D.E. Publicado em 28/11/2012 |
|
|
|
|
|
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | MARCIO SATALINO MESQUITA:10125 |
Nº de Série do Certificado: | 24FC7849A9A6D652 |
Data e Hora: | 22/11/2012 16:15:33 |
|
|
|
|
|
RELATÓRIO
O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):
O Ministério Público do Estado de São Paulo, em 16.03.2005, denunciou FÁBIO CESAR PEREIA GOMES, qualificado nos autos, nascido aos 17.10.1983, como incurso no artigo 157, §2º, inciso II, do Código Penal. Consta da denúncia:
A denúncia foi recebida pelo Juízo de Direito da 5ª Vara Criminal da Comarca de Santo André/SP em 18.03.2005 (fls. 25).
Pela decisão de fls.63, o Juízo de Direito declinou da competência em favor da Justiça Federal.
Redistribuído o feito ao Juízo Federal da 3ª Vara da Subseção Judiciária de Santo André, o Ministério Público Federal ratificou a denúncia ofertada pelo parquet estadual (fls. 79/80), e o Juízo Federal ratificou os atos praticados pela Justiça estadual, em 08/08/2005 (fl. 82).
Após instrução, sobreveio sentença, da lavra do MM. Juiz Federal Uilton Reina Cecato e publicada em 14.02.2007 (fls. 199/204) absolvendo o réu da imputação, com fundamento no artigo 386, IV, do Código de Processo Penal.
Apela o Ministério Público Federal, postulando a reforma da sentença e a condenação do acusado, sob o argumento de que a autoria delitiva em relação ao acusado restou devidamente comprovada pelas declarações na polícia do carteiro, que reconheceu fotograficamente o réu como o autor do roubo. Alega que o réu não comprovou que padecia de moléstia ou que havia se submetido a cirurgia em data próxima a dos fatos, sendo ainda notório que a colostomia não constitui óbice a prática de atos da vida comum ou trabalho, ressalvadas algumas tarefas, tais como o esforço físico intenso. Sustenta que a circunstancia de o carteiro haver afirmado que a foto era muito parecida com a fisionomia do acusado não retira a eficácia do reconhecimento fotográfico na fase inquisitorial, pois certas características podem modificar-se com o tempo. Argumenta que diante do reconhecimento fotográfico e dos demais elementos reunidos nos autos, resta demonstrada a autoria (fls. 211/215).
Devidamente intimado para apresentar as contrarrazões (fl. 216), o defensor constituído deixou transcorrer in albis o prazo (fl. 216 verso).
A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da DD. Dra. Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, opinou pelo provimento do recurso de apelação (fls. 219/225).
É o relatório.
Ao MM. Revisor.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | MARCIO SATALINO MESQUITA:125 |
Nº de Série do Certificado: | 46DD6A9BF14786E7 |
Data e Hora: | 03/09/2012 19:02:02 |
|
|
|
|
|
VOTO
O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):
O recurso não merece provimento.
A autoria não restou demonstrada pelo conjunto probatório constantes dos autos. Não há provas produzidas em juízo, sob o crivo do contraditório e ampla defesa, capazes de embasar decreto condenatório.
O réu não foi preso em flagrante, e ouvido no inquérito, reservou-se no direito de permanecer calado (fls. 18), alegando em Juízo que na data dos fatos estava em casa impossibilitado de se locomover em razão de problemas de saúde (fls. 41).
Ouvido no inquérito policial, em 12.11.2004, o carteiro Ivan Atanazio efetuou o reconhecimento fotográfico do acusado FÁBIO como sendo a do rapaz que fazia segurança para o que lhe abordava no momento do roubo (fl. 8). Descreveu ainda as características físicas dos assaltantes (fls. 9):
|
... Na Rua Benedito Montenegro, defronte ao número 460, foi surpreendido por dois rapazes, sendo que um deles fez menção de estar armado e, anunciou-lhe o roubo da bolsa de correspondências, bem como, das correspondências que trazia nas mãos, permanecendo o segundo rapaz há uns três metros de distância fazendo segurança para o que lhe abordava. Temendo por sua integridade física, não esboçou reação e entregou-lhe referidos pertences, vindo tais homens fugirem sentido Avenida Giovani Batista Pirelli. Indagado sobre as características físicas de tais homens disse: Que o que permaneceu a distância era branco, media cerca de 1,70m de altura, magro, aparentava vinte anos de idade, trajava calça preta, jaqueta vermelha e boné preto, e, o que fez menção a estar armado era pardo, media cerca de 1,70 de altura, magro, aparentava 20 anos de idade, trajava calça jeans, blusa de moletom cinza e boné escuro... |
Em Juízo, o carteiro Ivan Atanázio, ouvido como testemunha de acusação, em 13.10.2005, não confirmou a versão apresentada na fase inquisitorial, alegando não ter certeza de que o réu era um dos autores do roubo. Disse que apenas efetuara o reconhecimento fotográfico na delegacia por conta das declarações do policial:
|
... que no dia dos fatos o depoente foi abordado no endereço constante na denúncia por um indivíduo que simulou estar armado e mediante ameaça lhe pediu que entregasse a bolsa e correspondências; que havia um outro individuo que fazia a segurança; o depoente não recorda especificamente se que, o abordou foi o FABIO ou o outro individuo; que ao prestar declarações na polícia, fez o reconhecimento fotográfico de FABIO, pois a foto era muito parecida com a fisionomia de FABIO; que ao entregar a bolsa de correspondências, o depoente pode visualizar os dois indivíduos, sendo que o que fazia a segurança estava cerca de seis metros de distancia; que o individuo que o abordou disse para o depoente seguir em frente e que não olhasse parta trás; que o depoente foi embora e viu que os indivíduos entraram em uma viela; (...) no dia em que fez o reconhecimento fotográfico na delegacia, o depoente comentou que a foto de FABIO parecia muito com um dos elementos que o roubaram, ao que um dos policiais comentou que havia a possibilidade muito grande em relação ao FABIO, pois o acusado, no dia dos fatos, havia dito aos policiais ter roubado um carteiro; que o depoente não tinha certeza nem na data do reconhecimento de que o FABIO teria participado do roubo..." |
(fls. 94/95, grifei) |
|
É certo que, em sede policial, o carteiro efetuou o reconhecimento fotográfico do acusado como sendo um dos autores do roubo. Contudo, em juízo, afirmou que efetuara o reconhecimento fotográfico, pois um dos policiais comentou que havia a possibilidade muito grande de FÁBIO ser o assaltante, alegando ainda que, na ocasião, não tinha certeza de que ele participara do roubo.
Assim, o reconhecimento extrajudicial não foi confirmado pela testemunha de acusação em Juízo e, ao contrário do que argumenta a Acusação, não encontra amparo nas demais provas, já que nenhuma outra prova foi produzida, além do depoimento da vítima.
Nesse ponto, vale a transcrição da bem lançada sentença, quanto à ausência de comprovação da autoria na fase judicial (fls.203):
|
... O lapso temporal existente entre os depoimentos é inferior a um ano e, por isso, tenho que a lembrança dos fatos permanece viva na memória da vítima. |
Entretanto, a divergência de conteúdo expressado pela vítima no que concerne ao reconhecimento de FABIO CESAR PEREIRA GOMES como sendo o indivíduo que o abordou no dia dos fatos e roubou-lhe o malote de correspondências é de todo relevante. |
A vítima foi arrolada pelo Ministério Público Federal e ouvida na qualidade de testemunha de acusação, em nenhum momento ratificou em Juízo o depoimento prestado perante a Autoridade policial, pelo contrário, pôs em dúvida na certeza aparente que residia quanto à caracterização da autoria delitiva de FABIO CESAR PEREIRA GOMES. |
É o que não se observa nos presentes autos. |
Porque verifico que não há plena certeza e convicção da autoria delitiva do crime narrado na peça vestibular, na medida em que a divergência existente entre os depoimentos prestados pela vítima tornou relativa, em juízo, à certeza que era quase absoluta, na fase policial. Em que pese os antecedentes criminais do réu FABIO CESAR PEREIRA GOMES indicarem que com certa freqüência pratica ilícitos penais contra o patrimônio... |
Por óbvio, o fato de o acusado possuir registro criminal por outro crime de roubo qualificado não é, por si só, suficiente para a caracterização da autoria delitiva na presente ação penal.
Destarte, a acusação não se desincumbiu do ônus de comprovar a autoria delitiva do crime de roubo. Em outras palavras, nenhuma prova restou produzida em juízo para confirmar a autoria delitiva, ressaltando que as provas colhidas exclusivamente em sede de inquérito policial, não confirmadas em juízo por qualquer meio de prova, são insuficientes para ensejar a prolação de uma decisão condenatória.
No sentido de que não é possível o decreto condenatório baseado exclusivamente em provas produzidas no inquérito policial, e não ratificadas em Juízo, situa-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:
PROVA. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO CONTRADITÓRIO. CONDENAÇÃO FUNDADA EXCLUSIVAMENTE NO INQUÉRITO. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A CONDENAÇÃO. E corolário inevitável da garantia da contraditoriedade da instrução criminal que a condenação não se pode fundar exclusivamente nos elementos informativos do inquérito policial, sequer ratificados no curso do processo, sobretudo, quando as investigações policiais não lograram fornecer nem a prova material do crime e da autoria e tudo se baseia em provas orais, desmentidas em juízo. |
STF - 1ª Turma - HC 67917-RJ - Rel.Min. Sepúlveda Pertence - DJ 05.03.1993 p.2897 |
|
Processual Penal. Inquérito policial (procedimento preparatório). Provas (validade e eficácia). Sentença condenatória. Fundamento exclusivo: provas produzidas no inquérito (nulidade). Violação do contraditório (ocorrência). 1. O inquérito policial é procedimento preparatório que apresenta conteúdo meramente informativo com o fim de fornecer elementos tendentes à abertura da ação penal. 2. A prova, para que tenha valor, deve ser feita perante juiz competente, com as garantias de direito conferidas aos indiciados e de acordo com as prescrições estabelecidas na lei. 3. As provas produzidas ao longo da fase inquisitiva têm validade e eficácia na formação da convicção do juiz tão-somente se confirmadas por outros elementos colhidos durante a fase instrutória judicial. Do contrário, não se prestam a fundamentar o juízo condenatório, sob pena de violação do contraditório. 4. É trabalho da acusação transformar os elementos do inquérito em elementos de convicção do juiz. 5. Habeas corpus concedido para restabelecer a sentença absolutória. |
STJ - 6ª Turma - HC 36813-MG - Rel.Min. Nilson Naves - DJ 06.02.2006 p.337 |
|
CRIMINAL. HC. EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO. NULIDADE. SENTENÇA FUNDADA EM PROVAS COLHIDAS SOMENTE DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. DECLARAÇÕES DA VÍTIMA RETIFICADAS EM JUÍZO. TESTEMUNHAS OUVIDAS PELO MAGISTRADO QUE NÃO PRESENCIARAM OS FATOS. DEPOIMENTOS QUE EMBASARAM A CONDENAÇÃO NÃO RENOVADOS DURANTE A INSTRUÇÃO PROCESSUAL. ORDEM CONCEDIDA. As declarações prestadas pelo ofendido em sede policial e retificadas em Juízo não se prestam para fundamentar a condenação do paciente, sob pena de ofensa ao princípio do contraditório. As testemunhas ouvidas em Juízo não auxiliaram na revelação da verdade, pois afirmaram não ter presenciado os fatos, apenas sabendo destes pela descrição feita pelos parentes do ofendido ou por este mesmo, tendo em vista tratarem-se, quase todos, de servidores da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro. A prova produzida em sede policial pode influir na formação do convencimento do Magistrado, mas somente quando amparada nos demais elementos probatórios colhidos na instrução criminal. Precedentes. Se a sentença foi lastreada em provas colhidas somente durante o inquérito, as quais não se submeteram ao crivo do contraditório, sendo impróprias para, por si só, justificar a condenação, resta configurada a apontada nulidade da decisão condenatória, em virtude da indevida ofensa aos princípios da ampla defesa e do devido processo legal. Deve ser anulada a sentença monocrática, bem como o acórdão confirmatório da condenação, para que outra decisão seja proferida, com fundamentação apta, observando-se o princípio do contraditório. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator |
STJ - 5ª Turma - HC 58129-RJ - Rel.Min. Gilson Dipp - DJ 20.11.2006 p. 3480 |
Acrescento que o entendimento jurisprudencial encontra-se agora positivado, com o advento da Lei nº 11.690/2008, que deu nova redação ao artigo 155 do Código de Processo Penal:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. |
Pelo exposto, nego provimento à apelação.
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | MARCIO SATALINO MESQUITA:125 |
Nº de Série do Certificado: | 46DD6A9BF14786E7 |
Data e Hora: | 03/09/2012 19:12:50 |