D.E. Publicado em 26/11/2012 |
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EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL. PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 1º, INCISO VI, C/C §4º, DA LEI 9.613/98. DENÚNCIA APTA. SEPARAÇÃO DE PROCESSOS GARANTIDA PELO ARTIGO 80, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CERCEAMENTO DE DEFESA PELO INDEFERIMENTO DE OITIVA DE TESTEMUNHA REFERIDA NÃO CONFIGURADA. PROVAS ILÍCITAS INEXISTENTES. DECRETO Nº 3.810/2001. COMPARTILHAMENTO DE PROVAS ENTRE OS PROCESSOS. NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO QUANDO DO AUMENTO DA PENA NÃO COMPROVADA. AUTORIA DEMONSTRADA. DOLO COMPROVADO. DOSIMETRIA ADEQUADA. RECURSOS IMPROVIDOS. MANDADO DE PRISÃO A SER EXPEDIDO APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO.
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ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar todas as preliminares arguidas e negar provimento a todos os recursos interpostos, devendo a r. sentença ser mantida integralmente, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Após trânsito em julgado, expeça-se mandado de prisão para os condenados deste processo.
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RELATÓRIO
Trata-se de Apelações Criminais interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e por RUY RAMAZINI, MARCIA DE MARIA COSTA CID FERREIRA e RENELLO PARRINI, contra r. sentença de fls. 3703/4371, publicada em 11/12/2006 (fl. 4374), proferida nos autos da ação penal em epígrafe, destinada a apurar a prática do crime previsto no artigo 1º, inciso VI, da Lei 9.613/98.
Narra a denúncia, recebida em 12/05/2006 (fls. 871/882), que HUBERT EDOUARD SECRETAN, MÁRCIA DE MARIA COSTA CID FERREIRA, EDNA FERREIRA DE SOUZA E SILVA, RENELLO PARRINI e RUY RAMAZINI, conscientes e voluntariamente, a título oneroso ou gratuito, cederam seus nomes e dados pessoais para ingressarem como sócios, procuradores ou beneficiários em empresas nacionais e estrangeiras, e trusts sediados em paraísos fiscais, visando ocultar a propriedade de bens e a origem de valores provenientes da gestão fraudulenta do Banco Santos S/A.
O feito foi desmembrado com relação a HUBERT EDOUARD SECRETAN, o que formou os autos de nº 2006.61.81.007035-5, em virtude desse denunciado residir no exterior (fl. 878).
A presente ação tramitou separadamente do feito principal (2004.61.81.008954-9) em função da fase adiantada desse processo, por serem outros os denunciados e os fatos narrados, embora conexos (fls. 25/29). Ao final, no entanto, a sentença foi única para ambos os processos (fls. 2006.61.81.005514-7 e 2004.61.81.008954-9) - fls. 3703/4371 (Volumes 14 e 15).
Exclusivamente no que diz respeito aos ora denunciados, a r. sentença absolveu EDNA FERREIRA DE SOUZA E SILVA, com fulcro no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal e condenou MÁRCIA DE MARIA COSTA CID FERREIRA, RENELLO PARRINI e RUY RAMAZINI, cada qual, as penas de 05 anos e 04 meses de reclusão em regime inicial semi aberto, e ao pagamento de 17 dias-multa, no valor unitário de 15 salários mínimos, pela prática do crime previsto no artigo1º, inciso VI, c/c §4º, da Lei 9.613/98.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer a condenação de EDNA FERREIRA DE SOUZA E SILVA pela prática do crime previsto no artigo 299 do Código Penal (fls. 4404/4405).
Nas razões de RENELLO PARRINI requer-se (fls. 4472/4518):
a) Preliminarmente - nulidade da sentença por violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa e legalidade, uma vez que sua condenação baseou-se na adoção da responsabilidade objetiva e de uma denúncia inepta, não havendo correspondência entre os fatos e a condenação ou entre o crime e a conduta do apelante.
b) No mérito - absolvição diante da fragilidade da sentença, que condenou o apelante exclusivamente porque emprestou seu nome para figurar na direção de empresas ligadas ao Banco Santos S.A, não havendo mínima comprovação de que ele sabia das atividades consideradas ilícitas supostamente praticadas pelos dirigentes do referido banco.
c) Subsidiariamente - redução da pena base, pois além de exacerbada não foi devidamente fundamentada e a inocorrência da causa de aumento de pena prevista no §4º do artigo 1º da Lei 9.613/98, além da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito.
Nas razões de MARCIA DE MARIA COSTA CID FERREIRA requer-se (fls. 4523/4586):
a) Preliminarmente - inépcia da denúncia por ser genérica; nulidade da sentença por ter se utilizado de provas ilícitas e não ter demonstrado o dolo da apelante ou os atos tidos como ilícitos por ela praticados. Nulidade da decisão que recebeu a denúncia, uma vez que esta, na verdade, deveria ser oferecida como aditamento da denúncia dos autos principal (2004.61.81.008954-9); cerceamento de defesa diante do indeferimento de inquirição da testemunha Edilson Ferreira da Silva.
b) No mérito - ausência de provas de que tivesse consciência das atividades supostamente ilícitas praticadas pelas empresas do Grupo do Banco Santos, especialmente aquelas imputadas ao seu marido.
c) Subsidiariamente - redução da pena base e exclusão da causa de aumento de pena prevista no §4º do artigo 1º da Lei 9613/98 diante da não demonstração da habitualidade criminosa.
Nas razões de RUY RAMAZINI requer-se (fls. 4646/4741):
a) Preliminarmente - inépcia da denúncia que além de genérica não descreveu a ciência por parte do apelante da origem criminosa dos valores movimentados pelas empresas que participava; nulidade do processo desde o recebimento da denúncia, uma vez que esta deveria ser um aditamento daquela recebida nos autos principais, e não constituir uma ação independente; ausência de demonstração, nas audiências de instrução, de documentos que não se encontravam juntados nestes autos, mas foram utilizados pelo Juízo na oitiva de testemunha, impedindo o exercício das garantias da ampla defesa e do contraditório; nulidade da sentença, diante da ausência de fundamentação no aumento da pena base e causa de aumento de pena.
b) No mérito - atipicidade da conduta pela ausência do conhecimento da origem ilícita dos valores e impossibilidade da responsabilização penal com base em qualidade objetiva do apelante (figurar como sócio ou procurador de pessoas jurídicas).
c) Subsidiariamente - redução da pena base para o patamar mínimo.
Contrarrazões regularmente apresentadas (fls. 4428/4448 e 4746/4754).
A PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚLICA ofertou parecer opinando pelo improvimento dos recursos da acusação e das defesas (fls. 4858/4873).
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
Segundo consta da denúncia, EDNA FERREIRA DE SOUZA E SILVA e MÁRCIA DE MARIA COSTA CID FERREIRA - irmã e esposa, respectivamente, do ex-dirigente do Banco Santos S/A, Edemar Cid Ferreira -, visando ocultar a propriedade de bens e a origem de valores provenientes da gestão fraudulenta do Banco Santos S/A, integravam com um número praticamente desprezível de cotas os quadros sociais de sociedades comerciais nacionais, notadamente as empresas Maremar Empreendimentos e Participações Ltda, Atalanta Participações e Propriedades Ltda, Hyles Participações e Empreendimentos Ltda e Cid Collection Empreendimentos Artísticos Ltda, cujos sócios majoritários eram empresas off shore sediadas em paraísos fiscais e representadas no Brasil também pelos familiares de Edemar Cid Ferreira, principalmente, MARCIA.
Pelo mesmo motivo, RUY RAMAZINI e RENELLO PARRINI também figuraram como sócios da empresa Rutherford Trading S/A, constituída em 19/09/2002, por meio da qual ingressaram no País, entre 2002 e 2004, segundo informou o Banco Central, mais de R$ 170 milhões a título de investimentos estrangeiros.
RENELLO PARRINI também trabalhou na direção da BrasilConnects - sucessora da Associação Brasil 500 Anos. Consta que em 06/2004 tal empresa recebeu R$ 45 milhões de Edemar Cid Ferreira, dinheiro este recebido a título de dividendos do Banco Santos S/A, numa época em que a instituição já se encontrava em dificuldades financeiras. Esses recursos, conforme informou o ex-funcionário do Banco Santos S/A, Ricardo Russo Cândido de Souza, teriam sido utilizados para liquidar débitos não contabilizados de operações clandestinas realizadas junto ao BSI - Banca Svizzera Italiana. Também foi acionista majoritário da Beauford Holding (controladora do Banco of Europe) e beneficiário da Euro Trust (controladora da Beauford Holding).
RUY RAMAZINI, por seu turno, além de figurar como procurador das empresas Maremar e Atalanta, foi sócio da Alpha Negócios e Participações Ltda, que recebeu mais de US$ 27 milhões a título de investimentos estrangeiros entre 2001 e 2004. Consta que os diretores do Banco Santos S/A recebiam seus bônus anuais, em montantes de centenas de milhares ou mesmo milhões de reais, através dessa última empresa.
A par disso, consta dos autos de nº 2004.61.81.008954-9 que Edemar Cid Ferreira, Mario Arcângelo Martinelli, Álvaro Zucheli Cabral, Ricardo Ferreira de Souza e Silva, Rodrigo Rodrigues de Cid Ferreira e André Pizelli Ramos foram condenados pela fraude operada no Banco Santos S/A e nas empresas ligadas ao banco, da seguinte maneira:
1) Edemar Cid Ferreira:
- Art. 288, do CP: 01 ano e 09 meses de reclusão;
- Art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86: 05 anos e 03 meses de reclusão e 17 dias-multa;
- Art. 20 da Lei nº 7.492/86: 03 anos e 06 meses de reclusão e 17 dias-multa;
- Art. 22, parágrafo único, 1ª figura da Lei nº 7.492/86: 03 anos e 06 meses de reclusão e 17 dias-multa;
- Art. 1º, VI e VII da Lei nº 9.613/98, c.c. o seu § 4º: 07 anos de reclusão e 22 dias-multa;
- Valor do dia-multa: Para os delitos da Lei nº 7.492/86 o valor do dia multa é 150 salários mínimos. Para o delito da Lei nº 9.613/98 o valor do dia multa é 15 salários mínimos. Para ambos considera-se o salário mínimo vigente no ano de 2004, data da prisão dos acusados (R$ 260,00);
- Total: 21 anos de reclusão e 73 dias multa (7.980 salários mínimos equivalentes a R$ 2.074.800,00 na época dos fatos)
- Regime inicial de cumprimento da pena: regime fechado.
2) Mário Arcângelo Martinelli:
- Art. 288, do CP: 01 ano e 04 meses de reclusão;
- Art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86: 04 anos de reclusão e 13 dias-multa;
- Art. 20 da Lei nº 7.492/86: 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa;
- Art. 22, parágrafo único, 1ª figura da Lei nº 7.492/86: 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa;
- Art. 22, parágrafo único, última figura da Lei nº 7.492/86: 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa;
- Art. 1º, VI e VII da Lei nº 9.613/98, c.c. o seu § 4º: 05 anos e 04 meses de reclusão e 17 dias-multa;
- Valor do dia-multa: 15 salários-mínimos, levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2004, data da prisão dos acusados (R$ 260,00);
- Total: 18 anos e 08 meses de reclusão e 69 dias-multa (1035 salários mínimos equivalentes a R$ 269.100,00 na época dos fatos);
- Regime inicial de cumprimento da pena: regime fechado.
3) Álvaro Zucheli Cabral:
- Art. 288, do CP: 01 ano e 04 meses de reclusão;
- Art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86: 04 anos de reclusão e 13 dias-multa;
- Art. 20 da Lei nº 7.492/86: 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa;
- Art. 22, parágrafo único, 1ª figura da Lei nº 7.492/86: 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa;
- Art. 1º, VI e VII da Lei nº 9.613/98, c.c. o seu § 4º: 05 anos e 04 meses de reclusão e 17 dias-multa;
- Valor do dia-multa: 15 salários-mínimos, levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2004, data da prisão dos acusados (R$ 260,00);
- Total: 16 anos de reclusão e 56 dias-multa (840 salários mínimos equivalentes a R$ 218.400,00 na época dos fatos);
- Regime inicial de cumprimento da pena: regime fechado.
4) Ricardo Ferreira de Souza e Silva:
- Art. 288, do CP: 01 ano e 04 meses de reclusão;
- Art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86: 04 anos de reclusão e 13 dias-multa;
- Art. 20 da Lei nº 7.492/86: 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa;
- Art. 22, parágrafo único, 1ª figura da Lei nº 7.492/86: 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa;
- Art. 1º, VI e VII da Lei nº 9.613/98, c.c. o seu § 4º: 05 anos e 04 meses de reclusão e 17 dias-multa;
- Valor do dia-multa: 15 salários-mínimos, levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2004, data da prisão dos acusados (R$ 260,00);
- Total: 16 anos de reclusão e 56 dias-multa (840 salários mínimos equivalentes a R$ 218.400,00 na época dos fatos);
- Regime inicial de cumprimento da pena: regime fechado.
5) Rodrigo Rodrigues de Cid Ferreira:
- Art. 288, do CP: 01 ano e 04 meses de reclusão;
- Art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86: 04 anos de reclusão e 13 dias-multa;
- Art. 20 da Lei nº 7.492/86: 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa;
- Art. 22, parágrafo único, 1ª figura da Lei nº 7.492/86: 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa;
- Art. 1º, VI e VII da Lei nº 9.613/98, c.c. o seu § 4º: 05 anos e 04 meses de reclusão e 17 dias-multa;
- Valor do dia-multa: 15 salários-mínimos, levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2004, data da prisão dos acusados (R$ 260,00);
- Total: 16 anos de reclusão e 56 dias-multa (840 salários mínimos equivalentes a R$ 218.400,00 na época dos fatos);
- Regime inicial de cumprimento da pena: regime fechado.
6) André Pizelli Ramos:
- Art. 288, do CP: 01 ano e 04 meses de reclusão;
- Art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86: 04 anos de reclusão e 13 dias-multa;
- Art. 20 da Lei nº 7.492/86: 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa;
- Art. 22, parágrafo único, 1ª figura da Lei nº 7.492/86: 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa;
- Art. 1º, VI e VII da Lei nº 9.613/98, c.c. o seu § 4º: 05 anos e 04 meses de reclusão e 17 dias-multa;
- Valor do dia-multa: 15 salários-mínimos, levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2004, data da prisão dos acusados (R$ 260,00);
- Total: 16 anos de reclusão e 56 dias-multa (840 salários mínimos equivalentes a R$ 218.400,00 na época dos fatos);
- Regime inicial de cumprimento da pena: regime fechado.
Ainda com relação aos autos de nº 2004.61.81.008954-9, restaram absolvidos de todas as imputações, com fundamento no artigo 386, inciso IV, do Código de Processo Penal, os seguintes réus: CLIVE JOSÉ VIEIRA BOTELHO, ARY CÉSAR GRACIOSO CORDEIRO, RICARDO LUCENA DE OLIVEIRA, GUSTAVO DURAZZO, MARCELO BERNARDINI, CARLOS ENDRE PAVEL, FRANCISCO SÉRGIO RIBEIRO BAHIA, ANTÔNIO RUBENS DE ALMEIDA NETO, ELISEU JOSÉ PETRONE, FERNANDO DE ASSIS PEREIRA, MÁRCIO DAHER, NEI MUNIZ e MÁRCIO SERPEJANTE PEPPE.
Dessa sentença, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apelou protestando pela condenação de todos os absolvidos, à exceção de Ricardo Lucena de Oliveira, Márcio Serpejante Peppe e Gustavo Durazzo, além de requerer o aumento da pena referente ao crime do artigo 4º, caput, da Lei 7.492/86 para Edemar Cid Ferreira, Mario Arcângelo Martinelli, Álvaro Zucheli Cabral, Ricardo Ferreira de Souza e Silva e Rodrigo Rodrigues de Cid Ferreira.
Feita essa narrativa, deve-se analisar as razões recursais postas nos presentes autos.
Antes, porém, é conveniente um breve resumo dos desvios de recursos do Banco Santos S/A, conforme apurados nos autos de nº 2004.61.81.008954-9.
Segundo consta, os administradores do Banco Santos S/A arregimentaram um numeroso grupo de profissionais autônomos denominados officers, com atuação em vários Estados do País e cuja função era a de contatar industriais, comerciantes, fazendeiros e empresários dos mais diversos segmentos de mercado, oferecendo-lhes produtos da instituição financeira.
Segundo determinação dos gerentes comerciais, os officers vinculavam a concessão desses empréstimos e financiamentos a tantas outras operações que o futuro cliente deveria necessariamente realizar com o banco (operações ditas recíprocas, ou mútuas ou casadas).
Assim, esses clientes, atraídos por menores taxas de juros ou melhores condições de pagamento em relação àquelas normalmente encontradas no mercado financeiro, acabavam por aceitar as condições oferecidas pelos officers para a concretização das transações financeiras. A mesma atração era exercida sobre clientes incapazes de obter financiamento em outras instituições financeiras, devido a restrições cadastrais ou insuficiência de garantias).
Muitas vezes premido pela necessidade de liquidar operações anteriores e, consequentemente, de manter o fluxo financeiro clandestino da instituição, o Banco Santos S/A oferecia, em algumas operações casadas, um rendimento tal que este acabaria por pagar, por si só, o custo do investimento principal, garantindo com isso a anuência dos clientes que acabavam também por se beneficiar com a operação, obtendo dinheiro a baixo custo ou "custo zero".
Essas operações casadas eram realizadas com elevada e reiterada freqüência, e eram, na verdade, concretizadas com empresas estranhas à estrutura oficial do conglomerado financeiro, embora fossem apresentadas aos clientes como firmas integrantes do chamado "Grupo Banco Santos S/A".
Para dificultar a vinculação de tais operações recíprocas ao Banco Santos S/A, foram criadas diversas empresas "de fachada", também conhecidas como paper companies (companhias que só existiam no papel), a saber: Agrobusiness Corretora e Assessoria Agropecuária Ltda; Delta Serviços e Participações Ltda; PDR Corretora de Mercadorias S/A Ltda; Quality Negócios e Participações Ltda; Santospar Investimentos, Participações e Negócios S/A; Contaserv Serviços Ltda; Sanvest Participações S/A; Pillar Construção, Comércio e Serviços Ltda; Cruz e Aragon Assessoria Pecuária Ltda; Naga Consultoria Financeira Ltda.
Algumas empresas que efetivamente pertenciam ao "Grupo Banco Santos S/A", como a Invest Santos Negócio e Participações Ltda, a Procid Participações e Negócios S/A (controladora do Banco) e a Santos Corretora também chegaram a ser utilizadas, embora com menor frequência, em operações recíprocas.
A maioria das pessoas cujos nomes aparecem nos contratos sociais das empresas citadas foi ouvida e declarou ter cedido seu nome a pedido de Edemar Cid Ferreira ou dos demais integrantes do comitê executivo informal do Banco. Muitas das empresas estão sediadas em endereços que, embora existentes, correspondem aos denominados "escritórios virtuais" - salas de poucos metros quadrados ocupadas por centenas de paper companies.
Outras empresas não financeiras que, de fato, integravam o"Grupo Banco Santos S/A", embora não reconhecidas como tal, apresentavam propósitos bem definidos, como a Alpha - empresa por meio da qual eram frequentemente realizados pagamentos de remuneração sob a denominação de "luvas", bônus, etc, a diretores e officers -, ou a Rutherford, que, atuando no ramo de trading, entregava no Brasil moeda nacional e recebia moeda estrangeira no Exterior.
As empresas ditas "de fachada" foram, então, utilizadas na engenharia de diversos mecanismos de operações casadas, tais como operações com compra de debêntures, aquisição de export notes, cédulas de produto rural (CPRs) e certificates of participation e promissory notes.
Cito um exemplo de tais operações trazido pela Acusação que é de fácil visualização (autos nº 2004.61.81.008954-9/apenso 32/ vol. 1 e 2):
No exemplo acima, como a compra de debêntures é um empréstimo que o comprador do título faz à empresa emissora, na verdade, o Banco Santos S/A estava repassando valores a empresas não financeiras que, na realidade, eram controladas por ele, utilizando-se do cliente como intermediário na operação.
Em 1996, de forma quase simultânea à criação do Banco Santos S/A, foi criado o Bank of Europe Limited - BoE, com sede na ilha de Antígua, notório paraíso fiscal.
A solicitação de autorização de uma licença bancária para operar com clientes não residentes nas ilhas (application) foi assinada por Edemar e seu sobrinho Ricardo Ferreira de Souza e Silva em 30/08/1996, conforme consta das fls. 1914/1915 (autos 2004.61.81.008954-9).
Os estatutos e ata da assembléia dos diretores do Bank of Europe Limited estão acostados aos autos de nº 2004.61.81.008954-9, às fls. 1924/1937 e 2055/2059. Alguns desses diretores (além daquele envolvido neste processo - Ruy Ramazini) eram funcionários da Winterbotham Trust Company Limited, empresa fiduciária sediada no Uruguai e contratada para auxiliar na criação do BoE.
Entre 1996 e 2002, o Bank of Europe era simplesmente uma caixa postal, mas foi forçado a se instalar fisicamente após a nova política americana de controle de lavagem de capital - fruto dos atentados de Nova Iorque. Era controlado por uma holding, a Dome Securities Limited (proprietária beneficiária - "beneficial owner"), sendo a Valence Enterprises a controladora da Dome, denominada "a última ou mais importante proprietária beneficiária ("ultimate beneficial owner"). A estrutura operacional do BoE recebeu a denominação de Beauford Financial Services Uruguay S/A (fls. 2032/2053 - autos 2004.61.81.008954-9 ).
O Bank of Europe, então, abriu uma conta corrente no Swiss Bank Corportation de Nova Iorque, que posteriormente foi adquirido pelo Bank of America, e nele, segundo depoimento do ex-funcionário do banco Ricardo Russo Candido de Souza, foram depositados inicialmente US$ 1 milhão por Edemar a título de integralização do capital.
Constituído para ser uma filial clandestina do Banco Santos S/A, o BoE era um dos principais canais usados pelo Banco Santos para remeter dinheiro para paraísos fiscais, por meio de transações celebradas com a interveniência das empresas "de fachada" constituídas com esse objetivo, notadamente empresas off shore (empresas domiciliadas no exterior). Assim, enquanto, por exemplo, a Santospar e a Sanvest possuíam contas correntes no Banco Santos S/A, também seria necessário que empresas que pertencessem não oficialmente ao Grupo - empresas off shore - fossem clientes do BoE.
A primeira empresa off shore largamente utilizada para esse fim foi a Unipart Investor International Limited, que operou entre 1997 e 2001 (fls. 1984 a 2024 - autos de nº 2004.61.81.008954-9), destinada a ser uma emissora de papéis a serem negociados com o BoE, da mesma forma que o Banco Santos se valia, no Brasil, de empresas de fachada para negociar debêntures, export notes e cédulas de produto rural.
Em 2000 uma nova empresa off shore foi criada para substituir a Unipart, qual seja, a Alsace Lorraine Investments Services, sediada nas Ilhas Virgens Britânicas e titular da conta 100.0251 junto ao BoE, constando Edemar Cid Ferreira, Ricardo F. de Souza e Silva, Mario Arcângelo Martinelli, Álvaro Zucheli Cabrak e Marcelo Bernardini como seus representantes (fls. 1956/1961- autos 2004.61.81.008954-9).
A estrutura original do BoE sofreu alterações por orientação do advogado suíço Hubert Secretan, para o fim de garantir uma maior proteção em termos de anonimato dos reais proprietários do BoE. Para tanto, criou-se o Fribourg Trust, cuja instituidora ou implantadora era MARCIA DE MARIA COSTA CID FEREIRA, tendo como trustee, ou administrador do patrimônio do Trust a empresa Trumanx Company Limited, sediada na Ilha de Man, outro paraíso fiscal.
Posteriormente a Fribourg Trust cedeu lugar ao Euro Trust, cujo Settlor (instituidor do trust) passou a ser o próprio trustee, a empresa Trumanx. Como beneficiários do Trust destinados a proteger Edemar Cid Ferreira apareciam, entre outros, Hubert Secretan e RENELLO PARRINI.
Para representar o BoE no Brasil e captar clientes, e na tentativa de desvinculá-lo do Banco Santos S/A, constituiu-se a Support Financial Services Representações Ltda, cujos sócios iniciais eram EDNA FERREIRA (irmã de Edmar) e RUY RAMAZINI, sendo em 2003 a empresa substituída pela European Advisors Limitada.
Assim, em suma, a Euro Trust (sucessora da Fribourg Trust) controlava a Beauford Holding S.A. (recém criada e sediada na Suíça), que, por seu turno, controlava a Beauford Financial Services Uruguay S.A., a Beauford Services S.A. (também suíça), o Bank of Europe - BoE (Antigua) e a European Advisors Consultoria Patrimonial (empresa destinada a representar o BoE no Brasil e que substituiu a Support) - fls.1909/1913 dos autos de nº 2004.61.81.008954-9.
Com essa estrutura, da mesma forma que a operação recíproca nacional envolvia a compra, pelo cliente, de títulos, como por exemplo debêntures, as operações recíprocas internacionais valiam-se da aquisição de créditos consubstanciados em notas estruturadas denominadas "participation", ou notas promissórias ("promissory notes") que empresas como a Unipart (inicialmente) e depois a Alsace Lorraine, entre outras, detinham junto ao BoE.
O BoE, então, operava no exterior (numa versão internacional) as transações que em nível nacional utilizavam as empresas "de fachada" antes mencionadas.
Para isso, uma conta de titularidade do cliente era, então, aberta junto ao BoE e creditada, através de transferências internacionais em reais (amparadas, na época, pela circular 2.677/96 do Banco Central, atualmente revogada) realizadas pelo próprio cliente junto à instituição financeira nacional de sua preferência, a título de disponibilidade financeira no Exterior ou outra justificativa. A conta do cliente do Banco Santos S/A no BoE também poderia ser por ele creditada através de transferências de recursos oriundos de outras contas correntes de sua titularidade ou de empresas off shore a ele associada a qualquer título, mantidas por ele no Exterior com conhecimento ou não do Fisco.
Realizado o depósito, os recursos eram transferidos a contas correntes mantidas no BoE pelas empresas off shore do Grupo, tendo sido a Alsace Lorraine a maior tomadora desde 2001.
Nessa operação estruturada, era como se a Alsace Lorraine, por conta de um empréstimo tomado ao BoE, emitisse como garantia uma nota promissória (promissory note). O BoE, por seu turno, vendia ao cliente um título denominado certificado de participação (certificate of participation ou simplesmente participation) no mesmo valor daquele ativo. Assim, de maneira indireta e valendo-se de simulações, o valor depositado pelo cliente a título de reciprocidade era transferido para a conta da Alsace Lorraine no BoE. Ademais, através de um instrumento denominado "pledge of collateral agreement", o BoE comprometia-se a emitir cartas de crédito tendo como beneficiário o Banco Santos S/A, caso os compromissos que o cliente tinha com o Banco no Brasil não fossem honrados.
Assim, ao invés de se valer de empresas nacionais "de fachada" e títulos como debêntures, export notes ou cédulas de produto rural, valia-se, então, de paper companies sediadas em paraísos fiscais e essa nova modalidade de títulos - certificate of participation ou promissory note. Entregava-se ao cliente no Brasil moeda nacional oriunda, em sua grande maioria, de linhas de crédito do BNDES e recebia-se, no exterior, a contrapartida, parcial ou integral, em moeda estrangeira, configurando-se uma operação de compensação de valores.
Para melhor elucidação, colaciono outro exemplo envolvendo a empresa de fachada off shore Alsace Lorraine Investiment Services Limited e o Bank of Europe (autos nº 2004.61.81.008954-9/apenso 13/ fls. 2/63):
Assim é que, através de uma série de documentos que visam apenas conferir uma aparência de legitimidade à operação, o BoE serviu nos mesmo moldes das operações conduzidas por doleiros ("dólar-cabo"), realizando simples compensação de valores. Nesse último exemplo, o cliente depositou, ainda que indiretamente, valendo-se de contas correntes abertas pela Odebrecht Overseas Ltd. e Alsace Lorraine, moeda estrangeira na conta mantida pelo Banco Santos S/A no BoE e este creditou, no Brasil, a conta corrente do cliente junto ao Banco Santos S/A, no valor correspondente, ao título de empréstimo ou financiamento.
Pois bem.
Para ocultar das autoridades monetárias e dos clientes da instituição financeira esse elevado volume de desvio de recursos e garantir ao empreendimento uma imagem de sucesso e prosperidade, o Banco Santos S/A valeu-se de artifícios de "alavancagem" artificial do resultado do Banco da seguinte maneira: manipulação de operações com opções flexíveis tipo Call Européia realizadas entre 25 e 30/06/2003 que lhe gerou um lucro na operação na ordem de R$ 54.876.676,97, correspondente, à época, a aproximadamente 63% do resultado do Banco no primeiro semestre de 2003 e cerca de 11% de seu patrimônio líquido; concessão de empréstimos entre janeiro e abril de 2004 no montante de R$ 282.999.000,00 (valor correspondente a 49% do patrimônio líquido do Banco na época) a quatro empresas "de fachada" do Grupo, concedidos obviamente sem qualquer análise econômica-financeira, classificadas como empresas de grande porte e financeiramente saudáveis, cujas operações foram transmitidas à Central de Risco do Banco Central falsamente com os CNPJs de outras empresas de reconhecido porte (Braskem S/A, Cosipa, Cia Brasileira de Distribuição e Odebrecht S/A); liquidação, no primeiro semestre de 2000, de R$ 50.000.000,00 de créditos de difícil liquidação, com recursos de empresas off shore de origem desconhecidas sediadas em paraísos fiscais e sem qualquer vínculo com os devedores; lucro excessivo, em junho de 2001, na ordem de R$ 51.000.000,00, na alienação à sua controladora (Procid) de uma empresa de informática controlada pelo Banco cujo patrimônio líquido era de R$ 900.000,00.
Assim, com a contabilidade do Banco ideologicamente falsificada, contendo dados que não correspondiam a sua real situação, o Banco foi levado à liquidação com um passivo circulante e exigível a longo prazo de quase três bilhões de reais, nos termos do relatório do interventor constante dos autos nº 2004.61.81.008954-9 (apenso 45/ fls. 56).
Concomitantemente a isso, apurou-se que a gestão fraudulenta da instituição financeira Banco Santos S/A verificada nos autos de nº 2004.61.81.008954-9, teria rendido ensejo à criação de uma gama de empresas (nacionais e estrangeiras) para a "lavagem dos valores" desviados daquela instituição, dentre elas, as empresas Maremar Empreendimentos e Participações Ltda, Atalanta Participações e Propriedades Ltda, Hyles Participações e Empreendimentos Ltda, Cid Collection Empreendimentos Artísticos Ltda, Associação Brasil 500 Anos (antecessora da BrasilConnects Cultura) e Rutherford Trading S/A, das quais os denunciados deste processo figuravam ora como sócios, ora como procuradores, ora como administradores.
Feita essa narrativa do quanto interessa ao deslinde do caso, chega-se à apreciação das teses postas nos recursos voluntários.
PRELIMINARES
1.1) Em síntese, RUY, MÁRCIA e RENELLO protestam pela nulidade da denúncia e da sentença por violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa e legalidade, pois suas condenações foram baseadas em uma denúncia inepta, que ensejou a adoção da responsabilidade objetiva, não havendo correspondência entre os fatos e a condenação ou entre o crime e a conduta de cada um.
Entretanto, não há que se falar em denúncia genérica, a ponto de inviabilizar a compreensão da persecutio criminis e a defesa dos recorrentes.
Com freqüência, nos crimes perpetrados contra o Sistema Financeiro e o Sistema Tributário em concurso de pessoas, nem sempre é possível realizar, de plano, perfeita individualização das condutas de cada suposto partícipe, pois a ocultação e o sigilo são signos destes crimes.
Assim, tolera-se que a denúncia seja mais breve, sem minúcias, desde que a acusação seja compreensível e possibilite defesa.
Confira-se:
No presente caso, essa individualização mínima mostrou-se satisfatória.
A narrativa dos fatos constantes da denúncia demonstra claramente a conduta de "lavagem" de dinheiro praticado pelos denunciados, ao figurarem ficticiamente como sócios de diversas empresas ligadas ao Banco Santos S/A, muitas vezes como "laranjas". Estas empresas, cujos quadros societários foram descritos detalhadamente na denúncia, serviram de veículo para a integração de vultosa soma de dinheiro ilícito obtido por meio de engenhosas e complexas operações bancárias clandestinas operadas pelos dirigentes do Banco. A vinculação dos denunciados com essas empresas é clara.
A denúncia apontou fartos elementos indiciários apurados nos autos principais, que faziam referência ao crime antecedente praticado contra o Sistema Financeiro Nacional.
Com efeito, o processo e julgamento do crime de "lavagem" de ativos é autônomo, não se exigindo prova concreta da ocorrência de uma das infrações penais exaustivamente previstas nos incisos I a VIII do art. 1º do referido diploma legal para que a denúncia que imputa ao réu tal delito seja considerada apta. Neste caso, basta a existência de elementos indiciários de que o capital lavado tenha origem em alguma das condutas ali previstas.
Assim, no momento do recebimento da denúncia é necessário um início de prova que indique a probabilidade de que os bens, direitos ou valores ocultados, dissimulados ou integrados, sejam provenientes, direta ou indiretamente, de um dos crimes antecedentes, não havendo necessidade de certeza absoluta quanto à existência do crime antecedente.
Nesse sentido, é notório que a vultosa quantia em dinheiro movimentada pelos denunciados evidenciada pelo cenário dos fatos, e a imperiosa necessidade de se proteger o verdadeiro proprietário dos bens e sócio das empresas e bancos são indicativos de que os valores em questão eram de origem ilícita. Caso contrário, não haveria necessidade de se recorrer a tais caminhos obscuros.
Diante disso, entendo que a denúncia atacada contém os elementos necessários exigidos em lei, e, sobretudo diante da complexidade do caso e da pluralidade de agentes, narra suficientemente os fatos que correspondem aos delitos em tese praticados pelos réus. Fica demonstrado satisfatoriamente o vínculo existente entre eles, possibilitando o exercício do contraditório e da ampla defesa de todos, o que se comprova, aliás, pela apresentação adequada de defesas completas e minuciosas quanto aos fatos que lhes foram imputados.
Além disso, é bom lembrar que não se exige na primeira fase da persecutio criminis que a autoria e a materialidade da prática de um delito estejam definitivamente provados, uma vez que a verificação de justa causa para a ação penal pauta-se em juízo de probabilidade e não de certeza.
Assim, havendo estrita observância aos requisitos legais previstos no artigo 41 do CPP, não há que se falar em inépcia da peça acusatória.
Por esses fundamentos, resta superado o pleito dos réus quanto à ausência de correspondência entre os fatos denunciados e a condenação, devendo a relação entre o crime e a conduta de cada um ser apreciada no mérito dos recursos.
1.2) MARCIA e RUY protestam também, sem razão, pela nulidade da decisão que recebeu a denúncia, uma vez que a persecutio, na verdade, deveria ser oferecida como aditamento da denúncia ofertada no processo dito principal.
Quando do oferecimento da denúncia a acusação assim consignou (fls. 25/29):
O Juízo a quo, por sua vez, recebeu a exordial com o seguinte fundamento (fls. 871/882):
Como se vê, o recebimento da denúncia e a prevenção do Juízo originário foram devidamente fundamentados, não havendo qualquer nulidade na separação dos processos conexos. Tal procedimento, aliás, é garantido no artigo 80 do Código de Processo Penal.
Preliminar rejeitada.
1.3) Márcia requer a nulidade da sentença sustentando que foram utilizadas provas ilícitas e que sua defesa foi cerceada ante o indeferimento da inquirição de Edilson Ferreira da Silva.
O indeferimento da oitiva da testemunha Edilson foi assim fundamentado (fls. 3376/3377):
Como é sabido, a oitiva de testemunha referida é faculdade do julgador e só deve ser deferida se necessária e conveniente à apuração dos fatos, a fim de não conturbar a instrução do feito gerando uma complexidade inútil. Desta forma, o indeferimento não implica cerceamento de defesa, desde que submetido a correta fundamentação.
No presente caso, o Juiz não considerou necessário ouvir a testemunha mencionada, pois, diante das provas colhidas, sua oitiva era prescindível para o julgamento do feito.
Nesse sentido, é firme da jurisprudência das Cortes Superiores:
A defesa de Márcia, ainda, alega que o Juízo original, na "sanha" de punir a qualquer custo e de colocar o ex-controlador do Banco Santos S/A definitivamente atrás das grades, acabou fundamentando a condenação da recorrente com prova ilícita.
Aduz que as informações referentes ao Bank of Europe encaminhadas pelas autoridades americanas, por meio do Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal (MLAT - Dec. 3.810/01), somente poderiam produzir efeito na ação penal de nº 2004.61.81.008954-7, diante da cláusula de reserva das informações, não sendo isso o que ocorreu no presente feito.
Sem razão a defesa.
O decreto nº 3.810/2001 insere o Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre o Governo Brasileiro e o Governo dos Estados Unidos da América. No item referente às restrições de uso há expressa exceção à limitação das informações prestadas quando houver obrigação constitucional nesse sentido no âmbito de uma ação penal, o que vem amparado no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. Vejamos o Decreto:
Ademais, conforme bem ressaltou a Procuradoria Regional da República, a prova em questão foi produzida no processo conexo que trata da gestão fraudulenta do Banco Santos S.A., e os bens e valores derivados dessa conduta foram ocultados justamente por ação dos recorrentes deste processo.
Além disso, alega a defesa que não poderiam fazer prova neste processo os e-mails trocados entre Edemar Cid Ferreira e seus advogados, sendo tal prova ilícita, por ser confidencial.
Novamente sem razão, pois tais e-mails foram coletados durante o cumprimento do mandado judicial de busca e apreensão, momento em que sequer havia ação penal em curso.
Cumpre destacar que estes e-mails não trazem estratégia de defesa e não dizem respeito a MÁRCIA, mas sim, a tratativas ocorridas em Antígua envolvendo Edemar e o Bank of Europe.
Preliminares rejeitadas.
1.4) A defesa de RUY protesta pela ausência de demonstração nas audiências de documentos que não se encontravam juntados aos autos, mas foram utilizados pelo Juízo na oitiva de testemunha, impedindo o exercício das garantias da ampla defesa e do contraditório; ainda, a nulidade da sentença diante da ausência de fundamentação do aumento da pena base e da causa de aumento de pena.
Sobre a primeira preliminar, não há como discordar de que, desde o recebimento da denúncia, todas as partes estavam cientes da conexão deste feito com o de nº 2004.61.81.008954-9, onde estariam os documentos, e que o oferecimento da denúncia em separado se deu, precipuamente, pela fase adiantada do processo principal. Assim, não haveria óbice para a obtenção de vistas dos processos e de todas as provas que julgassem necessárias em ambos.
A propósito, colaciono os bons e esclarecedores fundamentos do indeferimento do pedido da defesa de RUY nesse sentido (fls. 2559/2561):
Por fim, sem razão a defesa de Ruy quando alega a nulidade da sentença por ausência de fundamentação do aumento da pena base e da causa de aumento de pena.
O Juízo originário, no tópico destinado à dosimetria da pena, fez uma síntese dos delitos apurados e do grau de envolvimento de cada condenado, ressaltando sempre a exacerbada gravidade dos fatos delituosos, a complexidade das condutas, as desastrosas consequências para todo o Sistema Financeiro Nacional, além de diversas outras circunstâncias que rodearam todo o cenário criminoso praticado pelos réus deste processo e do processo principal. Vejamos alguns trechos (fls. 4251/4284):
Na terceira fase da dosimetria da pena deve ter aplicação a causa de aumento estabelecida no §4º do artigo 1º da Lei nº 9.613/1998 (habitualidade), o que eleva a reprimenda em 1/3, perfazendo 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e ao pagamento de 17 (dezessete) dias-multa".
Em suma, a pena aplicada aos réus foi suficientemente fundamentada, não havendo que se falar em nulidade. Há inclusive em anexos da sentença tabelas demonstrativas do cálculo da dosimetria.
Ante o exposto, rejeito todas as preliminares arguidas.
MÉRITO
Iniciando pela análise do recurso da acusação, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL protesta pela condenação de EDNA FERREIRA DE SOUZA E SILVA nas penas do artigo 299 do Código Penal, segundo entendimento de que a falsidade ideológica está subsidiariamente implícita nos núcleos ocultar ou dissimular previstos no artigo 1º, da Lei 9.613/98, e deve ser considerada mesmo nos casos de absolvição pelo crime primário em função da ausência de elemento subjetivo específico.
No caso em exame, Edna foi denunciada pelo crime de lavagem de dinheiro por ter composto o quadro societário de empresas do Grupo Santos que serviram de base para a ocultação de valores espúrios movimentados a mando de seu irmão, e desse crime se defendeu. Desta forma, não é possível agora, após a sentença, alterar-se a definição jurídica de sua conduta para o crime de falsidade ideológica, sob pena de flagrante ofensa ao princípio da correlação entre acusação e sentença.
Tal princípio é uma garantia efetiva do réu, dando-lhe certeza de que não poderá ser condenado por fato diverso daquele que lhe foi textualmente atribuído pela acusação; isto é, só a narrativa fática posta pela acusação sub judice é que deverá ser julgada.
Assim, se não estão presentes na denúncia, sequer implicitamente, as elementares do crime de falsidade ideológica, tampouco houve antes da sentença a adequação do fato típico pelo instituto da mutatio libelli, não é o caso de se dar provimento ao recurso do Ministério Público Federal.
Prossigo com a análise dos recursos de MARCIA, RUY e RENELLO.
Todos os réus protestam por suas absolvições diante da ausência de comprovação de que tivessem consciência das atividades supostamente ilícitas praticadas pelas empresas do Grupo Santos e de que soubessem a respeito dos valores movimentados, insistindo na impossibilidade da responsabilização penal objetiva, ou seja, que derivaria do simples fato de terem figurado como sócios ou procuradores de pessoas jurídicas.
Vejamos.
A empresa Maremar Empreendimentos e Participações Ltda. foi constituída em 23/08/1991. Inicialmente tinha como sócios Edemar Cid Ferreira e sua mãe Marina Cid Ferreira. Em 19/12/1995 a empresa off shore Valence Enterprises Inc., sediada no "paraíso fiscal" do Panamá, ingressou como sócia majoritária no quadro social dessa empresa, tendo Edemar permanecido como sócio minoritário e procurador da firma panamenha. Em 12/08/1998 a razão social foi alterada para Maremar Empreendimentos e Participações Ltda. e Ricardo Ferreira de Souza e Silva, sobrinho de Edemar, ingressou como sócio. Alguns meses depois, em 21/10/1998, Edemar e Ricardo foram substituídos por MÁRCIA DE MARIA COSTA CID FERREIRA, esposa de Edemar, a qual assumiu os papéis de sócia gerente e representante da Valence Enterprises Inc. Finalmente, em 09/01/2003 a Valence Enterprises Inc. foi substituída pela Principle Enterprises Inc., empresa também sediada no Panamá. Em 15/07/2004, MÁRCIA outorgou a gestão da empresa a Vera Lúcia Rodrigues da Silva, secretária exclusiva de Edemar Cid Ferreira, e a RUY RAMAZINI.
A empresa Atalanta Participações e Propriedades Ltda. foi constituída em 14/11/2001. Inicialmente seus sócios eram MÁRCIA DE MARIA COSTA CID FERREIRA e EDNA FERREIRA DE SOUZA E SILVA, irmã de Edemar Cid Ferreira. Em fevereiro de 2002 a empresa off shore Blueshell Inc., sediada no "paraíso fiscal" das Ilhas Virgens Britânicas, ingressou na empresa como sócia majoritária, tendo como procuradora MÁRCIA DE MARIA COSTA CID FERREIRA. Menos de um mês depois, a Valence Enterprises Inc., cuja procuradora era EDNA, também ingressou na empresa. Em janeiro de 2003 a Valence Enterprises Inc. foi substituída pela Principle Enterprises Inc. Em agosto de 2004 a razão social da empresa foi alterada para Atlanta Participações e Propriedades Ltda. Em setembro de 2004 outra empresa, a Atalanta Investimentos Ltda., foi constituída, tendo MÁRCIA e seu filho Eduardo Costa de Cid Ferreira como sócios.
A empresa Hyles Participações e Empreendimentos Ltda. - sucessora da Hyles Participações e Empreendimentos S/A - foi constituída em 04/01/1994, tendo, nessa época, MÁRCIA DE MARIA COSTA DE CID FERREIRA e EDNA FERREIRA DE SOUZA E SILVA respectivamente como diretora-presidente e diretora-superintendente. Foi transformada em sociedade limitada em 1996, quando ingressou no quadro social a empresa off shore Bokara Corporation sediada no "paraíso fiscal" das Ilhas Virgens Britânicas. EDNA passou a ser sócia minoritária e MÁRCIA assumiu o papel de gerente delegada. Em dezembro de 1999 Rodrigo Rodrigues de Cid Ferreira também assumiu o papel de gerente delegado, ao lado de sua mãe, tendo tal quadro permanecido inalterado até janeiro de 2003, quando a Bokara Corporation foi substituída pela Wailea Corporation - empresa constituída em 27/12/2002 - também com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, tendo EDNA como sua procuradora.
A empresa Cid Collection Empreendimentos Artísticos Ltda., proprietária da coleção de arte de Edemar, foi constituída em março de 2003 e apresentava como sócios, além de MÁRCIA DE MARIA COSTA CID FERREIRA, Rodrigo Rodrigues de Cid Ferreira, Eduardo Costa Cid Ferreira - filho de MÁRCIA -, e a empresa off shore Waileea Corporation, que tinha como procurador Rodrigo Rodrigues de Cid Ferreira. Em novembro de 2004, o capital da empresa foi alterado e esta se transformou em sociedade anônima, tendo MÁRCIA assumido a função de diretora-presidente e seus filhos Eduardo e Rodrigo a de diretores.
Os réus compunham o quadro societário das empresas acima citadas, mas de modo peculiar. Conforme seus interrogatórios judiciais, muitas vezes sequer sabiam onde ficavam as sedes dessas firmas:
RUY assim declarou (fls. 907/949):
Márcia de Maria Costa Cid Ferreira, por sua vez, declarou que parou de trabalhar como engenheira civil quando se casou com Edemar. Aduziu ter se casado mediante o regime de separação total de bens para sua própria segurança financeira, uma vez que Edemar era um empresário bem sucedido e oito anos mais velho que ela.
Insistiu que, à proporção em que foram adquirindo bens, esses eram colocados em nome dela para "sua segurança". Afirmou assinar os documentos que Edemar lhe apresentava porque tinha total confiança em seu marido. Só foi ao Banco Santos S.A. uma vez, na inauguração de exposição, e sempre assinava os papéis entregues por Edemar em sua própria casa. Tinha consciência de figurar no contrato social da Maremar e Atalanta, e lia o que assinava, ressalvando que, na realidade, as empresas Maremar, Atalanta, Hyles, Cid Ferreira Collection e Brasilconnects eram administradas por Edemar. Não conhece a Rutherford Trading e nunca tinha ouvido falar de Bank of Europe, Principal, Bokara Corporation, Wailea Corporation, Dome Securities, Winterbothan, Suport Financial, Unipart, Alsace Lorraine, Trumanx, Eurotrust. Porém, conhece a empresa Valence de nome, porque assinou alguns papeis a pedido de Edemar. Já ouviu falar da empresa PROCID. Nada sabia sobre o recebimento dos 437 milhões pela Maremar e nem sobre os valores doados a Edemar, tampouco sobre os 166 milhões transferidos à Brasilconnects. Acreditava que o sucesso financeiro de seu marido era fruto dos lucros do Banco Santos S.A. e não de atividades ilícitas. A propósito da "grandiosidade da casa" em que viviam, era o desejo de Edemar adquirir obras de arte e enfeitar a moradia com elas, insistindo em que a administração da casa e a aquisição e transferência das obras de arte eram realizadas só por Edemar. Declarou não conhecer Hubert Secretan e Álvaro Zuchelli, mas conhecer Renello Parrini porque sempre esteve presente nas inaugurações de exposições de Edemar. Conhece Mario Arcângelo Martineli como uma pessoa de importância no Banco Santos S.A., e sabia que Ruy Ramazini trabalhava administrando algumas empresas, cuidando das despesas da casa. Afirmou que Edna morava com a mãe (sua sogra) que sofre do Mal de Alzheimer há aproximadamente 07 anos (fls. 962/990).
Por fim, Renello Parrini declarou que conheceu Edemar em 1995 ou 1996 - então presidente da Bienal de São Paulo - num jantar oferecido por Claudia Matarazzo que tinha por objetivo discutir o "mundo cultural". Após uma visita à Bienal, para sua surpresa, foi convidado por Edemar para ser o diretor adjunto da fundação com o objetivo de reestruturá-la, permanecendo no cargo por quatro ou cinco gestões. Por sugestão do Ministro da Cultura Francisco Weffort, em 1999 a Bienal decidiu fazer uma exposição chamada Mostra do Descobrimento em comemoração ao Descobrimento do Brasil. Para evitar problemas de gestão de contas foi criada, então, a Associação Brasil 500 Anos, na qual atuou como diretor executivo. Participou como conselheiro de várias Bienais, sendo as exposições patrocinadas por vários empresários e firmas, inclusive o Banco Santos S.A.. Participou de jantares e festas realizadas para o "mundo cultural" na casa de Edemar. No final da Mostra do Descobrimento, Edemar quis reestruturar a Associação Brasil 500 Anos e mudou seu nome para Brasil Connects, sendo então retirado do cargo de diretor executivo e tendo ingressado em seu lugar Jean Carlos Veríssimo. Em 2001 foram realizadas exposições de arte no exterior: Chile, Argentina, Estados Unidos, Inglaterra, França, Itália, Dinamarca, Rússia, Portugal, China e Japão, os dois últimos entre 2002 e 2004. Havia dois grupos de patrocinadores dessas exposições internacionais: o primeiro, de grandes empresas privadas como Telesp Celular, Visa, Unibanco, Bradesco, Banco Santos, etc.; e o segundo, por meio de recursos próprios decorrentes de mútuos, dos quais Edemar ou membros de sua família eram proprietários. Edemar dizia sempre que o "dinheiro era dele". Nos dois anos em que atuou como diretor executivo da Brasil Connects, o valor de patrocínio chegou a aproximadamente quarenta milhões de reais, dos quais trinta milhões eram provenientes de empresas privadas. O Banco Santos S.A.. deve ter contribuído com quinhentos mil ou um milhão de reais, enquanto os mútuos provenientes da Maremar chegavam a dez milhões de reais. Até a intervenção no Banco Santos, recebia cinco mil reais por mês da Brasil Connects, e, no último semestre, recebeu dez mil reais. Os valores eram depositados em sua conta pela Invest Santos, que acredita ser de propriedade de Edemar. Todos os assuntos de pagamentos com os executivos empregados da Brasil Connects eram tratados diretamente com Edemar. Em 2002, dirigiu-se a Edemar para solicitar um cargo como executivo ou membro de Conselho de Administração em alguma empresa pertencente a Edemar, pois já não era mais executivo do Brasil Connects, com o cargopoderia aumentar seus recursos pessoais. Nessa ocasião, Edemar lhe disse que montaria uma empresa de trading de origem holandesa no Brasil, assegurando-lhe que poderia tornar-se o representante dele nessa nova firma. O réu disse que nada sabia sobre trading, mas Edemar insistiu afirmando que trabalhariam com soja, e que poderia obter o conhecimento necessário diante da sua experiência e currículo. Foi representante da Rutherford Trading S/A, com poderes para assinar, durante cinco ou seis meses, recebendo por isso cinco mil reais por mês, apesar de nunca ter participado de nenhuma atividade da empresa e sequer ficando em sua sede. Os documentos eram assinados a pedido de uma funcionária que trabalhava no Banco Santos, a qual depois veio trabalhar na Rutherford Trading S/A. Ruy Ramazin, segundo a funcionária do Banco Santos, atuava de fato na Rutherford Trading S/A. Permaneceu apenas alguns meses na Rutherford Trading S/A, pois pediu para Edemar alguma "outra colocação" ao saber que Edemar possuía, com sua família, um banco no exterior, mas, diante dos acontecimento de outubro de 2001 e das novas regras vigentes no Brasil, a família não mais poderia ser relacionada a esse banco - chamado Bank of Europe. Este banco pertencia a um trust montado por pessoas de confiança, e era de propriedade da família de Edemar. Tal conversa ocorreu em 2003, tendo Edemar lhe dito que, como era italiano e residente no Brasil, poderia ser membro do conselho de administração da entidade financeira indicada pelo trust, a Beauford, com sede na Suíça. Esclareceu, ainda, que um escritório de advocacia da Suíça estaria reorganizando o trust com o objetivo de eliminar as pessoas de sua família de tais entidades no exterior. O nome desse trust era Fribourg e havia uma proposta para mudá-lo para Eurotrust, com o apoio de advogados pertencentes aos escritórios Mattos Filho e Secretan Troyanov, este último na pessoa de Hubert Secretan. Afirmou que assinou documentos pela Beauford como forma de aceitação para ser nomeado como diretor, e que isso ocorreu a pedido de Ricardo Russo, João Ricardo de Oliveira Ribeiro, advogado do escritório Mattos Filho, e Hubert Secretan. Em 10/2003 esteve, juntamente com Ricardo Russo e João Ricardo, pela primeira e única vez em Antígua, onde conheceu Hubert - que se apresentou como advogado de um grupo de advogados suíços encarregado de reestruturar o trust em sintonia com o advogado João Ricardo. Hubert esclareceu ainda que trust é uma entidade cujo dever é cumprir uma série de instruções determinadas por pessoas (settlor) para um determinado fim. Segundo Edemar, sua esposa Marcia vertera dinheiro na Fribourg, posteriormente substituída pela Eurotrust. Em certas oportunidade Ricardo Russo lhe pediu que assinasse alguns documentos antes de se dirigirem a Antígua: um para figurar na Beauford suíça como diretor e outro na Simington, também como diretor (esta ficava entre o trust e a Beauford). Hubert revelou-se o estruturador internacional do novo trust, tendo ciência do objetivo, que era não aparecer qualquer vinculação de familiares de Edemar com o antigo trust (Fribourg) e com o Banco Santos. Esclareceu que o Bank of Europe estava abaixo do trust. Respondendo às perguntas da acusação, ressaltou que os valores recebidos pela Associação Brasil 500 Anos/ Brasil Connects foram bem maiores do que os mencionados nessa ocasião. Deduziu que Maremar pertenceria à família de Edemar porque Marcia assinava os documentos correspondentes. Pessoalmente e por várias vezes falou com Edemar alertando-o que os valores do patrocínio não eram suficientes para os projetos de exposição. Nestas ocasiões, Edemar mandava recursos da Maremar por meio de mútuos. A conversa se dava na Associação Brasil 500 Anos e ouvia Edemar dar ordens a pessoas do Banco Santos S.A. nesse sentido. Trabalhou na Rutherford entre o final de 2001 e começo de 2002 ou entre o final de 2002 e começo de 2003. Essa empresa foi constituída com o interrogando e Ruy Ramazini, e possuía sede física na Rua Amauri, no Itaim. O interrogando não sabe dizer se era esse o endereço que constava no estatuto social, mas afirma jamais ter trabalhado nesse endereço. No período em que figurou na Rutherford, assinava documentos que entregues por portador proveniente do Banco Santos S.A.. Os documentos versavam sobre a constituição e as entradas de recursos. Não chegou a conversar com Edemar sobre o seu afastamento da Rutherford, o que se deu por meio de uma funcionária do Banco Santos sob a alegação de que não possuía experiência em trading. As despesas de passagens aéreas e hotel eram pagas pela Support, cujo responsável era Ricardo Russo.
Por fim, negou a acusação de contribuir para a lavagem de valores decorrentes de ilícitos perpetrados por terceiros na direção do Banco Santos S.A..
A par de tudo isso, conforme apurado pelo Banco Central do Brasil (fls. 34/39), a empresa Maremar celebrou 148 contratos de câmbio, sendo os dois primeiros com o Banco Fibra S/A e os 146 restantes com o próprio Banco Santos S.A.. O objetivo destes contratos era receber os valores oriundos da sócia estrangeira Valence Entreprises Inc. e, posteriormente, da Principle Enterprises Inc., de 1995 a 2004. O ingresso total de divisas no período - a título de "capitais estrangeiros a longo prazo/participação em empresas no País" - foi de US$ 283.712.116,87, equivalentes a R$ 692.994.120,18. A maior parte desses recursos chegou ao Brasil através do Bank of Europe - BoE.
Embora conste dos documentos apresentados pela Maremar que os valores ingressados a título de investimento externo foram integralizados na sociedade, tão logo contabilizados como aumento de capital a maior parte dos recursos foi transferida para terceiros vinculados ao controlador do Banco Santos (Edemar) conforme veremos abaixo:
a) cerca de R$ 437 milhões destinaram-se a Marcia de Maria Costa Cid Ferreira, através de contratos de mútuo firmados, no período de 1997 a 2004. Não se tem notícia da liquidação dos contratos.
a.1) desses R$ 437 milhões recebidos por Marcia, R$ 293 milhões foram doados a Edemar Cid Ferreira. Observa-se que, em várias ocasiões de liquidação das operações de câmbio, a celebração do contrato de mútuo entre a empresa Maremar e Márcia e a doação de Márcia para seu marido Edemar ocorreram no mesmo dia.
a.2) dos R$ 293 milhões recebidos por Edemar, R$ 225 milhões não têm destino conhecido. O restante (R$ 68 milhões) foi aportado a título a título de aumento de capital, na Procid Participações e Negócios S/A (PROCID) - holding do Banco Santos S.A..
a.3) dos R$ 68 milhões aportados na Procid, R$ 51 milhões foram entregues ao Banco Santos S.A. a título de pagamento de cotas da empresa E-Financial, compradas pela PROCID. Em 20/06/2001 o BANCO SANTOS S/A adquiriu da Invest Santos cotas da E-Financial por R$ 988 mil, para pagamento em 10/07/2001. Na mesma data, o BANCO SANTOS S/A revendeu as cotas recém-adquiridas para a PROCID por R$ 51 milhões, pagáveis em 10 parcelas mensais. A PROCID efetuou o pagamento das cotas na primeira quinzena de agosto, a partir de valores disponibilizados por Edemar, a título de aporte de capital. Edemar, por sua vez, detinha recursos daquela monta a partir de doações efetuadas pela ré Marcia. A origem dos recursos estava atrelada às liquidações dos contratos de câmbio celebrados entre a Maremar e o Banco Santos S.A., a título de investimentos diretos realizados pelas firmas Valence e Principle no período de 06 a 15/08/2001. Com esse estratagema, o BANCO SANTOS S/A apresentou resultado positivo no balanço de 06/2001.
b) entre 1999 e 2004, aproximadamente R$ 166 milhões foram transferidos para a Brasil Connects Cultura, presidida por Edemar Cid Ferreira, a título de empréstimo. Desse valor, foi possível estabelecer correspondência direta de R$ 143 milhões com os contratos de câmbio celebrados entre a Maremar e seus sócios sediados em "paraísos fiscais". Segundo documentos apresentados pela Maremar, praticamente a totalidade dos mútuos celebrados em favor da Brasil Connects foi concedida por meio de emissão de cheques a débito da conta corrente da Maremar junto ao Banco Bradesco S/A (agência 3459 - conta 716.999). Por sua vez, o Bradesco S/A informou que a referida conta acolheu, no período de 06/2003 a 04/2004, créditos no total de R$ 29.239.778,33 e débitos no total de R$ 29.240.811,83. Avaliação efetuada pelo banco apontou, por seleção demonstrativa, que 92% do montante creditado na conta da Maremar foi lastreado por TEDs de mesma titularidade emitidas pelo Banco Santos S.A., sendo que, do lado dos débitos, 86% foi representado por emissões de cheques a favor de Brasil Connects. Portanto, a conta 716.999 da Maremar mantida no Bradesco S/A serviu principalmente para a passagem de recursos próprios do Banco Santos S.A ("TEDs de mesma titularidade") para a Brasil Connects.
c) entre março e julho de 2004, R$ 29,4 milhões foram emprestados à PROCID Invest Participações e Negócios S/A (que não deve ser confundida com a holding do Banco Santos - PROCID), a juros de 0,5% ao mês. Tal valor foi enviado para o Brasil por Valence/Principle. Observa-se que a PROCID INVEST e a PROCID (holding) possuíam o mesmo endereço do Banco Santos S.A.: Rua Hungria nº 1.100, 8º andar, Jardim Paulistano, São Paulo/SP. A PROCID INVEST era representada pela mãe de Edemar e a holding PROCID era representada por Ricardo Ferreira de Souza e Silva, sobrinho de Edemar.
d) desde 1995 a Maremar celebrou diversos contratos de pagamentos com subrogação e aquisição de créditos com o Banco Santos S.A., pactuando-se que o Banco não responderia perante a Maremar pela solvência das obrigações. Dessa forma, Maremar quitou integral ou parcialmente créditos não liquidados pelos clientes da instituição e considerados de difícil execução. No balanço da Maremar de 31/12/1999, os ativos constituídos por aquisições de créditos e pagamentos em subrogação atingiram R$ 38 milhões. Um ano depois, esse valor foi reduzido para R$ 2,7 milhões, sem, contudo, haver comprovação segura da efetiva liquidação das dívidas. Em contrapartida, os valores recebidos pela Maremar foram canalizados para a Associação Brasil 500 Anos a título de concessão de mútuos, cujo montante elevou-se de R$ 5.300.000,00 em 1999 para R$ 58.015.903,45 em 2000.
e) R$ 31 milhões foram objeto de outras aplicações financeiras, entre as quais se destacam aquelas em favor da corré Marcia no montante de R$ 3,6 milhões, além de R$ 3 milhões destinados a Edemar e R$ 1 milhão à Brasil Connects.
f) em 11/1998 e 03/2000 o valor equivalente a R$ 35.976.747,95 foi remetido a título de retorno de capital aos investidores estrangeiros Valence/ Principle. Segundo análise técnica do Banco Central, englobando as operações de remessas financeiras para a Valence/Principle ocorridas de 11/1998 a 10/1999 equivalentes a R$ 21.976.747,95, constatou-se que a liquidação dos respectivos contratos de câmbio foi efetuada com lastro em recursos depositados ou endossados pela corré Márcia, que agia também com Edemar.
De outro lado, consta que a empresa Atalanta contratou a empresa Neotec Comércio e Serviços de Engenharia Ltda. para administrar os custos da construção e decoração da mansão de Edemar Cid Ferreira, localizada na Rua Gália, nº 120, nesta Capital.
Apurou-se que os primeiros estudos do projeto da mansão foram realizados pelo arquiteto Ruy Ohtake e ocorreram no início de 2000, tendo a empresa Método iniciado as atividades de construção em 08/2001. A obra foi entregue em 06/2004.
Coincidentemente, entre a data da constituição da empresa em 2001 até a alteração de sua razão social em 2004, a empresa recebeu cerca de US$ 52 milhões. E quando a obra terminou, e Edemar e a corré Marcia nela se instalaram, a empresa Neotec Comércio e Serviços de Engenharia Ltda. foi deixada em segundo plano, não tendo mais recebido a atenção de seu sócio estrangeiro, a Principle Enterprises Inc. Constata-se, ainda que, sem considerar o valor dos terrenos, o custo dessa obra, avaliado em 07/2004, entre projetos, construção, mobiliário e equipamentos foi avaliado em aproximadamente R$ 143 milhões, dos quais, US$ 1,6 milhões foram gastos em vidros do fornecedor Glaverbel, cujo proprietário - Erwin Galtier - pediu a liquidação do Bank of Europe junto às autoridade de Antígua justamente porque Edemar não lhe teria pago o valor combinado. Além disso, consta que 378 mil Euros foram gastos em madeiras importadas da empresa Ideal Legno, tendo esta empresa recebido lançamentos nos dias 15/04/2003 e 16/07/2003 nos valores de US$ 105.287,66 e US$ 15.870,84, respectivamente, por conta da empresa Alsace Lorraine junto ao Bank of Europe. Entre maio e outubro de 2003, a Marmoles Novelda S/A recebeu US$ 132.928,36 relativos a aquisição de mármores travertinos; Peter Marino - arquiteto - recebeu quase R$ 9 milhões; e Ingo Maures recebeu R$ 2,6 milhões para montar um lustre sobre a mesa de jantar da mansão.
Ademais, as empresas Valence Enterprises e Blueshell, ambas sócias da Atalanta, também foram beneficiadas com transferências da conta do Bank of Europe.
Ors Imre Ferenc Szolnoky - sócio proprietário da Neotec Consultoria de Construção - confirmou que foi contratado pela empresa Atalanta através do Banco Santos S.A. para controlar os gastos da obra, supervisionando os gastos feitos pela construtora Método. Esclareceu que seu contato era feito sempre com Edemar, apesar de ser Marcia a responsável pela empresa Atalanta. Anexo ao seu depoimento consta o relatório final de controle de custos da obra detalhando os custos acima especificados (fls. 209/262).
O Bank of Europe - BoE, por sua vez, constituído por meio de uma engenhosa estrutura desenhada para dificultar a identificaçãode seu real proprietário, o Banco Santos S/A, com a ajuda de Ruy, Renello e Hubert Secretan, como já mencionado, executava em nível internacional as operações que no Brasil foram celebradas com interveniência das empresas "de fachada" concebidas para tal fim.
As empresas Unipart Investor Internacional (situada nas Bahamas), substituída pela Alsace Lorraine (situada nas Ilhas Virgens Britânicas), eram ambas correntistas do BoE. As respectivas contas eram assinadas, a primeira, por Edemar e Mário Arcangelo Martinelli (fls. 1984/1988, 1993/2025 e 2027/2030), e a segunda, por Edemar, Ricardo (filho de Edemar), Mário A. Martinelli, Álvaro Zuecheli Cabrasil e Marcelo Bernardini (fls. 1956/1961 e 1967/1968). Ambas as empresas funcionavam como emissoras de papéis a serem negociados com o Banco Santos S.A..
A empresa off shore Wailea, sócia majoritária da Cid Ferreira Collection foi favorecida com US$ 260 mil. O escritório de advocacia responsável pela constituição da Wailea, sediado nas Ilhas Britânicas e denominado Icaz, Gonzalez, Ruiz e Aleman Corp. Services Ltd - IGRACS, recebeu crédito do Bank of Europe.
A Associação Brasil 500 Anos também foi favorecida com transferência de recursos, assim como sua sucessora Brasil Connects, também dirigida por Edemar Cid Ferreira.
Vale colacionar o que foi dito pela Procuradoria Regional da República nos autos de nº 2006.61.81.004274-8 (embargos de terceiros): as empresas Atalanta, Hyles, Cid Collection e BrasilConnects sustentaram que Márcia era sócia controladora da Principle Enterprises , e que essas firmas eram as possuidoras diretas dos bens cujo sequestro foi levado a efeito nos autos de nº 2005.61.81.900396-6 (busca e apreensão). A exceção foi o imóvel da rua Gália, nº 120, em relação ao qual Atalanta e Hyles tinham a posse indireta, pois a posse direta estava em mãos de sua sócia controladora Marcia.
Pelo teor dos depoimentos acima, da comprovação de representação das empresas, da grandiosidade dos valores movimentados e do vulto dos documentos assinados, não há como negar que os réus, voluntária e conscientemente se tornaram sócios, procuradores e/ou beneficiários das múltiplas empresas ligadas, direta ou indiretamente, às atividades financeiras ilícitas do Banco Santos S.A..
Os acusados, embora tentassem se eximir de suas responsabilidades, não puderam evitar a revelação nítida de que, através das empresas que representavam ou dirigiam, permitiram o reingresso no país de valores sem vinculação com sua origem clandestina, em prol do BANCO SANTOS S/A e, em última análise, de Edemar Cid Ferreira e seus familiares.
O cenário que emerge de provas colhidas nos autos revela com clareza que as transações bancárias travadas a título de investimentos em empresas brasileiras, na verdade, representavam entradas de valores clandestinos que estavam no exterior, já que tudo girava em torno de um mesmo "eixo", cujo centro eram o BANCO SANTOS S/A e seu mandante maior.
Nesse panorama divisam-se outros fatos relevantes para a exata compreensão do comportamento atribuído aos acusados. São eles:
a) a fls. 1815/1831 o Banco Central informou os dados das operações de câmbio registradas no SISBACEN exclusivamente relativas a ingressos de divisas no Brasil no período de 01/05/1996 a 24/05/2006, a título de investimentos estrangeiros e empréstimos, tendo como beneficiárias as empresas Maremar, Atlanta, Cid Collection, Rutherford, Alpha e Brasilconnects, nos valores, respectivos de USD 281.952.116,87; USD 51.748.000,00; USD 2.560.000,00; USD 6.110.000,00; USD 27.570.000,00; USD 1.014.500,00.
b) de acordo com os contratos sociais registrados na Junta Comercial do Estado de São Paulo, as empresas Maremar, Atlanta, Hyels e Cid Collection aumentaram seus capitais sociais, desde as suas constituições e até o ano de 2004, em 35.600%, 6.200%, 0% e 74.000%, respectivamente.
Resumidamente, então, desvela-se o seguinte quadro de envolvimento dos acusados:
1) a empresa Maremar tinha como sócia minoritária Marcia e majoritária a empresa Valence, a qual era representada também por MARCIA, situação mantida quando da substituição da Valence Principle. Veja-se, pois, o caráter dúplice da atuação de MÁRCIA no âmbito da Valence. Tal empresa recebeu aporte das off shores e com isso teve um aumento de seu capital social da ordem de 35.600%.
2) A empresa Atalanta tinha como sócias minoritárias MARCIA e EDNA, e como majoritárias Principle e Bluesheel, a primeira representada por EDNA e a segunda por MARCIA, tendo recebido das off shores o valor de US$ 51.748.000,00, o que representou um aumento de capital na ordem de 6.200%. A empresa Hyles tinha como sócia majoritária a empresa Wailea que era representada por EDNA, sendo MARCIA e Rodrigo (filho de Edemar) os gerentes delegados.
3) A sociedade Cid Collection tinha como acionista majoritária a empresa Wailea, que era representada por Rodrigo e era presidida por MARCIA, e recebeu da off shore o valor de US$ 2.560.000,00, para um aumento do capital na ordem de 74.000%.
4) Por fim, a Rutherford, cujos sócios eram RENELLO e RUY, recebeu das off shores o valor de US$ 6.110.000,00 como ingresso de divisas, o que, somado aos demais recebimentos internos, atingiu US$ 170.439.812,89.
O entrosamento que vinculava essas entidades financeiras e seus dirigentes/representantes torna claro o objetivo comum: o reingresso de dinheiro "lavado", o que resta sem qualquer dúvida quando se verifica que muitas dessas empresas tinham o mesmo endereço ou caixa postal. Após se observar diversas alterações de endereços, chega-se à seguinte conclusão: (I) as empresas Maremar, Hyles, Atalanta apresentavam como endereço a Rua Dr. Guilherme Bannitz, nº 126, 2º andar, conjuntos 26, 38 e 50, respectivamente; (II) a Cid Ferreira Collection, que inicialmente tinha como endereço a Rua Hungria nº 110, então de propriedade do BANCO SANTOS S/A, alterou seu endereço para a Rua Mergenthaler, nº 900, onde se situava o depósito das obras de arte de Edemar.
Com relação às empresas off shore, temos o seguinte quadro: a Blueshell Inc., Bokara Corporation e Wailea Corporation apresentavam como endereços a Vanterpool Plaza, Wickhams Cay, Road Town, Tortola, Ilhas Virgens Britânicas. A Blueshell tinha como endereço a caixa postal PO Box 873. A Bokara e Wailea estão localizadas no 2º andar. Consta no estatuto da Wailea que a caixa postal PO Box 873, localizada no endereço acima mencionado, pertence ao escritório dos advogados que a constituiram, qual seja, Icaz, Gonzáles-Ruiz & Aleman (BVI) Trust Limited.
As empresas off shore panamenhas Valence Interprises e Principle Interprises apresentam o mesmo endereço, Bank of America Building, 59, Street, cidade do Panamá.
Vale também relembrar que a construção da mansão da Rua Gália igualmente se inseriu no processo de lavagem de dinheiro.
Insta salientar que, para a configuração do crime de lavagem de dinheiro, basta que o autor do crime saiba ou suponha saber que a fonte originária dos ativos e/ou bens dos bens é uma infração penal (artigo 1º, caput, e seu parágrafo 2º, inciso I, da Lei 9613/98); não se exige que o agente conheça exatamente a descrição da modalidade típica de onde advieram os ativos que são branqueados.
O cenário que se descortina do acervo probatório mostra que todos tinham conhecimento de que os elevados valores movimentados eram provenientes de ilícito.
Convém recordar nesse ponto que o art. 1° da Lei nº 9.613/98 prescinde de dolo específico, contentando-se com o dolo genérico (NUCCI, Leis penais e processuais penais comentadas, p. 828, RT) e esse elemento subjetivo é visível nas situações e condutas dos corréus. Deveras, o profundo envolvimento deles com figuras que notoriamente tem a ver com a lavagem de ativos desvela o dolo que os animou.
A propósito, ressalto que a ré MARCIA era a sócia fictícia mais frequente. Figurava como sócia das empresas Maremar, Atalanta, Cid Ferreira Collection, além de ser presidente e posteriormente gerente da empresa Hyles, e representante das off shores Valence, Principle e Blueshell.
Como representante da Valence, depositou um milhão de dólares na empresa DOME, que se apresentou inicialmente como dona do Bank of Europe, o qual posteriormente passou a ser controlado pela Fribourg Trust (cujo settlor era a própria Márcia) - sucedido pelo Eurotrust.
Apesar de tentar aparentar cândida inocência ao se apresentar como uma "senhora do lar", Márcia é mulher instruída, formada em engenharia, criada às voltas com o mundo político. Beiram o absurdo suas juras de "ingenuidade e completa ignorância" quanto ao teor, à origem e à consequência dos documentos que assinava, ou quando transacionava diuturnamente milhões de reais representando diversas empresas, muitas delas sediadas em "paraísos fiscais"; além disso, Márcia beneficiava-se diretamente do excessivo luxo proporcionado pelo dinheiro ilicitamente movimentado em favor do Banco Santos S.A. e de seu marido.
Nem de longe a condenação dos corréus deriva do singelo fato de seus nomes estarem em contratos sociais de empresas.
A prova dos autos escancara de modo contundente que o reingresso do dinheiro espúrio supostamente movimentado por Edemar e seus associados somente foi possível graças à eficaz e pronta colaboração de MARCIA, RUY e RENELLO.
RUY RAMAZINI figurava como sócio, procurador e/ou administrador de diversas empresas do Grupo, entre elas a empresa Maremar Empreendimentos e Participações Ltda., Atalanta Participações e Propriedades Ltda., Rutherford Trading S.A., Hyles Participações e Empreendimentos Ltda. e Alpha Negócios e Participações Ltda./Alpahtec Investing Corp.
A testemunha arrolada por esse réu, Maria Fumi Sato (fls. 2495/2533), confirmou que RUY sempre esteve às voltas com assinatura de papéis, documentos bancários, contratos sociais, etc., referentes às empresas Maremar, Atalanta, Hyles e Alpha. Nesse mesmo sentido, a testemunha José Marcos Rodrigues (fls. 2708/2710) afirmou ser o ajudante de RUY na empresa Maremar e esclareceu que RUY sempre era solicitado a apor suas assinaturas em documentos bancários.
Da mesma forma que MARCIA, RUY está muito distante de ser um sujeito simplório e iludido, envolvido em esquemas urdidos por espertalhões; pelo contrário, RUY é pessoa instruída, foi gerente financeiro de banco por 18 anos e era contador, não sendo crível aceitar que se envolveu com Edemar e o BANCO SANTOS S/A por simples troca de gentilezas.
RUY declarou expressamente que a empresa Maremar recebia créditos sob a rubrica de mútuos (contrato de câmbios) e que tais recursos eram destinados a despesas da casa, tais como consertos de veículos, seguro, IPVA, telefone, etc. O réu não soube explicar, porém, o recebimento de R$ 29,4 milhões por conta da Valence /Principle e que foram emprestados à PROCID.
Ademais, o vínculo de RUY com o BANCO SANTOS S.A. é claro quando se constata - pelas próprias palavras desse réu - que foi convidado para ser sócio das empresas; e foi feliz na colaboração criminosa que emprestou para lavar ativos, conforme bem se observa da evolução de seu patrimônio tal como deriva das Declarações de Ajuste Anual dos anos de 2001 a 2005 (anos-calendários 2000 a 2004): o patrimônio de R$ 342.604,73 em 1999 saltou para R$ 1.295.908,42 em 2004, valores obviamente em discordância com os rendimentos anuais que declarou receber nesse período (R$ 170.540,72 em 2001, R$ 155.440,85 em 2002, R$ 188.860,35 em 2003 e R$ 188.258,65 em 2004) - fls. 2757/2775. Ora, a origem dessa multiplicação patrimonial tem assento no tipo penal do art. 1° da Lei nº 9.613/98.
Finalmente, RENELLO, além de ser um dos beneficiários diretos da Euro Trust foi o presidente da Simington Investiments Inc. e acionista majoritário da Beauford Holding, com o intuito de dissimular a ligação dessas empresas com o BANCO SANTOS S/A.
A alegação de sua boa fé e ingenuidade fica totalmente desmentida quando ele mesmo afirma que nem sabia onde era a empresa que representava, e que sequer tinha conhecimento sobre a atividade desenvolvida por outra empresa em que era sócio, apenas recebendo remuneração mensal para figurar como sócio delas.
Ora, a ninguém convenceria a tese de que uma pessoa detentora de de boa-fé aceitaria figurar como controlador de um Banco sediado num "paraíso fiscal", que ela sabe pertencer a outro Banco mas que não quer ser descoberto; pior, mesmo diante de tanta obscuridade, ainda assinava documentos sem saber do que se tratava.
A alegação da defesa no sentido de que RENELLO não participava do "núcleo de poder" do Grupo Santos não o aproveita, pois nestes autos o réu não foi acusado nem condenado pelos crimes da Lei n° 7.492/86, mas sim, por lavagem do dinheiro obtido por meio do crime da gestão fraudulenta da instituição financeira.
Enfim, o crime imputado a MARCIA, RUI e RENELLO é fartamente comprovado nos autos, emergindo com vigor dos resultados da intensa apuração técnica realizada pelo Banco Central, que se reveste de presunção relativa de veracidade, a qual não foi sequer arranhada pela defesa dos réus.
Invoco, enfim e subsidiariamente, a fundamentação da r. sentença, que esmiuçou com rigor o acervo probatório.
Como o Juízo originário, entendo que a prova dos autos prestigia robustamente a tese do Ministério Público Federal posta na denúncia.
DOSIMETRIA
Todos os réus protestam pela redução da pena base, por ausência de fundamentação, e exclusão da causa de aumento de pena prevista no §4º do artigo 1º da Lei n° 9.613/98, diante da não demonstração da habitualidade criminosa. RENELLO, ainda, pede a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito.
Ressalto, porém, que as penas foram estipuladas para todos os réus de forma satisfatoriamente fundamentada e individualizada dentro do que era possível e necessário.
Destaco que os réus têm a seu desfavor, com intensidade, o discurso do art. 59 do Código Penal: a culpabilidade do trio é intensa, diante dos fatos que exaustivamente já foram reportados; ademais, suas condutas inserem-se em circunstâncias criminosas complexas do mundo financeiro, estendendo-se para além das fronteiras do Brasil, tendo eles colaborado eficazmente no sucesso de crimes antecedentes que geraram prejuízos bilionários e rumoroso descrédito para o sistema financeiro nacional.
Assim, não há como reduzir as penas dos réus ao mínimo legal.
Deveras, a reprimenda do artigo 1º, da Lei n° 9.613/98 varia de 03 a 10 anos, e foi aumentada em apenas 1/3, sendo razoável, e até módica diante do cenário criminoso em que vicejaram as condutas criminosas aqui tratadas.
Ademais, o aumento de pena previsto no § 4º do art. 1° da Lei nº 9.613/98 tem inteira pertinência na espécie, pois a habitualidade das condutas é manifesta, conforme se viu na narrativa já feita neste voto.
Ora, os corréus se animaram a lavar ativos durante anos, através de várias entidades financeiras e de muitas maneiras, sem quaisquer freios morais.
Na verdade os corréus fizeram do crime a sua profissão, dedicaram-se com vigor anos a fio à perseveratio in crimine.
Não há como deixar de aplicar a causa de aumento de pena.
A pena de multa também deve ser mantida, seja à míngua de protesto específico dos réus contra ela, seja diante da grandiosidade dos crimes e do status econômico dos acusados (fls. 2757/2775, 3010/3038 e 3040/3061).
O regime inicial de cumprimento da pena será o semi-aberto, diante da apenação imposta, mantida a sentença também nesse aspecto. Não há viabilidade na conversão das penas em penas restritivas de direitos, à luz do art. 40, incisos I e III do Código Penal.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, rejeito todas as preliminares arguidas e nego provimento a todos os recursos interpostos, devendo a r.sentença ser mantida integralmente.
Após trânsito em julgado, expeçam-se mandados de prisão para os condenados deste processo.
É o voto.
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