TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo penal, 25a ed., São Paulo, Saraiva, 2003, v. 1, p. 530)

Em casos duvidosos, a regra geral é de que se instaure a ação penal para, de um lado, não cercear a acusação no exercício de sua função e, de outro, ensejar ao acusado a oportunidade de se defender, mediante a aplicação do princípio in dubio pro societate:

EMENTA: PROCESSO PENAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - REJEIÇÃO DA DENÚNCIA - ARTIGO 43, INCISO III DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA - INDÍCIOS DE AUTORIA - DENÚNCIA RECEBIDA - RECURSO PROVIDO - DECISÃO REFORMADA.
(...)
4. É sabido que, na fase do recebimento da denúncia, o principio jurídico 'in dubio pro societate' deve prevalecer, devendo-se verificar a procedência da acusação e a presença de causas excludentes de antijuridicidade ou de punibilidade no decorrer da ação penal. Outra providência, ou seja, a rejeição da denúncia, representa, na verdade, uma antecipação do juízo de mérito, e o cerceamento do direito de acusação do Órgão Ministerial (...).
(TRF da 3a Região, 5ª Turma, RcCr n. 2002.61.81.003874-0-SP, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, unânime, j. 20.10.03, DJ 18.11.03, p. 374)

Do caso dos autos. Lucas Isaías da Silva foi denunciado pela prática do delito do art. 342, § 1º, do Código Penal, nos seguintes termos:


Consta dos autos que o DENUNCIADO, no dia 30 de junho de 2008, em audiência de Carta Precatória realizada perante o Juízo da 1ª Vara Criminal de Sumaré, referente ao Processo Criminal nº 2007.61.05.005098-5, que tramita na 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Campinas, de modo consciente e voluntário, fez afirmação falsa na condição de testemunha.
No processo em questão, conforme denúncia cuja cópia encontra-se às fls. 20/40 dos autos, Cristiano Júlio Fonseca e outros oito réus foram acusados pela prática de crimes contra a administração pública, formação de quadrilha, estelionato, entre outros. A prática consistia, basicamente, em identificar segurados que haviam vencido ações judiciais em face do INSS e sacar, mediante uso de documentos falsos, os valores depositados em favor daqueles na Caixa Econômica Federal.
A participação de Cristiano, funcionário da CEF Hortolândia, na empreitada criminosa consistia, dentre outras coisas, no levantamento de informações complementares dos beneficiários, especialmente sobre os valores disponíveis para saque em nome destes. Conforme narrado, Evandro repassou a Cristiano Júlio uma listagem a fim de que este consultasse, no sistema de informações da CEF, quais os benefícios estavam disponíveis para o saque.
No processo criminal já citado, LUCAS ISAIAS DA SILVA foi arrolado como testemunha de defesa por Cristiano, sendo ouvido por meio de carta precatória em 30.06.2008. Na ocasião, LUCAS afirmou falsamente que: "Dos acusados conhece Erlan A. Filho e Cristiano. Desconhece o envolvimento deles nos fatos tratados na denúncia. Conhece Cristiano desde sua infância e nada sabe que possa desabonar os acusados (...)".
A mendacidade do depoimento foi detectada após a análise pericial no Computador apreendido, com autorização judicial, na residência de Cristiano Júlio Fonseca (fls.5/13). Neste, foi encontrado um conjunto de diálogos mantidos entre Cristiano e LUCAS ISAIAS DA SILVA, por meio do programa Microsoft Messenger, entre abril e agosto de 2007, em que é possível observar que o DENUNCIADO tinha plena ciência dos fatos objeto daquele processo, inclusive referindo-se expressamente a Erlan Arantes Lima e Evandro Marques, réus denunciados naquele.
Entre os diálogos mantidos, cuja transcrição integral encontra-se no Laudo 318/201 (fls. 9/12) e que deve ser considerado parte integrante dessa denúncia, é possível observar diversas menções ao termo "lista", referindo-se claramente à lista de beneficiários que estava em posse da quadrilha da qual Cristiano fazia parte.
Na conversa, Cristiano também informa ao denunciado que "vão começar com a apuração de responsabilidade sobre o esquema CALIXTO (...) e para isso vão investigar as transações da conta do ERLAN (...) e foi dela que saiu o cheque adm que pagou a entrada do meu carro (...)".
O citado "esquema CALIXTO", refere-se ao plano colocado em prática pela quadrilha, que utilizava os documentos de Ismael Calixto, para que Erlan se passasse por advogado, sacando valores em nome dos beneficiários, com a ajuda de Cristiano.
Evidencia-se, por meio da análise dos diálogos encontrados no Disco Rígido do Computador de Cristiano, que o DENUNCIADO, embora tivesse pleno conhecimento do envolvimento de Cristiano e Erlan na prática criminosa narrada na denúncia, afirmou falsamente, na condição de testemunha de defesa em processo judicial criminal, desconhecer dos fatos.

A denúncia foi rejeitada com fundamento no artigo 395, III, do Código de Processo Penal, in verbis:


Nas peças de informação que instruem a denúncia encontram-se juntadas cópias dos seguintes documentos: termo de abertura da audiência e o depoimento da testemunha perante o Juízo Estadual (fls. 03/04), laudo pericial do computador apreendido, com a transcrição de alguns trechos das conversas mantidas entre Cristinao e Lucas pelo MSN Messenger (fls. 05/15) e cópia da denúncia da açaõ penal nº 2007.6105.005098-5 (fls. 20/40).
Em que pesem os argumentos traçados na inicial, não há elementos que autorizem deduzir que o juiz deprecado chegou a ler a denúncia à testemunha. A ausência de tal informação impede aferir se a testemunha entendeu o envolvimento criminoso de cada um dos acusados. Tenha-se em vista que a denúncia, com mais de 20 páginas, descreve um esquema criminoso complexo, atribuindo a cada um dos 09 (nove) réus, práticas de condutas delitivas diversas, dentre elas crimes contra a administração pública, falsificação de documento, estelionato, formação de quadrilha.
Ainda que os trechos dos diálogos encontrados no disco rígido sugiram a existência de um esquema indevido entre seus interlocutores, não é possível concluir que tal esquema seria aquele tratado na ação penal de nº 2007.61.05.005098-5 e tampouco supor que Lucas, por ocasião de seu depoimento perante o juízo deprecado, "... tivesse pleno conhecimento do envolvimento de Cristiano e Erlan na prática criminosa narrada na denúncia.".
Ademais, para a configuração do crime de falso testemunho torna-se indispensável que a falsidade possua relevância suficiente a ponto de influenciar erroneamente o juiz na apuração dos fatos delitivos, o que não ocorre na hipótese dos autos. (...) (destaques do original, fls. 52/54)

Recorre o Parquet e pugna pelo recebimento da denúncia, aduzindo haver indícios suficientes da autoria e materialidade delitivas.

Assiste razão à acusação.

Com efeito, a denúncia preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal. O fato criminoso está exposto com clareza e possibilita o adequado exercício do contraditório e da ampla defesa.

Há evidências da materialidade do crime e indícios da autoria, conforme decorre do termo de audiência em que Lucas Isaías da Silva prestou depoimento na condição de testemunha de defesa (fls. 3/4) e do laudo de exame de equipamento computacional (fls. 5/15).

Referidos documentos demonstram que, ouvido em Juízo, no dia 30.06.08, Lucas Isaías da Silva, ora recorrido, declarou desconhecer o envolvimento dos acusados Erlan e Cristiano com os fatos tratados na denúncia, mas, em abril e maio de 2007, havia mantido conversas com o acusado Cristiano, por meio do programa computacional de comunicação instantânea - MSN Messenger - em que tratavam de fatos que, posteriormente, foram objeto da referida denúncia.

Não há indícios nos autos de que a denúncia não tenha sido esclarecida a Lucas quando da realização da audiência em que depôs na condição de testemunha de defesa no processo criminal.

Outrossim, a conversa de Lucas com Cristiano - transcrita no laudo de equipamento computacional (fls. 10/12) - tem diversos elementos que permitem relacioná-la com os fatos descritos na denúncia de fls. 20/40, referente à ação penal em que Lucas atuou como testemunha.

Nota-se que os elementos dos autos indicam ser mendaz o testemunho prestado por Lucas Isaías da Silva em Juízo, bem como ter relevância jurídica, referindo-se ao conhecimento dos fatos descritos na denúncia da ação penal.

Demonstrados indícios suficientes de autoria e materialidade, impõe-se o recebimento da denúncia, visto incidir, neste momento processual, o princípio in dubio pro societate, sendo necessária a instrução do feito, conduzido sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, para aprofundado esclarecimento do fato típico descrito na exordial acusatória.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso em sentido estrito para receber a denúncia e determinar o regular prosseguimento do feito.

É o voto.


Louise Filgueiras
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LOUISE VILELA LEITE FILGUEIRAS BORER:10201
Nº de Série do Certificado: 3EA721263F9A6AA4
Data e Hora: 23/01/2013 15:43:45