D.E. Publicado em 01/02/2013 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra r. decisão constante de fls.79, promanada do MM. Juízo da 1ª Vara Federal de Araraquara/São Paulo que, entendendo subsumir-se o fato descrito na denúncia ao artigo 70 da Lei nº 4.117/62 e não ao art. 183 da Lei nº 9.472/97 classificado na inicial, determinou a remessa dos autos ao parquet federal para manifestação sobre eventual proposta de transação, prevista no art. 76 da Lei nº 9.099/95, tendo em vista o disposto na Lei 10.259/2001.
Em razões recursais, requer o recorrente o recebimento da denúncia, uma vez caracterizada nos autos a prática do crime previsto no art. 183 da Lei nº 9.472/97, cometido pelo recorrido Luiz Pirola Neto.
Alega o recorrente, em síntese:
1. A impossibilidade de alteração, pelo juiz, da capitulação legal no momento do recebimento da denúncia;
2. Invasão, pelo magistrado, da esfera de atuação do órgão acusador, vedado no sistema processual brasileiro;
3.Existência de justa causa para a ação penal;
4. Dever prevalecer o entendimento de que o art. 70 da Lei nº 4.117/62 foi revogado pela Lei nº 9.472/97, a partir da vigência desta última, subsumindo-se o fato ao tipo do art. 183 da referida lei, em se tratando de desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação, havendo mera repetição de tipos penais.
Contrarrazões ao recurso às fls. 99/104, pelo seu improvimento.
Na oportunidade do art. 589 do Código de Processo Penal, o MM. Juízo manteve a decisão recorrida.
Parecer do Ministério Público Federal opina pelo conhecimento e parcial provimento do recurso (fls. 109123), para que seja recebida a denúncia classificada no art. 183 da Lei nº 9.472/97.
Entende que a conduta prevista no art. 70 se reporta atos contrários aos preceitos legais e regulamentares que regem a matéria, embora haja autorização para a exploração do serviço de telecomunicação, enquanto que o tipo penal previsto no art. 183 da Lei nº 9.472/97 rege a atividade de telecomunicação clandestina, isto é, sem autorização do Poder Público, o que ocorre nos autos.
É o relatório.
Dispensada a revisão, na forma regimental.
VOTO
Narra a denúncia que Luiz Pirola Neto, em 25 de setembro de 2009, foi surpreendido, em vistoria técnica levada a efeito por agentes de fiscalização da Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL, na rua Nove de Julho, nº 805, na cidade de Araraquara/SP, na posse de dois transceptores Motorola, modelo PURC 5000, uma antena monopolo vertical, marca Larsen Antenas, modelo NMO-UHF e três transceptores Motorola, sendo um modelo Radius e outros dois modelo M120, operando na freqüência de 931,8375 Mgz e na faixa de operação estimada em 45 Watts, aparelhos apreendidos, porquanto a utilização não se encontrava devidamente amparada por autorização da agência reguladora, de modo que a licença para operação havia expirado no ano de 2008, razão pela qual foi o acusado denunciado como incurso no art. 183 da Lei nº 9.472/97.
Antes da análise do presente recurso, impende esclarecer como processado o presente feito.
Segundo relatado nos autos pela autoridade policial, o agente de fiscalização Carlos Augusto de Carvalho localizou no endereço apontado na denúncia, a existência de serviço especial de Radio Chamada (Central BIP) em funcionamento, contudo, sem autorização para tanto, uma vez que a autorização foi dada até o ano de 2008, tendo sido extinta. Na ocasião, o recorrido manifestou preocupação com a interrupção do serviço sem avisar a clientela, dizendo que, embora não houvesse o selo da Anatel nos aparelhos, estes estariam homologados por serem antigos, acreditando ainda estar a outorga em vigor.
Após o relato do inquérito policial, o Douto Procurador da República requereu folha de antecedentes criminais e certidões, ao entendimento de que o delito em questão admitia aplicação do instituto da transação penal, sendo o caso de tipificação no art. 70 da Lei nº 4117/62 (fls.41).
A seguir, manifestou-se o órgão acusatório pela atipicidade da conduta, face à ausência de dano, por se tratar de crime de perigo concreto, pugnando pelo arquivamento do feito (fls. 51/54).
No entanto, em decisão de fls. 55/57, entendeu a D. Magistrada que a norma do art. 70 da referida lei não exigia para a sua aplicação a comprovação de dano, mas apenas a avaliação do potencial lesivo e, vislumbrando a possibilidade de transação penal, encaminhou os autos a uma das Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.
A seguir, a Procuradoria da República designou a Procuradora Daniela de Oliveira Mendes, lotada em Araraquara/SP, para atuar no caso, tendo sido oferecida a denúncia (fls. 76/78), sobrevindo, então, a decisão recorrida que entendeu por subsumir-se a conduta ao art. 70 da Lei 4.1117/62, determinando-se vista ao Ministério Público Federal para eventual proposta de transação.
Ao aportar os autos naquele órgão ministerial houve por bem o parquet interpor recurso em sentido estrito, ora objeto de apreciação.
Feitos os esclarecimentos necessários, passo ao exame do recurso.
DO CABIMENTO DO RECURSO
Entendo cabível o recurso, nos termos do art. 581, inc. I, do Código de Processo Penal, tratando-se de recurso contra decisão que não recebeu a denúncia.
DA ALEGADA IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DA CAPITULAÇÃO LEGAL NO MOMENTO DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA
A respeito da matéria, entendo que no momento de admissibilidade da acusação pode o juiz reclassificar o fato, ao fundamento de sua subsunção a outro crime de rito especial, como no caso dos autos, em face do princípio da celeridade processual, uma vez convencido, desde logo, que o fato comportaria transação penal ou suspensão condicional do processo, sem ter que passar o feito por todo o trâmite ordinário e instrução processual para, ao final, promover a emendatio libelli.
Nesse passo, cito considerações alinhavadas em julgado deste relator nos embargos infringentes nº 00062415220004036181, sobre o advento da Lei nº 9.099/95 que tornou possível ao juiz verificar a classificação do crime, sua correta tipificação, merecendo ser revista a tese de impossibilidade de alteração da capitulação legal no momento da admissibilidade da denúncia.
Assim, tenho por correta decisão judicial.
DA TIPICIDADE DA CONDUTA - LEIS 4117/62 E 9.472/97
A matéria ora posta em exame diz respeito ao juízo de tipicidade da conduta de instalação e funcionamento de transmissores de radiodifusão, sem autorização do órgão público competente.
A exigência de autorização decorre do poder de polícia inerente aos serviços públicos com a previsão constitucional instituída no art. 21 da Carta Magna, verbis:
"Compete à União:
(...)
explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens.
(...)".
Por primeiro, convém enfatizar que, de acordo com a orientação jurisprudencial, não há incompatibilidade com a atividade de poder de polícia e a liberdade de comunicação insculpida na Constituição Federal, não havendo qualquer finalidade de censura, no que diz com a necessidade de autorização, concessão ou permissão previstas na lei, e sim, medida adotada como diretriz do Estado em sua política cultural de apoio e incentivo à difusão de manifestações culturais e proteção da operacionalidade dos meios de comunicação.
Desde logo, impende destacar que a radiodifusão é espécie de telecomunicação, consoante estabelecido no art. 60, § 1º, da Lei nº 9.472/97.
Cumpre examinar a conduta frente aos diplomas legais pertinentes: Leis nº 4.117/62, Lei nº 9.472/97 e Lei nº 9.612/98.
A regra é a de que lei especial posterior não revoga a geral anterior, salvo quando a ela se referir, ou ao seu assunto, e exclusivamente no ponto em que a altera ou a exclui explicitamente ou implicitamente.
O art. 183 da Lei nº 9.472/97 não foi revogado pela Lei nº 9.612/98. O art. 2º desta Lei determinou que o Serviço de Radiodifusão Comunitária obedecerá ao disposto no art. 223 da Constituição Federal, aos preceitos desta Lei e, no que couber, aos mandamentos da Lei nº 4.117/62 e demais disposições legais, incluindo-se a Lei nº 9.472/97 nesta parte final de determinação.
Pelos seus contextos, a Lei nº 9.472/97 está voltada para fins de sanções penais (art. 183) e a Lei nº 9.612/98 estabelece condutas de ordem administrativa (dentre elas, a necessidade de autorização do poder público para funcionamento das rádios comunitárias), sendo ambas perfeitamente compatíveis.
Ademais, a Lei nº 9.612/98 manteve a exigência de autorização do poder público para a instalação e operação da radiodifusão comunitária permanecendo vigentes, pelo artigo 2º já citado, o tipo penal previsto no art. 70 da Lei nº 4.117/62, bem como aquele previsto no art. 183 da Lei 9.472/97.
Sobre o tema, trago à colação os seguintes julgados:
"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. RADIODIFUSÃO COMUNITÁRIA. IMPUTAÇÃO DO CRIME PREVISTO NO ART. 183 DA LEI 9.472/97. INEXISTÊNCIA DE REVOGAÇÃO DESSE DISPOSITIVO PELA LEI 9.612/98 E DE VIOLAÇÃO DO PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. DENÚNCIA QUE NÃO É INEPTA. A EXISTÊNCIA, OU NÃO, DE DOLO DEVERÁ SER APURADA NA FASE INSTRUTÓRIA DA AÇÃO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO". (RHC 81473/SP, STF, Rel. Min. Moreira Alves, 1ª Turma, publicado em 8/3/2002, pp- 00070, votação unânime).
"PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. RÁDIO COMUNITÁRIA. BAIXA FREQÜÊNCIA. FALTA DE AUTORIZAÇÃO PARA O FUNCIONAMENTO. REVOGAÇÃO DA LEI 9472/97. VIOLAÇÃO AO PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. NÃO OCORRÊNCIA.
Os serviços de radiodifusão constituem, por definição, serviços públicos a serem explorados diretamente pela União ou mediante concessão ou permissão. Assim, não poderia a Rádio, ainda que de baixa freqüência e sem fins lucrativos, funcionar sem a devida autorização do poder público. São perfeitamente compatíveis as Leis 9.612/98 e 9.472/97. Enquanto a primeira define punições de natureza administrativa, a segunda prevê sanções penais. Hábeas Corpus conhecido, pedido indeferido". (STJ, HC 14356, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ 19/3/2001 pág. 126).
Conforme lançado no Parecer do Ministério Público Federal, a conduta descrita no art. 70 da Lei nº 4.117/62 se refere ao exercício de radiodifusão sem a observância do disposto nos regulamentos, ou seja, existe autorização, concessão ou permissão por parte do Poder Público para que o particular instale ou utilize o serviço, sendo que passa ele a atuar de forma contrária às regras referentes à exploração do serviço, enquanto que o tipo penal previsto no art. 183 da Lei nº 9.472/97 consubstancia-se no fato de o agente desenvolver as atividades de forma clandestina.
Transpondo essa interpretação para o caso dos autos, tenho que assiste razão ao MM. Juízo de primeiro grau e à defesa.
Despontou dos autos não se tratar de atividade clandestina, mas de irregularidade momentânea no exercício da atividade de radio chamada, uma vez que o recorrido obteve a outorga nº 162/91, na cidade de Araraquara/SP e licença para funcionamento pela Anatel em face da empresa Irmão Pirola Ltda. A irregularidade foi constatada pelo agente da Anatel, testemunha Carlos Augusto de Carvalho que declarou ter feito a diligência naquele local, pois o sistema da Anatel apontava outorga extinta e o recorrido mantinha, mesmo assim, o serviço de bip - Serviço Especial de Radio Chamada Central - que estava em atividade sem a devida autorização, desde o ano de 2008, razão pela qual interrompeu o serviço.
Disse ainda a testemunha que esse tipo de serviço possui faixa exclusiva e não interfere em comunicação de hospitais e aeroportos, acreditando que a faixa utilizada pelo recorrido era a mesma de quando autorizado, porque se dela desviasse os aparelhos conectados não funcionariam (fls. 03/04).
O interrogatório do réu também revela a existência de irregularidade. Veja-se: "que há 20 anos mantém serviço especial de rádio chamada, devidamente autorizado pela ANATEL, até o ano de 2008; que chegou a possuir 4 autorizações, para as cidades de São Carlos, Araraquara e Matão/SP; que como já não utilizava as autorizações para Matão e São Carlos, pediu, em dezembro de 2008, o cancelamento das referidas autorizações, inclusive com o recolhimento da taxa devida; que quanto à autorização para funcionar em Araraquara/SP, acreditava que ainda estava em vigor, eis que foi concedida por 15 anos; que no ano de 2008 foi paga a taxa anual, cuja Xerox foi entregue ao fiscal; que acredita que isso demonstra que não tinha ciência da expiração de sua licença, até porque foi aceito o pagamento da taxa sem qualquer comunicação pela ANATEL; que nunca alterou a freqüência e nem a potência, autorizados pela ANATEL".
As declarações encontram respaldo nos autos, de forma que incorreu o réu, a meu ver, não em clandestinidade prevista no tipo do art. 183 da Lei nº 9472/97 e, sim, em irregularidade passível de aferição em face da Lei nº 4.117/62.
E, em se tratando referido delito de crime de menor potencial ofensivo, deve ser oportunizado ao recorrido a eventual aceitação de proposta de transação penal, a ser formulada pelo "Parquet" Federal, à luz da Lei nº 9.099/95.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso em sentido e mantenho a r. decisão de primeiro grau que determinou vista dos autos ao Ministério Público Federal para a eventual proposta de transação penal, prevista no art. 76 da Lei nº 9099/95, à luz do disposto na Lei 10.259/01, remetendo-se os autos à instância de origem.
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | LUIZ DE LIMA STEFANINI:10055 |
Nº de Série do Certificado: | 47D97696E22F60E3 |
Data e Hora: | 18/01/2013 17:53:55 |