Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 26/11/2012
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005514-83.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.005514-7/SP
RELATOR : Juiz Convocado PAULO DOMINGUES
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : RUY RAMAZINI
ADVOGADO : RENATA HOROVITZ KALIM
APELANTE : MARCIA DE MARIA COSTA CID FERREIRA
ADVOGADO : ARNALDO MALHEIROS FILHO
APELANTE : RENELLO PARRINI
ADVOGADO : NEWTON DE SOUZA PAVAN
APELADO : EDNA FERREIRA DE SOUZA E SILVA
ADVOGADO : ARNALDO MALHEIROS FILHO
APELADO : OS MESMOS
CO-REU : HUBER EDOUARD SECRETAN

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 1º, INCISO VI, C/C §4º, DA LEI 9.613/98. DENÚNCIA APTA. SEPARAÇÃO DE PROCESSOS GARANTIDA PELO ARTIGO 80, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CERCEAMENTO DE DEFESA PELO INDEFERIMENTO DE OITIVA DE TESTEMUNHA REFERIDA NÃO CONFIGURADA. PROVAS ILÍCITAS INEXISTENTES. DECRETO Nº 3.810/2001. COMPARTILHAMENTO DE PROVAS ENTRE OS PROCESSOS. NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO QUANDO DO AUMENTO DA PENA NÃO COMPROVADA. AUTORIA DEMONSTRADA. DOLO COMPROVADO. DOSIMETRIA ADEQUADA. RECURSOS IMPROVIDOS. MANDADO DE PRISÃO A SER EXPEDIDO APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO.
1 - Réus condenados porque, consciente e voluntariamente, a título oneroso ou gratuito, cederam seus nomes e dados pessoais para ingressarem como sócios, procuradores ou beneficiários de empresas nacionais e estrangeiras e trusts sediadas em paraísos fiscais, visando ocultar a propriedade de bens e a origem de valores provenientes da gestão fraudulenta do Banco Santos S/A.
2 - A presente ação tramitou separadamente do feito principal (2004.61.81.008954-9) em função da fase adiantada desse processo, por serem outros os denunciados, e os fatos narrados, embora conexos, diversos. Ao final, no entanto, a sentença foi única para ambos os processos.
3. Não há que se falar em denúncia genérica, tampouco em ausência do preenchimento dos requisitos legais. Nos crimes praticados em concurso de pessoas nem sempre é possível realizar, de plano, perfeita individualização das condutas de cada denunciado. Sendo esse o caso, desde que a acusação descreva o delito e demonstre o vínculo de cada denunciado com o fato propriamente dito, apontando os elementos que se baseiam a atribuição desse liame, a pormenorizada individualização pode ser postergada para a instrução processual. No presente caso, essa individualização mínima restou satisfatoriamente demonstrada.
4. O processo e julgamento do crime de lavagem de dinheiro é regido pelo princípio da autonomia, não se exigindo, para que a denúncia que imputa ao réu tal delito seja considerada apta, prova concreta da ocorrência de uma das infrações penais exaustivamente previstas nos incisos I a VIII do art. 1º do referido diploma legal (na redação anterior à Lei 12.683/2012), bastando a existência de elementos indiciários de que o capital lavado tenha origem em algumas das condutas ali previstas.
5 - No momento do recebimento da denúncia, é necessário um início de prova que indique a probabilidade de que os bens, direitos ou valores ocultados, dissimulados ou integrados sejam provenientes, direta ou indiretamente, de um dos crimes antecedentes, não havendo necessidade de uma certeza absoluta quanto à existência do crime antecedente. Nesse sentido, a vultosa quantia em dinheiro movimentada pelos denunciados evidenciada pelo cenário dos fatos (empresas de grande porte e empresas off shore localizadas em paraísos fiscais, intensa movimentação de valores envolvendo empresas de fachada, constantes alterações cadastrais de empresas cujo quadro societário era também "de fachada", luxo extravagante na construção de uma residência etc.) e a imperiosa necessidade de se proteger o verdadeiro proprietário dos bens e sócio das empresas e bancos são indicativos de que os valores em questão eram de origem ilícita.
6 - Uma vez bem descrita uma denúncia que em tese se amolda a um tipo penal, presente está a remissão - ainda que implícita - ao dolo.
7 - Não há vício na decisão que recebeu a denúncia dando origem a uma nova ação penal, ao invés de ser aditada a denúncia na ação principal. O recebimento da denúncia e a prevenção do Juízo a quo foram devidamente fundamentados.
8 - A oitiva de testemunha referida é faculdade do julgador e só deve ser deferida se necessária e conveniente à apuração dos fatos, a fim de não conturbar a instrução do feito gerando uma complexidade inútil, não implicando o indeferimento em cerceamento de defesa.
9 - O decreto nº 3.810/2001 promulga o Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre o Governo Brasileiro e o Governo dos Estados Unidos da América, e no item referente às restrições de uso há expressa exceção à limitação das informações prestadas quando houver obrigação constitucional nesse sentido no âmbito de uma ação penal, o que vem amparado no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.
10 - Não há ilegalidade nas provas consistentes de os e-mails trocados entre o réu e seus advogados, uma vez que tais e-mails foram coletados quando do cumprimento do mandado judicial de busca e apreensão, momento este em que nem mesmo havia ação penal em curso.
11 - Sobre a alegada ausência de demonstração nas audiências de documentos que não se encontravam juntados aos autos, mas que foram utilizados pelo Juízo na oitiva de testemunha, não há como discordar de que desde o recebimento da denúncia todas as partes estavam cientes da conexão deste feito com o de nº 2004.61.81.008954-9, onde estariam os documentos, e que o oferecimento da denúncia em separado se deu, precipuamente, pela fase adiantada do processo principal. Assim, não haveria óbice entre os envolvidos na obtenção de vistas dos processos e portanto de acesso a todas as provas que julgassem necessárias em ambos.
12. Não se verifica nulidade da sentença por ausência de fundamentação quando do aumento da pena base e causa de aumento de pena. A pena aplicada aos réus foi suficientemente fundamentada.
13 - Com relação ao mérito recursal, apurou-se que a gestão fraudulenta da instituição financeira Banco Santos S/A verificada nos autos de nº 2004.61.81.008954-9 teria rendido ensejo à criação de uma gama de empresas (nacionais e estrangeiras) com vistas à contribuição da lavagem dos valores desviados daquela instituição, das quais os denunciados deste processo figuravam ora como sócios, ora como procuradores, ora como administradores.
14- O Ministério Público Federal protesta pela condenação da corré - absolvida do crime de lavagem de dinheiro - às penas do artigo 299, do Código Penal. O recurso ministerial deve ser improvido, uma vez que esta ré foi denunciada pelo crime de lavagem de dinheiro por ter composto o quadro societário de empresas do Grupo Santos que serviram de base para a ocultação de valores espúrios movimentados a mando de seu real proprietário, e deste crime se defendeu, não sendo possível agora, após a sentença, alterar a definição jurídica de sua conduta para o crime de falsidade ideológica, sob pena de flagrante ofensa ao princípio da correlação entre acusação e sentença.
15 - Todos os réus protestam por suas absolvições diante da ausência de comprovação de que tivessem consciência das atividades supostamente ilícitas praticadas pelas empresas do Grupo Santos e dos valores movimentados, e pela impossibilidade da responsabilização penal objetiva, isto é, baseada simplesmente porque figuraram como sócios ou procuradores de pessoas jurídicas.
16 - Réus que compunham o quadro societário das empresas citadas na denúncia, e que viabilizaram, por meio das empresas que representavam, o reingresso no país de valores sem vinculação com sua origem clandestina, em prol da própria instituição financeira, ou, em última análise, dos dirigentes do Banco Santos e seus familiares, servindo para a manutenção do fluxo financeiro do Banco Santos e de suas empresas não financeiras que compunham seu organograma, para o pagamentos de Bônus a Diretores e funcionários, e investimentos em imóveis particulares e obras de arte.
17- Transações bancárias travadas a título de investimentos em empresas brasileiras que, na verdade, representavam entradas de valores clandestinos que estavam no exterior das próprias empresas.
18 - O vínculo entre as empresas e o fato de serem empresas destinadas a receberem o reingresso de dinheiro lavado (fase da integração da lavagem de dinheiro) vêm ainda estampados quando se verifica que muitas tinham como endereço caixa postal e outras praticamente o mesmo endereço.
19 - Para a configuração do crime de lavagem de dinheiro basta que o autor do crime saiba ou suponha saber que a fonte dos bens é uma infração penal (artigo 1º, caput, e seu parágrafo 2º, inciso I, da Lei 9613/98), não sendo necessário que se conheça exatamente a descrição da modalidade típica. É suficiente, portanto, a ciência de que se cuida de um injusto penal, e se trata de um fato ilícito-típico.
20 - Os réus, subservientes às determinações do proprietário do Banco Santos S/A e seus aliados tinham pleno conhecimento da óbvia possibilidade de que os elevados bens movimentados e as constantes transações comerciais, envolvendo complexos mecanismos internacionais, paraísos fiscais e vultosas quantias de diversas e grandes empresas, muitas delas sabidamente do grupo do Banco Santos, eram provenientes de algo ilícito, espúrio, e mesmo assim agiram de modo indiferente a esse conhecimento.
21 - Crime imputado aos ora condenados que está fartamente comprovado.
22 - Penas estipuladas para todos os réus, na sentença, de forma satisfatoriamente fundamentada e individualizada no que era necessário. Os réus participaram diretamente no complexo esquema bancário articulado pelos dirigentes do Banco Santos que levaram a um rombo de bilhões de reais, causando prejuízos gigantescos a diversos credores. Assim, não há como, diante da intensa culpabilidade e conseqüência do crime cometido, reduzir a penas dos réus ao mínimo legal.
23 - Da mesma forma o aumento de pena previsto no §4º dessa Lei é pertinente, uma vez que comprovada a habitualidade criminosa.
24 - A pena de multa também deve ser mantida, à míngua de protesto das defesas nesse sentido, além de ser adequada diante da grandiosidade do dinheiro movimentado e status econômico dos réus.
25 - Diante das penas impostas e da gravidade dos crimes cometidos, o regime inicial de cumprimento da pena corretamente foi fixado no regime semi-aberto, sendo impossível a substituição da pena privativa de liberdade pelas restritivas de direito, nos termos do artigo 44, incisos I e III, do Código Penal.
26 - Preliminares rejeitadas.
27 - Todos os recursos improvidos.
28 - Expeça-se mandado de prisão para os condenados deste processo após o trânsito em julgado.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar todas as preliminares arguidas e negar provimento a todos os recursos interpostos, devendo a r. sentença ser mantida integralmente, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Após trânsito em julgado, expeça-se mandado de prisão para os condenados deste processo.


São Paulo, 13 de novembro de 2012.
PAULO DOMINGUES
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005514-83.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.005514-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : RUY RAMAZINI
ADVOGADO : RENATA HOROVITZ KALIM
APELANTE : MARCIA DE MARIA COSTA CID FERREIRA
ADVOGADO : ARNALDO MALHEIROS FILHO
APELANTE : RENELLO PARRINI
ADVOGADO : NEWTON DE SOUZA PAVAN
APELADO : EDNA FERREIRA DE SOUZA E SILVA
ADVOGADO : ARNALDO MALHEIROS FILHO
APELADO : OS MESMOS
CO-REU : HUBER EDOUARD SECRETAN

RELATÓRIO

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo,
Relator:

Trata-se de Apelações Criminais interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e por RUY RAMAZINI, MARCIA DE MARIA COSTA CID FERREIRA e RENELLO PARRINI, contra r. sentença de fls. 3703/4371, publicada em 11/12/2006 (fl. 4374), proferida nos autos da ação penal em epígrafe, destinada a apurar a prática do crime previsto no artigo 1º, inciso VI, da Lei 9.613/98.

Narra a denúncia, recebida em 12/05/2006 (fls. 871/882), que HUBERT EDOUARD SECRETAN, MÁRCIA DE MARIA COSTA CID FERREIRA, EDNA FERREIRA DE SOUZA E SILVA, RENELLO PARRINI e RUY RAMAZINI, conscientes e voluntariamente, a título oneroso ou gratuito, cederam seus nomes e dados pessoais para ingressarem como sócios, procuradores ou beneficiários em empresas nacionais e estrangeiras, e trusts sediados em paraísos fiscais, visando ocultar a propriedade de bens e a origem de valores provenientes da gestão fraudulenta do Banco Santos S/A.

O feito foi desmembrado com relação a HUBERT EDOUARD SECRETAN, o que formou os autos de nº 2006.61.81.007035-5, em virtude desse denunciado residir no exterior (fl. 878).

A presente ação tramitou separadamente do feito principal (2004.61.81.008954-9) em função da fase adiantada desse processo, por serem outros os denunciados e os fatos narrados, embora conexos (fls. 25/29). Ao final, no entanto, a sentença foi única para ambos os processos (fls. 2006.61.81.005514-7 e 2004.61.81.008954-9) - fls. 3703/4371 (Volumes 14 e 15).

Exclusivamente no que diz respeito aos ora denunciados, a r. sentença absolveu EDNA FERREIRA DE SOUZA E SILVA, com fulcro no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal e condenou MÁRCIA DE MARIA COSTA CID FERREIRA, RENELLO PARRINI e RUY RAMAZINI, cada qual, as penas de 05 anos e 04 meses de reclusão em regime inicial semi aberto, e ao pagamento de 17 dias-multa, no valor unitário de 15 salários mínimos, pela prática do crime previsto no artigo1º, inciso VI, c/c §4º, da Lei 9.613/98.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer a condenação de EDNA FERREIRA DE SOUZA E SILVA pela prática do crime previsto no artigo 299 do Código Penal (fls. 4404/4405).

Nas razões de RENELLO PARRINI requer-se (fls. 4472/4518):

a) Preliminarmente - nulidade da sentença por violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa e legalidade, uma vez que sua condenação baseou-se na adoção da responsabilidade objetiva e de uma denúncia inepta, não havendo correspondência entre os fatos e a condenação ou entre o crime e a conduta do apelante.

b) No mérito - absolvição diante da fragilidade da sentença, que condenou o apelante exclusivamente porque emprestou seu nome para figurar na direção de empresas ligadas ao Banco Santos S.A, não havendo mínima comprovação de que ele sabia das atividades consideradas ilícitas supostamente praticadas pelos dirigentes do referido banco.

c) Subsidiariamente - redução da pena base, pois além de exacerbada não foi devidamente fundamentada e a inocorrência da causa de aumento de pena prevista no §4º do artigo 1º da Lei 9.613/98, além da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito.

Nas razões de MARCIA DE MARIA COSTA CID FERREIRA requer-se (fls. 4523/4586):

a) Preliminarmente - inépcia da denúncia por ser genérica; nulidade da sentença por ter se utilizado de provas ilícitas e não ter demonstrado o dolo da apelante ou os atos tidos como ilícitos por ela praticados. Nulidade da decisão que recebeu a denúncia, uma vez que esta, na verdade, deveria ser oferecida como aditamento da denúncia dos autos principal (2004.61.81.008954-9); cerceamento de defesa diante do indeferimento de inquirição da testemunha Edilson Ferreira da Silva.

b) No mérito - ausência de provas de que tivesse consciência das atividades supostamente ilícitas praticadas pelas empresas do Grupo do Banco Santos, especialmente aquelas imputadas ao seu marido.

c) Subsidiariamente - redução da pena base e exclusão da causa de aumento de pena prevista no §4º do artigo 1º da Lei 9613/98 diante da não demonstração da habitualidade criminosa.

Nas razões de RUY RAMAZINI requer-se (fls. 4646/4741):

a) Preliminarmente - inépcia da denúncia que além de genérica não descreveu a ciência por parte do apelante da origem criminosa dos valores movimentados pelas empresas que participava; nulidade do processo desde o recebimento da denúncia, uma vez que esta deveria ser um aditamento daquela recebida nos autos principais, e não constituir uma ação independente; ausência de demonstração, nas audiências de instrução, de documentos que não se encontravam juntados nestes autos, mas foram utilizados pelo Juízo na oitiva de testemunha, impedindo o exercício das garantias da ampla defesa e do contraditório; nulidade da sentença, diante da ausência de fundamentação no aumento da pena base e causa de aumento de pena.

b) No mérito - atipicidade da conduta pela ausência do conhecimento da origem ilícita dos valores e impossibilidade da responsabilização penal com base em qualidade objetiva do apelante (figurar como sócio ou procurador de pessoas jurídicas).

c) Subsidiariamente - redução da pena base para o patamar mínimo.

Contrarrazões regularmente apresentadas (fls. 4428/4448 e 4746/4754).

A PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚLICA ofertou parecer opinando pelo improvimento dos recursos da acusação e das defesas (fls. 4858/4873).

É o relatório.

À revisão.



Johonsom di Salvo
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005514-83.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.005514-7/SP
RELATOR : Juiz Convocado PAULO DOMINGUES
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : RUY RAMAZINI
ADVOGADO : RENATA HOROVITZ KALIM
APELANTE : MARCIA DE MARIA COSTA CID FERREIRA
ADVOGADO : ARNALDO MALHEIROS FILHO
APELANTE : RENELLO PARRINI
ADVOGADO : NEWTON DE SOUZA PAVAN
APELADO : EDNA FERREIRA DE SOUZA E SILVA
ADVOGADO : ARNALDO MALHEIROS FILHO
APELADO : OS MESMOS
CO-REU : HUBER EDOUARD SECRETAN

VOTO

Segundo consta da denúncia, EDNA FERREIRA DE SOUZA E SILVA e MÁRCIA DE MARIA COSTA CID FERREIRA - irmã e esposa, respectivamente, do ex-dirigente do Banco Santos S/A, Edemar Cid Ferreira -, visando ocultar a propriedade de bens e a origem de valores provenientes da gestão fraudulenta do Banco Santos S/A, integravam com um número praticamente desprezível de cotas os quadros sociais de sociedades comerciais nacionais, notadamente as empresas Maremar Empreendimentos e Participações Ltda, Atalanta Participações e Propriedades Ltda, Hyles Participações e Empreendimentos Ltda e Cid Collection Empreendimentos Artísticos Ltda, cujos sócios majoritários eram empresas off shore sediadas em paraísos fiscais e representadas no Brasil também pelos familiares de Edemar Cid Ferreira, principalmente, MARCIA.

Pelo mesmo motivo, RUY RAMAZINI e RENELLO PARRINI também figuraram como sócios da empresa Rutherford Trading S/A, constituída em 19/09/2002, por meio da qual ingressaram no País, entre 2002 e 2004, segundo informou o Banco Central, mais de R$ 170 milhões a título de investimentos estrangeiros.

RENELLO PARRINI também trabalhou na direção da BrasilConnects - sucessora da Associação Brasil 500 Anos. Consta que em 06/2004 tal empresa recebeu R$ 45 milhões de Edemar Cid Ferreira, dinheiro este recebido a título de dividendos do Banco Santos S/A, numa época em que a instituição já se encontrava em dificuldades financeiras. Esses recursos, conforme informou o ex-funcionário do Banco Santos S/A, Ricardo Russo Cândido de Souza, teriam sido utilizados para liquidar débitos não contabilizados de operações clandestinas realizadas junto ao BSI - Banca Svizzera Italiana. Também foi acionista majoritário da Beauford Holding (controladora do Banco of Europe) e beneficiário da Euro Trust (controladora da Beauford Holding).

RUY RAMAZINI, por seu turno, além de figurar como procurador das empresas Maremar e Atalanta, foi sócio da Alpha Negócios e Participações Ltda, que recebeu mais de US$ 27 milhões a título de investimentos estrangeiros entre 2001 e 2004. Consta que os diretores do Banco Santos S/A recebiam seus bônus anuais, em montantes de centenas de milhares ou mesmo milhões de reais, através dessa última empresa.

A par disso, consta dos autos de nº 2004.61.81.008954-9 que Edemar Cid Ferreira, Mario Arcângelo Martinelli, Álvaro Zucheli Cabral, Ricardo Ferreira de Souza e Silva, Rodrigo Rodrigues de Cid Ferreira e André Pizelli Ramos foram condenados pela fraude operada no Banco Santos S/A e nas empresas ligadas ao banco, da seguinte maneira:

1) Edemar Cid Ferreira:

- Art. 288, do CP: 01 ano e 09 meses de reclusão;

- Art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86: 05 anos e 03 meses de reclusão e 17 dias-multa;

- Art. 20 da Lei nº 7.492/86: 03 anos e 06 meses de reclusão e 17 dias-multa;

- Art. 22, parágrafo único, 1ª figura da Lei nº 7.492/86: 03 anos e 06 meses de reclusão e 17 dias-multa;

- Art. 1º, VI e VII da Lei nº 9.613/98, c.c. o seu § 4º: 07 anos de reclusão e 22 dias-multa;

- Valor do dia-multa: Para os delitos da Lei nº 7.492/86 o valor do dia multa é 150 salários mínimos. Para o delito da Lei nº 9.613/98 o valor do dia multa é 15 salários mínimos. Para ambos considera-se o salário mínimo vigente no ano de 2004, data da prisão dos acusados (R$ 260,00);

- Total: 21 anos de reclusão e 73 dias multa (7.980 salários mínimos equivalentes a R$ 2.074.800,00 na época dos fatos)

- Regime inicial de cumprimento da pena: regime fechado.

2) Mário Arcângelo Martinelli:

- Art. 288, do CP: 01 ano e 04 meses de reclusão;

- Art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86: 04 anos de reclusão e 13 dias-multa;

- Art. 20 da Lei nº 7.492/86: 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa;

- Art. 22, parágrafo único, 1ª figura da Lei nº 7.492/86: 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa;

- Art. 22, parágrafo único, última figura da Lei nº 7.492/86: 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa;

- Art. 1º, VI e VII da Lei nº 9.613/98, c.c. o seu § 4º: 05 anos e 04 meses de reclusão e 17 dias-multa;

- Valor do dia-multa: 15 salários-mínimos, levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2004, data da prisão dos acusados (R$ 260,00);

- Total: 18 anos e 08 meses de reclusão e 69 dias-multa (1035 salários mínimos equivalentes a R$ 269.100,00 na época dos fatos);

- Regime inicial de cumprimento da pena: regime fechado.

3) Álvaro Zucheli Cabral:

- Art. 288, do CP: 01 ano e 04 meses de reclusão;

- Art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86: 04 anos de reclusão e 13 dias-multa;

- Art. 20 da Lei nº 7.492/86: 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa;

- Art. 22, parágrafo único, 1ª figura da Lei nº 7.492/86: 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa;

- Art. 1º, VI e VII da Lei nº 9.613/98, c.c. o seu § 4º: 05 anos e 04 meses de reclusão e 17 dias-multa;

- Valor do dia-multa: 15 salários-mínimos, levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2004, data da prisão dos acusados (R$ 260,00);

- Total: 16 anos de reclusão e 56 dias-multa (840 salários mínimos equivalentes a R$ 218.400,00 na época dos fatos);

- Regime inicial de cumprimento da pena: regime fechado.

4) Ricardo Ferreira de Souza e Silva:

- Art. 288, do CP: 01 ano e 04 meses de reclusão;

- Art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86: 04 anos de reclusão e 13 dias-multa;

- Art. 20 da Lei nº 7.492/86: 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa;

- Art. 22, parágrafo único, 1ª figura da Lei nº 7.492/86: 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa;

- Art. 1º, VI e VII da Lei nº 9.613/98, c.c. o seu § 4º: 05 anos e 04 meses de reclusão e 17 dias-multa;

- Valor do dia-multa: 15 salários-mínimos, levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2004, data da prisão dos acusados (R$ 260,00);

- Total: 16 anos de reclusão e 56 dias-multa (840 salários mínimos equivalentes a R$ 218.400,00 na época dos fatos);

- Regime inicial de cumprimento da pena: regime fechado.

5) Rodrigo Rodrigues de Cid Ferreira:

- Art. 288, do CP: 01 ano e 04 meses de reclusão;

- Art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86: 04 anos de reclusão e 13 dias-multa;

- Art. 20 da Lei nº 7.492/86: 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa;

- Art. 22, parágrafo único, 1ª figura da Lei nº 7.492/86: 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa;

- Art. 1º, VI e VII da Lei nº 9.613/98, c.c. o seu § 4º: 05 anos e 04 meses de reclusão e 17 dias-multa;

- Valor do dia-multa: 15 salários-mínimos, levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2004, data da prisão dos acusados (R$ 260,00);

- Total: 16 anos de reclusão e 56 dias-multa (840 salários mínimos equivalentes a R$ 218.400,00 na época dos fatos);

- Regime inicial de cumprimento da pena: regime fechado.

6) André Pizelli Ramos:

- Art. 288, do CP: 01 ano e 04 meses de reclusão;

- Art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86: 04 anos de reclusão e 13 dias-multa;

- Art. 20 da Lei nº 7.492/86: 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa;

- Art. 22, parágrafo único, 1ª figura da Lei nº 7.492/86: 02 anos e 08 meses de reclusão e 13 dias-multa;

- Art. 1º, VI e VII da Lei nº 9.613/98, c.c. o seu § 4º: 05 anos e 04 meses de reclusão e 17 dias-multa;

- Valor do dia-multa: 15 salários-mínimos, levando-se em conta o salário mínimo vigente no ano de 2004, data da prisão dos acusados (R$ 260,00);

- Total: 16 anos de reclusão e 56 dias-multa (840 salários mínimos equivalentes a R$ 218.400,00 na época dos fatos);

- Regime inicial de cumprimento da pena: regime fechado.

Ainda com relação aos autos de nº 2004.61.81.008954-9, restaram absolvidos de todas as imputações, com fundamento no artigo 386, inciso IV, do Código de Processo Penal, os seguintes réus: CLIVE JOSÉ VIEIRA BOTELHO, ARY CÉSAR GRACIOSO CORDEIRO, RICARDO LUCENA DE OLIVEIRA, GUSTAVO DURAZZO, MARCELO BERNARDINI, CARLOS ENDRE PAVEL, FRANCISCO SÉRGIO RIBEIRO BAHIA, ANTÔNIO RUBENS DE ALMEIDA NETO, ELISEU JOSÉ PETRONE, FERNANDO DE ASSIS PEREIRA, MÁRCIO DAHER, NEI MUNIZ e MÁRCIO SERPEJANTE PEPPE.

Dessa sentença, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apelou protestando pela condenação de todos os absolvidos, à exceção de Ricardo Lucena de Oliveira, Márcio Serpejante Peppe e Gustavo Durazzo, além de requerer o aumento da pena referente ao crime do artigo 4º, caput, da Lei 7.492/86 para Edemar Cid Ferreira, Mario Arcângelo Martinelli, Álvaro Zucheli Cabral, Ricardo Ferreira de Souza e Silva e Rodrigo Rodrigues de Cid Ferreira.

Feita essa narrativa, deve-se analisar as razões recursais postas nos presentes autos.

Antes, porém, é conveniente um breve resumo dos desvios de recursos do Banco Santos S/A, conforme apurados nos autos de nº 2004.61.81.008954-9.

Segundo consta, os administradores do Banco Santos S/A arregimentaram um numeroso grupo de profissionais autônomos denominados officers, com atuação em vários Estados do País e cuja função era a de contatar industriais, comerciantes, fazendeiros e empresários dos mais diversos segmentos de mercado, oferecendo-lhes produtos da instituição financeira.

Segundo determinação dos gerentes comerciais, os officers vinculavam a concessão desses empréstimos e financiamentos a tantas outras operações que o futuro cliente deveria necessariamente realizar com o banco (operações ditas recíprocas, ou mútuas ou casadas).

Assim, esses clientes, atraídos por menores taxas de juros ou melhores condições de pagamento em relação àquelas normalmente encontradas no mercado financeiro, acabavam por aceitar as condições oferecidas pelos officers para a concretização das transações financeiras. A mesma atração era exercida sobre clientes incapazes de obter financiamento em outras instituições financeiras, devido a restrições cadastrais ou insuficiência de garantias).

Muitas vezes premido pela necessidade de liquidar operações anteriores e, consequentemente, de manter o fluxo financeiro clandestino da instituição, o Banco Santos S/A oferecia, em algumas operações casadas, um rendimento tal que este acabaria por pagar, por si só, o custo do investimento principal, garantindo com isso a anuência dos clientes que acabavam também por se beneficiar com a operação, obtendo dinheiro a baixo custo ou "custo zero".

Essas operações casadas eram realizadas com elevada e reiterada freqüência, e eram, na verdade, concretizadas com empresas estranhas à estrutura oficial do conglomerado financeiro, embora fossem apresentadas aos clientes como firmas integrantes do chamado "Grupo Banco Santos S/A".

Para dificultar a vinculação de tais operações recíprocas ao Banco Santos S/A, foram criadas diversas empresas "de fachada", também conhecidas como paper companies (companhias que só existiam no papel), a saber: Agrobusiness Corretora e Assessoria Agropecuária Ltda; Delta Serviços e Participações Ltda; PDR Corretora de Mercadorias S/A Ltda; Quality Negócios e Participações Ltda; Santospar Investimentos, Participações e Negócios S/A; Contaserv Serviços Ltda; Sanvest Participações S/A; Pillar Construção, Comércio e Serviços Ltda; Cruz e Aragon Assessoria Pecuária Ltda; Naga Consultoria Financeira Ltda.

Algumas empresas que efetivamente pertenciam ao "Grupo Banco Santos S/A", como a Invest Santos Negócio e Participações Ltda, a Procid Participações e Negócios S/A (controladora do Banco) e a Santos Corretora também chegaram a ser utilizadas, embora com menor frequência, em operações recíprocas.

A maioria das pessoas cujos nomes aparecem nos contratos sociais das empresas citadas foi ouvida e declarou ter cedido seu nome a pedido de Edemar Cid Ferreira ou dos demais integrantes do comitê executivo informal do Banco. Muitas das empresas estão sediadas em endereços que, embora existentes, correspondem aos denominados "escritórios virtuais" - salas de poucos metros quadrados ocupadas por centenas de paper companies.

Outras empresas não financeiras que, de fato, integravam o"Grupo Banco Santos S/A", embora não reconhecidas como tal, apresentavam propósitos bem definidos, como a Alpha - empresa por meio da qual eram frequentemente realizados pagamentos de remuneração sob a denominação de "luvas", bônus, etc, a diretores e officers -, ou a Rutherford, que, atuando no ramo de trading, entregava no Brasil moeda nacional e recebia moeda estrangeira no Exterior.

As empresas ditas "de fachada" foram, então, utilizadas na engenharia de diversos mecanismos de operações casadas, tais como operações com compra de debêntures, aquisição de export notes, cédulas de produto rural (CPRs) e certificates of participation e promissory notes.

Cito um exemplo de tais operações trazido pela Acusação que é de fácil visualização (autos nº 2004.61.81.008954-9/apenso 32/ vol. 1 e 2):

"Entre abril de 2003 e janeiro de 2004, a empresa Fujiwara Equipamento de Proteção Individual Ltda celebrou com o Banco Santos dois contratos de conta garantida (CCG) e três adiantamentos sobre contrato de câmbio (ACC), no valor total de R$ 14.482.400,00. A título de reciprocidade, a empresa teve de adquirir o equivalente a R$ 7.729.000,00 em debêntures emitidas pela Santospar Investimentos, Participações e Negócios S/A (além de uma export note da Invest Santos). Os valores dos mútuos foram creditados pelo Banco na conta da empresa, sendo transferido o montante equivalente às aquisições de debêntures para a conta corrente da Santospar Investimentos, Participações e Negócios S/A."

No exemplo acima, como a compra de debêntures é um empréstimo que o comprador do título faz à empresa emissora, na verdade, o Banco Santos S/A estava repassando valores a empresas não financeiras que, na realidade, eram controladas por ele, utilizando-se do cliente como intermediário na operação.

Em 1996, de forma quase simultânea à criação do Banco Santos S/A, foi criado o Bank of Europe Limited - BoE, com sede na ilha de Antígua, notório paraíso fiscal.

A solicitação de autorização de uma licença bancária para operar com clientes não residentes nas ilhas (application) foi assinada por Edemar e seu sobrinho Ricardo Ferreira de Souza e Silva em 30/08/1996, conforme consta das fls. 1914/1915 (autos 2004.61.81.008954-9).

Os estatutos e ata da assembléia dos diretores do Bank of Europe Limited estão acostados aos autos de nº 2004.61.81.008954-9, às fls. 1924/1937 e 2055/2059. Alguns desses diretores (além daquele envolvido neste processo - Ruy Ramazini) eram funcionários da Winterbotham Trust Company Limited, empresa fiduciária sediada no Uruguai e contratada para auxiliar na criação do BoE.

Entre 1996 e 2002, o Bank of Europe era simplesmente uma caixa postal, mas foi forçado a se instalar fisicamente após a nova política americana de controle de lavagem de capital - fruto dos atentados de Nova Iorque. Era controlado por uma holding, a Dome Securities Limited (proprietária beneficiária - "beneficial owner"), sendo a Valence Enterprises a controladora da Dome, denominada "a última ou mais importante proprietária beneficiária ("ultimate beneficial owner"). A estrutura operacional do BoE recebeu a denominação de Beauford Financial Services Uruguay S/A (fls. 2032/2053 - autos 2004.61.81.008954-9 ).

O Bank of Europe, então, abriu uma conta corrente no Swiss Bank Corportation de Nova Iorque, que posteriormente foi adquirido pelo Bank of America, e nele, segundo depoimento do ex-funcionário do banco Ricardo Russo Candido de Souza, foram depositados inicialmente US$ 1 milhão por Edemar a título de integralização do capital.

Constituído para ser uma filial clandestina do Banco Santos S/A, o BoE era um dos principais canais usados pelo Banco Santos para remeter dinheiro para paraísos fiscais, por meio de transações celebradas com a interveniência das empresas "de fachada" constituídas com esse objetivo, notadamente empresas off shore (empresas domiciliadas no exterior). Assim, enquanto, por exemplo, a Santospar e a Sanvest possuíam contas correntes no Banco Santos S/A, também seria necessário que empresas que pertencessem não oficialmente ao Grupo - empresas off shore - fossem clientes do BoE.

A primeira empresa off shore largamente utilizada para esse fim foi a Unipart Investor International Limited, que operou entre 1997 e 2001 (fls. 1984 a 2024 - autos de nº 2004.61.81.008954-9), destinada a ser uma emissora de papéis a serem negociados com o BoE, da mesma forma que o Banco Santos se valia, no Brasil, de empresas de fachada para negociar debêntures, export notes e cédulas de produto rural.

Em 2000 uma nova empresa off shore foi criada para substituir a Unipart, qual seja, a Alsace Lorraine Investments Services, sediada nas Ilhas Virgens Britânicas e titular da conta 100.0251 junto ao BoE, constando Edemar Cid Ferreira, Ricardo F. de Souza e Silva, Mario Arcângelo Martinelli, Álvaro Zucheli Cabrak e Marcelo Bernardini como seus representantes (fls. 1956/1961- autos 2004.61.81.008954-9).

A estrutura original do BoE sofreu alterações por orientação do advogado suíço Hubert Secretan, para o fim de garantir uma maior proteção em termos de anonimato dos reais proprietários do BoE. Para tanto, criou-se o Fribourg Trust, cuja instituidora ou implantadora era MARCIA DE MARIA COSTA CID FEREIRA, tendo como trustee, ou administrador do patrimônio do Trust a empresa Trumanx Company Limited, sediada na Ilha de Man, outro paraíso fiscal.

Posteriormente a Fribourg Trust cedeu lugar ao Euro Trust, cujo Settlor (instituidor do trust) passou a ser o próprio trustee, a empresa Trumanx. Como beneficiários do Trust destinados a proteger Edemar Cid Ferreira apareciam, entre outros, Hubert Secretan e RENELLO PARRINI.

Para representar o BoE no Brasil e captar clientes, e na tentativa de desvinculá-lo do Banco Santos S/A, constituiu-se a Support Financial Services Representações Ltda, cujos sócios iniciais eram EDNA FERREIRA (irmã de Edmar) e RUY RAMAZINI, sendo em 2003 a empresa substituída pela European Advisors Limitada.

Assim, em suma, a Euro Trust (sucessora da Fribourg Trust) controlava a Beauford Holding S.A. (recém criada e sediada na Suíça), que, por seu turno, controlava a Beauford Financial Services Uruguay S.A., a Beauford Services S.A. (também suíça), o Bank of Europe - BoE (Antigua) e a European Advisors Consultoria Patrimonial (empresa destinada a representar o BoE no Brasil e que substituiu a Support) - fls.1909/1913 dos autos de nº 2004.61.81.008954-9.

Com essa estrutura, da mesma forma que a operação recíproca nacional envolvia a compra, pelo cliente, de títulos, como por exemplo debêntures, as operações recíprocas internacionais valiam-se da aquisição de créditos consubstanciados em notas estruturadas denominadas "participation", ou notas promissórias ("promissory notes") que empresas como a Unipart (inicialmente) e depois a Alsace Lorraine, entre outras, detinham junto ao BoE.

O BoE, então, operava no exterior (numa versão internacional) as transações que em nível nacional utilizavam as empresas "de fachada" antes mencionadas.

Para isso, uma conta de titularidade do cliente era, então, aberta junto ao BoE e creditada, através de transferências internacionais em reais (amparadas, na época, pela circular 2.677/96 do Banco Central, atualmente revogada) realizadas pelo próprio cliente junto à instituição financeira nacional de sua preferência, a título de disponibilidade financeira no Exterior ou outra justificativa. A conta do cliente do Banco Santos S/A no BoE também poderia ser por ele creditada através de transferências de recursos oriundos de outras contas correntes de sua titularidade ou de empresas off shore a ele associada a qualquer título, mantidas por ele no Exterior com conhecimento ou não do Fisco.

Realizado o depósito, os recursos eram transferidos a contas correntes mantidas no BoE pelas empresas off shore do Grupo, tendo sido a Alsace Lorraine a maior tomadora desde 2001.

Nessa operação estruturada, era como se a Alsace Lorraine, por conta de um empréstimo tomado ao BoE, emitisse como garantia uma nota promissória (promissory note). O BoE, por seu turno, vendia ao cliente um título denominado certificado de participação (certificate of participation ou simplesmente participation) no mesmo valor daquele ativo. Assim, de maneira indireta e valendo-se de simulações, o valor depositado pelo cliente a título de reciprocidade era transferido para a conta da Alsace Lorraine no BoE. Ademais, através de um instrumento denominado "pledge of collateral agreement", o BoE comprometia-se a emitir cartas de crédito tendo como beneficiário o Banco Santos S/A, caso os compromissos que o cliente tinha com o Banco no Brasil não fossem honrados.

Assim, ao invés de se valer de empresas nacionais "de fachada" e títulos como debêntures, export notes ou cédulas de produto rural, valia-se, então, de paper companies sediadas em paraísos fiscais e essa nova modalidade de títulos - certificate of participation ou promissory note. Entregava-se ao cliente no Brasil moeda nacional oriunda, em sua grande maioria, de linhas de crédito do BNDES e recebia-se, no exterior, a contrapartida, parcial ou integral, em moeda estrangeira, configurando-se uma operação de compensação de valores.

Para melhor elucidação, colaciono outro exemplo envolvendo a empresa de fachada off shore Alsace Lorraine Investiment Services Limited e o Bank of Europe (autos nº 2004.61.81.008954-9/apenso 13/ fls. 2/63):

"Em 21/05/2004 a Odebrecht S/A obteve junto ao Banco Santos um crédito no valor de R$ 47.720.000,00, tendo a empresa emitido seis cédulas de crédito bancário. Em contrapartida, a Odebrecht Overseas Limited (com sede nas Bahamas e controlada pela Odebrecht S/A) abriu a conta corrente nº 100.0370 no BoE e ali depositou US$ 15.000.000,00, utilizados para a aquisição do certificate of participation ou certificado de participação nº 01978.2105/2004 - título de emissão da Alsace Lorraine Investment Services Limited.
Ademais, a Odebrecht Overseas Limited assinou o documento intitulado pledge of collateral agreement, por meio do qual a empresa off shore tornava-se avalista da operação no Brasil, autorizando o BoE emitir cartas de crédito em benefício do Banco Santos, caso a Odebrecht S/A não adimplisse suas obrigações relativas às CCBs emitidas, oferecendo, como garantia, o certificado de participação (certificate of participation) custodiado no BoE. O Banco Santos, então, aceitou o referido certificado em contraprestação ao empréstimo concedido no Brasil."

Assim é que, através de uma série de documentos que visam apenas conferir uma aparência de legitimidade à operação, o BoE serviu nos mesmo moldes das operações conduzidas por doleiros ("dólar-cabo"), realizando simples compensação de valores. Nesse último exemplo, o cliente depositou, ainda que indiretamente, valendo-se de contas correntes abertas pela Odebrecht Overseas Ltd. e Alsace Lorraine, moeda estrangeira na conta mantida pelo Banco Santos S/A no BoE e este creditou, no Brasil, a conta corrente do cliente junto ao Banco Santos S/A, no valor correspondente, ao título de empréstimo ou financiamento.

Pois bem.

Para ocultar das autoridades monetárias e dos clientes da instituição financeira esse elevado volume de desvio de recursos e garantir ao empreendimento uma imagem de sucesso e prosperidade, o Banco Santos S/A valeu-se de artifícios de "alavancagem" artificial do resultado do Banco da seguinte maneira: manipulação de operações com opções flexíveis tipo Call Européia realizadas entre 25 e 30/06/2003 que lhe gerou um lucro na operação na ordem de R$ 54.876.676,97, correspondente, à época, a aproximadamente 63% do resultado do Banco no primeiro semestre de 2003 e cerca de 11% de seu patrimônio líquido; concessão de empréstimos entre janeiro e abril de 2004 no montante de R$ 282.999.000,00 (valor correspondente a 49% do patrimônio líquido do Banco na época) a quatro empresas "de fachada" do Grupo, concedidos obviamente sem qualquer análise econômica-financeira, classificadas como empresas de grande porte e financeiramente saudáveis, cujas operações foram transmitidas à Central de Risco do Banco Central falsamente com os CNPJs de outras empresas de reconhecido porte (Braskem S/A, Cosipa, Cia Brasileira de Distribuição e Odebrecht S/A); liquidação, no primeiro semestre de 2000, de R$ 50.000.000,00 de créditos de difícil liquidação, com recursos de empresas off shore de origem desconhecidas sediadas em paraísos fiscais e sem qualquer vínculo com os devedores; lucro excessivo, em junho de 2001, na ordem de R$ 51.000.000,00, na alienação à sua controladora (Procid) de uma empresa de informática controlada pelo Banco cujo patrimônio líquido era de R$ 900.000,00.

Assim, com a contabilidade do Banco ideologicamente falsificada, contendo dados que não correspondiam a sua real situação, o Banco foi levado à liquidação com um passivo circulante e exigível a longo prazo de quase três bilhões de reais, nos termos do relatório do interventor constante dos autos nº 2004.61.81.008954-9 (apenso 45/ fls. 56).

Concomitantemente a isso, apurou-se que a gestão fraudulenta da instituição financeira Banco Santos S/A verificada nos autos de nº 2004.61.81.008954-9, teria rendido ensejo à criação de uma gama de empresas (nacionais e estrangeiras) para a "lavagem dos valores" desviados daquela instituição, dentre elas, as empresas Maremar Empreendimentos e Participações Ltda, Atalanta Participações e Propriedades Ltda, Hyles Participações e Empreendimentos Ltda, Cid Collection Empreendimentos Artísticos Ltda, Associação Brasil 500 Anos (antecessora da BrasilConnects Cultura) e Rutherford Trading S/A, das quais os denunciados deste processo figuravam ora como sócios, ora como procuradores, ora como administradores.

Feita essa narrativa do quanto interessa ao deslinde do caso, chega-se à apreciação das teses postas nos recursos voluntários.


PRELIMINARES

1.1) Em síntese, RUY, MÁRCIA e RENELLO protestam pela nulidade da denúncia e da sentença por violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa e legalidade, pois suas condenações foram baseadas em uma denúncia inepta, que ensejou a adoção da responsabilidade objetiva, não havendo correspondência entre os fatos e a condenação ou entre o crime e a conduta de cada um.

Entretanto, não há que se falar em denúncia genérica, a ponto de inviabilizar a compreensão da persecutio criminis e a defesa dos recorrentes.

Com freqüência, nos crimes perpetrados contra o Sistema Financeiro e o Sistema Tributário em concurso de pessoas, nem sempre é possível realizar, de plano, perfeita individualização das condutas de cada suposto partícipe, pois a ocultação e o sigilo são signos destes crimes.

Assim, tolera-se que a denúncia seja mais breve, sem minúcias, desde que a acusação seja compreensível e possibilite defesa.

Confira-se:


Ementa: PENAL. PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA OU BANDO. DENÚNCIA NÃO INÉPTA. DEMAIS PRELIMINARES REJEITADAS. PRESCRIÇÃO QUANTO AO DELITO DE QUADRILHA EM RELAÇÃO AOS MAIORES DE SETENTA ANOS. RECEBIMENTO PARCIAL DA DENÚNCIA.
I -....
II - Não é inepta a denúncia por crime de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha ou bando que, em vista de diversos agentes supostamente envolvidos, descreve os fatos de maneira genérica e sistematizada, mas com clareza suficiente que permitia compreender a conjuntura tida por delituosa e possibilite o exercício da ampla defesa. III -.... IV -.... V -.... VI -.... VII -.... VIII -....
IX - Havendo indícios de que os denunciados eram os diretores, operadores e beneficiários de diversas empresas e contas offshore interligadas, bem como de que tais entidades contribuíram, de modo decisivo e conjugado, para o cometimento dos supostos crimes de lavagem de capitais, é de ser recebida a denúncia quanto ao delito de quadrilha ou bando, com exceção dos acusados maiores de 70 (setenta) anos, em vista da ocorrência da prescrição.
X -....
XI -....
(Inq 2.471, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 29/09/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-043 DIVULG 29-02-2012 PUBLIC 01-03-2012)
EMENTA Habeas corpus. Penal e processual penal. Corrupção ativa. Ausência de justa causa para o prosseguimento da ação penal não configurada. Materialidade comprovada e indícios de autoria. Precedentes.
1. A denúncia que contém condição efetiva que autorize o denunciado a proferir adequadamente a defesa não configura indicação genérica capaz de manchá-la com a inépcia. No caso, a denúncia demonstrou, de forma clara, o crime na sua totalidade e especificou a conduta ilícita supostamente praticada pelo paciente.
2.....
3. Habeas corpus denegado.
(HC 96.608, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 03/11/2009, DJe-228 DIVULG 03-12-2009 PUBLIC 04-12-2009 EMENT VOL-02385-03 PP-00656 RTJ VOL-00212- PP-00509)

No presente caso, essa individualização mínima mostrou-se satisfatória.

A narrativa dos fatos constantes da denúncia demonstra claramente a conduta de "lavagem" de dinheiro praticado pelos denunciados, ao figurarem ficticiamente como sócios de diversas empresas ligadas ao Banco Santos S/A, muitas vezes como "laranjas". Estas empresas, cujos quadros societários foram descritos detalhadamente na denúncia, serviram de veículo para a integração de vultosa soma de dinheiro ilícito obtido por meio de engenhosas e complexas operações bancárias clandestinas operadas pelos dirigentes do Banco. A vinculação dos denunciados com essas empresas é clara.

A denúncia apontou fartos elementos indiciários apurados nos autos principais, que faziam referência ao crime antecedente praticado contra o Sistema Financeiro Nacional.

Com efeito, o processo e julgamento do crime de "lavagem" de ativos é autônomo, não se exigindo prova concreta da ocorrência de uma das infrações penais exaustivamente previstas nos incisos I a VIII do art. 1º do referido diploma legal para que a denúncia que imputa ao réu tal delito seja considerada apta. Neste caso, basta a existência de elementos indiciários de que o capital lavado tenha origem em alguma das condutas ali previstas.

Assim, no momento do recebimento da denúncia é necessário um início de prova que indique a probabilidade de que os bens, direitos ou valores ocultados, dissimulados ou integrados, sejam provenientes, direta ou indiretamente, de um dos crimes antecedentes, não havendo necessidade de certeza absoluta quanto à existência do crime antecedente.

Nesse sentido, é notório que a vultosa quantia em dinheiro movimentada pelos denunciados evidenciada pelo cenário dos fatos, e a imperiosa necessidade de se proteger o verdadeiro proprietário dos bens e sócio das empresas e bancos são indicativos de que os valores em questão eram de origem ilícita. Caso contrário, não haveria necessidade de se recorrer a tais caminhos obscuros.

Diante disso, entendo que a denúncia atacada contém os elementos necessários exigidos em lei, e, sobretudo diante da complexidade do caso e da pluralidade de agentes, narra suficientemente os fatos que correspondem aos delitos em tese praticados pelos réus. Fica demonstrado satisfatoriamente o vínculo existente entre eles, possibilitando o exercício do contraditório e da ampla defesa de todos, o que se comprova, aliás, pela apresentação adequada de defesas completas e minuciosas quanto aos fatos que lhes foram imputados.

Além disso, é bom lembrar que não se exige na primeira fase da persecutio criminis que a autoria e a materialidade da prática de um delito estejam definitivamente provados, uma vez que a verificação de justa causa para a ação penal pauta-se em juízo de probabilidade e não de certeza.

Assim, havendo estrita observância aos requisitos legais previstos no artigo 41 do CPP, não há que se falar em inépcia da peça acusatória.

Por esses fundamentos, resta superado o pleito dos réus quanto à ausência de correspondência entre os fatos denunciados e a condenação, devendo a relação entre o crime e a conduta de cada um ser apreciada no mérito dos recursos.

1.2) MARCIA e RUY protestam também, sem razão, pela nulidade da decisão que recebeu a denúncia, uma vez que a persecutio, na verdade, deveria ser oferecida como aditamento da denúncia ofertada no processo dito principal.

Quando do oferecimento da denúncia a acusação assim consignou (fls. 25/29):

(...)
Como se pode observar do próprio texto da denúncia, embora o objeto da presente inicial não seja diretamente a gestão fraudulenta do Banco Santos S/A., como tratada nos autos 2004.61.81.008954-9, e os denunciados não integrem aquela lide, há muitos pontos de intersecção com os fatos tratados naqueles autos. Assim, por entender que existe conexão probatória entre os procedimentos, nos termos do disposto no art. 76, III do CPP, tenho esse juízo por competente para apreciar os fatos aqui narrados. Em função da fase adiantada do outro processo, dos fatos narrados serem diversos, embora, como já se disse, relacionados, e os denunciados serem estranhos àquele procedimento, acredito, apesar da alegada conexão, não estarmos diante de hipótese que indique o aditamento da denúncia então oferecida.
(...)

O Juízo a quo, por sua vez, recebeu a exordial com o seguinte fundamento (fls. 871/882):

(...)
Como afirmado na cota introdutória à presente inicial acusatória (fls. 25/29), embora as pessoas agora denunciadas não figurem no rol dos acusados na Ação Penal n.o 2004.61.81.008954-9, os fatos ora narrados guardam absoluta relação com os tratados naquele feito, havendo evidente vínculo entre eles.
É que a imputação destinada, aqui, a HUBERT EDOUARD SECRETAN, MÁRCIA DE MARIA DA COSTA CID FERREIRA, EDNA FERREIRA DE SOUZA E SILVA, RENELLO PARRINI e RUY RAMAZINI relacionam-se à suposta ocultação da propriedade de bens e à origem de valores que seriam decorrentes da gestão fraudulenta do Banco Santos S.A, ao cederem, conscientes e voluntariamente, a título oneroso ou gratuito, seus nomes e dados pessoais, com vistas à integração, como sócios, procuradores ou beneficiários, de empresas nacionais e estrangeiras e trusts sediadas em paraísos fiscais. Ao denunciado HUBERT EDOUARD SECRETAN imputa-se, ainda, o fato de que teria atuado diretamente, na qualidade de advogado e consultor suíço, na montagem da estrutura de controle societário do Bank of Europe - BoE, que fora constituído, segundo a imputação, para atuar na clandestinidade, mas formalmente estaria sediado em Antigua.
Assim, constata-se, neste juízo de admissibilidade da acusação, que o vínculo referido aflorou, em tese, mais evidente ao observar-se que a gestão fraudulenta da instituição financeira Banco Santos S.A teria rendido ensejo à criação de uma gama de empresas (nacionais e estrangeiras) com vistas à lavagem dos valores desviados daquela instituição, quase todas elas mencionadas nos autos da Ação Penal n.o 2004.61.81.009854-9, denotando o enredamento das supostas atividades ilícitas, a autorizar e reforçar a competência deste Juízo, ainda que tenham trâmite em separado.
Isto porque, os autos da Ação Penal acima referida encontram-se em fase adiantada da instrução processual (praticamente encerrada), sendo inquiridas todas as testemunhas de Defesa residentes nesta capital, remanescendo a oitiva daquelas arroladas pelos réus e que serão inquiridas por meio de cartas precatórias e rogatórias (cujo prazo concedido está para terminar). Tal circunstância, além de ter desaconselhado, como asseverou o Parquet Federal, o aditamento à denúncia, justifica também o trâmite em separado de ambos os feitos, não obstante a imposição da distribuição por dependência à Ação Penal nº 2004.61.81.008954-9.
Desta feita, considerando as circunstâncias acima apontadas, há fundamento legal à distribuição por dependência, não obstante tratar-se da hipótese prevista no artigo 76, inciso I (conexão intersubjetiva), 11 (conexão material, lógica ou teleológica) e 111 (conexão probatória), do Código de Processo Penal, em observância necessária à regra do juízo natural.
É inegável a existência de pontos de contato entre os fatos e os fundamentos jurídicos da pretensão persecutória aqui em vias de instauração e os da Ação Penal já mencionada. No caso de que ora se cuida, a pretensão acusatória cinge-se à apuração de delito tipificado na Lei de Lavagem de Valores, crime que embora tenha objetividade jurídica semelhante a um dos tipos imputados na Ação Penal nº 2004.61.81.008954-9, refere-se a pessoas, como já se afirmou, não incluídas no seu rol de denunciados (conexão intersubjetiva), perpetrados os delitos, supostamente, com vistas a facilitar ou ocultar as infrações precedentes ou para conseguir a impunidade ou vantagem em relação a quaisquer delas, inclusive da lavagem de valores (conexão material, lógica ou teleológica). Evidente, por fim, que a prova das infrações ou de suas circunstâncias elementares a serem produzidas na Ação Penal já mencionada pode influir nesta demanda ou vice-versa (conexão probatória). Assim, com tais fundamentos e lastreado no artigo 80 do Código de Processo Penal (motivo relevante), conveniente mostra-se a separação dos feitos, apesar da evidente conexão nas suas três modalidades apontadas.
De outra banda, há que se pontuar que a denúncia ora oferecida não esteve amparada em nova ou autônoma investigação empreendida pelo órgão ministerial, mas sim, em um aprofundamento das investigações já existentes, possibilitando melhor divisar as atividades de empresas e de seus responsáveis que supostamente atuavam como verdadeiras empresas voltadas à lavagem de valores e os mecanismos por elas engendrados para a prática de delito tipificado na Lei de regência, assim como permitiu começar a se dilucidar a ligação entre elas, situação que melhor se esclarecerá no decorrer da instrução criminal.
(...)

Como se vê, o recebimento da denúncia e a prevenção do Juízo originário foram devidamente fundamentados, não havendo qualquer nulidade na separação dos processos conexos. Tal procedimento, aliás, é garantido no artigo 80 do Código de Processo Penal.

Preliminar rejeitada.

1.3) Márcia requer a nulidade da sentença sustentando que foram utilizadas provas ilícitas e que sua defesa foi cerceada ante o indeferimento da inquirição de Edilson Ferreira da Silva.

O indeferimento da oitiva da testemunha Edilson foi assim fundamentado (fls. 3376/3377):

(...)
2) A Defesa de Márcia de Maria Costa Cid Ferreira, em sua manifestação (fls. 3255/3256), reitera as razões expendidas em Defesa Prévia quanto à inépcia da denúncia e a impassibilidade do exercício pleno das garantias constitucionais previstas no artigo 5º, LV, CF. Postula a inquirição, como testemunha referida, de Edilson Ferreira da Silva, que teria sido citado no depoimento de Ricardo Russo Cândido de Souza.
Indefiro este pedido, com fundamento na norma do art. 209, caput e §1º, do C.P.P., que faculta ao juiz, quando julgar necessário e conveniente, inquirir outras testemunhas além das arroladas pelas partes e as referidas pelas testemunhas já inquiridas.
A testemunha Ricardo Russo Cândido de Souza foi contraditada nestes autos e nos de nº 2004.61.81.0908954-9, tendo sido indeferida a contradita em ambos, por não se ter vislumbrado naquelas ocasiões a ocorrência de base legal para o acolhimento do pedido. Não se verificou, como sustenta a Defesa, que sua inquirição tenha violado preceito fundamental, contudo, o valor das declarações, colhidas no devido ambiente do contraditório, submeter-se-á, por óbvio, ao exame de pertinência e relevância do juízo no momento oportuno. Além disso, pelo que apurado na instrução processual, entendo desnecessária a inquirição de Edilson Ferreira da Silva para o pleno esclarecimento dos fatos.
(...)

Como é sabido, a oitiva de testemunha referida é faculdade do julgador e só deve ser deferida se necessária e conveniente à apuração dos fatos, a fim de não conturbar a instrução do feito gerando uma complexidade inútil. Desta forma, o indeferimento não implica cerceamento de defesa, desde que submetido a correta fundamentação.

No presente caso, o Juiz não considerou necessário ouvir a testemunha mencionada, pois, diante das provas colhidas, sua oitiva era prescindível para o julgamento do feito.

Nesse sentido, é firme da jurisprudência das Cortes Superiores:

Ementa: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. CONDUÇÃO DO INVESTIGADO À AUTORIDADE POLICIAL PARA ESCLARECIMENTOS. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 144, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO ART. 6º DO CPP. DESNECESSIDADE DE MANDADO DE PRISÃO OU DE ESTADO DE FLAGRÂNCIA. DESNECESSIDADE DE INVOCAÇÃO DA TEORIA OU DOUTRINA DOS PODERES IMPLÍCITOS. PRISÃO CAUTELAR DECRETADA POR DECISÃO JUDICIAL, APÓS A CONFISSÃO INFORMAL E O INTERROGATÓRIO DO INDICIADO. LEGITIMIDADE. OBSERVÂNCIA DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE JURISDIÇÃO. USO DE ALGEMAS DEVIDAMENTE JUSTIFICADO. CONDENAÇÃO BASEADA EM PROVAS IDÔNEAS E SUFICIENTES. NULIDADE PROCESSUAIS NÃO VERIFICADAS. LEGITIMIDADE DOS FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. ORDEM DENEGADA. (...)
IX - A jurisprudência desta Corte, ademais, firmou-se no sentido de que não há falar em cerceamento ao direito de defesa quando o magistrado, de forma fundamentada, lastreado nos elementos de convicção existentes nos autos, indefere pedido de diligência probatória que repute impertinente, desnecessária ou protelatória, sendo certo que a defesa do paciente não se desincumbiu de indicar, oportunamente, quais os elementos de provas pretendia produzir para levar à absolvição do paciente.
(STF, 1ª Turma, HC 107.644, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, DJ 06/09/2011)
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO RASPADA. DILIGÊNCIAS. ART. 499 DO CPP. PEDIDO DE AUDIÊNCIA PARA INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS DA ACUSAÇÃO. FACULDADE DO MAGISTRADO. LEGALIDADE. RECURSO IMPROVIDO.
1. "As diligências, previstas na fase do artigo 499 do Código de Processo Penal, incluem-se na esfera de dicricionariedade mitigada do juiz natural do processo, que poderá indeferi-las, em decisão fundamentada, quando as julgar protelatórias ou desnecessárias à instrução criminal" (REsp 722.103/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ de 3/10/05). 2. Recurso improvido.
(STJ, Quinta Turma, RHC 22054, Relator Ministro Arnaldo Esteves de Lima, DJ 31/08/2009)

A defesa de Márcia, ainda, alega que o Juízo original, na "sanha" de punir a qualquer custo e de colocar o ex-controlador do Banco Santos S/A definitivamente atrás das grades, acabou fundamentando a condenação da recorrente com prova ilícita.

Aduz que as informações referentes ao Bank of Europe encaminhadas pelas autoridades americanas, por meio do Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal (MLAT - Dec. 3.810/01), somente poderiam produzir efeito na ação penal de nº 2004.61.81.008954-7, diante da cláusula de reserva das informações, não sendo isso o que ocorreu no presente feito.

Sem razão a defesa.

O decreto nº 3.810/2001 insere o Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre o Governo Brasileiro e o Governo dos Estados Unidos da América. No item referente às restrições de uso há expressa exceção à limitação das informações prestadas quando houver obrigação constitucional nesse sentido no âmbito de uma ação penal, o que vem amparado no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. Vejamos o Decreto:

"Artigo VII
Restrições ao Uso
1. A Autoridade Central do Estado Requerido pode solicitar que o Estado Requerente deixe de usar qualquer informação ou prova obtida por força deste Acordo em investigação, inquérito, ação penal ou procedimentos outros que não aqueles descritos na solicitação, sem o prévio consentimento da Autoridade Central do Estado Requerido. Nesses casos, o Estado Requerente deverá respeitar as condições estabelecidas.
2. A Autoridade Central do Estado Requerido poderá requerer que as informações ou provas produzidas por força do presente Acordo sejam mantidas confidenciais ou usadas apenas sob os termos e condições por ela especificadas. Caso o Estado Requerente aceite as informações ou provas sujeitas a essas condições, ele deverá respeitar tais condições.
3. Nenhum dos dispositivos contidos neste Artigo constituirá impedimento ao uso ou ao fornecimento das informações na medida em que haja obrigação constitucional nesse sentido do Estado Requerente, no âmbito de uma ação penal. O Estado Requerente deve notificar previamente o Estado Requerido de qualquer proposta de fornecimento de tais informações.
4. Informações ou provas que tenham sido tornadas públicas no Estado Requerente, nos termos do parágrafo 1 ou 2, podem, daí por diante, ser usadas para qualquer fim."

Ademais, conforme bem ressaltou a Procuradoria Regional da República, a prova em questão foi produzida no processo conexo que trata da gestão fraudulenta do Banco Santos S.A., e os bens e valores derivados dessa conduta foram ocultados justamente por ação dos recorrentes deste processo.

Além disso, alega a defesa que não poderiam fazer prova neste processo os e-mails trocados entre Edemar Cid Ferreira e seus advogados, sendo tal prova ilícita, por ser confidencial.

Novamente sem razão, pois tais e-mails foram coletados durante o cumprimento do mandado judicial de busca e apreensão, momento em que sequer havia ação penal em curso.

Cumpre destacar que estes e-mails não trazem estratégia de defesa e não dizem respeito a MÁRCIA, mas sim, a tratativas ocorridas em Antígua envolvendo Edemar e o Bank of Europe.

Preliminares rejeitadas.

1.4) A defesa de RUY protesta pela ausência de demonstração nas audiências de documentos que não se encontravam juntados aos autos, mas foram utilizados pelo Juízo na oitiva de testemunha, impedindo o exercício das garantias da ampla defesa e do contraditório; ainda, a nulidade da sentença diante da ausência de fundamentação do aumento da pena base e da causa de aumento de pena.

Sobre a primeira preliminar, não há como discordar de que, desde o recebimento da denúncia, todas as partes estavam cientes da conexão deste feito com o de nº 2004.61.81.008954-9, onde estariam os documentos, e que o oferecimento da denúncia em separado se deu, precipuamente, pela fase adiantada do processo principal. Assim, não haveria óbice para a obtenção de vistas dos processos e de todas as provas que julgassem necessárias em ambos.

A propósito, colaciono os bons e esclarecedores fundamentos do indeferimento do pedido da defesa de RUY nesse sentido (fls. 2559/2561):

"1.Indefiro o requerimento formulado no item 10-1 das fls. 2548/2552 pela Defesa de Ruy Ramazini para que sejam repetidos todos os atos processuais praticados neste feito sob alegação de nulidade processual. A quesitação ampla formulada pelo Juízo até este momento, tanto na audiência de testemunha arrolada pela Acusação, quanto na das testemunhas arroladas pela Defesa, não ocasionou qualquer prejuízo às partes, que puderam exercer sua ampla defesa por meio de seus defensores constituídos. No juízo de admissibilidade da acusação, por ocasião do recebimento da denúncia, ficou consignado o vínculo existente entre os fatos imputados neste feito e nos autos de n.o 2004.61.81.008954-9. Isto porque os fatos aqui em apuração relacionam-se à suposta ocultação da propriedade de bens e à origem de valores que seriam decorrentes da gestão fraudulenta do Banco Santos S.A. eis que é imputado aos acusados o fato de que, teriam, em tese, cedido, conscientes e voluntariamente, a título oneroso ou gratuito, seus nomes e dados pessoais, com vistas à integração, como sócios, procuradores ou beneficiários, de empresas nacionais e estrangeiras e trusts sediadas em paraísos fiscais. Assim, a gestão fraudulenta da instituição financeira Banco Santos S.A. teria rendido, segundo a denúncia, ensejo à criação de empresas (nacionais e estrangeiras) com vistas à lavagem do valores desviados daquela instituição, quase todas elas mencionadas nos autos da Ação Penal de n.o 2004.61.81.008954-9. Denota-se, como já afirmou, o enredamento das supostas atividades ilícitas dada a existência de conexão, em todas as suas modalidades (art. 76, I, 11 e 11, Código de Processo Penal). A opção pelo aditamento à denúncia do primeiro feito deveu-se à circunstância de que ele já se encontrava em fase adiantada de instrução, impondo-se o trâmite em separado, mesmo diante da existência de pontos de contato entre os fatos e os fundamentos jurídicos da pretensão persecutória de ambos os feitos. Aliás, naquela ocasião, este Juízo assentou que a prova das infrações ou de suas circunstâncias elementares a serem produzidas na Ação Penal n.o 2004.6l.8l.008954-9 pode influir nesta demanda ou vice-versa (conexão probatória), sendo certo que a separação dos feitos se deu em observância ao artigo 80 do C.P.P. (motivo relevante). Portanto, as partes deste processo (Ministério Público e Defesa, aqui excluindo-se este Juízo, não obstante a afirmação da Defesa de Ruy Ramazini), desde o recebimento da denúncia, tinham ciência deste entendimento e podiam ter solicitado vista dos autos da Ação Penal precedente para o preparo de sua defesa técnica. Não pode, pois, ser causa de argüição de nulidade eventual despreparo para o ato processual realizado. As indagações formuladas às testemunhas, que não são das partes, mas do processo, visou o esclarecimento de todas as circunstâncias envolvendo à imputação deste mesmo feito, com relação à própria Defesa insurgente, anotando-se, por óbvio que a valoração do conteúdo de suas declarações somente será objeto de análise por ocasião da prolação da sentença. Por tais razões, não há fundamento para os protestos das acusadas Márcia de Maria Costa Cid Ferreira e Edna Ferreira de Souza e Silva, por parte de seus defensores, aliás, os mesmos que foram constituídos pelo marido da primeira e irmão da segunda nos autos da Ação Penal nº 2004.61.8l.008954-9, e, portanto, absolutamente cientes desta imputação. Assim, indefiro o pedido do qual também o Ministério Público Federal não vislumbrou fundamento pertinente (fl. 2554). 2. Indefiro o item 10.II da manifestação encartada às fls. 2548/2552 porquanto, como já se afirmou acima, as partes podem ter acesso aos autos da Ação Penal nº 2004.61.81.008954-9 extraindo-se cópias que reputar necessárias. (...)"

Por fim, sem razão a defesa de Ruy quando alega a nulidade da sentença por ausência de fundamentação do aumento da pena base e da causa de aumento de pena.

O Juízo originário, no tópico destinado à dosimetria da pena, fez uma síntese dos delitos apurados e do grau de envolvimento de cada condenado, ressaltando sempre a exacerbada gravidade dos fatos delituosos, a complexidade das condutas, as desastrosas consequências para todo o Sistema Financeiro Nacional, além de diversas outras circunstâncias que rodearam todo o cenário criminoso praticado pelos réus deste processo e do processo principal. Vejamos alguns trechos (fls. 4251/4284):

"(...)
Os acusados praticaram o delito, anuindo às condutas dos demais, quer porque dessa forma continuariam a gozar da plena confiança de seu empregador, quer pelo fato de assegurar os trabalhos de relevo por eles mantidos, quer para garantir seus ganhos habituais e ou complementares, e , quer, finalmente, para permitir o enriquecimento espúrio de Edemar Cid Ferreira.
(...)
As reiteradas condutas criminosas, mormente em período no qual o BACEN efetuava intensa fiscalização na Instituição (notadamente entre os anos de 2001 a 2004), com operações entabuladas sem qualquer registro, demonstram extrema relação de confiança que existia na organização delituosa, de tal sorte que fácil concluir-se que houve violação de norma básica de direito penal que trata da omissão penalmente relevante.
(...)
Também Márcia de Maria Costa Cid Ferreira, Renello Parrini e Ruy Ramazini foram essenciais para a perpetuação da ocultação da propriedade de bens e a origem de valores provenientes da gestão fraudulenta do Banco Santos S.A., e cederam, conscientes e voluntariamente, a título oneroso, ou, por vezes, gratuito, seus nomes, integrando, como sócios, procuradores ou beneficiários, empresa nacionais e estrangeiras e trusts, possuindo condições mais que claras de constatar a origem espúria dos ganhos do ex-controlador do Banco Santos S.A. No mínimo, desconfiavam que a fonte de seus bens não era legítima (proveniente de diversos crimes financeiros), mas persistiram, mediante dolo direto ou eventual, com a prática por lhes ser vantajosa.
(...)
Os acusados Márcia de Maria Costa Cid Ferreira, Renello Parrini e Ruy Ramazini devem ser responsabilizados pela violação ao artigo 1º, inciso VI, da Lei nº 9.613/1998, lavagem de valores por meio da ocultação da origem e da propriedade dos valores provenientes diretamente dos crimes tipificados no artigo 4º, caput, da Lei nº 7492/1986, bem como os demais mencionados na acusação, ficando a pena base fixada em 04 (quatro) anos de reclusão e ao pagamento de 13 (treze) dias-multa. Não existe em relação a este tipo circunstância atenuante ou agravante.

Na terceira fase da dosimetria da pena deve ter aplicação a causa de aumento estabelecida no §4º do artigo 1º da Lei nº 9.613/1998 (habitualidade), o que eleva a reprimenda em 1/3, perfazendo 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e ao pagamento de 17 (dezessete) dias-multa".

Em suma, a pena aplicada aos réus foi suficientemente fundamentada, não havendo que se falar em nulidade. Há inclusive em anexos da sentença tabelas demonstrativas do cálculo da dosimetria.

Ante o exposto, rejeito todas as preliminares arguidas.


MÉRITO

Iniciando pela análise do recurso da acusação, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL protesta pela condenação de EDNA FERREIRA DE SOUZA E SILVA nas penas do artigo 299 do Código Penal, segundo entendimento de que a falsidade ideológica está subsidiariamente implícita nos núcleos ocultar ou dissimular previstos no artigo 1º, da Lei 9.613/98, e deve ser considerada mesmo nos casos de absolvição pelo crime primário em função da ausência de elemento subjetivo específico.

No caso em exame, Edna foi denunciada pelo crime de lavagem de dinheiro por ter composto o quadro societário de empresas do Grupo Santos que serviram de base para a ocultação de valores espúrios movimentados a mando de seu irmão, e desse crime se defendeu. Desta forma, não é possível agora, após a sentença, alterar-se a definição jurídica de sua conduta para o crime de falsidade ideológica, sob pena de flagrante ofensa ao princípio da correlação entre acusação e sentença.

Tal princípio é uma garantia efetiva do réu, dando-lhe certeza de que não poderá ser condenado por fato diverso daquele que lhe foi textualmente atribuído pela acusação; isto é, só a narrativa fática posta pela acusação sub judice é que deverá ser julgada.

Assim, se não estão presentes na denúncia, sequer implicitamente, as elementares do crime de falsidade ideológica, tampouco houve antes da sentença a adequação do fato típico pelo instituto da mutatio libelli, não é o caso de se dar provimento ao recurso do Ministério Público Federal.

Prossigo com a análise dos recursos de MARCIA, RUY e RENELLO.

Todos os réus protestam por suas absolvições diante da ausência de comprovação de que tivessem consciência das atividades supostamente ilícitas praticadas pelas empresas do Grupo Santos e de que soubessem a respeito dos valores movimentados, insistindo na impossibilidade da responsabilização penal objetiva, ou seja, que derivaria do simples fato de terem figurado como sócios ou procuradores de pessoas jurídicas.

Vejamos.

A empresa Maremar Empreendimentos e Participações Ltda. foi constituída em 23/08/1991. Inicialmente tinha como sócios Edemar Cid Ferreira e sua mãe Marina Cid Ferreira. Em 19/12/1995 a empresa off shore Valence Enterprises Inc., sediada no "paraíso fiscal" do Panamá, ingressou como sócia majoritária no quadro social dessa empresa, tendo Edemar permanecido como sócio minoritário e procurador da firma panamenha. Em 12/08/1998 a razão social foi alterada para Maremar Empreendimentos e Participações Ltda. e Ricardo Ferreira de Souza e Silva, sobrinho de Edemar, ingressou como sócio. Alguns meses depois, em 21/10/1998, Edemar e Ricardo foram substituídos por MÁRCIA DE MARIA COSTA CID FERREIRA, esposa de Edemar, a qual assumiu os papéis de sócia gerente e representante da Valence Enterprises Inc. Finalmente, em 09/01/2003 a Valence Enterprises Inc. foi substituída pela Principle Enterprises Inc., empresa também sediada no Panamá. Em 15/07/2004, MÁRCIA outorgou a gestão da empresa a Vera Lúcia Rodrigues da Silva, secretária exclusiva de Edemar Cid Ferreira, e a RUY RAMAZINI.

A empresa Atalanta Participações e Propriedades Ltda. foi constituída em 14/11/2001. Inicialmente seus sócios eram MÁRCIA DE MARIA COSTA CID FERREIRA e EDNA FERREIRA DE SOUZA E SILVA, irmã de Edemar Cid Ferreira. Em fevereiro de 2002 a empresa off shore Blueshell Inc., sediada no "paraíso fiscal" das Ilhas Virgens Britânicas, ingressou na empresa como sócia majoritária, tendo como procuradora MÁRCIA DE MARIA COSTA CID FERREIRA. Menos de um mês depois, a Valence Enterprises Inc., cuja procuradora era EDNA, também ingressou na empresa. Em janeiro de 2003 a Valence Enterprises Inc. foi substituída pela Principle Enterprises Inc. Em agosto de 2004 a razão social da empresa foi alterada para Atlanta Participações e Propriedades Ltda. Em setembro de 2004 outra empresa, a Atalanta Investimentos Ltda., foi constituída, tendo MÁRCIA e seu filho Eduardo Costa de Cid Ferreira como sócios.

A empresa Hyles Participações e Empreendimentos Ltda. - sucessora da Hyles Participações e Empreendimentos S/A - foi constituída em 04/01/1994, tendo, nessa época, MÁRCIA DE MARIA COSTA DE CID FERREIRA e EDNA FERREIRA DE SOUZA E SILVA respectivamente como diretora-presidente e diretora-superintendente. Foi transformada em sociedade limitada em 1996, quando ingressou no quadro social a empresa off shore Bokara Corporation sediada no "paraíso fiscal" das Ilhas Virgens Britânicas. EDNA passou a ser sócia minoritária e MÁRCIA assumiu o papel de gerente delegada. Em dezembro de 1999 Rodrigo Rodrigues de Cid Ferreira também assumiu o papel de gerente delegado, ao lado de sua mãe, tendo tal quadro permanecido inalterado até janeiro de 2003, quando a Bokara Corporation foi substituída pela Wailea Corporation - empresa constituída em 27/12/2002 - também com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, tendo EDNA como sua procuradora.

A empresa Cid Collection Empreendimentos Artísticos Ltda., proprietária da coleção de arte de Edemar, foi constituída em março de 2003 e apresentava como sócios, além de MÁRCIA DE MARIA COSTA CID FERREIRA, Rodrigo Rodrigues de Cid Ferreira, Eduardo Costa Cid Ferreira - filho de MÁRCIA -, e a empresa off shore Waileea Corporation, que tinha como procurador Rodrigo Rodrigues de Cid Ferreira. Em novembro de 2004, o capital da empresa foi alterado e esta se transformou em sociedade anônima, tendo MÁRCIA assumido a função de diretora-presidente e seus filhos Eduardo e Rodrigo a de diretores.

Os réus compunham o quadro societário das empresas acima citadas, mas de modo peculiar. Conforme seus interrogatórios judiciais, muitas vezes sequer sabiam onde ficavam as sedes dessas firmas:

RUY assim declarou (fls. 907/949):

"(...)
JUIZ: Do Banco Santos não era empregado?
DEPOENTE: Jamais fui empregado.
JUIZ: E Edemar Cid Ferreira, conhece?
DEPOENTE: Conheço. O seguinte: Eu fiquei conhecendo o Dr. Edmar dia 7 de março de 87, através da empresa Claymore do Brasil Limitada.
(...)
DEPOENTE: Era empregado da empresa. Eu fui apresentado por uma agência de empregos e pelo meu currículo que eu havia ficado 18 anos no Bradesco, mais alguns bancos, mais algumas empresas e acabei sendo admitido como o gerente financeiro e administrativo.
JUIZ: E o Edemar?
DEPOENTE: Era o Procurador. Não é. Dessa consultoria. Essa consultoria trabalhava com pesquisa, participações em empreendimentos e, ele também, na época era o dono da Santos Corretora de câmbios e Valores SA.
(...)
DEPOENTE: Bom, essa consultoria trabalhou durante muitos anos. Participou de bastantes projetos e além disso também eu fui incumbido de cuidar da casa, dos funcionários da casa, de tudo que se referia à casa e dos imóveis da família.
JUIZ: Então, o senhor era empregado da empresa, ele era o Procurador ou era o dono da empresa?
DEPOENTE: Ele era o Procurador.
JUIZ: E quem eram os donos da empresa?
DEPOENTE: O dono era de uma empresa estrangeira.
JUIZ: Qual o nome da empresa?
DEPOENTE: Era a Claymore A.G.
JUIZ: Essa empresa ficava aonde?
DEPOENTE: Na Suíça.
JUIZ: Na Suíça. E quem era o Procurador da Claymore A.G.?
DEPOENTE: Era o Dr. Edemar.
(...)
JUIZ: Eu não entendi qual era o objeto social da empresa?
DEPOENTE: Ela atuava em pesquisas, e atuava também.
(...)
DEPOENTE: Pesquisas de estratégica para montar negócio.
JUIZ: E o senhor foi contratado para fazer exatamente o quê?
DEPOENTE: Havia 18 funcionários. Eu tinha de cuidar do escritório, cuidar dos funcionários.
(...)
DEPOENTE: Serviço administrativo porque além disso também da casa e dos imóveis particulares da família.
(...)
JUIZ: Então o senhor estava acima dos funcionários da empresa.
DEPOENTE: Sim, como gerente.
(...)
JUIZ: Não lembra. Por quanto tempo trabalhou nessa empresa?
DEPOENTE: Até fevereiro de 90 quando veio o Plano Collor.
(...)
JUIZ: O senhor trabalhou na Santos corretora?
DEPOENTE: Era uma empresa paralela.
(...)
JUIZ: Bom. E até 1990, depois de 1990?
DEPOENTE: Eu. Foi foi interessante porque conforme eu fiquei desempregado eu voltei na mesma agência que havia me indicado e, lá eles estavam precisando de um contador. Então, imediatamente comecei a trabalhar lá.
(...)
JUIZ: Agência de emprego. Mas o senhor paralelamente trabalhava também na administração dos imóveis e na administração da casa?
DEPOENTE: Não. Cessou tudo naquela época.
JUIZ: Cessou tudo? A administração da casa é aquela primeira casa antes da demolição?
DEPOENTE: Isso. Perfeito.
(...)
JUIZ: De 90 em diante?
DEPOENTE: Eu fiquei trabalhando nessa empresa e quando foi em 91 a situação melhorou. Então, o Dr. Edemar me convidou que eu retornasse.
JUIZ: E o senhor retornou?
DEPOENTE: Eu retornei. Naquela ocasião foi criada a empresa MAREMAR, o nome dele, em nome da sua mãe, e eu fui registrado nessa empresa como contador.
(...)
DEPOENTE: Ela foi criada em 91.
JUIZ: Com que objetivo?
(...)
DEPOENTE: Era serviços de promoções.
JUIZ: Promoções de quê?
DEPOENTE: Algum evento que ela poderia participar.
(...)
JUIZ: E administração. O senhor era o único administrador da empresa?
DEPOENTE: Sim.
JUIZ: E mais alguém auxiliava o senhor?
DEPOENTE: Eu tinha um mensageiro só.
JUIZ: O Edemar fazia alguma coisa na empresa?
DEPOENTE: Não.
JUIZ: Alguém da família tinha atividade?
DEPOENTE: Não.
JUIZ: O senhor cuidava sozinho da MAREMAR?
DEPOENTE: Sozinho da MAREMAR.
JUIZ: Quais os eventos que ela promoveu?
DEPOENTE: Olha. Perdão. Essa parte de eventos, tudo isso, na realidade se pensou em alguma coisa e não produziu nada.
JUIZ: Quem pensou o quê?
DEPOENTE: Era o Dr. Edemar.
JUIZ: Edemar pensou o quê?
DEPOENTE: Que ali alguns eventos seriam promovidos através da MAREMAR, mas depois no fim, na realidade quem começou a trabalhar nessa época foi o banco, e foi a SANTOS CORRETORA. O banco em si começou a trabalhar pouco. Então, ele começou a se dedicar ao banco, porque o banco foi criado em 89.
JUIZ: Só um momentinho. O Edemar começou a trabalhar no banco é isso que o senhor quer dizer, ou na corretora?
DEPOENTE: A corretora sempre pertenceu a ele.
JUIZ: Sim.
DEPOENTE: Agora, em 89 o governo propiciou que toda a corretora poderia abrir um banco. Então, em 89 foi criado o banco, no qual também eu pude ajudar nos registros do banco e da SANTOS CORRETORA.
JUIZ: E o senhor ajudou nisso?
DEPOENTE: Na formalização do banco.
JUIZ: E a MAREMAR, volto, insisto, qual a atividade que a MAREMAR produziu de fato?
DEPOENTE: Na realidade se pensou numa coisa que não deu certo e, por fim, ela...
JUIZ: Quando foi constatada que não deu certo essa coisa?
DEPOENTE: Acho que nos primeiros seis meses houve mudança de rumo.
JUIZ: Nos primeiros seis meses a partir de 1990?
DEPOENTE: 91.
JUIZ: 91. Mudança de rumo. O que o senhor quer dizer?
DEPOENTE: Não, porque se pensou que ela pudesse participar de alguma coisa, mas encontrou dificuldades, teria de contratar funcionários, tudo, e ele resolveu se dedicar ao banco. E a MAREMAR ficou sendo uma empresa justamente para ter os funcionários da casa que não queriam mais registros de empregados domésticos, e sim, registro pela CLT.
(...)
DEPOENTE: Eu permaneci na MAREMAR, sempre.
(...)
DEPOENTE: Fiquei até agora, até fevereiro de 2005.
JUIZ: O que aconteceu em fevereiro de 2005?
DEPOENTE: Fui demitido.
(...)
JUIZ: Quantos empregados a MAREMAR tinha em fevereiro de 2005?
DEPOENTE: Aí houve o seguinte. Ela Chegou a ter, antes de fevereiro, ela chego a ter mais funcionários da casa em torno de uns 18 a 20 funcionários. Depois esses funcionários passaram para outra empresa. Eu sei que no final nós estávamos em 8. Em fevereiro.
JUIZ: Qual outra empresa que eles passaram?
DEPOENTE: ATALANTA.
(...)
JUIZ: Esses veículos eram adquiridos em nome da MAREMAR. É isso?
DEPOENTE: Eram...Eles eram adquiridos em nome da HYLES. Porque a HYLES mantinha os bens, móveis e imóveis da família.
JUIZ: O senhor tinha alguma atuação da HYLES?
DEPOENTE: Sim, porque desde 87, então, quando, sempre cuidei dos imóveis da família. Então a mínima atuação era justamente essa de locação, de reforma de imóveis, de manter terrenos, evitar que fossem invadidos, etc, NE, com vigias.
JUIZ: O senhor acompanhou a aquisição desses veículos?
DEPOENTE: Acompanhei. Fui na loja.
(...)
DEPOENTE: Eu recebia o cheque, fui na loja e paguei. Fiz só o pagamento.
(...)
JUIZ: O senhor recebeu a incumbência de quem?
DEPOENTE: Da secretária dele. A Dona Vera me deu o cheque e pediu que eu fosse à agência fazer o pagamento.
(...)
JUIZ: O senhor falou que muitos empregados foram trabalhar na ATALANTA?
(...)
JUIZ: Essa empresa, qual é o objeto?
DEPOENTE: A ATALANTA foi a empresa que a dona da casa. Ela é proprietária da casa.
(...)
JUIZ: Da casa. E quem são os proprietários da ATALANTA?
DEPOENTE: Os proprietários da ATALANTA é a dona Márcia.
JUIZ: Sozinha?
DEPOENTE: Não. Tem uma sócia no exterior.
(...)
JUIZ: O senhor já ouviu falar da empresa BLUESHELL?
DEPOENTE: Sim, a BLUESHELL era a sócia estrangeira.
JUIZ: O senhor falou da HYLES.
(...)
JUIZ: A HYLES, ela tinha propriedade dos veículos e tinha mais alguma outra propriedade?
DEPOENTE: Os imóveis da família.
JUIZ: Mas sozinha ou junto com outra empresa?
DEPOENTE: Sozinha.
JUIZ: Quanto a casa pertencia só a HYLES?
DEPOENTE: Inicialmente sim. Da rua Gália sim. Mas havia outros bens também.
JUIZ: E depois? Depois, por exemplo, imóvel da rua Gália, quem foi o outro proprietário da imóvel?
DEPOENTE: ATALANTA. E depois mais tarde houve a unificação.
(...)
DEPOENTE: Olha. Eu... É unificação dos lotes, né, junto à prefeitura, né, essa...
(...)
JUIZ: BOKARA CORPORATION, o senhor já ouviu falar? BOKARA.
DEPOENTE: É sócia da HYLES.
(...)
DEPOENTE: É uma empresa estrangeira. Não sei.
JUIZ: Quem é o procurador dessa empresa?
DEPOENTE: Dona Márcia e se não me engano o filho dela o Rodrigo.
JUIZ: E a BLUESHELL?
(...)
DEPOENTE: Também não sei.
JUIZ: E os procuradores?
DEPOENTE: Dona Márcia.
(...)
JUIZ: RUTHERFORD TRADING?
DEPOENTE: Essa... RUTHERFORD, né? Eu participei dela com uma cota só para compor a diretoria.
(...)
JUIZ: Além do senhor que compôs a diretoria do RUTHERFORD, que, com o senhor compunha essa diretoria?
DEPOENTE: É...RUTHERFORD, eu acho que era o senhor Parrini.
JUIZ: Senhor?
DEPOENTE: Renello Parrini. Acho que era ele.
JUIZ: O senhor conhece.
DEPOENTE: Conheço, ele foi Presidente da ASSOCIAÇÃO BRASIL 500 ANOS, e uma vez eu fui levar documento no prédio da Oca do Ibirapuera para ele assinar. E uma vez também estive na residência dele, e procurei uma assinatura dele. Na realidade, eu acho que foram quatro ou cinco encontros.
JUIZ: Ele fazia o quê? Ele era Presidente da ASSOCIAÇÃO BRASIL 500 ANOS. Tinha mais outra atividade ele?
DEPOENTE: Não. Ele era uma...Ele quem cuidou da exposição Brasil 500 anos no Ibirapuera, né. E as outras exposições dos guerreiros da China, etc. Esses eventos, né.
JUIZ: Ele tinha alguma relação de afinidade com o Edemar ou com a Família?
DEPOENTE: Ele foi contratado para cuidar da exposição, e da reforma também do prédio da Oca.
(...)
JUIZ: Qual é o objeto da RUTHERFORD?
DEPOENTE: Olha, eu não, na realidade eu só assinei ali o ato de constituição. Eu nunca compareci na sede, nunca assinei nada.
JUIZ: Onde era a sede?
DEPOENTE: Sede...Eu não me recordo.
JUIZ: Sabe pelo menos o bairro?
DEPOENTE: Não. Não porque eu nunca compareci na sede, né, eu apenas assinei.
JUIZ: O senhor ganhava por figurar como diretor administrativo nessa empresa?
DEPOENTE: Nenhum centavo.
JUIZ: E por que o senhor aceitava isso? Esse convite o senhor tinha como uma determinação?
DEPOENTE: Olha, esse convite era formulado porque eu era o único funcionário que não pertencia nem ao banco, nem a SANTOS CORRETORA e nem a SANTOS SEGURADORA, eu era completamente desvinculado.
JUIZ: E a razão do convite seria esse, então?
DEPOENTE: Era uma troca de gentilezas, assim, de confiança, né, por ser um funcionário tão antigo.
JUIZ: O senhor ganhava quanto para a troca de gentilezas?
DEPOENTE: Não. Troca de gentileza, não. Eu ganhava como funcionário da MAREMAR.
(...)
JUIZ: O que mais o senhor fazia, mesmo?
DEPOENTE: contador da HYLES.
JUIZ: Contador da HYLES. Para figurar como diretor da RUTHERFORD também?
DEPOENTE: Não. Na RUTHERFORD é apenas foi para compor uma, para fazer parte, número na direção.
(...)
JUIZ: O senhor falou que o Renello organizou essas exposições, Brasil 500 anos? Qual outra que o senhor falou, da China?
DEPOENTE: Da China, os guerreiros da China. Teve outra exposição da Rússia, diversas exposições. Todas exposições que foram na oca todos os eventos foram administrados por ele.
JUIZ: Esses eventos eram patrocinados de que forma?
DEPOENTE: Nessa época, a MAREMAR começou a receber remessas do exterior.
JUIZ: Qual é a época?
DEPOENTE: Acho que foi em 99.
(...)
JUIZ: O objetivo era as exposições?
DEPOENTE: A MAREMAR recebia através de contratos de câmbio e, depois era repassados para a ASSOCIAÇÃO BRASIL 500 ANOS.
JUIZ: Mas recebia a que título?
DEPOENTE: A título de mútuo. A título de empréstimo.
JUIZ: Emprestados por quem?
DEPOENTE: Isso eu desconheço. Eu não me recordo, apesar do nome constar no contrato de câmbio, mas eu não me recordo.
JUIZ: Esses empréstimos foram pagos?
DEPOENTE: Que eu saiba, não.
(...)
JUIZ: O senhor. Então, o senhor estava falando dos empréstimos e o senhor falou da MAREMAR e agora eu pergunto da ATALANTA. Ela recebeu valores, o senhor falou que recebeu muitos valores, é isso?
DEPOENTE: Sim, senhor.
JUIZ: E valores oriundo de onde? A título de multa também?
DEPOENTE: Não. Era, era. A sócia estrangeira investindo.
(...)
JUIZ: E a ATALANTA o objeto dela era qual?
DEPOENTE: Construção de casa.
(...)
JUIZ: O senhor tomou conhecimento disso por que?
DEPOENTE: Porque eu e a Dona Vera éramos Procuradores da ATALANTA. Fomos nomeados Procuradores da ATALANTA, e a mim coube acompanhar a obra como fiel depositário da --
(...)
JUIZ: Tudo isso por conta dos 4 mim e 500 reais que o senhor ganhava como empregado da MAREMAR? É isso?
(...)
DEPOENTE: É.
JUIZ: Quem pediu para o senhor figurar como Procurador da ATALANTA?
DEPOENTE: O senhor Edemar.
JUIZ: ATALANTA pertencia a quem, afinal?
DEPOENTE: Dona Márcia.
(...)
JUIZ: Então, ela que era a proprietária? E afinal a Márcia fazia o que? Qual era a atividade da Márcia desde 87?
DEPOENTE: Ela era esposa dele e sócia de empresas.
JUIZ: Mas fisicamente ela trabalhava nas empresas?
DEPOENTE: Não.
JUIZ: Fisicamente ela trabalhava aonde?
DEPOENTE: No lar.
(...)
JUIZ: Bank of Europe? O que o senhor tem a dizer?
DEPOENTE: Bom.
JUIZ: O senhor já ouviu falar?
DEPOENTE: Já.
JUIZ: O senhor teve alguma atuação, ou empresa aqui no Brasil que dizia respeito do, Bank of Europe?
DEPOENTE: Sim, acho que 94 o Diretor Comercial, senhor Martineli me chamou e me disse o seguinte. Que estava sendo criado uma plataforma, uma empresa chamada SUPORT, do qual a dona edifício má havia ficado sócia (sic). E precisaria de um outro sócio. Então, me convidou, então, para que eu pudesse participar da SUPORT, e no momento, eu achei gratificante, porque a dona Edna era irmã do Dr. Edemar, e também a esposa do senhor Rivaldo Dias de Souza, que foi diretor do banco, foi diretor da SANTOS CORRETORA.
(...)
JUIZ: E o que tem a ver a SUPORT com o Bank of Europe?
DEPOENTE: Então, a SUPORT foi que, segundo ele me informou era um quadro de elites de gerentes que iriam atuar para aproximar clientes do banco. E também aproximar clientes no exterior que pudesse investir no Brasil.
(...)
JUIZ: quando o senhor fala SUPORT é SUPORT FINANCIAL SERVICE REPRESENTAÇÕES?
DEPOENTE: Perfeito.
(...)
DEPOENTE: É. 94. Aí eu fiquei como sócio durante um ano e meio e ele me propôs que como representante legal eu recebesse um prolabore em torno de mil e 500 reais.
(...)
DEPOENTE: Mil e quinhentos. Isso durante um ano e meio, depois eu me afastei da SUPORT.
(...)
JUIZ: Em 98 retornou?
DEPOENTE: Sócio da SUPORT.
JUIZ: Mas sozinho.
DEPOENTE: Não. Junto com a Dona Edna.
(...)
JUIZ: Mas que tipo de operação ela chegou a fazer?
DEPOENTE: Isso eu não sei, porque eu não participava, eu não geria...Eu apenas assinei contrato.
JUIZ: Quem geria?
DEPOENTE: Eu e a Dona Edna demos uma procuração ao senhor Joaquim Nogueira. Ele geria a empresa.
(...)
JUIZ: Só voltar um pouco. Quando o senhor fala nos contratos de mútuos. Esses mútuos eram celebrados em nome, por exemplo, da MAREMAR, era um lado?
DEPOENTE: E a ASSOCIAÇÃO BRASIL 500 ANOS.
JUIZ: E a ASSOCIAÇÃO BRASIL 500 ANOS. E quem assinava em nome da ASSOCIAÇÃO BRASIL 500 ANOS era o?
DEPOENTE: Senhor Renello Parrini.
JUIZ: Consta na acusação que 60% do valor em mútuo, 437 milhões destinaram-se à Márcia de Maria Costa Cid Ferreira?
DEPOENTE: Ela também recebeu.
JUIZ: Recebeu porque razão?
DEPOENTE: Ela fazia aporte na PROCID.
JUIZ: Para o PROCID o quê?
DEPOENTE: PROCID PARTICIPAÇÕES, ela...
(...)
DEPOENTE: A PROCID aportava capital no banco.
JUIZ: O capital aportado ao banco era proveniente desses empréstimos, provenientes da MAREMAR, que por sua vez era proveniente de empresas no exterior. É isso?
DEPOENTE: É isso.
(...)
JUIZ: E a empresa E-FINANCIAL? O senhor já ouviu falar?
DEPOENTE: Eu ouvi falar nessa empresa que ficava num prédio próximo ao banco. É a única coisa que eu sei falar.
(...)
JUIZ: BRASIL CONNECTS CULTURA?
DEPOENTE: Ela sucedeu à ASSOCIAÇÃO BRASIL 500 ANOS.
JUIZ: Recebeu valores também?
DEPOENTE: Recebeu valores também. Mútuos.
JUIZ: Mútuos da MAREMAR?
DEPOENTE: Da MAREMAR.
JUIZ: O senhor pode quantificar esses valores? Tem condições?
DEPOENTE: Não tenho condições. Apenas aquilo vinha pronto. Eu assinava os mútuos, assinava os contratos de câmbio, eram mensais, quinzenais.
JUIZ: Isso em que período?
DEPOENTE: Acho que a partir de 2001, 2002, 2001...
(...)
DEPOENTE: Assim que cessou a ASSOCIAÇÃO BRASIL 500 ANOS.
JUIZ: E até quando a BRASILCONNECTS recebeu valores?
DEPOENTE: Até 2004.
JUIZ: O senhor emitia cheques em nome da MAREMAR?
(...)
DEPOENTE: Assinava cheques, porque eu era Procurador junto com a Dona Vera.
(...)
DEPOENTE: Pagava salários, pagava consertos de veículos, pagava uma série de coisas, seguro, IPVA. Tudo que se referia à casa, assim, ela pagava.
(...)
DEPOENTE: Em geral. Hidráulica, elétrica, tudo que se referia, telefônica, contas de telefone.
JUIZ: E os recursos provenientes da MAREMAR eram sempre esses recursos mutuados?
DEPOENTE: Não. Não. Vejamos. O meu trabalho sempre foi junto à casa, junto aos imóveis da casa, da família. Então, em 92 quando eu e a Dona Vera formos nomeados Procuradores, então, passamos a trabalhar com uma relação de despesa mensal, entre 15 a 30 mil reais. Esses valores -
(...)
DEPOENTE: Esse valor mensal da MAREMAR não havia mútuos.
(...)
JUIZ: Depósitos realizados por quem? Pelo Edemar?
DEPOENTE: Olha, eu não sei, porque, na realidade eu entregava a relação e depois ela depositava na conta. Isso eu nunca perguntei.
(...)
JUIZ: a Vera Lúcia tinha autonomia para agir só ou ela cumpria ordens do Edemar ou de outra pessoa?
DEPOENTE: Não. Todos nós cumprimos determinações.
JUIZ: Então, a Vera Lúcia cumpria determinações de quem?
DEPOENTE: Do Dr. Edemar. É a secretária exclusiva dele.
(...)
JUIZ: Consta que a MAREMAR teria emprestado 29 milhões à PROCID INVEST PARTICIPAÇÕES. O senhor tem conhecimento disso?
DEPOENTE: Não. Não me recordo dessa passagem, não.
(...)
JUIZ: Com relação à obra que foi feita na casa.
(...)
JUIZ: Os valores pagos para a construção da casa foram provenientes da MAREMAR?
DEPOENTE: Não.
(...)
DEPOENTE: Da ATALANTA.
(...)
JUIZ: Essa casa que foi demolida, no local foi feito uma casa de hóspedes?
DEPOENTE: Olha -
(...)
DEPOENTE: Algumas vezes eu cheguei a entrar, porque na realidade, além de assinar com a Dona Vera, eu fiquei como responsável fiel de receber os relatórios da MÉTODO ENGENHARIA e guardar as notas fiscais originais, ISS, DARF, guias do INSS e verificar também se todos os tributos tinham sido recolhidos. Para que no término da obra não houvesse dificuldade com Ab Teus e a certidão do INSS (sic). Essa foi a responsabilidade que eu recebi.
(...)
DEPOENTE: Eu sei que parte da obra foi importada, né, porque além de tomar, além de ser o fiel depositário das notas fiscais eu também recebia toda a contabilidade da obra. Para encaminhar a um escritório de contabilidade. Então, parte, aliás, parte...Porque parte era remetida pelo senhor Ângelo.
(...)
DEPOENTE: Senhor Ângelo é um gerente administrativo do banco que ele sim acompanhou os fornecedores, acompanhou a construção da obra.
JUIZ: Administrativo de que banco?
DEPOENTE: do BANCO SANTOS.
(...)
DEPOENTE: Meritíssimo. Eu queria dizer o seguinte, que eu discordo dessa parte de lavagem de dinheiro. Nem sei como é que essa história funciona. O meu perfil sempre foi de cuidar da casa, de cuidar da família, levar os meninos ao aeroporto, receber no aeroporto, fazer matrícula, tudo que se referia à família. E os bens familiares.
(...)
JUIZ: E as assinaturas que o senhor fazia figurava como Procurador, isso aquilo era apenas uma troca de gentilezas.
DEPOENTE: Não. Isso foi solicitado. Foi pedido que essa coisa apareceu depois. Não é. E em 92 eu fui Procurador da MAREMAR junto com a Dona Vera e não havia nada disso. Isso começou a surgir mais tarde. E, como nós tínhamos Procurações que eram, que eram renovadas anualmente. Então, nós passamos, continuamos à assinar as coisas da casa e também esses contratos de campo que apareciam.
(...)
MPF: Diz que recebeu relatório da Método e que foi designado por como depositário das notas fiscais da construção da mansão da rua Gália. Essa designação para depositário partiu de quem?
DEPOENTE: Partiu, partiu do Dr. Edemar.
(...)
MPF: Ouviu falar nas empresas AJUSTA e CONTASERV?
DEPOENTE: Sim, eu fui sócio da AJUSTA e da CONTASERV.
(...)
JUIZ: A pedido?
DEPOENTE: Do senhor Álvaro Cabral Zuchelli.
(...)"

Márcia de Maria Costa Cid Ferreira, por sua vez, declarou que parou de trabalhar como engenheira civil quando se casou com Edemar. Aduziu ter se casado mediante o regime de separação total de bens para sua própria segurança financeira, uma vez que Edemar era um empresário bem sucedido e oito anos mais velho que ela.

Insistiu que, à proporção em que foram adquirindo bens, esses eram colocados em nome dela para "sua segurança". Afirmou assinar os documentos que Edemar lhe apresentava porque tinha total confiança em seu marido. Só foi ao Banco Santos S.A. uma vez, na inauguração de exposição, e sempre assinava os papéis entregues por Edemar em sua própria casa. Tinha consciência de figurar no contrato social da Maremar e Atalanta, e lia o que assinava, ressalvando que, na realidade, as empresas Maremar, Atalanta, Hyles, Cid Ferreira Collection e Brasilconnects eram administradas por Edemar. Não conhece a Rutherford Trading e nunca tinha ouvido falar de Bank of Europe, Principal, Bokara Corporation, Wailea Corporation, Dome Securities, Winterbothan, Suport Financial, Unipart, Alsace Lorraine, Trumanx, Eurotrust. Porém, conhece a empresa Valence de nome, porque assinou alguns papeis a pedido de Edemar. Já ouviu falar da empresa PROCID. Nada sabia sobre o recebimento dos 437 milhões pela Maremar e nem sobre os valores doados a Edemar, tampouco sobre os 166 milhões transferidos à Brasilconnects. Acreditava que o sucesso financeiro de seu marido era fruto dos lucros do Banco Santos S.A. e não de atividades ilícitas. A propósito da "grandiosidade da casa" em que viviam, era o desejo de Edemar adquirir obras de arte e enfeitar a moradia com elas, insistindo em que a administração da casa e a aquisição e transferência das obras de arte eram realizadas só por Edemar. Declarou não conhecer Hubert Secretan e Álvaro Zuchelli, mas conhecer Renello Parrini porque sempre esteve presente nas inaugurações de exposições de Edemar. Conhece Mario Arcângelo Martineli como uma pessoa de importância no Banco Santos S.A., e sabia que Ruy Ramazini trabalhava administrando algumas empresas, cuidando das despesas da casa. Afirmou que Edna morava com a mãe (sua sogra) que sofre do Mal de Alzheimer há aproximadamente 07 anos (fls. 962/990).

Por fim, Renello Parrini declarou que conheceu Edemar em 1995 ou 1996 - então presidente da Bienal de São Paulo - num jantar oferecido por Claudia Matarazzo que tinha por objetivo discutir o "mundo cultural". Após uma visita à Bienal, para sua surpresa, foi convidado por Edemar para ser o diretor adjunto da fundação com o objetivo de reestruturá-la, permanecendo no cargo por quatro ou cinco gestões. Por sugestão do Ministro da Cultura Francisco Weffort, em 1999 a Bienal decidiu fazer uma exposição chamada Mostra do Descobrimento em comemoração ao Descobrimento do Brasil. Para evitar problemas de gestão de contas foi criada, então, a Associação Brasil 500 Anos, na qual atuou como diretor executivo. Participou como conselheiro de várias Bienais, sendo as exposições patrocinadas por vários empresários e firmas, inclusive o Banco Santos S.A.. Participou de jantares e festas realizadas para o "mundo cultural" na casa de Edemar. No final da Mostra do Descobrimento, Edemar quis reestruturar a Associação Brasil 500 Anos e mudou seu nome para Brasil Connects, sendo então retirado do cargo de diretor executivo e tendo ingressado em seu lugar Jean Carlos Veríssimo. Em 2001 foram realizadas exposições de arte no exterior: Chile, Argentina, Estados Unidos, Inglaterra, França, Itália, Dinamarca, Rússia, Portugal, China e Japão, os dois últimos entre 2002 e 2004. Havia dois grupos de patrocinadores dessas exposições internacionais: o primeiro, de grandes empresas privadas como Telesp Celular, Visa, Unibanco, Bradesco, Banco Santos, etc.; e o segundo, por meio de recursos próprios decorrentes de mútuos, dos quais Edemar ou membros de sua família eram proprietários. Edemar dizia sempre que o "dinheiro era dele". Nos dois anos em que atuou como diretor executivo da Brasil Connects, o valor de patrocínio chegou a aproximadamente quarenta milhões de reais, dos quais trinta milhões eram provenientes de empresas privadas. O Banco Santos S.A.. deve ter contribuído com quinhentos mil ou um milhão de reais, enquanto os mútuos provenientes da Maremar chegavam a dez milhões de reais. Até a intervenção no Banco Santos, recebia cinco mil reais por mês da Brasil Connects, e, no último semestre, recebeu dez mil reais. Os valores eram depositados em sua conta pela Invest Santos, que acredita ser de propriedade de Edemar. Todos os assuntos de pagamentos com os executivos empregados da Brasil Connects eram tratados diretamente com Edemar. Em 2002, dirigiu-se a Edemar para solicitar um cargo como executivo ou membro de Conselho de Administração em alguma empresa pertencente a Edemar, pois já não era mais executivo do Brasil Connects, com o cargopoderia aumentar seus recursos pessoais. Nessa ocasião, Edemar lhe disse que montaria uma empresa de trading de origem holandesa no Brasil, assegurando-lhe que poderia tornar-se o representante dele nessa nova firma. O réu disse que nada sabia sobre trading, mas Edemar insistiu afirmando que trabalhariam com soja, e que poderia obter o conhecimento necessário diante da sua experiência e currículo. Foi representante da Rutherford Trading S/A, com poderes para assinar, durante cinco ou seis meses, recebendo por isso cinco mil reais por mês, apesar de nunca ter participado de nenhuma atividade da empresa e sequer ficando em sua sede. Os documentos eram assinados a pedido de uma funcionária que trabalhava no Banco Santos, a qual depois veio trabalhar na Rutherford Trading S/A. Ruy Ramazin, segundo a funcionária do Banco Santos, atuava de fato na Rutherford Trading S/A. Permaneceu apenas alguns meses na Rutherford Trading S/A, pois pediu para Edemar alguma "outra colocação" ao saber que Edemar possuía, com sua família, um banco no exterior, mas, diante dos acontecimento de outubro de 2001 e das novas regras vigentes no Brasil, a família não mais poderia ser relacionada a esse banco - chamado Bank of Europe. Este banco pertencia a um trust montado por pessoas de confiança, e era de propriedade da família de Edemar. Tal conversa ocorreu em 2003, tendo Edemar lhe dito que, como era italiano e residente no Brasil, poderia ser membro do conselho de administração da entidade financeira indicada pelo trust, a Beauford, com sede na Suíça. Esclareceu, ainda, que um escritório de advocacia da Suíça estaria reorganizando o trust com o objetivo de eliminar as pessoas de sua família de tais entidades no exterior. O nome desse trust era Fribourg e havia uma proposta para mudá-lo para Eurotrust, com o apoio de advogados pertencentes aos escritórios Mattos Filho e Secretan Troyanov, este último na pessoa de Hubert Secretan. Afirmou que assinou documentos pela Beauford como forma de aceitação para ser nomeado como diretor, e que isso ocorreu a pedido de Ricardo Russo, João Ricardo de Oliveira Ribeiro, advogado do escritório Mattos Filho, e Hubert Secretan. Em 10/2003 esteve, juntamente com Ricardo Russo e João Ricardo, pela primeira e única vez em Antígua, onde conheceu Hubert - que se apresentou como advogado de um grupo de advogados suíços encarregado de reestruturar o trust em sintonia com o advogado João Ricardo. Hubert esclareceu ainda que trust é uma entidade cujo dever é cumprir uma série de instruções determinadas por pessoas (settlor) para um determinado fim. Segundo Edemar, sua esposa Marcia vertera dinheiro na Fribourg, posteriormente substituída pela Eurotrust. Em certas oportunidade Ricardo Russo lhe pediu que assinasse alguns documentos antes de se dirigirem a Antígua: um para figurar na Beauford suíça como diretor e outro na Simington, também como diretor (esta ficava entre o trust e a Beauford). Hubert revelou-se o estruturador internacional do novo trust, tendo ciência do objetivo, que era não aparecer qualquer vinculação de familiares de Edemar com o antigo trust (Fribourg) e com o Banco Santos. Esclareceu que o Bank of Europe estava abaixo do trust. Respondendo às perguntas da acusação, ressaltou que os valores recebidos pela Associação Brasil 500 Anos/ Brasil Connects foram bem maiores do que os mencionados nessa ocasião. Deduziu que Maremar pertenceria à família de Edemar porque Marcia assinava os documentos correspondentes. Pessoalmente e por várias vezes falou com Edemar alertando-o que os valores do patrocínio não eram suficientes para os projetos de exposição. Nestas ocasiões, Edemar mandava recursos da Maremar por meio de mútuos. A conversa se dava na Associação Brasil 500 Anos e ouvia Edemar dar ordens a pessoas do Banco Santos S.A. nesse sentido. Trabalhou na Rutherford entre o final de 2001 e começo de 2002 ou entre o final de 2002 e começo de 2003. Essa empresa foi constituída com o interrogando e Ruy Ramazini, e possuía sede física na Rua Amauri, no Itaim. O interrogando não sabe dizer se era esse o endereço que constava no estatuto social, mas afirma jamais ter trabalhado nesse endereço. No período em que figurou na Rutherford, assinava documentos que entregues por portador proveniente do Banco Santos S.A.. Os documentos versavam sobre a constituição e as entradas de recursos. Não chegou a conversar com Edemar sobre o seu afastamento da Rutherford, o que se deu por meio de uma funcionária do Banco Santos sob a alegação de que não possuía experiência em trading. As despesas de passagens aéreas e hotel eram pagas pela Support, cujo responsável era Ricardo Russo.

Por fim, negou a acusação de contribuir para a lavagem de valores decorrentes de ilícitos perpetrados por terceiros na direção do Banco Santos S.A..

A par de tudo isso, conforme apurado pelo Banco Central do Brasil (fls. 34/39), a empresa Maremar celebrou 148 contratos de câmbio, sendo os dois primeiros com o Banco Fibra S/A e os 146 restantes com o próprio Banco Santos S.A.. O objetivo destes contratos era receber os valores oriundos da sócia estrangeira Valence Entreprises Inc. e, posteriormente, da Principle Enterprises Inc., de 1995 a 2004. O ingresso total de divisas no período - a título de "capitais estrangeiros a longo prazo/participação em empresas no País" - foi de US$ 283.712.116,87, equivalentes a R$ 692.994.120,18. A maior parte desses recursos chegou ao Brasil através do Bank of Europe - BoE.

Embora conste dos documentos apresentados pela Maremar que os valores ingressados a título de investimento externo foram integralizados na sociedade, tão logo contabilizados como aumento de capital a maior parte dos recursos foi transferida para terceiros vinculados ao controlador do Banco Santos (Edemar) conforme veremos abaixo:

a) cerca de R$ 437 milhões destinaram-se a Marcia de Maria Costa Cid Ferreira, através de contratos de mútuo firmados, no período de 1997 a 2004. Não se tem notícia da liquidação dos contratos.

a.1) desses R$ 437 milhões recebidos por Marcia, R$ 293 milhões foram doados a Edemar Cid Ferreira. Observa-se que, em várias ocasiões de liquidação das operações de câmbio, a celebração do contrato de mútuo entre a empresa Maremar e Márcia e a doação de Márcia para seu marido Edemar ocorreram no mesmo dia.

a.2) dos R$ 293 milhões recebidos por Edemar, R$ 225 milhões não têm destino conhecido. O restante (R$ 68 milhões) foi aportado a título a título de aumento de capital, na Procid Participações e Negócios S/A (PROCID) - holding do Banco Santos S.A..

a.3) dos R$ 68 milhões aportados na Procid, R$ 51 milhões foram entregues ao Banco Santos S.A. a título de pagamento de cotas da empresa E-Financial, compradas pela PROCID. Em 20/06/2001 o BANCO SANTOS S/A adquiriu da Invest Santos cotas da E-Financial por R$ 988 mil, para pagamento em 10/07/2001. Na mesma data, o BANCO SANTOS S/A revendeu as cotas recém-adquiridas para a PROCID por R$ 51 milhões, pagáveis em 10 parcelas mensais. A PROCID efetuou o pagamento das cotas na primeira quinzena de agosto, a partir de valores disponibilizados por Edemar, a título de aporte de capital. Edemar, por sua vez, detinha recursos daquela monta a partir de doações efetuadas pela ré Marcia. A origem dos recursos estava atrelada às liquidações dos contratos de câmbio celebrados entre a Maremar e o Banco Santos S.A., a título de investimentos diretos realizados pelas firmas Valence e Principle no período de 06 a 15/08/2001. Com esse estratagema, o BANCO SANTOS S/A apresentou resultado positivo no balanço de 06/2001.

b) entre 1999 e 2004, aproximadamente R$ 166 milhões foram transferidos para a Brasil Connects Cultura, presidida por Edemar Cid Ferreira, a título de empréstimo. Desse valor, foi possível estabelecer correspondência direta de R$ 143 milhões com os contratos de câmbio celebrados entre a Maremar e seus sócios sediados em "paraísos fiscais". Segundo documentos apresentados pela Maremar, praticamente a totalidade dos mútuos celebrados em favor da Brasil Connects foi concedida por meio de emissão de cheques a débito da conta corrente da Maremar junto ao Banco Bradesco S/A (agência 3459 - conta 716.999). Por sua vez, o Bradesco S/A informou que a referida conta acolheu, no período de 06/2003 a 04/2004, créditos no total de R$ 29.239.778,33 e débitos no total de R$ 29.240.811,83. Avaliação efetuada pelo banco apontou, por seleção demonstrativa, que 92% do montante creditado na conta da Maremar foi lastreado por TEDs de mesma titularidade emitidas pelo Banco Santos S.A., sendo que, do lado dos débitos, 86% foi representado por emissões de cheques a favor de Brasil Connects. Portanto, a conta 716.999 da Maremar mantida no Bradesco S/A serviu principalmente para a passagem de recursos próprios do Banco Santos S.A ("TEDs de mesma titularidade") para a Brasil Connects.

c) entre março e julho de 2004, R$ 29,4 milhões foram emprestados à PROCID Invest Participações e Negócios S/A (que não deve ser confundida com a holding do Banco Santos - PROCID), a juros de 0,5% ao mês. Tal valor foi enviado para o Brasil por Valence/Principle. Observa-se que a PROCID INVEST e a PROCID (holding) possuíam o mesmo endereço do Banco Santos S.A.: Rua Hungria nº 1.100, 8º andar, Jardim Paulistano, São Paulo/SP. A PROCID INVEST era representada pela mãe de Edemar e a holding PROCID era representada por Ricardo Ferreira de Souza e Silva, sobrinho de Edemar.

d) desde 1995 a Maremar celebrou diversos contratos de pagamentos com subrogação e aquisição de créditos com o Banco Santos S.A., pactuando-se que o Banco não responderia perante a Maremar pela solvência das obrigações. Dessa forma, Maremar quitou integral ou parcialmente créditos não liquidados pelos clientes da instituição e considerados de difícil execução. No balanço da Maremar de 31/12/1999, os ativos constituídos por aquisições de créditos e pagamentos em subrogação atingiram R$ 38 milhões. Um ano depois, esse valor foi reduzido para R$ 2,7 milhões, sem, contudo, haver comprovação segura da efetiva liquidação das dívidas. Em contrapartida, os valores recebidos pela Maremar foram canalizados para a Associação Brasil 500 Anos a título de concessão de mútuos, cujo montante elevou-se de R$ 5.300.000,00 em 1999 para R$ 58.015.903,45 em 2000.

e) R$ 31 milhões foram objeto de outras aplicações financeiras, entre as quais se destacam aquelas em favor da corré Marcia no montante de R$ 3,6 milhões, além de R$ 3 milhões destinados a Edemar e R$ 1 milhão à Brasil Connects.

f) em 11/1998 e 03/2000 o valor equivalente a R$ 35.976.747,95 foi remetido a título de retorno de capital aos investidores estrangeiros Valence/ Principle. Segundo análise técnica do Banco Central, englobando as operações de remessas financeiras para a Valence/Principle ocorridas de 11/1998 a 10/1999 equivalentes a R$ 21.976.747,95, constatou-se que a liquidação dos respectivos contratos de câmbio foi efetuada com lastro em recursos depositados ou endossados pela corré Márcia, que agia também com Edemar.

De outro lado, consta que a empresa Atalanta contratou a empresa Neotec Comércio e Serviços de Engenharia Ltda. para administrar os custos da construção e decoração da mansão de Edemar Cid Ferreira, localizada na Rua Gália, nº 120, nesta Capital.

Apurou-se que os primeiros estudos do projeto da mansão foram realizados pelo arquiteto Ruy Ohtake e ocorreram no início de 2000, tendo a empresa Método iniciado as atividades de construção em 08/2001. A obra foi entregue em 06/2004.

Coincidentemente, entre a data da constituição da empresa em 2001 até a alteração de sua razão social em 2004, a empresa recebeu cerca de US$ 52 milhões. E quando a obra terminou, e Edemar e a corré Marcia nela se instalaram, a empresa Neotec Comércio e Serviços de Engenharia Ltda. foi deixada em segundo plano, não tendo mais recebido a atenção de seu sócio estrangeiro, a Principle Enterprises Inc. Constata-se, ainda que, sem considerar o valor dos terrenos, o custo dessa obra, avaliado em 07/2004, entre projetos, construção, mobiliário e equipamentos foi avaliado em aproximadamente R$ 143 milhões, dos quais, US$ 1,6 milhões foram gastos em vidros do fornecedor Glaverbel, cujo proprietário - Erwin Galtier - pediu a liquidação do Bank of Europe junto às autoridade de Antígua justamente porque Edemar não lhe teria pago o valor combinado. Além disso, consta que 378 mil Euros foram gastos em madeiras importadas da empresa Ideal Legno, tendo esta empresa recebido lançamentos nos dias 15/04/2003 e 16/07/2003 nos valores de US$ 105.287,66 e US$ 15.870,84, respectivamente, por conta da empresa Alsace Lorraine junto ao Bank of Europe. Entre maio e outubro de 2003, a Marmoles Novelda S/A recebeu US$ 132.928,36 relativos a aquisição de mármores travertinos; Peter Marino - arquiteto - recebeu quase R$ 9 milhões; e Ingo Maures recebeu R$ 2,6 milhões para montar um lustre sobre a mesa de jantar da mansão.

Ademais, as empresas Valence Enterprises e Blueshell, ambas sócias da Atalanta, também foram beneficiadas com transferências da conta do Bank of Europe.

Ors Imre Ferenc Szolnoky - sócio proprietário da Neotec Consultoria de Construção - confirmou que foi contratado pela empresa Atalanta através do Banco Santos S.A. para controlar os gastos da obra, supervisionando os gastos feitos pela construtora Método. Esclareceu que seu contato era feito sempre com Edemar, apesar de ser Marcia a responsável pela empresa Atalanta. Anexo ao seu depoimento consta o relatório final de controle de custos da obra detalhando os custos acima especificados (fls. 209/262).

O Bank of Europe - BoE, por sua vez, constituído por meio de uma engenhosa estrutura desenhada para dificultar a identificaçãode seu real proprietário, o Banco Santos S/A, com a ajuda de Ruy, Renello e Hubert Secretan, como já mencionado, executava em nível internacional as operações que no Brasil foram celebradas com interveniência das empresas "de fachada" concebidas para tal fim.

As empresas Unipart Investor Internacional (situada nas Bahamas), substituída pela Alsace Lorraine (situada nas Ilhas Virgens Britânicas), eram ambas correntistas do BoE. As respectivas contas eram assinadas, a primeira, por Edemar e Mário Arcangelo Martinelli (fls. 1984/1988, 1993/2025 e 2027/2030), e a segunda, por Edemar, Ricardo (filho de Edemar), Mário A. Martinelli, Álvaro Zuecheli Cabrasil e Marcelo Bernardini (fls. 1956/1961 e 1967/1968). Ambas as empresas funcionavam como emissoras de papéis a serem negociados com o Banco Santos S.A..

A empresa off shore Wailea, sócia majoritária da Cid Ferreira Collection foi favorecida com US$ 260 mil. O escritório de advocacia responsável pela constituição da Wailea, sediado nas Ilhas Britânicas e denominado Icaz, Gonzalez, Ruiz e Aleman Corp. Services Ltd - IGRACS, recebeu crédito do Bank of Europe.

A Associação Brasil 500 Anos também foi favorecida com transferência de recursos, assim como sua sucessora Brasil Connects, também dirigida por Edemar Cid Ferreira.

Vale colacionar o que foi dito pela Procuradoria Regional da República nos autos de nº 2006.61.81.004274-8 (embargos de terceiros): as empresas Atalanta, Hyles, Cid Collection e BrasilConnects sustentaram que Márcia era sócia controladora da Principle Enterprises , e que essas firmas eram as possuidoras diretas dos bens cujo sequestro foi levado a efeito nos autos de nº 2005.61.81.900396-6 (busca e apreensão). A exceção foi o imóvel da rua Gália, nº 120, em relação ao qual Atalanta e Hyles tinham a posse indireta, pois a posse direta estava em mãos de sua sócia controladora Marcia.

Pelo teor dos depoimentos acima, da comprovação de representação das empresas, da grandiosidade dos valores movimentados e do vulto dos documentos assinados, não há como negar que os réus, voluntária e conscientemente se tornaram sócios, procuradores e/ou beneficiários das múltiplas empresas ligadas, direta ou indiretamente, às atividades financeiras ilícitas do Banco Santos S.A..

Os acusados, embora tentassem se eximir de suas responsabilidades, não puderam evitar a revelação nítida de que, através das empresas que representavam ou dirigiam, permitiram o reingresso no país de valores sem vinculação com sua origem clandestina, em prol do BANCO SANTOS S/A e, em última análise, de Edemar Cid Ferreira e seus familiares.

O cenário que emerge de provas colhidas nos autos revela com clareza que as transações bancárias travadas a título de investimentos em empresas brasileiras, na verdade, representavam entradas de valores clandestinos que estavam no exterior, já que tudo girava em torno de um mesmo "eixo", cujo centro eram o BANCO SANTOS S/A e seu mandante maior.

Nesse panorama divisam-se outros fatos relevantes para a exata compreensão do comportamento atribuído aos acusados. São eles:

a) a fls. 1815/1831 o Banco Central informou os dados das operações de câmbio registradas no SISBACEN exclusivamente relativas a ingressos de divisas no Brasil no período de 01/05/1996 a 24/05/2006, a título de investimentos estrangeiros e empréstimos, tendo como beneficiárias as empresas Maremar, Atlanta, Cid Collection, Rutherford, Alpha e Brasilconnects, nos valores, respectivos de USD 281.952.116,87; USD 51.748.000,00; USD 2.560.000,00; USD 6.110.000,00; USD 27.570.000,00; USD 1.014.500,00.

b) de acordo com os contratos sociais registrados na Junta Comercial do Estado de São Paulo, as empresas Maremar, Atlanta, Hyels e Cid Collection aumentaram seus capitais sociais, desde as suas constituições e até o ano de 2004, em 35.600%, 6.200%, 0% e 74.000%, respectivamente.

Resumidamente, então, desvela-se o seguinte quadro de envolvimento dos acusados:

1) a empresa Maremar tinha como sócia minoritária Marcia e majoritária a empresa Valence, a qual era representada também por MARCIA, situação mantida quando da substituição da Valence Principle. Veja-se, pois, o caráter dúplice da atuação de MÁRCIA no âmbito da Valence. Tal empresa recebeu aporte das off shores e com isso teve um aumento de seu capital social da ordem de 35.600%.

2) A empresa Atalanta tinha como sócias minoritárias MARCIA e EDNA, e como majoritárias Principle e Bluesheel, a primeira representada por EDNA e a segunda por MARCIA, tendo recebido das off shores o valor de US$ 51.748.000,00, o que representou um aumento de capital na ordem de 6.200%. A empresa Hyles tinha como sócia majoritária a empresa Wailea que era representada por EDNA, sendo MARCIA e Rodrigo (filho de Edemar) os gerentes delegados.

3) A sociedade Cid Collection tinha como acionista majoritária a empresa Wailea, que era representada por Rodrigo e era presidida por MARCIA, e recebeu da off shore o valor de US$ 2.560.000,00, para um aumento do capital na ordem de 74.000%.

4) Por fim, a Rutherford, cujos sócios eram RENELLO e RUY, recebeu das off shores o valor de US$ 6.110.000,00 como ingresso de divisas, o que, somado aos demais recebimentos internos, atingiu US$ 170.439.812,89.

O entrosamento que vinculava essas entidades financeiras e seus dirigentes/representantes torna claro o objetivo comum: o reingresso de dinheiro "lavado", o que resta sem qualquer dúvida quando se verifica que muitas dessas empresas tinham o mesmo endereço ou caixa postal. Após se observar diversas alterações de endereços, chega-se à seguinte conclusão: (I) as empresas Maremar, Hyles, Atalanta apresentavam como endereço a Rua Dr. Guilherme Bannitz, nº 126, 2º andar, conjuntos 26, 38 e 50, respectivamente; (II) a Cid Ferreira Collection, que inicialmente tinha como endereço a Rua Hungria nº 110, então de propriedade do BANCO SANTOS S/A, alterou seu endereço para a Rua Mergenthaler, nº 900, onde se situava o depósito das obras de arte de Edemar.

Com relação às empresas off shore, temos o seguinte quadro: a Blueshell Inc., Bokara Corporation e Wailea Corporation apresentavam como endereços a Vanterpool Plaza, Wickhams Cay, Road Town, Tortola, Ilhas Virgens Britânicas. A Blueshell tinha como endereço a caixa postal PO Box 873. A Bokara e Wailea estão localizadas no 2º andar. Consta no estatuto da Wailea que a caixa postal PO Box 873, localizada no endereço acima mencionado, pertence ao escritório dos advogados que a constituiram, qual seja, Icaz, Gonzáles-Ruiz & Aleman (BVI) Trust Limited.

As empresas off shore panamenhas Valence Interprises e Principle Interprises apresentam o mesmo endereço, Bank of America Building, 59, Street, cidade do Panamá.

Vale também relembrar que a construção da mansão da Rua Gália igualmente se inseriu no processo de lavagem de dinheiro.

Insta salientar que, para a configuração do crime de lavagem de dinheiro, basta que o autor do crime saiba ou suponha saber que a fonte originária dos ativos e/ou bens dos bens é uma infração penal (artigo 1º, caput, e seu parágrafo 2º, inciso I, da Lei 9613/98); não se exige que o agente conheça exatamente a descrição da modalidade típica de onde advieram os ativos que são branqueados.

O cenário que se descortina do acervo probatório mostra que todos tinham conhecimento de que os elevados valores movimentados eram provenientes de ilícito.

Convém recordar nesse ponto que o art. 1° da Lei nº 9.613/98 prescinde de dolo específico, contentando-se com o dolo genérico (NUCCI, Leis penais e processuais penais comentadas, p. 828, RT) e esse elemento subjetivo é visível nas situações e condutas dos corréus. Deveras, o profundo envolvimento deles com figuras que notoriamente tem a ver com a lavagem de ativos desvela o dolo que os animou.

A propósito, ressalto que a ré MARCIA era a sócia fictícia mais frequente. Figurava como sócia das empresas Maremar, Atalanta, Cid Ferreira Collection, além de ser presidente e posteriormente gerente da empresa Hyles, e representante das off shores Valence, Principle e Blueshell.

Como representante da Valence, depositou um milhão de dólares na empresa DOME, que se apresentou inicialmente como dona do Bank of Europe, o qual posteriormente passou a ser controlado pela Fribourg Trust (cujo settlor era a própria Márcia) - sucedido pelo Eurotrust.

Apesar de tentar aparentar cândida inocência ao se apresentar como uma "senhora do lar", Márcia é mulher instruída, formada em engenharia, criada às voltas com o mundo político. Beiram o absurdo suas juras de "ingenuidade e completa ignorância" quanto ao teor, à origem e à consequência dos documentos que assinava, ou quando transacionava diuturnamente milhões de reais representando diversas empresas, muitas delas sediadas em "paraísos fiscais"; além disso, Márcia beneficiava-se diretamente do excessivo luxo proporcionado pelo dinheiro ilicitamente movimentado em favor do Banco Santos S.A. e de seu marido.

Nem de longe a condenação dos corréus deriva do singelo fato de seus nomes estarem em contratos sociais de empresas.

A prova dos autos escancara de modo contundente que o reingresso do dinheiro espúrio supostamente movimentado por Edemar e seus associados somente foi possível graças à eficaz e pronta colaboração de MARCIA, RUY e RENELLO.

RUY RAMAZINI figurava como sócio, procurador e/ou administrador de diversas empresas do Grupo, entre elas a empresa Maremar Empreendimentos e Participações Ltda., Atalanta Participações e Propriedades Ltda., Rutherford Trading S.A., Hyles Participações e Empreendimentos Ltda. e Alpha Negócios e Participações Ltda./Alpahtec Investing Corp.

A testemunha arrolada por esse réu, Maria Fumi Sato (fls. 2495/2533), confirmou que RUY sempre esteve às voltas com assinatura de papéis, documentos bancários, contratos sociais, etc., referentes às empresas Maremar, Atalanta, Hyles e Alpha. Nesse mesmo sentido, a testemunha José Marcos Rodrigues (fls. 2708/2710) afirmou ser o ajudante de RUY na empresa Maremar e esclareceu que RUY sempre era solicitado a apor suas assinaturas em documentos bancários.

Da mesma forma que MARCIA, RUY está muito distante de ser um sujeito simplório e iludido, envolvido em esquemas urdidos por espertalhões; pelo contrário, RUY é pessoa instruída, foi gerente financeiro de banco por 18 anos e era contador, não sendo crível aceitar que se envolveu com Edemar e o BANCO SANTOS S/A por simples troca de gentilezas.

RUY declarou expressamente que a empresa Maremar recebia créditos sob a rubrica de mútuos (contrato de câmbios) e que tais recursos eram destinados a despesas da casa, tais como consertos de veículos, seguro, IPVA, telefone, etc. O réu não soube explicar, porém, o recebimento de R$ 29,4 milhões por conta da Valence /Principle e que foram emprestados à PROCID.

Ademais, o vínculo de RUY com o BANCO SANTOS S.A. é claro quando se constata - pelas próprias palavras desse réu - que foi convidado para ser sócio das empresas; e foi feliz na colaboração criminosa que emprestou para lavar ativos, conforme bem se observa da evolução de seu patrimônio tal como deriva das Declarações de Ajuste Anual dos anos de 2001 a 2005 (anos-calendários 2000 a 2004): o patrimônio de R$ 342.604,73 em 1999 saltou para R$ 1.295.908,42 em 2004, valores obviamente em discordância com os rendimentos anuais que declarou receber nesse período (R$ 170.540,72 em 2001, R$ 155.440,85 em 2002, R$ 188.860,35 em 2003 e R$ 188.258,65 em 2004) - fls. 2757/2775. Ora, a origem dessa multiplicação patrimonial tem assento no tipo penal do art. 1° da Lei nº 9.613/98.

Finalmente, RENELLO, além de ser um dos beneficiários diretos da Euro Trust foi o presidente da Simington Investiments Inc. e acionista majoritário da Beauford Holding, com o intuito de dissimular a ligação dessas empresas com o BANCO SANTOS S/A.

A alegação de sua boa fé e ingenuidade fica totalmente desmentida quando ele mesmo afirma que nem sabia onde era a empresa que representava, e que sequer tinha conhecimento sobre a atividade desenvolvida por outra empresa em que era sócio, apenas recebendo remuneração mensal para figurar como sócio delas.

Ora, a ninguém convenceria a tese de que uma pessoa detentora de de boa-fé aceitaria figurar como controlador de um Banco sediado num "paraíso fiscal", que ela sabe pertencer a outro Banco mas que não quer ser descoberto; pior, mesmo diante de tanta obscuridade, ainda assinava documentos sem saber do que se tratava.

A alegação da defesa no sentido de que RENELLO não participava do "núcleo de poder" do Grupo Santos não o aproveita, pois nestes autos o réu não foi acusado nem condenado pelos crimes da Lei n° 7.492/86, mas sim, por lavagem do dinheiro obtido por meio do crime da gestão fraudulenta da instituição financeira.

Enfim, o crime imputado a MARCIA, RUI e RENELLO é fartamente comprovado nos autos, emergindo com vigor dos resultados da intensa apuração técnica realizada pelo Banco Central, que se reveste de presunção relativa de veracidade, a qual não foi sequer arranhada pela defesa dos réus.

Invoco, enfim e subsidiariamente, a fundamentação da r. sentença, que esmiuçou com rigor o acervo probatório.

Como o Juízo originário, entendo que a prova dos autos prestigia robustamente a tese do Ministério Público Federal posta na denúncia.


DOSIMETRIA

Todos os réus protestam pela redução da pena base, por ausência de fundamentação, e exclusão da causa de aumento de pena prevista no §4º do artigo 1º da Lei n° 9.613/98, diante da não demonstração da habitualidade criminosa. RENELLO, ainda, pede a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito.

Ressalto, porém, que as penas foram estipuladas para todos os réus de forma satisfatoriamente fundamentada e individualizada dentro do que era possível e necessário.

Destaco que os réus têm a seu desfavor, com intensidade, o discurso do art. 59 do Código Penal: a culpabilidade do trio é intensa, diante dos fatos que exaustivamente já foram reportados; ademais, suas condutas inserem-se em circunstâncias criminosas complexas do mundo financeiro, estendendo-se para além das fronteiras do Brasil, tendo eles colaborado eficazmente no sucesso de crimes antecedentes que geraram prejuízos bilionários e rumoroso descrédito para o sistema financeiro nacional.

Assim, não há como reduzir as penas dos réus ao mínimo legal.

Deveras, a reprimenda do artigo 1º, da Lei n° 9.613/98 varia de 03 a 10 anos, e foi aumentada em apenas 1/3, sendo razoável, e até módica diante do cenário criminoso em que vicejaram as condutas criminosas aqui tratadas.

Ademais, o aumento de pena previsto no § 4º do art. 1° da Lei nº 9.613/98 tem inteira pertinência na espécie, pois a habitualidade das condutas é manifesta, conforme se viu na narrativa já feita neste voto.

Ora, os corréus se animaram a lavar ativos durante anos, através de várias entidades financeiras e de muitas maneiras, sem quaisquer freios morais.

Na verdade os corréus fizeram do crime a sua profissão, dedicaram-se com vigor anos a fio à perseveratio in crimine.

Não há como deixar de aplicar a causa de aumento de pena.

A pena de multa também deve ser mantida, seja à míngua de protesto específico dos réus contra ela, seja diante da grandiosidade dos crimes e do status econômico dos acusados (fls. 2757/2775, 3010/3038 e 3040/3061).

O regime inicial de cumprimento da pena será o semi-aberto, diante da apenação imposta, mantida a sentença também nesse aspecto. Não há viabilidade na conversão das penas em penas restritivas de direitos, à luz do art. 40, incisos I e III do Código Penal.


CONCLUSÃO

Ante o exposto, rejeito todas as preliminares arguidas e nego provimento a todos os recursos interpostos, devendo a r.sentença ser mantida integralmente.

Após trânsito em julgado, expeçam-se mandados de prisão para os condenados deste processo.

É o voto.



PAULO DOMINGUES
Juiz Federal Convocado


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