Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 31/01/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004488-21.2004.4.03.6181/SP
2004.61.81.004488-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal Antonio Cedenho
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : HELOISA DE FARIAS CARDOSO CURIONE
ADVOGADO : JOÃO PAULO BUFFULIN FONTES RICO e outro
APELADO : OS MESMOS
REU ABSOLVIDO : ADEMILTON MENDES VIEIRA

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. ESTELIONATO PRATICADO CONTRA O INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS. CONCESSÃO INDEVIDA DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. PRELIMINAR REJEITADA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PROLAÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. PRECLUSÃO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO DEMONSTRADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. PENA-BASE MANTIDA. GRAVES CONSEQUÊNCIAS. AGRAVANTE. VIOLAÇÃO A DEVER INERENTE AO CARGO. CAUSA DE AUMENTO. CRIME PRATICADO CONTRA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUBSTITUÍDA POR RESTRITIVAS DE DIREITOS.
1. Eventuais omissões ou imperfeições da denúncia devem ser suscitadas até a prolação da sentença condenatória, após o que ocorre a preclusão com relação a supostos vícios da inicial acusatória.
2. A materialidade delitiva restou comprovada através de auditoria instaurada pela própria Previdência Social que concluiu que o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição foi concedido indevidamente, pois o beneficiário não possuía tempo de serviço suficiente para tanto, tendo sido o INSS induzido e mantido em erro, uma vez que a conversão do período de 12.01.1982 a 16.08.1997, supostamente exercido em condições especiais, estava demonstrado por formulário DSS-8030 e laudo técnico inidôneos, inaptos a comprovar que o segurado esteve exposto de maneira habitual e permanente a ruídos de intensidade prejudicial à sua saúde durante seu labor.
3. Houve conversão em atividade especial do período de 23.07.1975 a 28.04.1995, sequer pleiteado pelo beneficiário, sendo que o laudo técnico utilizado pelo corréu para instruir o seu pedido de benefício atestava que ele desempenhou atividade em condições especiais durante o período de 12.01.1982 a 16.08.1997.
4. Igualmente comprovada a autoria delitiva, pois os extratos do sistema informatizado do INSS revelam que ela foi a servidora da Autarquia Previdenciária responsável pela concessão do benefício requerido pelo corréu, tendo participado das principais etapas do processo de análise do benefício que resultaram no próprio deferimento e concessão da aposentadoria. Ademais, a fim de corroborar sua participação no processo de análise do benefício, encontra-se acostada sua assinatura em diversos documentos que deram ensejo a concessão da aposentadoria.
5. O crime de estelionato é material, pois para a sua consumação exige-se a produção de um dano efetivo, bem como exige o dolo específico consistente na vontade de fraudar com a obtenção de lucro para si ou para outrem.
6. No caso, a análise do conjunto probatório permite concluir sem sombra de dúvidas e apesar da negativa da denunciada, que ela agiu dolosamente, estando evidenciado que o sucesso da empreitada criminosa somente foi possível em razão de sua atuação, tendo pleno conhecimento sobre as etapas que devem ser percorridas para conceder um benefício de aposentadoria por tempo de serviço especial, conforme infere-se de seu interrogatório prestado em Juízo.
7. A acusada tinha o dever e condições de verificar a veracidade dos documentos apresentados por ocasião do requerimento do benefício, inclusive quanto às informações relativas aos vínculos empregatícios, pois em 09.04.1998 a Divisão de Concessão de Benefícios em São Paulo expediu ofício no sentido de se realizar consulta ao CNISE/CNISCI com o objetivo de confirmar vínculos empregatícios e contribuições dos segurados que apresentassem ao INSS pleiteando qualquer tipo de benefício ou certidão de tempo de contribuição. Ademais, a acusada deveria ter agido diversamente, pois, no caso em questão, o lado pericial, referente ao período compreendido entre 12.01.1982 a 16.08.1997, se reportou apenas a atividade de "fiel de tesouraria", deixado de analisar as funções de "contínuo de tesouraria", "caixa júnior" e "caixa repassador", o que descaracterizaria a habitualidade e permanência da exposição ao agente agressor para todo o período.
8. Verifica-se que as omissões da acusada não consistiram em meros erros ou negligência, mas numa livre, manifesta e consciente vontade de conceder indevidamente o benefício previdenciário, de maneira que manteve e induziu em erro a Autarquia Previdenciária, pois tinha pleno conhecimento do procedimento a ser adotado nos casos de conversão de tempo de serviço para atividade especial, sendo que a irregularidade dos documentos apresentados exigiam apenas uma simples análise dos mesmos para ser detectada.
9. Dosimetria da pena.
10. No tocante à personalidade, ainda que haja notícia de que inúmeros benefícios foram concedidos indevidamente, esses ensejaram inquéritos policiais e ações penais, sendo vedado utilizá-los para aumentar a pena acima do mínimo legal, quando ausente trânsito em julgado, sob risco de violação do princípio da presunção da inocência, nos termos da Súmula nº 444 do STJ.
11. Quanto à culpabilidade em decorrência do tempo de permanência do delito, considerando que quanto maior a duração do tempo em que alguém recebe indevidamente um benefício previdenciário, maior será o prejuízo causado aos cofres da Autarquia Previdenciária, verifica-se, portanto, que relaciona-se diretamente com as consequências do crime.
12. A concessão indevida do benefício previdenciário resultou no montante de R$ 116.127,68 (cento e dezesseis mil, cento e vinte e sete reais e sessenta e oito centavos), causando consequências gravosas aos cofres previdenciários.
13. A pena-base privativa de liberdade deve ser mantida em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão e a de multa aumentada para 53 (cinqüenta e três) dias-multa, de maneira proporcional a outra, como medida suficiente para prevenir e reprimir o crime.
14. Na segunda fase, não havendo atenuantes, reconheço a agravante prevista no artigo 61, inciso II, "g", do Código Penal, consistente no cometimento do crime com violação a dever inerente ao cargo público por todas elas ocupado, pelo que majoro em 1/6 (um sexto) a pena-base, do que resulta na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de reclusão e 61 (sessenta e um) dias-multa.
15. Na terceira fase, deve incidir a causa de aumento de 1/3 (um terço), prevista no parágrafo 3º do artigo 171 do Código Penal, por se tratar de estelionato contra Autarquia Pública, o que resulta na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 81 (oitenta e um) dias-multa.
16. O valor unitário de cada dia-multa e o regime inicial de cumprimento de pena devem ser mantidos nos termos da sentença.
17. Cabível a substituição da pena privativa de liberdade, na forma do artigo 44, do Código Penal, tendo em vista a quantidade de penas aplicadas e as condições pessoais da acusada.
18. A pena privativa de liberdade deve ser substituída por duas restritivas de direitos, consistente em prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários-mínimos destinada à União e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade ora substituída, na forma a ser estabelecida pelo Juízo da Execução.
19. Apelações parcialmente providas para majorar a pena da ré para 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 81 (oitenta e um) dias-multa, a qual resta definitiva, devendo ser substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários-mínimos destinada à União e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, na forma a ser estabelecida pelo Juízo da Execução, mantida, no mais, a sentença.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar argüida e, no mérito, dar parcial provimento às apelações interposta pelo Ministério Público Federal e pela defesa para majorar a pena da ré Heloisa de Faria Cardoso Curione para 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 81 (oitenta e um) dias-multa, a qual resta definitiva, devendo ser substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários-mínimos destinada à União e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, na forma a ser estabelecida pelo Juízo da Execução, mantida, no mais, a sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 21 de janeiro de 2013.
Antonio Cedenho
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004488-21.2004.4.03.6181/SP
2004.61.81.004488-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal Antonio Cedenho
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : HELOISA DE FARIAS CARDOSO CURIONE
ADVOGADO : JOÃO PAULO BUFFULIN FONTES RICO e outro
APELADO : OS MESMOS
REU ABSOLVIDO : ADEMILTON MENDES VIEIRA

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


Trata-se de apelações criminais interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pela ré HELOÍSA DE FARIA CARDOSO CURIONE contra sentença que a condenou pela prática do crime previsto no artigo 171, § 3º, do Código Penal.


O Ministério Público Federal denunciou Ademilton Mendes Vieira e Helena de Faria Cardoso Curione como incurso nas penas dos crimes previstos nos artigos 171, caput e § 3º, pois esta, na qualidade de servidora do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, concedeu, indevidamente, em 09 de novembro de 1998, benefício de aposentadoria por tempo de serviço em favor daquele, recebido durante o período compreendido entre 09.11.1998 a 31.10.2003, causando prejuízos aos cofres previdenciários de R$ 116.127,68 (cento e dezesseis mil, cento e vinte e sete reais e sessenta e oito centavos), uma vez que, a fim de demonstrar que exerceu atividade especial durante o período compreendido entre 12.01.1982 a 16.08.1997, o próprio beneficiário instruiu seu pedido de aposentadoria com laudo técnico e formulário DSS 8030, sendo que, posteriormente, ficou demonstrado que foram emitidos de maneira indevida, não podendo ser convertido o referido período em especial, além do mais foi inserido por ocasião de concessão do benefício o período de 23.07.1975 a 28.04.1995, de maneira a induzir e manter em erro o INSS (fls. 02/07).

A denúncia foi recebida em 26 de outubro de 2004 (fl. 316).


Após regular instrução, foi proferida sentença (fls. 883/887), publicada em 6 de março de 2009, que julgou parcialmente procedente a ação penal para absolver Ademilton Mendes Vieira da acusação da prática do crime previsto no artigo 171, §3º, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal e condenar Heloísa de Faria Cardoso Curione pela prática do crime previsto no artigo 171, §3º, do Código Penal, ao cumprimento da pena de 2 (dois) anos reclusão, em regime inicial aberto, bem como ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.


O Ministério Público Federal, em razões recursais (fls. 890/897), requer a majoração da pena-base da acusada para 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, no mínimo, em decorrência da culpabilidade desfavorável resultante do tempo de permanência do delito em que o INSS ficou mantido em erro; das graves conseqüências do crime, pois os benefícios pagos indevidamente alcançaram vultoso montante; e de sua condição de servidora do INSS, que além de implicar numa culpabilidade maior, é circunstância agravadora do crime.


Por sua vez, a acusada Heloísa de Faria Cardoso Curione, em suas razões recursais (fls. 944/1.005), alega, preliminarmente, a inépcia da denúncia, sob o argumento de que não descreveu o fato delituoso. No mérito, pugna, em síntese, pela absolvição, sob os seguintes fundamentos: o benefício foi concedido de maneira legal, restando provada a inexistência do fato, bem como do dolo e ausência de provas hábeis a demonstrar de maneira inequívoca a autoria e materialidade delitivas. Subsidiariamente, caso mantida a condenação, requer a redução da pena-base para o mínimo legal, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos


Foram apresentadas contrarrazões (fls. 904/917 e 1.011/1.017).


A Procuradoria Regional da República, em parecer, opina pelo desprovimento da apelação da defesa e pelo provimento da apelação da acusação (fls. 1.020/1.029).


É o relatório.


À revisão.



Antonio Cedenho
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 06/12/2012 14:26:52



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004488-21.2004.4.03.6181/SP
2004.61.81.004488-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal Antonio Cedenho
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : HELOISA DE FARIAS CARDOSO CURIONE
ADVOGADO : JOÃO PAULO BUFFULIN FONTES RICO e outro
APELADO : OS MESMOS
REU ABSOLVIDO : ADEMILTON MENDES VIEIRA

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


Inicialmente, não deve ser acolhida a preliminar referente à inépcia da denúncia, pois segundo o artigo 569, do Código de Processo Penal e entendimento jurisprudencial, eventuais omissões ou imperfeições da denúncia devem ser suscitadas até a prolação da sentença condenatória, após o que ocorre a preclusão com relação a supostos vícios da inicial acusatória. No caso, foi devidamente refutada na sentença, estando superada a questão.


Nesse sentido:


"PENAL. PROCESSUAL PENAL. ACÓRDÃO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. ARTIGOS 305 E 356 DO CP. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO. ALEGAÇÃO DE EQUÍVOCO QUANTO AOS CRITÉRIOS NA DOSIMETRIA. QUESTÃO QUE NÃO FOI OBJETO DE APELAÇÃO. AUSÊNCIA DE EXAME PELO TRIBUNAL A QUO. REGIME PRISIONAL. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. MAUS ANTECEDENTES. EXAME DE PROVA. DILAÇÃO PROBATÓRIA.
(...)
Proferida a sentença condenatória, resta superada a alegação de inépcia da denúncia
(...)".
(STJ HC 200302294308/MS, SEXTA TURMA, DJ :24/05/2004, PÁGINA:352, Relator(a) PAULO MEDINA)
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. EMPRÉSTIMO ENTRE EMPRESA OPERADORA DE CONSÓRCIO E EMPRESA COLIGADA. INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO MINISTERIAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA: DESCABIMENTO DA ARGUIÇÃO. MATERIALIDADE COMPROVADA. IRRELEVÂNCIA DA EFETIVA EXISTÊNCIA DE PREJUÍZO. AUTORIA COMPROVADA. ERRO SOBRE A ILICITUDE DO FATO NÃO CARACTERIZADO. (...) 4. A jurisprudência já se pacificou no sentido do descabimento da alegação de inépcia da denúncia após a prolação da sentença condenatória, em razão da preclusão da matéria. Ainda que se entenda que a argüição é de nulidade da própria sentença condenatória, não merece acolhimento. 5. O fato da denúncia imputar a todos os co-réus, administradores da empresas envolvidas, a mesma conduta, não o fazendo de forma individualizada, não a torna inepta. Tratando-se de crime societário, como os crimes contra o sistema financeiro nacional, não se pode exigir que o órgão de acusação tenha, no momento de oferecimento da denúncia, condições de individualizar a conduta de cada co-réu, eis que tal participação somente será delineada ao cabo da instrução criminal, sendo devidamente considerada na r.sentença apelada. Precedentes. Ademais, a inicial acusatória especifica o comportamento delituoso imputado aos réus, inclusive ao co-réu Roberto. (...)."
(ACR 200703990504844, JUIZ MÁRCIO MESQUITA, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:08/07/2009 PÁGINA: 155.)'

Dessa forma, rejeito a preliminar argüida pela defesa.


No mérito, a manutenção da condenação da ré Heloísa de Faria Cardoso Curione é medida de rigor.


A materialidade delitiva restou comprovada através de auditoria instaurada pela própria Previdência Social (fls. 152/154) que concluiu que o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição nº 42/109.494.432-4 foi concedido indevidamente a Ademilton Mendes Vieira, durante o período de 09.11.1998 a 31.10.2003, pois ele não possuía tempo de serviço suficiente para tanto, tendo sido o INSS induzido e mantido em erro, uma vez que a conversão do período de 12.01.1982 a 16.08.1997, supostamente exercido em condições especiais, estava demonstrado por formulário DSS-8030 e laudo técnico inidôneos (fls. 19 e 20/23), inaptos a comprovar que o segurado esteve exposto de maneira habitual e permanente a ruídos de intensidade prejudicial à sua saúde durante seu labor no BANERJ (fls. 72/75 e 152/154).





Por outro lado, a ré converteu em atividade especial o período de 23.07.1975 a 28.04.1995, sequer pleiteado pelo beneficiário, sendo que o laudo técnico utilizado pelo corréu para instruir o seu pedido de benefício atestava que ele desempenhou atividade em condições especiais durante o período de 12.01.1982 a 16.08.1997.


Igualmente comprovada a autoria delitiva, pois, apesar da afirmação da apelante no sentido de que foi responsável somente pela fase de pré-habilitação e habilitação do benefício, os extratos do sistema informatizado do INSS (fls. 58/59) revelam que ela foi a servidora da Autarquia Previdenciária responsável pela concessão do benefício requerido pelo corréu Ademilton Mendes Vieira, tendo participado das principais etapas do processo de análise do benefício nº 42/209.494.432-4 que resultaram no próprio deferimento e concessão da aposentadoria.


Ademais, a fim de corroborar sua participação no processo de análise do benefício, encontra-se acostada sua assinatura nos documentos que deram ensejo a concessão da aposentadoria (fls. 14/15, 26/27, 36, 39/42 e 47).


Sendo o crime de estelionato material, pois para a sua consumação exige-se a produção de um dano efetivo, bem como exige o dolo específico consistente na vontade de fraudar com a obtenção de lucro para si ou para outrem, exige-se do agente, conforme ensinamento de Nelson Hungria (in Comentários ao Código Penal, vol. 7, pág. 246), o animus lucri faciendi, uma vez que a consumação do delito realiza-se com a obtenção da vantagem ilícita em prejuízo alheio.


Todavia, sendo certo que o elemento subjetivo (dolo), por residir apenas na mente do agente, não pode ser demonstrado diretamente, devendo ser analisados os elementos colhidos nos autos como um todo de forma a demonstrar a vontade do agente em praticar a conduta descrita no tipo penal pelo qual são acusadas.


No caso, a análise do conjunto probatório permite concluir sem sombra de dúvidas e apesar da negativa da denunciada, que ela agiu dolosamente, estando evidenciado que o sucesso da empreitada criminosa somente foi possível em razão de sua atuação, tendo pleno conhecimento sobre as etapas que devem ser percorridas para conceder um benefício de aposentadoria por tempo de serviço especial, conforme infere-se de seu interrogatório prestado em Juízo (fls. 373/375).


O requerimento do benefício fraudulento ora analisado foi protocolado, analisado e formatado pela servidora, que concorreu para as fraudes ao atuar de maneira inexplicavelmente desidiosa, deixando de proceder à análise adequada e de emitir a necessária pesquisa acerca dos períodos laborais constantes dos documentos apresentados pelo segurado, que eram aceitos sem maiores questionamentos, condutas violadoras dos artigos 116, I, II e III e 117, IX e XV da Lei nº 8.112/90.


Restou demonstrado que a ré transgrediu seus deveres funcionais mínimos, deixando de atender as normas relativas à comprovação do tempo de serviço em atividade especial.


Importantes e esclarecedoras são as conclusões expendidas no Ofício INSS/AUDSP nº 00360 (fls. 303/304), o qual conclui que a servidora Heloisa de Faria Cardoso Curione tinha o dever e condições de verificar a veracidade dos documentos apresentados por ocasião do requerimento do benefício 42/109.494.432-4 pelo requerente Ademilton Mendes Vieira, inclusive quanto às informações relativas aos vínculos empregatícios, pois em 09.04.1998 a Divisão de Concessão de Benefícios em São Paulo expediu ofício no sentido de se realizar consulta ao CNISE/CNISCI com o objetivo de confirmar vínculos empregatícios e contribuições dos segurados que apresentassem ao INSS pleiteando qualquer tipo de benefício ou certidão de tempo de contribuição. Ademais, a acusada deveria ter agido diversamente, pois, no caso em questão, o lado pericial, referente ao período compreendido entre 12.01.1982 a 16.08.1997, se reportou apenas a atividade de "fiel de tesouraria", deixado de analisar as funções de "contínuo de tesouraria", "caixa júnior" e "caixa repassador", o que descaracterizaria a habitualidade e permanência da exposição ao agente agressor para todo o período.


Dessa forma, verifica-se que as omissões da acusada não consistiram em meros erros ou negligência, mas numa livre, manifesta e consciente vontade de conceder indevidamente o benefício previdenciário, de maneira que manteve e induziu em erro a Autarquia Previdenciária, pois tinha pleno conhecimento do procedimento a ser adotado nos casos de conversão de tempo de serviço para atividade especial, sendo que a irregularidade dos documentos apresentados exigiam apenas uma simples análise dos mesmos para ser detectada.


Passo a análise da dosimetria da pena.


A pena-base foi arbitrada em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão e 15 dias-multa, acima do mínimo legal, pois o MM Juiz a quo considerou que o grau de culpabilidade exacerbado e a personalidade negativa da acusada em razão da existência de inúmeras ações penais em seu desfavor demonstrando que a conduta criminosa analisada nesse autos não é mero fato isolado em sua vida.


No tocante à personalidade, ainda que haja notícia de que inúmeros benefícios foram concedidos indevidamente, esses ensejaram inquéritos policiais e ações penais, sendo vedado utilizá-los para aumentar a pena acima do mínimo legal, quando ausente trânsito em julgado, sob risco de violação do princípio da presunção da inocência, nos termos da Súmula nº 444 do STJ.


Assim, passou-se a adotar o entendimento fixado pela referida Súmula:


"PENAL. PENA. FIXAÇÃO. TRANSAÇÕES PENAIS ANTERIORES. CONSIDERAÇÃO COMO MAUS ANTECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO EM TRÂMITE. SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 9.714/98. CONSIDERAÇÃO PELO TRIBUNAL AO JULGAR O RECURSO.
1 - A sentença homologatória de transação penal, realizada nos moldes da Lei nº 9.099/95, não obstante o caráter condenatório impróprio que encerra, não gera reincidência, nem fomenta maus antecedentes, acaso praticada posteriormente outra infração. Precedentes desta Corte.
2 - Se a Lei nº 9.714/98 veio a lume quando em tramitação o recurso apelatório do paciente, deveria o Tribunal, ao analisar o apelo, se manifestar sobre a aplicação ou não da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, o que somente não ocorrerá se já houve trânsito em julgado daquela decisão.
3 - Ordem concedida."
(STJ, HC 200000562378, Relator(a) FERNANDO GONÇALVES, SEXTA TURMA, DJE DATA: 04/12/2000)
"HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO QUALIFICADO. REINCIDÊNCIA GENÉRICA. CARACTERIZAÇÃO. REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA. INEXISTÊNCIA. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVA DE DIREITOS. INVIABILIDADE. INADEQUAÇÃO SOCIAL DEMONSTRADA. DOSIMETRIA. ILEGALIDADES. CONSTATAÇÃO. MAUS ANTECEDENTES E PERSONALIDADE. VALORAÇÃO NEGATIVA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. MAJORAÇÃO DA PENA-BASE E APLICAÇÃO DA AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA EM RAZÃO DA MESMA CONDENAÇÃO DEFINITIVA. BIS IN IDEM. OCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.
(...)
5. Nos termos de pacífica jurisprudência, processos criminais em curso não podem ser utilizados para valorar negativamente os maus antecedentes (Súmula n.º 444 do Superior Tribunal de Justiça).
6. Igualmente, conforme entendimento desta Corte, inquéritos policiais e ações penais em andamento não podem ser utilizados como fundamento para majoração da pena-base a título de personalidade voltada para o crime.
(...)"
(STJ, HC 200801813000, Relator(a) LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, DJE DATA:22/11/2010)
"PENAL - ROUBO - ART. 157, § 2º, INCISOS I e II - ARTIGO 349 CÓDIGO PENAL - AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS - IMPORTÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA - DEPOIMENTO POLICIAL - VALIDADE - APREENSÃO DA ARMA DE FOGO - DESNECESSIDADE - PENA BASE - ARTIGO 59 CÓDIGO PENAL - SÚMULA 444 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - PENA DE MULTA - PROPORÇÃO COM A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE - REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA - ARTIGO 33, DO CÓDIGO PENAL - RECURSOS DA DEFESA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARCIALMENTE PROVIDOS.
(...)
8 . Na primeira fase de fixação da pena, verifico que não há, nos autos, elementos que permitam afirmar existirem circunstâncias judiciais desfavoráveis ao apelante, sendo certo que a motivação, ganância, é inerente ao tipo penal, e, ainda que exista uma ação penal em curso, pelo delito de furto, cumpre observar o disposto na Súmula 444 , do Superior Tribunal de Justiça, devendo a pena ser mantida no patamar mínimo legal.
(...)"
(TRF 3, ACR 2009.61.81.006611-0/SP, QUINTA TURMA, CJ1 07/02/2011 PÁGINA: 329 , Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE)

Quanto à culpabilidade em decorrência do tempo de permanência do delito, considerando que quanto maior a duração do tempo em que alguém recebe indevidamente um benefício previdenciário, maior será o prejuízo causado aos cofres da Autarquia Previdenciária, verifica-se, portanto, que relaciona-se diretamente com as consequências do crime.


No caso ora em apreço, a concessão indevida do benefício previdenciário resultou no montante de R$ 116.127,68 (cento e dezesseis mil, cento e vinte e sete reais e sessenta e oito centavos), causando consequências gravosas aos cofres previdenciários.


Dessa forma, a pena-base privativa de liberdade deve ser mantida em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão e a de multa aumentada para 53 (cinqüenta e três) dias-multa, de maneira proporcional a outra, como medida suficiente para prevenir e reprimir o crime.


Na segunda fase, não havendo atenuantes, reconheço a agravante prevista no artigo 61, inciso II, "g", do Código Penal, consistente no cometimento do crime com violação a dever inerente ao cargo público por todas elas ocupado, pelo que majoro em 1/6 (um sexto) a pena-base, do que resulta na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de reclusão e 61 (sessenta e um) dias-multa.


Na terceira fase, faço incidir a causa de aumento de 1/3 (um terço), prevista no parágrafo 3º do artigo 171 do Código Penal, por se tratar de estelionato contra Autarquia Pública, o que resulta na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 81 (oitenta e um) dias-multa.


No mais, mantenho o valor unitário de cada dia-multa e o regime inicial de cumprimento de pena, nos termos da sentença.


Cabível, no presente caso, a substituição da pena privativa de liberdade, na forma do artigo 44, do Código Penal, tendo em vista a quantidade de penas aplicadas e as condições pessoais da acusada.


Portanto, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, nos termos do artigo 44, § 2°, do Código Penal, consistente em prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários-mínimos destinada à União, nos termos do artigo 45, §1° do Código Penal e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade ora substituída, na forma a ser estabelecida pelo Juízo da Execução.


Diante do exposto, rejeito a preliminar argüida e, no mérito, dou parcial provimento às apelações interposta pelo Ministério Público Federal e pela defesa para majorar a pena da ré Heloisa de Faria Cardoso Curione para 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 81 (oitenta e um) dias-multa, a qual resta definitiva, devendo ser substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários-mínimos destinada à União e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, na forma a ser estabelecida pelo Juízo da Execução, mantida, no mais, a sentença.


É o VOTO .


Antonio Cedenho
Desembargador Federal Relator


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