Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 04/04/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0014629-89.2011.4.03.6105/SP
2011.61.05.014629-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : ALEXANDRU IONUT DIRLOMAN reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00146298920114036105 1 Vr CAMPINAS/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. AUTORIA. MATERIALIDADE. EXCLUDENTES DE CULPABILIDADE. DOSIMETRIA. CONFISSÃO. TRANSNACIONALIDADE. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/06. REGIME PRISIONAL. SUBSTITUIÇÃO PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS.
1. Autoria e materialidade comprovadas.
2. A mera alegação de existência de excludente de culpabilidade não exime o acusado de sua responsabilidade penal, sendo necessária sua comprovação.
3. Pena-base que deve ser aplicada em seis anos de reclusão, tendo em vista a significativa quantidade e a natureza da droga apreendida com o réu.
4. Pelo que se infere dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça, a atenuante da confissão (CP, art. 65, III, d) incide sempre que fundamentar a condenação do acusado, pouco relevando se extrajudicial ou parcial, mitigando-se ademais a sua espontaneidade (STJ, HC n. 154544, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 23.03.10; HC n. 151745, Rel. Min. Felix Fischer, j. 16.03.10; HC n. 126108, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 30.06.10; HC n. 146825, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 17.06.10; HC n. 154617, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 29.04.10; HC n. 164758, Rel. Min. Og Fernandes, j. 19.08.10).
5. O aumento devido a título da internacionalidade ou transnacionalidade do tráfico não pode se afastar de 1/6 (um sexto), conforme estabelecido na sentença, resultando as penas de 6 (seis) anos e 5 (cinco) meses de reclusão.
6. Mantenho a incidência da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06. O acusado não possui maus antecedentes, é primário e não se dedica a atividades criminosas. Suas declarações revelam que a empreitada criminosa constituiu um fato isolado em sua vida, não sendo produzidas provas de que participa de organização criminosa voltada ao tráfico de drogas. Concluo que, aplicada a diminuição em 1/6 (um sexto), a pena fica definitivamente fixada em cinco anos, quatro meses e cinco dias de reclusão. Aplicada com a devida proporcionalidade, a pena de multa resta fixada em 533 (quinhentos e trinta e três dias-multa.
7. Mantenho o regime inicial fechado, com fundamento nos arts. 33, § 3º, e 59, ambos do Código Penal. Considero que o fato de o acusado ter sido flagrado com 110 (cento e dez) cáspulas de entorpecente ocultas em seu organismo, bem como o lucro fácil objetivado com a prática criminosa, não autoriza a fixação de regime prisional mais brando para início de cumprimento da pena privativa de liberdade. Fica mantida também a não incidência do art. 44 do Código Penal, pelos mesmos motivos.
8. Recursos de apelação do Ministério Público Federal e da defesa parcialmente providos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, pelo voto médio do Des. Fed. Luiz Stefanini, dar parcial provimento à apelação ministerial, para aumentar a pena-base para seis anos de reclusão, bem como dar parcial provimento à apelação defensiva a fim de reconhecer a atenuante da confissão espontânea, aplicando, com isso, as reprimendas finais de cinco anos, quatro meses e cinco dias de reclusão, em regime inicial fechado, e a pagar 533 (quinhentos e trinta e três) dias-multa, sendo que a relatora dava parcial provimento ao recurso do Ministério Público Federal para majorar a pena-base do acusado para 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 666 (seiscentos e sessenta e seis) dias-multa e dava parcial provimento ao recurso da defesa de Alexandru Ionut Dirloman, reduzindo as penas que lhe foram impostas para 3 (três) anos, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 377 (trezentos e setenta e sete) dias-multa, e o Des. Fed. Antonio Cedenho, dava parcial provimento à apelação ministerial, para aumentar a pena base e para afastar a causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, bem como dava parcial provimento à apelação da defesa para reconhecer a atenuante da confissão espontânea, fixando, assim, a pena final em 6 (seis) anos e 5 (cinco) meses de reclusão e 641 (seiscentos e quarenta e um) dias-multa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 18 de março de 2013.
LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0014629-89.2011.4.03.6105/SP
2011.61.05.014629-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : ALEXANDRU IONUT DIRLOMAN reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00146298920114036105 1 Vr CAMPINAS/SP

VOTO-VISTA

Para melhor análise dos fatos, pedi vista destes autos.

Descreve a denúncia, verbis:


O DENUNCIADO transportou drogas, sem autorização legal, restando evidenciada, pelas circunstâncias de fato, a transnacionalidade do delito cometido.

Consta dos autos que o DENUNCIADO, estrangeiro de nacionalidade romena, ingressou em território brasileiro na data de 18/09/2011, às 06:14, através do AEROPORTO INTERNACIONAL GOV. ANDRÉ FRANCO MONTORO (consoante certidão de movimentos migratórios de fls. 48/49).

Em data ignorada, ALEXANDRU IONUT DIRLOMAN, em contato com indivíduos desconhecidos, conscientemente, recebeu e ingeriu 110 (cento e dez) cápsulas (fls. 07 e 39) contendo um total de 1.540g de massa bruta de cocaína. Recebeu, ainda, passagem da companhia TAP LINHAS AREAS, adquirida mediante pagamento de valor em espécie de U$ 978,00 (novecentos e setenta e oito dólares) (equivalente a R$ 1.934,59 (hum mil novecentos e trinta e quatro reais e cinquenta e nove centavos) da AUGUSTUS PASSAGENS E TURISMO LTDA, situada à Av. São Luis, 50, 14º andar, conjunto 142, República, São Paulo/SP (fl. 56). Os bilhetes aéreos consignavam:


NÚMERO DO VÔO DESTINO DATA HORÁRIO

TP 4198 LISBOA/PT 27/10/2011 23h:40m

TP 614 BRUXELAS/BE 28/10/2011 14h:55m


Na data aprazada para o retorno, dia 27 de dezembro de 2011, com o entorpecente em seu estômago, o DENUNCIADO compareceu para embarque internacional no AEROPORTO INTERNACIONAL DE VIRACOPOS, Campinas/SP, sito à RODOVIA SANTOS DUMONT , KM 66 - CAMPINAS - SP - CEP: 13.051-970.

Realizado o check-in, por volta das 19h:00m, com destino à cidade de BRUXELAS/BE, via LISBOA/PT (cartões de embarque à fl. 10), o DENUNCIADO foi avistado pelos Agentes de Polícia Federal ALEX HALTI CABRAL (fl. 03), matrícula 12972, e CRITON GONÇALVES MELO (fl. 02), matrícula 13389, os quais, suspeitando do passageiro, resolveram proceder a busca pessoal e em suas bagagens.

Muito embora não tenham localizado entorpecente nas malas transportadas por ALEXANDRU IONUT, o mesmo confessou haver ingerido cápsulas de cocaína. Apresentado ao PRONTO SOCORRO DO HOSPITAL E MATERNIDADE DR. CELSO PIERRO da PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS/SP, onde o mesmo foi atendido pela Dra. RAQUEL FÁVERO. Após a realização de exames de Raio-X (fls. 43/43), confirmou-se a ingestão da droga (fl. 45), bem como foi detectada a presença de cocaína do sangue (fl. 44).

Neste contexto, o DENUNCIADO expeliu dez cápsulas na data de 28/10/2011 (fl. 07), disponibilizando outras cem cápsulas posteriormente (fl. 39).

A materialidade do delito encontra-se evidenciada pelo certificado no LAUDO PRELIMINAR DE CONSTATAÇÃO n.º 0568/2011 - UTEC/DPF/CAS/SP, de fls. 28/30, que consignou a presença de cocaína.

A cocaína é substância entorpecente e de uso proscrito no país, estando relacionada na lista F1, item 11, de substâncias entorpecentes, nos termos da Portaria n.º 344-SVS/MS, de 12 de maio de 1998 e Resolução n.º 147 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, de 09 de agosto de 2001.

02. DA CAPITULAÇÃO JURÍDICA

Ao praticar a conduta acima, transportando cocaína e buscando embarca-la adredemente dissimulada em vôo internacional, o DENUNCIADO cometeu o crime do art. 33 da Lei n.º 11.343/2006 c/c art. 40, I, do mesmo diploma legal:

(...) (destaques originais, fls. 73/74)


Relativamente à materialidade delitiva, à autoria e ao dolo do apelante, acompanho integralmente o voto da eminente Relatora, Exma Juíza Federal Convocada Louise Filgueiras.

Quanto à dosimetria da pena, porém, divirjo de sua Excelência, nos termos a seguir declinados.

Na primeira fase, considerando as circunstâncias judiciais previstas nos artigos 59 do Código Penal e 42 da Lei Antitóxicos, particularmente, a natureza e a quantidade de substância entorpecente apreendida na posse do réu - 1.540g de massa bruta de cocaína - a pena-base foi fixada em primeiro grau em cinco anos e seis meses de reclusão.

Entendo que referido "quantum" foi insuficientemente aplicado, pois a quantidade e a natureza da droga (cocaína), apta a causar consequências gravíssimas a relevante número de pessoas e famílias, são circunstâncias que legitimam a fixação da pena-base um pouco acima daquele patamar, razão pela qual aplico-a em seis anos de reclusão.

Assim, divirjo da eminente Relatora, que majorou a pena-base para seis anos e oito meses.

Na segunda fase, acompanho os fundamentos de sua Excelência quanto a incidência da atenuante da confissão espontânea, razão por que reduzo aquela pena para cinco anos e seis meses de reclusão.

Reconhecida a internacionalidade, majoro aquela pena em 1/6 (um sexto), resultando em seis anos e cinco meses de reclusão.

Relativamente à causa de diminuição prevista no § 4º do artigo 33, da Lei nº 11.343/2006, a acusação não trouxe aos autos quaisquer provas, nem mesmo indiciárias, que pudessem revelar que o réu estivesse envolvido com organização criminosa ou que vinha se dedicando a atividades criminosas, não sendo lícito ao julgador fazer essa espécie de presunção, sob pena de odiosa responsabilização objetiva.

Ademais, em análise do passaporte do apelante, entranhado aos autos às fls. 14/15 do apenso, verifico inexistirem quaisquer outras anotações e carimbos atestando viagens internacionais anteriores, circunstância que, a meu ver, exclui a possibilidade de ele tratar-se de "mula" profissional do tráfico internacional de drogas.

Dessa forma, entendo que deve ser mantida a incidência daquela causa de diminuição, no patamar de 1/6 (um sexto), tal como aplicado em primeiro grau, tendo em vista a natureza e a significativa quantidade de droga apreendida com o réu, bem como pelo fato de que ele, ainda que agindo como simples "mula", tinha plena consciência de que estava contribuindo com organização criminosa voltada ao tráfico de drogas em âmbito internacional.

Outrossim, a reprimenda privativa de liberdade resta definitivamente aplicada em cinco anos, quatro meses e cinco dias de reclusão.

Mantenho o regime inicial fechado, pelos mesmos fundamentos sopesados pela eminente Relatora.

Quanto à pena de multa, aplicando-a com a devida proporcionalidade à reprimenda privativa de liberdade, resta definitivamente fixada em 533 (quinhentos e trinta e três) dias-multa.

Por fim, acompanho sua Excelência quanto à impossibilidade de ser substituída a pena corporal por restritivas de direitos, porquanto ausentes estão os pressupostos objetivos à concessão, já que fixada reprimenda privativa de liberdade superior a quatro anos de reclusão.

Ainda que assim não fosse, ausentes também estão os pressupostos subjetivos previstos no artigo 44 do Código Penal, porquanto a significativa quantidade e a natureza da droga teriam o condão de causar consequências gravíssimas a número relevante de pessoas, não sendo, assim, tal conduta compatível com os escopos da substituição.

No mais, acompanho na íntegra os demais fundamentos esposados pela eminente Relatora.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou parcial provimento à apelação ministerial, para aumentar a pena-base para seis anos de reclusão, bem como dou parcial provimento à apelação defensiva a fim de reconhecer a atenuante da confissão espontânea, aplicando, com isso, as reprimendas finais de cinco anos, quatro meses e cinco dias de reclusão, em regime inicial fechado, e a pagar 533 (quinhentos e trinta e três) dias-multa.

É como voto.


LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0014629-89.2011.4.03.6105/SP
2011.61.05.014629-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : ALEXANDRU IONUT DIRLOMAN reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00146298920114036105 1 Vr CAMPINAS/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e pela defesa de Alexandru Ionut Dirloman contra a sentença que o condenou a 5 (cinco) anos, 4 (quatro) meses e 5 (cinco) dias de reclusão, regime inicial fechado, e 550 (quinhentos e cinquenta) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, pela prática do delito do art. 33, caput, c. c. o art. 40, I, ambos da Lei n. 11.343/06 (fls. 235/247).

Apela o Ministério Público Federal com os seguintes argumentos:

a) a pena-base deve ser majorada, devendo aproximar-se de 10 (dez) anos, média das penas máxima e mínima, em razão da grande quantidade de droga apreendida e demais circunstâncias dos arts. 42 da Lei n. 11.343/06 e 59 do Código Penal;
b) é devida maior exasperação da pena em decorrência da causa de aumento do art. 40, I, da Lei n. 11.343/06, não constando da sentença fundamentação para utilização da proporção de 1/6 (um sexto) de aumento;
c) é indevida a incidência da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, tendo em vista que os requisitos legais que autorizam sua aplicação são cumulativos e a MM. Magistrada a quo entendeu que o acusado colaborou com a organização criminosa (fls. 250/260).

A defesa ofereceu contrarrazões (fls. 278/282).

Apela a defesa do acusado Alexandru Ionut Dirloman com os seguintes argumentos:

a) a pena-base deve ser reduzida ao mínimo legal;
b) o fato de o acusado ter transportado a droga dentro do seu organismo não impede que sua confissão reduza a pena, a teor do art. 65, III, d, do Código Penal, impossibilitada a aplicação da Súmula n. 231 do Superior Tribunal de Justiça, que traduz "atuação inconstitucional do judiciário como legislador" (fl. 273);
c) é devida a redução de pena em decorrência da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 no máximo legal, "uma vez que indiscutivelmente preenchidos os seus requisitos, não tendo a acusação comprovado a existência de organização criminosa no processo" (fl. 273v.);
d) a pena de multa também deve ser reduzida ao mínimo legal;
e) é devida a fixação de regime prisional menos gravoso;
f) é devida a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos;
g) é devida a absolvição do acusado, com fundamento no art. 386, VI, do Código de Processo Penal, tendo em vista a existência das excludentes de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa, consubstanciada na situação de penúria financeira em que vivia o acusado, e da coação moral irresistível, consistente na ameaça de que não voltaria a seu país (fls. 270/274).

O Ministério Público Federal ofereceu contrarrazões (fls. 284/291).

A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Elaine Cristina de Sá Proença, manifestou-se desprovimento da apelação do Ministério Público Federal e pelo parcial provimento da apelação da defesa para que "seja aumentada a pena base e afastada a causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, reformando-se, nesses aspectos, a respeitável sentença de primeiro grau" (fl. 349) (fls. 339/349).

Os autos foram encaminhados à revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.


Louise Filgueiras
Juíza Federal Convocada


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Data e Hora: 08/01/2013 12:30:45



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0014629-89.2011.4.03.6105/SP
2011.61.05.014629-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : ALEXANDRU IONUT DIRLOMAN reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00146298920114036105 1 Vr CAMPINAS/SP

VOTO

Imputação. Alexandru Ionut Dirloman foi denunciado pela prática do delito do art. 33, caput, c. c. o art. 40, I, todos da Lei n. 11.343/06, pelos seguintes fatos:


01. DOS FATOS
O DENUNCIADO transportou drogas, sem autorização legal, restando evidenciada, pelas circunstâncias de fato, a transnacionalidade do delito cometido.
Consta dos autos que o DENUNCIADO, estrangeiro de nacionalidade romena, ingressou em território brasileiro na data de 18/09/2011, às 06:14, através do AEROPORTO INTERNACIONAL GOV. ANDRÉ FRANCO MONTORO (consoante certidão de movimentos migratórios de fls. 48/49).
Em data ignorada, ALEXANDRU IONUT DIRLOMAN, em contato com indivíduos desconhecidos, conscientemente, recebeu e ingeriu 110 (cento e dez) cápsulas (fls. 07 e 39) contendo um total de 1.540g de massa bruta de cocaína. Recebeu, ainda, passagem da companhia TAP LINHAS AREAS, adquirida mediante pagamento de valor em espécie de U$ 978,00 (novecentos e setenta e oito dólares) (equivalente a R$ 1.934,59 (hum mil novecentos e trinta e quatro reais e cinquenta e nove centavos) da AUGUSTUS PASSAGENS E TURISMO LTDA, situada à Av. São Luis, 50, 14º andar, conjunto 142, República, São Paulo/SP (fl. 56). Os bilhetes aéreos consignavam:
NÚMERO DO VÔO  DESTINO  DATA  HORÁRIO 
TP 4198  LISBOA/PT  27/10/2011  23h:40m 
TP 614  BRUXELAS/BE  28/10/2011  14h:55m 
Na data aprazada para o retorno, dia 27 de dezembro de 2011, com o entorpecente em seu estômago, o DENUNCIADO compareceu para embarque internacional no AEROPORTO INTERNACIONAL DE VIRACOPOS, Campinas/SP, sito à RODOVIA SANTOS DUMONT , KM 66 - CAMPINAS - SP - CEP: 13.051-970.
Realizado o check-in, por volta das 19h:00m, com destino à cidade de BRUXELAS/BE, via LISBOA/PT (cartões de embarque à fl. 10), o DENUNCIADO foi avistado pelos Agentes de Polícia Federal ALEX HALTI CABRAL (fl. 03), matrícula 12972, e CRITON GONÇALVES MELO (fl. 02), matrícula 13389, os quais, suspeitando do passageiro, resolveram proceder a busca pessoal e em suas bagagens.
Muito embora não tenham localizado entorpecente nas malas transportadas por ALEXANDRU IONUT, o mesmo confessou haver ingerido cápsulas de cocaína. Apresentado ao PRONTO SOCORRO DO HOSPITAL E MATERNIDADE DR. CELSO PIERRO da PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS/SP, onde o mesmo foi atendido pela Dra. RAQUEL FÁVERO. Após a realização de exames de Raio-X (fls. 43/43), confirmou-se a ingestão da droga (fl. 45), bem como foi detectada a presença de cocaína do sangue (fl. 44).
Neste contexto, o DENUNCIADO expeliu dez cápsulas na data de 28/10/2011 (fl. 07), disponibilizando outras cem cápsulas posteriormente (fl. 39).
A materialidade do delito encontra-se evidenciada pelo certificado no LAUDO PRELIMINAR DE CONSTATAÇÃO n.º 0568/2011 - UTEC/DPF/CAS/SP, de fls. 28/30, que consignou a presença de cocaína.
A cocaína é substância entorpecente e de uso proscrito no país, estando relacionada na lista F1, item 11, de substâncias entorpecentes, nos termos da Portaria n.º 344-SVS/MS, de 12 de maio de 1998 e Resolução n.º 147 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, de 09 de agosto de 2001.
02. DA CAPITULAÇÃO JURÍDICA
Ao praticar a conduta acima, transportando cocaína e buscando embarca-la adredemente dissimulada em vôo internacional, o DENUNCIADO cometeu o crime do art. 33 da Lei n.º 11.343/2006 c/c art. 40, I, do mesmo diploma legal:
(...) (destaques originais, fls. 73/74)

Materialidade. A materialidade do delito está comprovada por intermédio dos seguintes documentos:

a) Auto de prisão em flagrante do acusado (fls. 2/4);
b) Auto de apresentação e apreensão de 10 (dez) cápsulas de "substância esbranquiçada semelhante a cocaína", expelidas pelo acusado em 28.10.11, no Pronto-Socorro da PUC-Campinas (fl. 7);
c) Auto de apresentação e apreensão de 2 (dois) cartões de embarque da empresa TAP : Voo TP 4198 - São Paulo/Lisboa e Voo TP 614 Lisboa/Bruxelas, em nome de "MR. IONUT" (fls. 09/10);
d) Laudo preliminar de constatação n. 0568/2011 - UTEC/DPF/CAS/SP, com resultado positivo para cocaína (fls. 28/30 e 202/204)
e) Auto de apreensão de 100 (cem) cápsulas de "substância esbranquiçada semelhante a cocaína", expelidas pelo acusado, por ocasião de sua internação no Hospital da PUC-Campinas (fl. 39);
f) Auto de apreensão de 2 (dois) exames de Raio-X realizados no acusado, "atend: 3603882, pedidos 998262 e 998273", pelos médicos do Hospital da PUC-Campinas, onde ficou internado "até total eliminação das cápsulas de seu organismo" (fl. 41);
g) Relato do atendimento médico do acusado, realizado no Hospital PUC-Campinas, com a indicação "CID: R782 - PRESENÇA DE COCAINA NO SANGUE" (fl. 44), acompanhado de receituário (fl. 45);
h) Certidão de movimentos migratórios (fls. 47/49);
i) Laudo n. 4869/2011 - NUCRIM/SETEC/SR/DPF/SP, realizado no material apreendido, com resultado positivo para cocaína (fl. 114/117 e 209/212);
j) Laudo n. 588/2011 - UTEC/DPF/CAS/SP, realizado no material apreendido, com resultado positivo para cocaína (fl. 144/147 e 205/208).

De acordo com o Ofício n. 009/2012 - NUTEC/DPF/CAS/SP da Delegacia da Polícia Federal em Campinas (SP), "as cápsulas expelidas pelo Sr. ALEXANDRU IONUT DIRLOMAN foram juntadas em dois grupos, um com 10 CÁPSULAS, que resultou no exame preliminar de constatação descrito no Laudo 568/2011 - UTEC/DPF/CAS/SP e um segundo grupo, com as 100 CÁPSULAS restantes (totalizando 110 CÁPSULAS), que após os novos exames preliminares e procedimentos de amostragem, descritos no Laudo 588/2011 - UTEC/DPF/CAS/SP (anexo) é tratado nos exames definitivos como um único material (110 CÁPSULAS). Assim o Laudo de Perícia Criminal Federal 4869/2011-NUCRIM/SETEC/SR/DPF/SP (anexo), que trata dos exames definitivos, refere-se à amostragem de todo o material apreendido, incluindo-se aí as 10 cápsulas iniciais, constatando, em definitivo, a substância cocaína" (destaques originais, fl. 201).

Foram também apreendidos 2 (dois) aparelhos celulares na posse do acusado: 1 (um) celular da marca Nokia, modelo 2330c-2, IMEI 358227/03/863644/2, nas cores preta e prata e 1 (um) celular da marca Motorola, modelo W 175e2, IMEI 359613012987837, na cor preta (fl. 8), os quais foram periciados (cfr. Laudo n. 624/2011, fls. 126/134).

Autoria. A autoria delitiva encontra-se satisfatoriamente comprovada.

Na Polícia, o acusado permaneceu em silêncio (fl. 4).

Interrogado em Juízo, o acusado disse que é estudante na Romênia e que morava com 1 (um) amigo, sendo que seu pai mora na Romênia e sua mãe, na Itália. Declarou que trabalhava como garçom, na Romênia. Admitiu que é verdadeira a acusação. Disse que estava atravessando muitas dificuldades financeiras e queria terminar a faculdade, e por esse motivo concordou com o transporte da droga, proposta por um amigo seu, que viajou para o Brasil com ele. Declarou que não trazia droga consigo quando da entrada em território nacional e que seu amigo não foi capaz de ingerir as cápsulas com o entorpecente, sendo ele o único a tê-lo ingerido. Disse que foi prometido o pagamento de EUR 2.500 (dois mil e quinhentos euros). Afirmou que o pagamento das passagens aéreas, passaporte e hospedagem no Brasil foi realizado por pessoa identificada apenas como "Salim, da raça negra", que seu amigo conheceu na internet. Referiu que a proposta do tráfico do entorpecente foi feita pela internet, sendo-lhes informado que teriam que transportar as drogas nas malas. Narrou que, após 2 (duas) semanas no Brasil, as passagens aéreas venceram e foi determinada a ingestão das drogas, tendo se negado, a princípio, a submeter-se a tal ordem. Relatou que permaneceram no Brasil mais 3 (três) semanas, sem dinheiro, passando muita fome, e estava desesperado para sair do país. Declarou que engoliu, de início, 80 (oitenta) cápsulas para conseguir as passagens de retorno para a Romênia, sendo-lhe informado que tal quantidade era insuficiente para o pagamento das passagens aéreas dele e do amigo, motivo pelo qual prosseguiu a ingestão de mais cápsulas, objetivando que seu amigo também pudesse embarcar. Disse que não procurou a Polícia porque não se expressa no idioma português e estava com medo. Aduziu que ele e seu amigo conheceram 1 (uma) pessoa no voo para o Brasil e que ligou para tal pessoa para obter dinheiro emprestado, mas ela não quis encontrá-lo. Disse que se comunicou com os indivíduos que o contrataram no idioma inglês. Afirmou que se arrependeu porque perdeu sua oportunidade de estudo. Esclareceu que, no Brasil, ficou hospedado apenas em São Paulo (SP), nos hotéis Brinks Plaza e Moraes, na Rua Celso Garcia e Largo do Paissandu, respectivamente. Declarou que as pessoas que o contrataram estiveram nesses hotéis a sua procura, e, nesses encontros, não avistou armas de fogo. Disse que não foi informado sobre o risco de vida no rompimento de alguma das cápsulas ingeridas. Afirmou que trabalhava todos os dias após as aulas, das 18:00h (dezoito horas) às 2:00h (duas horas) para pagar a faculdade, sendo demitido pouco antes da viagem ao Brasil porque estava sempre atrasado, com tarefas da faculdade (fls. 189/190 e mídia à fl. 192).

Ouvida em Juízo, a testemunha de acusação Alex Halti Cabral disse que, na data dos fatos, estava em plantão no aeroporto de Viracopos (SP), com o Agente de Polícia Federal Criton Gonçalves Melo, e suspeitaram da atitude do acusado, na fila para o check-in da companhia aérea TAP. Afirmou que o acusado estava em companhia de outra pessoa e ambos pareciam ansiosos, por isso resolveu abordá-los. Declarou que os acusados afirmaram que estavam no Brasil a turismo e que verificou que pagaram as passagens aéreas em dinheiro. Relatou que nada foi encontrado na revista das bagagens e na revista pessoal, e que houve suspeita de ingestão de entorpecente, confirmada pelo acusado. Narrou que o acusado foi conduzido ao hospital da PUC-Campinas e lá foi constatado que tinha droga em seu organismo. Referiu que a pessoa que acompanhava o acusado havia tentado ingerir cápsulas com o entorpecente, mas não conseguiu, motivo pelo qual o acusado ingeriu maior número de cápsulas. Disse que o acusado ficou internado para expelir as cápsulas, enquanto o outro indivíduo que o acompanhava foi liberado. Não soube dizer se os acusados haviam sofrido ameaça para ingestão do entorpecente. Esclareceu que em entrevista com o acusado, este confessou a prática delitiva. Informou que se comunicou com o acusado em inglês (fls. 189/190 e mídia à fl. 192).

Na Polícia, Alex prestou as mesmas declarações (fl. 3), corroboradas pelo depoimento da testemunha Criton Gonçalves Melo (fl. 2).

A defesa postula a absolvição do acusado, com fundamento no art. 386, VI, do Código de Processo Penal, tendo em vista a existência das excludentes de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa, consubstanciada na situação de penúria financeira em que vivia o acusado, e da coação moral irresistível, consistente na ameaça de que não voltaria a seu país.

Não prospera a irresignação da defesa. A mera alegação de existência de excludente de culpabilidade não exime o acusado de sua responsabilidade penal, sendo necessária sua comprovação.

Ademais, não há nos autos qualquer prova capaz de confirmar tal versão. Ao contrário, todo o contexto fático remete à conclusão de que o acusado foi contratado para efetuar o transporte de cocaína do Brasil ao exterior, mediante o pagamento de EUR 2.500 (dois mil e quinhentos euros), tendo plena consciência de sua conduta.

Nesse sentido, manifestou-se a Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Elaine Cristina de Sá Proença:


(...)
Alexandru Ionut Dirloman pleiteia a absolvição alegando ter agido em estado de necessidade e mediante coação moral irresistível. Alega que só aceitou fazer o transporte da droga em razão de não ter outra alternativa para concluir os estudos ou voltar para sua terra natal, tendo vislumbrado, no ato ilícito, um meio de obter recursos para resolver suas dificuldades financeiras.
O argumento defensivo não merece prosperar.
O dispositivo legal relativo ao estado de necessidade assim prevê:
(...)
Como se pode observar da redação do artigo, para a configuração do estado de necessidade, faz-se necessário o preenchimento dos requisitos legais: perigo atual, ameaça a direito próprio ou de terceiro cujo sacrifício era desarrazoado exigir, situação não provocada por vontade do agente, conduta inevitável de outro modo e conhecimento da situação de fato.
No caso em questão, Alexandru Ionut Dirloman afirmou em juízo que passava por dificuldades financeiras em seu país de origem. Porém, não apresentou qualquer prova de que vivenciava situação capaz de configurar estado de necessidade. O fato de o sentenciado passar por dificuldades financeiras não justifica a prática de condutas criminosas.
Existem muitas formas lícitas para obtenção de recursos financeiros capazes de garantir a subsistência. Caso todos aqueles que passam por dificuldades financeiras aderissem ao crime, a sociedade se tornaria um verdadeiro caos.
(...)
Quanto à alegada coação moral irresistível, do mesmo modo, os autos não apontam qualquer prova de constrangimento.
Não só. Diante das características pessoais do sentenciado, vê-se que se trata de indivíduo com discernimento e desenvolto, que poderia ter buscado auxílio policial caso estivesse sofrendo ameaças para praticar o crime.
Assim, por ausência de provas quanto ao estado de necessidade e à coação moral irresistível, a sentença não merece reforma neste aspecto (destaques originais, fls. 391/392)

Portanto, inaplicável a excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa e da coação moral irresistível.

Comprovada a autoria, a materialidade delitiva, e o dolo, bem como a transnacionalidade do delito, a condenação pela prática do delito do art. 33, caput, e 40, I, ambos da Lei n. 11.343/06 deve ser mantida, sendo incabível a pretensão absolutória.

Dosimetria. Considerados os critérios dos arts. 42 da Lei n. 11.343/06 e 59 do Código Penal, o MM. Magistrado a quo fixou a pena-base acima do mínimo legal, em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão.

Sem circunstâncias agravantes ou atenuantes.

Entendeu não incidir a atenuante da confissão, tendo em vista que "esta se traduziu 'em admissão da autoria impossível de ser negada, diante da prova inequívoca do transporte da droga dentro do próprio organismo', conforme já decidido pelo E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, na APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003168-83.2008.4.03.6119/SP, Relator Desembargador Federal JOHONSON DI SALVO" (fls. 242 e 243).

Não aplicou, tampouco, a atenuante genérica do art. 66 do Código Penal, tendo em vista que a defesa "não trouxe qualquer argumento aos autos que pudesse levar à aplicação de alguma circunstância atenuante, muito menos trouxe qualquer prova apta a demonstrar qualquer situação que autorizaria a redução determinada naquele dispositivo legal" (fl. 243).

Ainda, não aplicou o art. 13 da Lei n. 9.807/99, ou o art. 41 da Lei n. 11.343/06, pois "o réu não forneceu nenhum elemento que permitisse à Polícia avançar nas investigações e alcançar os resultados apontados pelos citados dispositivos legais" (fl. 243).

Majorou a pena em 1/6 (um sexto) em razão da causa de aumento do art. 40, I, da Lei n. 11.343/06, perfazendo 6 (seis) anos e 5 (cinco) meses de reclusão.

Sem outras causas de aumento, reduziu a pena em 1/6 (um sexto) em decorrência da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, tornando-a definitiva em 5 (cinco) anos, 4 (quatro) meses e 5 (cinco) dias de reclusão.

Arbitrou a sanção pecuniária em 550 (quinhentos e cinquenta) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Estabeleceu o regime inicial fechado.

Denegou a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

Não concedeu ao acusado o direito de apelar em liberdade.

O Ministério Público Federal recorre para que a pena-base seja majorada, devendo aproximar-se de 10 (dez) anos, média das penas máxima e mínima, em razão da grande quantidade de droga apreendida e demais circunstâncias dos arts. 42 da Lei n. 11.343/06 e 59 do Código Penal, bem como para que incida maior exasperação da pena em decorrência da causa de aumento do art. 40, I, da Lei n. 11.343/06. Pugna pela não incidência da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, tendo em vista que os requisitos legais que autorizam sua aplicação são cumulativos e a MM. Magistrada a quo entendeu que o acusado colaborou com a organização criminosa.

Apela a defesa do acusado Alexandru Ionut Dirloman para que a pena-base seja reduzida ao mínimo legal, bem como para que incida a redução decorrente da confissão, afastada a aplicação da Súmula n. 231 do Superior Tribunal de Justiça. Pleiteia a redução de pena em decorrência da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 no máximo legal, "uma vez que indiscutivelmente preenchidos os seus requisitos, não tendo a acusação comprovado a existência de organização criminosa no processo" (fl. 273v.). Protesta, ainda, pela redução da pena de multa ao mínimo legal, pela fixação de regime prisional menos gravoso, bem como pela substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

Os recursos de apelação merecem parcial provimento.

Nos termos do art. 42 da Lei n. 11.343/06, a natureza (cocaína) e a quantidade da droga apreendida na posse do acusado (1.540g), são circunstâncias preponderantes na graduação da pena-base. As demais circunstâncias não são desfavoráveis (fls. 4, 12, 16, 21, 23 e 24 do Apenso), mas é preciso aquilatar o maior desvalor desta conduta em função da quantidade e qualidade do entorpecente, nesta fase, pois diz com as consequências potenciais do crime, com os motivos, pois demonstra maior ganância do agente que visa ao lucro com sua conduta, circunstâncias essas próprias da graduação da pena-base, nos termos do art. 59 do Código Penal e do citado art. 42 da Lei n. 11.343/06.

Em função do princípio da isonomia, estabeleci critério de graduação de aumento pela quantidade e qualidade da droga, procurando assim, aplicar a mesma elevação a situações semelhantes e permitir com segurança discriminar as situações diferentes na medida de suas desigualdades.

A partir de 500g (quinhentos gramas), quantidade já significativa para o tráfico de qualquer droga, aumento a pena em 1/12 (um doze avos) até 1 (um) quilo transportado, e a partir daí aumento mais 1/12 (um doze) a cada excedente de um quilo.

A qualidade da droga é de ser levada em consideração, a cocaína é altamente lesiva ao cérebro, pode causar morte e induz facilmente à dependência. Aplico o percentual de 1/4 (um quarto) por se tratar de tráfico de cocaína.

No caso, o transporte de 1.540g (mil, quinhentos e quarenta gramas) de cocaína enseja maior aumento da pena-base, de acordo com esse entendimento.

De acordo com esse critério, elevo a pena-base em 1/4 (um quarto) + 1/12 (um doze avos) ou 1/3 (um terço), o que resulta em 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 666 (seiscentos e sessenta e seis) dias-multa.

Sem circunstâncias agravantes.

Divirjo do entendimento do MM. Magistrado a quo quanto à não incidência da atenuante do art. 65, III, d, do Código Penal.

Pelo que se infere dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça, a atenuante da confissão (CP, art. 65, III, d) incide sempre que fundamentar a condenação do acusado, pouco relevando se extrajudicial ou parcial, mitigando-se ademais a sua espontaneidade (STJ, HC n. 154544, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 23.03.10; HC n. 151745, Rel. Min. Felix Fischer, j. 16.03.10; HC n. 126108, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 30.06.10; HC n. 146825, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 17.06.10; HC n. 154617, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 29.04.10; HC n. 164758, Rel. Min. Og Fernandes, j. 19.08.10).

A confissão judicial do acusado, bem como sua concordância na realização do exame de constatação da droga em seu organismo autorizam a aplicação da atenuante da confissão.

Assim, reduzo as penas em 1/6 (um sexto), o que perfaz 5 (cinco) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 555 (quinhentos e cinquenta e cinco) dias-multa.

Correta a incidência da causa de aumento de pena do art. 40, I, da Lei n. 11.343/06. É inconteste que o acusado recebeu a droga no Brasil para transporte até a Romênia, para ampla disseminação no exterior, conforme demonstram as passagens aéreas colacionadas aos autos, emitidas em seu nome.

Vejamos o que dispõe a Lei n. 11.343/06, art. 40, sobre as causas de aumento aplicáveis ao tráfico:


Art. 40.  As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito;
II - o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância;
III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;
IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva;
V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;
VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação;
VII - o agente financiar ou custear a prática do crime.

Vê-se que são 7 (sete) as causas de aumento e a possibilidade de graduação é de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços).

Neste caso, é possível aumentar a pena, graduando-a em percentuais, entre o mínimo e o máximo, pois o legislador previu as causas que reputa devam incidir como agravamento na terceira fase da pena.

A jurisprudência, desde os tempos da Lei n. 6.368/76, que previa 5 (cinco) causas de aumento e não 7 (sete), vem aplicando o critério de aumento de 1/6 (um sexto) para cada causa de aumento verificada, somando-se as frações na concomitância de 2 (duas) ou mais delas, até o máximo de 2/3 (dois terços), já que aquele que incide em uma só delas, diante do rol estabelecido, deveria receber o aumento mínimo e quem incidir em 2 (duas), em um aumento acrescido no mesmo patamar e assim por diante, para garantir a isonomia de tratamento entre os diversos casos.

Nesse sentido, colaciono acórdão da primeira seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, de relatoria do E. Des. Fed. Élcio Pinheiro de Castro (Revisão Criminal 1999040108896030):


PENAL. REVISÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA DA PENA. QUANTIDADE E ESPÉCIE DA DROGA. MULTA. REDUÇÃO. 1 - A pena-base foi bem fundamentada, cujo resultado atendeu satisfatoriamente os princípios reitores da primeira etapa do método trifásico de dosimetria das penas. 2 - Na aferição das circunstâncias judiciais elencadas no artigo 59 do Código Penal, em se tratando de tráfico de entorpecentes, têm poder decisivo a espécie e quantidade da droga. Precedentes. 3 - Havendo duas causas de aumento de pena consubstanciadas na internacionalidade do tráfico (art. 18, inc. I) e associação (art. 18, inc. III) correta a utilização de uma delas como causa de aumento (internacionalidade do tráfico ) e a outra (associação: como fator desfavorável na análise das circunstâncias do crime, cujo procedimento está em consonância com os ditames do parágrafo único do artigo 68 do Código Penal. 4 - A pena de multa foi corretamente fixada, estando em perfeita sintonia com as condições que o réu apresentava à época dos fatos. Eventual alteração do poder aquisitivo do requerente deve ser apreciada na execução da pena, podendo inclusive o valor ser objeto de parcelamento, conforme expressa autorização legal insculpida no caput do artigo 50 do Estatuto Repressivo (segunda parte) combinado com o artigo 169 da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal).

Portanto, o aumento devido a título da internacionalidade ou transnacionalidade do tráfico não pode se afastar de 1/6 (um sexto), conforme estabelecido na sentença, resultando as penas de 6 (seis) anos, 5 (cinco) meses e 23 (vinte e três) dias de reclusão e 647 (seiscentos e quarenta e sete) dias-multa.

Sem outras causas de aumento de pena.

Mantenho a incidência da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06. O acusado não possui maus antecedentes, é primário e não se dedica a atividades criminosas. Suas declarações revelam que a empreitada criminosa constituiu um fato isolado em sua vida, não sendo produzidas provas de que participa de organização criminosa voltada ao tráfico de drogas.

Ao tratar da causa de diminuição do § 4º do art. 33, o legislador não se utilizou da mesma técnica e estabeleceu tão somente a possibilidade de graduação entre o mínimo de 1/6 (um sexto) e o máximo de 2/3 (dois terços) de diminuição, verbis:


(...)
§ 4o  Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Fixou requisitos cumulativos que, se preenchidos, dão direito à diminuição, naqueles termos.

No presente caso, não há qualquer prova de envolvimento do acusado com organização criminosa. Não é dado presumir-se em desfavor do direito de liberdade, destarte, entendo deva ficar provado, ainda que por um conjunto indiciário, que a ré pertencia, integrava um grupo voltado para a prática de crimes, com um mínimo de estabilidade, para negar-se a diminuição, o que implica dizer que o julgador deve poder concluir da prova dos autos que houve ação prévia junto ao grupo, não sendo possível presumi-lo do fato isolado do transporte aqui julgado, ainda que isso viesse a trazer um benefício a suposto grupo organizado.

Devida a diminuição, passo ao problema de sua graduação.

Segundo o critério trifásico de aplicação da pena, encampado pelo Código Penal Brasileiro em seu art. 68, verbis:


Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único - No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

A quantidade da droga, por sua vez, é critério aferível no momento de se avaliar as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, dizendo a lei textualmente que:


Art. 42.  O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.

Refere-se, portanto, claramente às circunstâncias do art. 59, indicando ao intérprete, quais as de maior dentre aquelas ali previstas, portanto, nos termos do art. 68 do Código Penal - dentre aquelas aplicáveis na dosagem da pena base.

O art. 59 do Código Penal diz, por sua vez que:


Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Portanto, o legislador ao inserir o art. 42 na Lei n. 11.343/06, nada mais fez que ressaltar que a quantidade da droga deveria ser levada em consideração na graduação da pena base, ressaltar, por que a título de conseqüência do crime e de motivos - considerando que quanto mais droga, maior o lucro visado - tais circunstâncias já constavam do rol do art. 59, e mesmo antes da lei poderiam, e deveriam ser avaliadas nesta fase.

Preocupou-se, quiçá, em evitar o costume de fixação de pena mínima mesmo diante da maior reprovabilidade da conduta e nesse passo, vê-se que também a quantidade se relaciona com a culpabilidade, circunstância judicial, a ser avaliada na primeira fase da dosimetria, na forma do art. 68 do Código Penal.

Portanto, dosar a diminuição entre mínimo e máximo levando em consideração quaisquer das circunstâncias judiciais seria evidente bis in idem. Diminuir menos é agravar, tanto assim é que é preciso fundamentar, motivar explicar porque não se defere a diminuição máxima prevista na lei. Se o agente não tiver nada de negativo que possa ser considerado nessa fase, faria jus à máxima diminuição.

Vale aqui me socorrer dos ensinamentos dos renomados professores Ada Pelegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio de Magalhães Gomes Filho em sua notória obra "As Nulidades do Processo Penal", Malheiros 2ª ed., pg 163/164:


A individualização da pena opera em dois planos: o legal e o judicial. Representa, em qualquer deles, a aceitaçao do princípioda isonomia, na justiça distributiva, segundo o qual devem os homens ser tratados desigualmente na justa medida de suas desigualdades, ou seja, segundo uma igualdade proporcional.
Cabe ao legislador, no plano abstrato, estabelecer margens mínimas e máximas de penas aos diversos crimes e permitir agravamentos ou atenuações quando acompanhados, na as concretização de determinadas circunstâncias, ao juiz incumbe, no caso concreto, buscar a reprimenda adequada, dentro dos limites previamente estabelecidos para cada crime e em face das agravantes e atenuantes genéricas ou especiais existentes.
A Constituição dirige-se ao legisladora ao juiz. Ao legislador diz que deverá realizar a individualização da pena (art. 5º. XLVI) e ao juiz impõe a necessidade de motivar todas as suas decisões, incluídas aí as decisões sobre a pena (art. 95, IX)
(...)
O Código Penal, na reforma de 1984, adotou o critério trifásico de Nélson Hungria (art. 68 do Código Penal) Em Relação à aplicação da pena privativa de liberdade.
O STF vem anulando sentenças que não seguiram o critério trifásico da lei (RTJ 117/589, 118/483, RT 606/420, 606/396, Lex Jur STF 91/360. mesma orientação encontra-se também no Tribunal de justiça de são Paulo RJTJSP, Lex v. 109/402, 117/455, 118/526.
Na primeira fase, será fixada a pena base, com fundamento nas circunstâncias do artigo 59, caput.
Serão consideradas na segunda etapa, as circunstâncias atenuantes e agravantes dos arts 61 a 67 do Código Penal.
(...)
Sob pena de nulidade, não pode uma circunstância, que serviu como qualificadora ou possibilitou a desclassificação para um tipo privilegiado ser usada também para agravar ou atenuar a pena. Seria ela utilizada duas vezes.

Note-se que os autores afirmam a impossibilidade de avaliação dupla de circunstância própria de fases distintas, tanto para agravar como para atenuar a pena, e logo de início, nos alertam de que o princípio da individualização da pena decorre do princípio da isonomia.

Portanto, não é demasiado concluir que a preservação do critério trifásico e a vedação ao bis in idem pretende garantir que indivíduos em situação semelhante não venham a ser tratados diferentemente, ou que indivíduos em situação desigual sejam tratados da mesma forma, em função da apreciação subjetiva de circunstâncias por parte do judiciário. O subjetivismo decorrente disso é também evitado por meio do princípio da reserva legal.

Sobre a vedação ao bis in idem na aplicação da pena, colaciono alguma jurisprudência:


EMENTA: EXECUÇÃO PENAL. Pena privativa de liberdade. Prisão. Cálculo. Delito de latrocínio (art. 157, § 3º, do CP). Causas de aumento por concurso de pessoas e emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º, I e II). Aplicação. Inadmissibilidade. Bis in idem. Maior gravidade já considerada na cominação da pena base. HC não conhecido. Ordem concedida de ofício. Precedentes. Não se aplicam as majorantes previstas no § 2º do art. 157 do Código Penal à pena base pelo delito tipificado no § 3º.
Supremo Tribunal Federal, HC 94994, Rel. Min. CEZAR PELUSO
EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES DE ROUBO. REINCIDÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS E CAUSA AGRAVANTE GENÉRICA OBRIGATÓRIA. BIS IN IDEM NÃO CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA. I - As circunstâncias judiciais são colhidas dos elementos fáticos trazidos pelo processo para a fixação da pena-base, sobre a qual são aplicadas as agravantes e atenuantes e, após, as causas de aumento e diminuição. II - O aumento da pena, em função da reincidência, expressamente prevista no art. 61, I, do Código Penal, não constitui bis in idem quando não utilizada como circunstância judicial para a fixação da pena-base. III - Ordem denegada
Supremo Tribunal Federal, HC 94846, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO, NA FASE DO ARTIGO 59, COM FUNDAMENTO NA CONDIÇÃO DO CARGO DE DELEGADO DO PACIENTE. BIS IN IDEM. CRIMES TIPIFICADOS NOS ARTIGOS 312 E 316 DO CÓDIGO PENAL. DELITOS DE MÃO PRÓPRIA APENADOS COM MAIOR RIGOR, CONSIDERADOS OS CRIMES CONGÊNERES PRATICADOS POR PARTICULARES. PRECEDENTE. Peculato e concussão. Exasperação da pena-base em virtude do cargo de delegado exercido pelo paciente. Os crimes descritos nos artigos 312 e 316 do Código Penal são delitos de mão própria; só podem ser praticados por funcionário público. O legislador foi mais severo, relativamente aos crimes patrimoniais, ao cominar pena em abstrato de 2 (dois) a 12 (doze) anos para o crime de peculato, considerada a pena de 1 (um) a 4 (quatro) anos para o crime congênere de furto. Daí que o acréscimo da pena-base, com fundamento no cargo exercido pelo paciente, configura bis in idem. A Primeira Turma desta Corte, no julgamento do HC n. 83.510, Rel. o Ministro Carlos Britto, fixou o entendimento de que a condição de Prefeito Municipal não pode ser considerada como circunstância judicial para elevar a pena-base. Substituindo o cargo de prefeito pelo de delegado, a hipótese destes autos é a mesma. Ordem concedida.
Supremo Tribunal Federal, HC 88545, Rel. Min. EROS GRAU
E M E N T A: HABEAS CORPUS - MENORIDADE DO RÉU - PENA ABAIXO DO MINIMO LEGAL - INADMISSIBILIDADE - NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO DECISORIO - EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL SATISFEITA - REINCIDENCIA - DUPLA VALORAÇÃO - INOCORRENCIA - PEDIDO INDEFERIDO. - Os juízes e Tribunais, mesmo reconhecendo a ocorrência da circunstancia atenuante obrigatória da menoridade, não podem reduzir a pena a limite que se situe abaixo da sanção minima cominada em lei. - A motivação dos atos decisórios do Poder Judiciário constitui pressuposto de validade, de eficácia e de legitimidade dos pronunciamentos jurisdicionais. Decisões imotivadas são decisões nulas. Ocorrência, no caso, de ato judicial plenamente fundamentado. - A reincidência do condenado somente legitima a exasperação da pena na hipótese única de seu reconhecimento como circunstancia agravante genérica. Essa pessoal condição jurídica do sentenciado, que influi na definição do seu status poenalis, não pode ser também considerada na fixação da pena-base. A dupla valoração da reincidência - enquanto circunstancia judicial e enquanto circunstancia legal - não deve ser admitida, sob pena de inaceitável bis in idem.
Supremo Tribunal Federal, HC 70483, Rel. Min. CELSO DE MELLO

O princípio do ne bis in idem decorre também, logicamente do princípio da reserva legal, pois realiza a sua aplicação nas diversas fases da dosimetria da pena, exigindo do julgador que puna mais, ou puna menos, pela circunstância fática prevista previamente em lei, de acordo com a sanção previamente estatuída para aquele fato, o que não ocorrerá se for aplicada a sanção duplamente, pelo mesmo fato.

Sobre o princípio da reserva legal, vale uma incursão nas palavras sempre atuais de Aníbal Bruno:


(...) Traçando o círculo fechado do ilícito penal, dentro do qual, em princípio, ninguém pode penetrar sem incorrer em pena e fora do qual ninguém pode sofrer a imposição penal, a lei punitiva não só promove a defesa pela proteção que confere, por meio dos rigores de sua sanção, às condições existencias da sociedade, nos termos emque ela se acha constituída, mas assegura e delimita o campo de ação do Estado na repressão e prevenção direta da delinqüência, e com essa delimitação garante as liberdades individuais em geral e os direitos fundamentais que subsistem no próprio delinquente
O princípio nullum crimen, nulla poena sine lege
O rigor dessa limitação e a força dessas garantias estão no princípio que faz da lei penal a fonte exclusiva de declaração dos crimes e das penas, o princípio da absoluta legalidade do direito punitivo, que exige a anterioridade de uma lei penal, para que determinado fato, por ela definido e sancionado, seja julgado e punido como crime. Esse princípio, tradicionalmente expresso na regra nullum crimen, nulla poena sine lege e geralmente consagrado nos dispositivos de abertura dos Códigos penais modernos, tem raízes na Magna carta, da Inglaterra (1215), e nas Petition os Rights, norte-americanas, mas foi formulado em termos precisos na Declaração dos Direitos do Homem, na Revolução Frencesa: ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada (art. 8º)
Na doutrina, encontram-se antecedentes em Montesquieu e Beccaria, mas quem forneceu os próprios termos da regra latina em que hoje é enunciado foi Feuerbach. No nosso Código está consagrado no artigo 7º "não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal" e Além disso, é um dispositivo da nossa Constituição, onde aliás, continua uma tradição constante em todas as cartas constitucionais.
No decurso de sua evolução, a partir da Magna Carta, dos documentos norte americanos e da Revolução Francesa, o princípio da legalidade foi dissociando do seu contexto as várias funções de garantia que hoje apresenta: não há crime nem pena sem lei anterior, e então o princípio se opõe á retroatividade da norma penal incriminadora, trazendo a necessária precisão e segurança ao direito; não há crime nem pena sem lei escrita, o que importa negar ao direito costumeiro função criadora ou agravante de tipos ou sanções penais; não há crime nem pena sem lei estrita, com que se impõe uma limitação à aplicação da lei e se torna defeso, do domínio das normas incriminadoras, o emprego da analogia.
Esse princípio, que é uma das características dos regimes democráticos nascidos das idéias liberais do século XVIII, do liberalismo e do individualismo das correntes filosóficas e políticas que então se desenvolveram, tem sido posto modernamente em discussão e vem sendo abolido mesmo em algumas legislações, ou como expressão de um regime de hipertrofia estatal, em que a defesa de um sistema político, de um partido, de uma classe social, exige uma ordem penal que se tem chamado autoritária, em condição de atuar sem a limitação daquele princípio liberal, ou como forma de transição entre um direito penal de normas incriminadoras tipificadas e em direito penal sem parte Especial e sem dosimetria das penas. São, em geral, sinais e exigências da crise social e política do nosso tempo. Note-se que já era assim na Roma do império com os seus juízes decidindo ad exemplum legis. Modernamente, a Rússia excluiu este princípio do seu sistema jurídico-penal, designando o crime pelo conceito elástico de ação socialmente perigosa (refere-se o autor ao Código Penal soviético, como explica em nota de rodapé). Do mesmo modo a Alemanha do Nacional -socialismo, correndo ao "são sentimento do povo" desembaraçou-se do princípio legalista. Outras vezes razões de doutrina ou de técnica, ou simplesmente de tradição legislativa têm influído para o abandono do princípio da legalidade. Um exemplo é o Código Penal da Dinamamrca. Não são modelos que mereçam ser seguidos. O caráter punitivo da sanção anticriminal, com a grave restrição de bens jurídicos fundamentais imposta ao criminoso, como ainda hoje se apresenta, o seu sentido retributivo-expiatório, eleva aquela máxima à posição de garantia imprescindível á liberdade do homem." (grifei) (Aníbal Bruno, Direito Penal, pg 206/207, 1978)

Nesse sentido ainda, a doutrina de Assis Toledo:


Função de garantia da lei penal. Princípio da legalidade ou da reserva legal. Estudada a técnica da elaboração dos tipos, resta ver-se como esta se projeta no plano político e constitucional para erigir-se em um dos mais importantes princípios do direito penal dos últimos tempos. Uma breve digressão histórica contribuirá para demonstrar essa afirmação.
Em 1935, no auge do regime nazista, Dahm, percebendo nos tipos legais de crime uma incômoda limitação ao poder estatal, proclamou a necessidade de atenuação ou de aniquilamento de um velho princípio - o nullum crimen, nulla poena sine lege - afirmando que os crimes mais graves, principalmente políticos, não se deixam conter em tipos legais nem se deixam circunscrever por meio de normas abstratas (National sozialistisches um faschistisches Strafrechts, Berlin, 1935). Daí a necessidade de superar-se, ao ver do autor citado, esse princípio, que se constituía em verdadeiro obstáculo à atuação do juiz, na aplicação da pena criminal a fatos danosos não totalmente ajustados às previsões legais.
A novidade criticável dessa doutrina está na conclusão que adota, não na constatação, realmente correta, de que os tipos legais de crime, à luz do princípio da legalidade que iremos examinar, constituem concreta limitação ao poder estatal. Franz Von Liszt percebera isso, muito antes, quando em 1905, com propósitos diferentes, afirmava ser o código penal a magna carta do delinqüente, isto é, a garantia, para os que se rebelam contra o Estado e a sociedade, de uma punição segundo certos pressupostos e dentro de precisos limites legais. E aqui se revela um dúplice aspecto do ordenamento jurídico penal, enfatizado por Roxin serve, simultaneamente, para limitar o poder de intervenção estatal na esfera dos direitos individuais e também para combater o crime. Protege tanto o indivíduo contra os abusos da autoridade quanto a sociedade e seus membros contra os abusos dos indivíduos'
Somente pois, em um Estado de direito, muito diferente daquele a que servia Dahm, será possível identificar-se, em toda a sua inteireza, o princípio da legalidade e dele extraírem-se lógicas conseqüências. É que este princípio deita raízes longínquas no liberalismo, com suas idéias jus naturalistas e contratualistas incompatíveis com as que orientam um estado totalitário'
(...)
O nullum crimen, nulla poena sine lege tem sua longa história, por vezes acidentada, com fluxos e refluxos. Por isso já foi objeto de muitas interpretações, conforme acentua Maurach, cada uma delas desempenhando papel político de realce, antes que se chegasse à concepção atual, mais ou menos cristalizada na doutrina. Presentemente, essa concepção é obtida na no quadro da denominada "função de garantia da lei penal".. e para a atuação da justiça criminal em um estado de direito, essa função de garantia provoca o desdobramento do princípio em exame em quatro ouros princípios, a saber:
a) nullum crimen, nulla poena sine lege PRAEVIA;
b) nullum crimen, nulla poena sine lege SCRIPTA;
c) nullum crimen, nulla poena sine lege STRICTA;
d) nullum crimen, nulla poena sine lege CERTA.
Lex praevia significa proibição de leis retroativas que fundamentem ou agravem a punibilidade. Lex scripta, a proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pelo direito consuetudinário. Lex stricta, a proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pela analogia (analogia in malam partem) . Lex certa, a proibição de leis penais indeterminadas (grifei).

Trouxe essa doutrina para demonstrar que o § 4º do art. 33 da Lei de drogas traz possibilidade de agravamento incerto, a critério do julgador, e só por isso incide em violação ao princípio da reserva legal, pois não traça nenhum critério para a graduação da benesse.

Ainda que se pudesse criar meios de graduação, violando-se o princípio da lei estrita, ao dosá-la utilizando-se das circunstâncias do crime, motivos, quantidade e qualidade da droga, conduta social, internacionalidade, ou outras, já previstas em lei, a decisão incidirá em bis in idem vedado.

Não é possível negar a diminuição da lei a quem faz jus, mas também não é possível aplicar o parágrafo como está sem incidir em bis in idem, concluo.

Nesse sentido, ao tratar da dupla consideração do critério quantidade e qualidade, já se pronunciou o E. Supremo Tribunal Federal, pela existência de bis in idem, confira-se:


HC 108523 / MS - MATO GROSSO DO SUL HABEAS CORPUS
Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA
Julgamento:  14/02/2012 
Órgão Julgador:  Segunda Turma
Publicação 14/03/2012
Habeas Corpus. Tráfico de drogas. Utilização de transporte público. Incidência da causa de aumento prevista no art. 40, inc. III, da Lei nº 11.343/06. Fixação do quantum relativo à causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/06. Necessidade de fundamentação idônea. Inocorrência. Ordem parcialmente concedida.
A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a simples utilização de transporte público para a circulação da substância entorpecente ilícita já é motivo suficiente para a aplicação da causa de aumento de pena prevista no art. 40, inc. III, da Lei nº 11.343/2006 (dentre outros, HC 107.274/MS, rel. min. Ricardo Lewandowski, DJe-075 de 25.04.2011). O magistrado não está obrigado a aplicar a causa de diminuição prevista no § 4° do art. 33 da Lei nº 11.343/06 em seu patamar máximo quando presentes os requisitos para a concessão de tal benefício, tendo plena autonomia para aplicar a redução no 'quantum' reputado adequado de acordo com as peculiaridades do caso concreto" (HC 99.440/SP, da minha relatoria, DJe-090 de 16.05.2011). Contudo, a fixação do quantum de redução deve ser suficientemente fundamentada e não pode utilizar os mesmos argumentos adotados em outras fases da dosimetria da pena. Como se sabe, "a quantidade e a qualidade de droga apreendida são circunstâncias que devem ser sopesadas na primeira fase de individualização da pena, nos termos do art. 42 da Lei 11.343/2006, sendo impróprio invocá-las por ocasião de escolha do fator de redução previsto no § 4º do art. 33, sob pena de bis in idem" (HC 108.513/RS, rel. min. Gilmar Mendes, DJe nº 171, publicado em 06.09.2011). Ordem parcialmente concedida para determinar ao TRF da 3ª Região que realize nova dosimetria da pena, reaprecie o regime inicial de cumprimento de pena segundo os critérios previstos no art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal, e avalie a possibilidade de conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direito conforme os requisitos previstos no art. 44 do CP.
Decisão
Ordem parcialmente concedida para determinar ao Tribunal
Regional Federal da 3ª Região que proceda a nova individualização da pena observando-se a adequada motivação do quantum de redução da pena previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006.Determinado ainda, de ofício, que, fixada a pena definitiva, o TRF da 3ª Região delibere sobre o regime inicial de cumprimento da pena segundo os critérios previstos no art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal, bem como sobre a possibilidade de conversão dapena privativa de liberdade em restritiva de direito conforme os requisitos dispostos no art. 44 do CP, nos termos do voto do Relator. Decisão unânime. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello. 2ª Turma, 14.02.2012.

Porém, em que pese a Suprema Corte ter declarado que "O magistrado não está obrigado a aplicar a causa de diminuição prevista no § 4° do art. 33 da Lei nº 11.343/06 em seu patamar máximo quando presentes os requisitos para a concessão de tal benefício, tendo plena autonomia para aplicar a redução no 'quantum' reputado adequado de acordo com as peculiaridades do caso concreto" (HC 99.440/SP, da minha relatoria, DJe-090 de 16.05.2011)", resta saber que critério seria esse, que já não tenha sido avaliado, ou que já não devesse ter sido avaliado nas operações anteriores e possa, portanto, ser utilizado pelo juiz nesta fase.

Ora nesse cenário, desde que devida a redução, só será cabível no patamar máximo de 2/3 (dois terços), pois a única consentânea com o princípio da reserva legal e presunção de inocência, que indicam que na dúvida, no impasse, a solução deve ser em favor do direito de liberdade.

Esse foi o meu posicionamento por algum tempo.

Porém, o estou revendo agora, pois é inegável que essa solução também deixa a desejar.

Ocorre que na prática, a solução acaba por provocar um excesso em favor do réu que aniquila o intuito punitivo da norma, e torna a pena aplicável, incompatível com a gravidade da conduta que é tida por hedionda pela Constituição Federal, o que torna a essa solução também contrária ao Direito.

O afastamento da graduação com aplicação em 2/3 (dois terços) da diminuição faz resultar evidentemente desproporcional a pena, e obriga o juiz a praticar excesso em favor do réu, ao solapar, por exemplo, uma grave pena de 6 (seis) anos de reclusão a apenas 2 (dois), muitas vezes, pena inferior à que resulta de muitos crimes de gravidade infinitamente menor que o tráfico.

O legislador quis privilegiar a primariedade, em senso lato, sem dúvida. Porém, não a ponto de tornar impune aquele que pratica a conduta pela primeira vez, sem vínculo com grupo criminoso organizado.

Reconheço que desconsiderar a gravidade da conduta já fixada com a pena-base e nas fases seguintes da dosimetria em nome da primariedade solapando a punição pela redução de 2/3 (dois terços) é de fato praticar o excesso, em favor do réu, o que a lei não poderia fazer, nem pretendeu fazer, pois fixou um redutor variável.

Portanto, a interpretação conforme a Constituição, ao princípio da isonomia que norteia o sistema e aos demais princípios de direito penal, como a individualização da pena e reserva legal deve afastar também o excesso em favor do réu, privilegiando o princípio da proporcionalidade razoável na aplicação da pena, que decorre da equidade e proibição do excesso, que norteia o legislador e o juiz, seja em favor da sociedade, seja em favor do réu.

Note-se que aqui não se trata de criar reprimenda onde não existe lei para punir, com base no excesso em favor do direito de liberdade, não se trata de legislar, criar preceito, mas adequar uma reprimenda existente a limites proporcionais.

No sentido da proibição do excesso no exercício do poder legislativo, já discorremos ao tratar do art. 273 do Código Penal, porém neste caso, apontamos excesso em desfavor do direito de liberdade:


É certo que o judiciário não deve se imiscuir na função legislativa, o que seria afronta ao princípio da tripartição dos poderes. Cabe-lhe interpretar a norma jurídica e aplicá-la no caso concreto. Porém cabe-lhe a interpretação harmônica do sistema, e dentro dessa função está a de controlar a constitucionalidade das normas jurídicas, devendo nesse passo deixar de aplicar preceitos que se encontrem em confronto com as normas e princípios constitucionais, isto é, que não encontram fundamento de validade na Lei Maior.
E o princípio da proibição do excesso, da proporcionalidade razoável está previsto em nossa Constituição e rege a atividade discricionária, quer do administrador público, quer do legislador positivo. Decorre do princípio do devido processo legal em seu aspecto material e do princípio da individualização da pena, expressos na Constituição.
Significa que no exercício de sua discricionariedade regrada o poder público, por meio de seus agentes não está autorizado pela Constituição Federal, a agir com excesso ao restringir direitos individuais em prol do interesse público, além do suficiente e necessário para a defesa dos interesses públicos. O excesso torna ilegal a atividade administrativa, ainda que a pretexto do exercício do poder discricionário e da mesma maneira torna inconstitucional a atividade legislativa, pois evidencia o desbordar dos limites da discricionariedade conferida a esses agentes pela Lei e pela Constituição.
Cito em meu subsídio o renomado professor José Joaquim Gomes Canotilho, em sua obra Direito Constitucional, pg 617/618:
2.5. O princípio da proibição do excesso (art. 18, o/2)
Este princípio, atrás considerado como um subprincípio densificador do Estado de direito democrático (cfr. supra, Parte IV, Cap. 1, A). significa, no âmbito específico das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, que qualquer limitação, feita por lei ou com base na lei, deve ser adequada (apropriada), necessária (exigível) e proporcional (com justa medida). A exigência da adequação aponta para a necessidade de a medida restritiva ser apropriada para a prossecução dos fins invocados pela lei (conformidade com os fins). A exigência da necessidade pretende evitar a adopção de medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias que, embora adequadas, não são necessárias para se obterem os fins de protecção visados pela Constituição ou a lei. Uma medida será então exigível ou necessária quando não for possível escolher outro meio igualmente eficaz, mas menos , relativamente aos direitos restringidos. O princípio da proporcionalidade em sentido restrito ( = princípio da ) significa que uma lei restritiva, mesmo adequada e necessária, pode ser inconstitucional, quando adopte cargas coactivas de direitos, liberdades e garantias , , ou em relação aos resultados obtidos.
O princípio da proibição do excesso (ou da proporcionalidade em sentido amplo), consagrado na parte final do art. 18. o/2, constitui um limite constitucional à liberdade de conformação do legislador. A Constituição, ao autorizar a lei a restringir direitos, liberdades e garantias, de forma a permitir ao legislador a realização de uma tarefa de concordância prática justificada pela defesa de outros bens ou direitos constitucionalmente protegidos, impõe uma clara vinculação ao exercício dos poderes discricionários do legislador. Em primeiro lugar, entre o fim da autorização constitucional para uma emanação de leis restritivas e o exercício do poder discricionário por parte do legislador ao realizar esse fim deve existir uma inequívoca conexão material de meios e fins. Em segundo lugar, no exercício do seu poder ou liberdade de conformação dos pressupostos das restrições de direitos, liberdades e garantias, o legislador está vinculado ao princípio material da proibição do excesso.
A questão, como se intui, coloca problemas complexos em sede de controlo concreto da constitucionalidade, se se interpretar a , a e a da medida legal restritiva como uma questão de situada no âmbito de liberdade de conformação do legislador. Deve apurar-se um de liberdade de conformação, pois: (1) há casos em que o legislador está estritamente vinculado, podendo afirmar-se que ele apenas possui uma competência de concretização legislativa (ex.: na definição do direito à liberdade e integridade física, o legislador só pode concretizar a defesa de nos precisos e estritos termos definidos pela CRP); (2) noutros casos, a competência de qualificação dos interesses públicos é já mais livre, mas, ainda assim, positivamente vinculada impedindo o legislador de limitar direitos em nome de interesses públicos não constitucionalmente protegidos (ex.: será inconstitucional a relativização do direito ao despedimento sem justa causa dos trabalhadores com base no interesse da produtividade das empresas, pois este não é um bem superior ou prevalente constitucionalmente protegido).
A liberdade de conformação do legislador exige das entidades judiciais de controlo uma relativa prudência quanto à aplicação do princípio da proibição do excesso, mas elas não poderão abdicar de dar uma específica aplicação a este princípio, sobretudo quando está em jogo a apreciação de medidas especialmente restritivas (ex.: do exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação, petição colectiva e a capacidade eleitoral nos termos do art. 270.). O princípio da proporcionalidade terá ainda interesse para o eventual controlo preventivo da constitucionalidade da lei geral restritiva.
A relevância prática do princípio da proibição do excesso pode ser ilustrada através de alguns casos decididos pelo TC (Ver Acs TC 4/84, 703/84, 23/84, 225/88, 282/86).

Vê-se do exposto, que nada impede que a doutrina acima se aplique também em favor da sociedade, quando se afirma que as punições devem ser proporcionais e razoáveis.

Na verdade, o Estado é titular do direito de punir, limitado pela lei, porém esse direito se traduz também num dever, o dever de punir as condutas contrárias a ordem vigente. Não se olvida que o Estado Brasileiro se propôs a punir efetivamente o tráfico de drogas, já que consta da lei maior que "XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem."

Portanto, é dever do legislador punir adequadamente o tráfico.

Nesse sentido, Manuel Pedro Pimentel, verbis:


Estamos convencidos de que o Estado não é titular de um direito subjetivo de punir. Segundo se extrao dos ensinamentos de Santi Romano, o que existe realmente, é um poder dever de punir. O Estado tem o poder de punir, que é atributo de sua soberania, mas ao mesmo tempo, tem o dever de punir, imposto pela exigência de realização de uma das suas finalidades. Não há, portanto, o direito de punir (jus puniendi), mas um poder-dever de punir, que mais convém ao caráter público do Direito Penal.
(...) (Direito Penal Econômico, pg 88, RT, 1973)

Reconheço, por essas razões, que é preciso realizar o intento da norma, que é efetivamente punir o delinquente, o que não ocorrerá se a pena fracassar em quaisquer de suas funções, repressivas, intimidatórias ou de reinserção social e prevenção, pois a pena deve funcionar como instrumento de prevenção geral e especial, e assim a resposta penal precisa ser adequada ao delito praticado.

Desbordaria os limites da discricionariedade do legislador abrandar de tal maneira o tratamento de um delito hediondo, assim considerado pela Constituição de modo que a pena reste inócua para os fins a que se destina, assim como não poderá agravar de forma evidentemente excessiva a reprimenda de delito de gravidade notadamente inferior.

Portanto, após muito desassossego com esse assunto, pois a solução que encontrei para não incidir em bis in idem, aplicar o redutor sempre em 2/3 (dois terços) nunca me pareceu plenamente satisfatória - ainda que a aplicasse por tratar-se da solução em prol do direito de liberdade, com base na presunção de inocência - reconheço que é preciso coibir excessos também em favor desse direito, sob pena de sacrificar-se a ordem constitucional vigente e os objetivos de pacificação social do Direito.

Na verdade, a falta de técnica do legislador, ao prever diminuição em patamar elástico e sem critérios para o seu estabelecimento, não deve levar o julgador a resultado evidentemente desproporcional em face da conduta já dosada nas fases anteriores e do sistema repressivo como um todo.

Portanto, uma interpretação conforme a Constituição Federal desse inquietante § 4º da Lei n. 11.343/06 DEVE AFASTAR A IMPOSSÍVEL GRADUAÇÃO, EVITANDO-SE O BIS IN IDEM, E POR ISSO ESTIPULAR O REDUTOR EM PATAMAR FIXO, SEMPRE QUE PRESENTES OS REQUISITOS CUMULATIVOS DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO , sob pena de negar-se vigência ao dispositivo, que não é de ser declarado inconstitucional por esse defeito, mas interpretado conforme os princípios constitucionais.

O patamar, pelo exposto, não deve ser o máximo. Entendo que, para atender, dentro da medida do possível a mens legis, procurando situar o julgamento mais proximamente à vontade do legislador (punir o tráfico adequadamente), sem incidir em bis in idem, nem em excesso permissivo, revejo entendimento e passo a fixar a diminuição, quando devida, sempre no patamar fixo correspondente à MÉDIA do intervalo pela lei estabelecido que vem a ser "5/12" (cinco doze avos) (fração média entre 1/6 e 2/3 fixada pelo legislador).

Concluo que, aplicada a diminuição em 5/12 (cinco doze avos), a pena fica definitivamente fixada em 3 (três) anos, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 377 (trezentos e setenta e sete) dias-multa.

Mantenho o regime inicial fechado, com fundamento nos arts. 33, § 3º, e 59, ambos do Código Penal. Com efeito, na primeira fase da dosimetria da pena, considerei que as circunstâncias judiciais objetivas eram desfavoráveis ao réu. Não há circunstâncias que especialmente preponderem, de modo positivo, sobre aquelas, como motivo, circunstâncias e personalidade do agente, que façam concluir pela adequação de regime mais brando; ao contrário, tudo leva a concluir pela insuficiência do regime mais brando para a repressão da conduta, no caso. Fica mantida também a não incidência do art. 44 do Código Penal, pelos mesmos motivos.

Mantenho os demais termos da sentença.

Ante todo o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso do Ministério Público Federal para majorar a pena-base do acusado para 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 666 (seiscentos e sessenta e seis) dias-multa e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso da defesa de Alexandru Ionut Dirloman, reduzindo as penas que lhe foram impostas para 3 (três) anos, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 377 (trezentos e setenta e sete) dias-multa, mantidos os demais termos da sentença.

É o voto.


Louise Filgueiras
Juíza Federal Convocada


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