D.E. Publicado em 15/03/2013 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e, por maioria, de ofício, aplicar o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Trata-se de Apelação Criminal interposta por MAGUY NGALULA TSHIABA contra a r. sentença de fls. 265/295, que julgou procedente o pedido da denúncia (recebida em 24.06.2011 - fls. 55/56), para condená-la como incursa no art. 33, caput, c.c art. 40, inciso I, todos da Lei n.º 11.343/06, a uma pena de 5 (cinco) anos, 1 (um) mês e 7 (sete) dias de reclusão, no regime inicialmente fechado, e pagamento de 510 (quinhentos e dez) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos, porque, no dia 19 de maio de 2011, foi presa em flagrante, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos, quando estava prestes a embarcar em voo da empresa aérea South Africa, com destino a Joanesburgo/África do Sul, trazendo consigo 3.482,2g (três mil, quatrocentos e oitenta e dois gramas e dois decigramas - peso líquido) de cocaína.
A defesa interpôs recurso de apelação, em cujas razões (fls. 304/307), postula a absolvição em razão do reconhecimento do estado de necessidade e ocorrência de erro de tipo.
O Ministério Público Federal, "diante da total impossibilidade de identificação dos pontos controvertidos", requer seja a apelante considerada indefesa, nesta fase recursal (fls. 313/314).
O pedido ministerial foi indeferido pelo Juízo "a quo" (fls. 315/316), esclarecendo que, da leitura das razões de apelação, permite-se concluir que fora defendida "a tese de que a ré desconhecia o fato de encontrar-se transportando entorpecente, e que aceitou a proposta de transporte de remédio dada a sua miserabilidade, tendo sido usada como "mula".
Contrarrazões do Ministério Público Federal (fls. 318/323), nas quais requer o desprovimento do recurso interposto pela defesa.
Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República, em seu parecer, (fls. 331/334) opina pelo desprovimento do recurso interposto.
Feito submetido à revisão, conforme previsão regimental.
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VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
A materialidade do delito restou demonstrada pelo laudo definitivo e exame em substância (fls. 115/118), que atesta que a substância apreendida com a apelante, por ocasião do flagrante, trata-se de cocaína.
A autoria e o dolo restaram claros e demonstrados. A apelante foi presa em flagrante, no dia 19 de maio de 2011, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos, quando estava prestes a embarcar em voo da empresa aérea SOUTH AFRICA, com destino a Joanesburgo/África do Sul, trazendo consigo 3.482,2g (três mil, quatrocentos e oitenta e dois gramas e dois decigramas - peso líquido) de cocaína.
Extrai-se das razões de apelação a alegação de que a ré desconhecia o fato de encontrar-se transportando entorpecente, bem como que aceitara a proposta de transporte de remédio, em razão de sua miserabilidade, tendo sido usada como "mula".
Não merece acolhida a alegação da defesa de que a apelante imaginava transportar remédio e não cocaína.
Não é crível que uma pessoa, com o mínimo de discernimento, aceite viajar, de um país para outro, mediante o pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) para transportar remédios para um nigeriano de nome "Frank", que supostamente conhecera quando trabalhava num restaurante em Guaianazes, sem sequer desconfiar que se tratava de transporte de substância entorpecente.
Não se mostra verossímil, portanto, a alegação da apelante. É imprescindível que a defesa comprove a caracterização do erro sobre elementar do tipo penal, o que não ocorreu no caso dos autos, em que a apelante simplesmente alega que imaginava transportar remédio e não cocaína.
Nesse sentido, decisão desta Corte:
O argumento de que o delito foi praticado em estado de necessidade porque "estava voltando para África, por encontrar dificuldades no Brasil, pois não conseguia mais pagar o aluguel de um apartamento que dividia com a amiga, motivo pelo qual foi para a casa do refugiado", não prospera.
Maguy Ngalula Tshiabaderia poderia ter se valido de outros meios lícitos para sanar essa suposta dificuldade financeira, que sequer ficou comprovada nos autos.
E, ainda que houvesse a comprovação da alegação de dificuldades financeiras, tal fato não seria hábil para justificar a prática de um ilícito de tamanha gravidade (tráfico internacional de entorpecentes) e ilidir a responsabilização criminal, já que ingressar no mundo do crime não é solução acertada, nem digna, para resolver problemas econômicos.
Para fazer jus à excusa do estado de necessidade, é imprescindível que o agente se encontre diante de uma "situação de perigo atual", que tenha gerado a "inevitabilidade da conduta lesiva". E no presente caso, além de tais requisitos não estarem comprovados, é certo que existem inúmeros caminhos lícitos de suprir ou amenizar problemas financeiros, sem necessitar partir para a criminalidade. Contudo, o apelante optou pelo chamado commodus discessus, a saída cômoda, preferindo auferir proventos de maneira fácil, adentrando no repugnante mundo do crime, cometendo tráfico internacional de entorpecentes.
Por sua vez, o "estado de necessidade exculpante", defendido pela teoria diferenciadora e de divergente aceitação doutrinária e jurisprudencial, é fundamentado na inexigibilidade de conduta diversa, requisito sem o qual inexiste culpabilidade. Seus adeptos pregam que se for sacrificado um bem de valor maior ao preservado, deve ser analisado o perfil subjetivo do agente e perquirido se diante de seus atributos pessoais era possível ou não lhe exigir conduta diversa da perpetrada. Em caso negativo, exclui-se a culpabilidade com base no estado de necessidade exculpante. Se, no entanto, era de se lhe exigir outro comportamento, subsiste a punição do crime, podendo o magistrado reduzir a pena. Contudo, nosso ordenamento jurídico adotou a teoria unitária, e assim, ou se trata de causa excludente da ilicitude ou de causa de diminuição de pena. E ainda que assim não fosse, melhor sorte não restaria à defesa, tendo em vista que a prática de tráfico internacional de entorpecentes não era a única alternativa de sobrevivência de Maguy Ngalula Tshiabaderia, pessoa jovem (tinha 27 anos, na data dos fatos), com perspectivas de melhora em sua vida. (ACR 26478, Proc. 2006.61.19.003619-1, rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo, DJF3 CJ1 - 26.08.09, pág. 83).
Inafastável, pois, a condenação da apelante.
Não houve impugnação quanto à dosimetria da pena, que foi bem dosada e devidamente fundamentada pela magistrada sentenciante, razão pela qual resta mantida.
Já o regime inicial de cumprimento de pena, entendo deva ser fixado o inicial semiaberto.
Isso porque o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus n.º 111840, em 27 de junho de 2012, deferiu, por maioria, a ordem e declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, determinando que o regime inicial de cumprimento de pena seja fixado nos termos do art. 33, § 2º, "b", do Código Penal, verbis:
No caso dos autos, trata-se de ré primária, que não ostenta maus antecedentes, cuja pena-base foi majorada apenas em decorrência da quantidade e qualidade da droga, por não existirem outras circunstâncias judiciais desfavoráveis, nos termos do art. 59 do Código Penal, bem como lhe foi aplicada a causa de diminuição, prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, no percentual de 5/12 (cinco doze avos), sendo-lhe a pena definitiva fixada em 05 (cinco) anos, 01 (um) mês e 07 (sete) dias de reclusão, razão pela qual deve ser fixado o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena.
Por fim, cumpre ressaltar que o princípio da isonomia, garantia pétrea constitucional extensível aos estrangeiros, impede que o condenado não nacional pelo crime de tráfico ilícito de entorpecentes seja privado da concessão dos benefícios previstos em lei, no caso, de regime inicial mais brando de cumprimento de pena.
Nesse sentido, decisão do Supremo Tribunal Federal:
Por tais razões, de ofício, fixo o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena.
Diante do exposto, nego provimento à apelação e, de ofício, fixo o regime inicial semiaberto, para o cumprimento da pena.
É o voto.
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Data e Hora: | 07/03/2013 19:16:19 |