Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 08/01/2013
HABEAS CORPUS Nº 0027999-54.2010.4.03.0000/SP
2010.03.00.027999-0/SP
RELATOR : Juiz Convocado PAULO DOMINGUES
IMPETRANTE : Defensoria Publica da Uniao
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
PACIENTE : MARIA MERCEDES RODRIGUEZ VANNY reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 2 VARA DE PRES. PRUDENTE SP
No. ORIG. : 00115488220094036112 2 Vr PRESIDENTE PRUDENTE/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. PACIENTE SUBMETIDA A EXAME DE RAIOS-X. OFENSA AO PRINCÍPIO DA NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO. NULIDADE DA PROVA. INOCORRÊNCIA. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA PENA NO PATAMAR MÁXIMO DE 2/3. PREVISÃO DO ART. 33, § 4º DA LEI 11.343/2006. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.
- A Constituição Federal, na esteira do Pacto de São José da Costa Rica, que instituiu a Convenção Americana de Direitos Humanos, consagrou o princípio de que ninguém pode ser obrigado a se auto-incriminar ou a produzir prova contra si mesmo. Uma conseqüência direta disso é que o investigado tem o direito de não praticar qualquer comportamento ativo que possa incriminá-lo.
- A ingestão de cápsulas de cocaína causa risco de morte iminente, sendo assim, qualquer procedimento no sentido de expeli-las, se constitui, na verdade, numa proteção à integridade física e à própria vida do agente.
- Não há que se falar em ilicitude das provas, restando afastada a suposta nulidade do processo.
- Diz o art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, que a pena pode ser reduzida de 1/6 a 2/3 para o agente que seja primário, possua bons antecedentes e não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa.
- Esses requisitos são complementares, sendo certo que a falta de qualquer deles é motivo para impedir a aplicação da redutora.
- Conforme consta dos autos, a ré é primária e tem bons antecedentes, bem como não há comprovação de que se dedica a atividades criminosas ou que seja integrante de organização criminosa, apesar de encarregada do transporte da droga.
- Por outro lado, a viabilidade do exame da dosimetria da pena, por meio de habeas corpus, somente se faz possível caso evidenciado eventual desacerto na consideração de circunstância judicial ou errônea aplicação do método trifásico, se daí resultar flagrante ilegalidade e prejuízo ao réu, o que não é o caso.
- Mantenho a redução de 1/6 da pena conforme aplicada na sentença.
- Ordem denegada.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, denegar a ordem, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 18 de dezembro de 2012.
PAULO DOMINGUES
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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HABEAS CORPUS Nº 0027999-54.2010.4.03.0000/SP
2010.03.00.027999-0/SP
RELATOR : Juiz Convocado PAULO DOMINGUES
IMPETRANTE : Defensoria Publica da Uniao
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
PACIENTE : MARIA MERCEDES RODRIGUEZ VANNY reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 2 VARA DE PRES. PRUDENTE SP
No. ORIG. : 00115488220094036112 2 Vr PRESIDENTE PRUDENTE/SP

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus, sem pedido de liminar, impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de MARIA MERCEDES RODRIGUEZ VANNY, com o objetivo de afastar o suposto constrangimento ilegal decorrente da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara de Presidente Prudente/SP que, nos autos da ação penal autuada sob o nº 0011548-82.2009.4.03.6112, condenou a paciente à pena de 05 (cinco) anos de reclusão, em regime inicial fechado, e pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, pela prática do crime de narcotraficância.
A impetrante pugna pelo reconhecimento da nulidade da sentença condenatória em razão da ilicitude de prova produzida em desrespeito ao direito constitucional a não auto-incriminação, sustentando que a paciente não poderia ter sido obrigada a submeter-se a exame médico hospitalar para a constatação de ingestão de entorpecente. Defende também a redução da pena cominada na sentença por força da aplicação, no patamar máximo de 2/3, da hipótese prevista no artigo 33, § 4º da Lei nº 11.343/2006. Por tal razão, requer seja concedida a ordem de habeas corpus para anular o processo desde o recebimento da denúncia com o desentranhamento das provas ilícitas dos autos e, subsidiariamente, a reestruturação da pena cominada na sentença condenatória.
Inicialmente, cumpre registrar que a paciente interpôs, em benefício próprio, habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça, que, considerando-se incompetente para apreciar pedido que tem por objeto decisão proferida por Juiz de Primeira Instância, não conheceu do writ, determinando a remessa do feito a este Tribunal Regional Federal.
Nesta Corte, a Defensoria Pública da União foi instada a assumir a defesa técnica da paciente, apresentando os fundamentos jurídicos do pedido formulado no presente habeas corpus (fls. 64/68).
A Procuradoria Regional da República, no parecer da Dra. Samantha Chantal Dobrowolski, opinou pela denegação da ordem (fls. 71/73).
A Primeira Turma deste Tribunal acordou, por unanimidade, denegar a ordem, sob o fundamento de que o habeas corpus não seria a via adequada a tratar dos pedidos formulados.
A Defensoria Pública da União, então, impetrou recurso ordinário direcionado ao Superior Tribunal de Justiça, que negou seguimento sob o fundamento de que se tratava de reiteração do habeas corpus anteriormente não conhecido (fls. 181/184).
Contra essa decisão a DPU impetrou agravo regimental (fls. 190/193), que foi provido, dando-se parcial provimento ao recurso ordinário, para determinar a cassação do acórdão proferido por esta Turma, com novo julgamento do writ, entendendo ser cabível o remédio constitucional do habeas corpus para os fins pleiteados.
É o relatório.

VOTO

A impetrante requer a concessão da ordem para anular o processo desde o recebimento da denúncia com o desentranhamento das provas ilícitas dos autos e, subsidiariamente, a reestruturação da pena cominada na sentença condenatória.

O Exmo. Relator, Ministro Adilson Vieira Macabu, Desembargador Convocado do TJ/RJ, no julgamento do agravo regimental no recurso de habeas corpus, que determinou a cassação do acórdão proferido por esta Turma e novo julgamento do writ, proferiu o seguinte voto:


"Assiste razão à agravante quanto ao equívoco do provimento de fls. 182/184, pois em atenta análise dos autos, verifica-se que o HC nº 170.667/SP se voltou contra ato do juiz da 2ª Vara Federal de Presidente Prudente/SP.
O presente recurso, de fato, é voltado contra acórdão proferido pela Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região no HC nº 0027999-54.2010.4.03.0000.
Portanto, reconsidero o decisum e passo, agora, à análise do recurso.
Postula a recorrente a anulação da ação penal desde o recebimento da denúncia, determinando-se o desentranhamento das provas ilícitas dos autos e, subsidiariamente, a reestruturação da pena que lhe foi cominada, com a incidência da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, no patamar máximo.
Destarte, o acórdão atacado adotou entendimento divergente da orientação uníssona desta Corte, de que, apesar de existir recurso próprio - apelação defensiva -, a ação de habeas corpus pode substituí-lo, desde que, para sua apreciação, não seja necessário o resolvimento de provas e, versando apenas sobre matéria de direito, a ilegalidade for manifesta. (grifo nosso)
Confira-se o seguinte precedente:
HABEAS CORPUS. PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. NULIDADE DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. MATÉRIA NÃO APRECIADA PELO TRIBUNAL A QUO PORQUE PENDENTE DE JULGAMENTO O APELO DEFENSIVO. QUESTÃO DE DIREITO QUE INDEPENDE DO EXAME APROFUNDADO DA PROVA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. PRECEDENTES.
Inexiste qualquer impedimento ao conhecimento do writ pelo Tribunal a quo, nem se verifica, na espécie, inadequação da via eleita, uma vez que a análise da questão sub examine prescinde de qualquer incursão na seara probatória, tratando-se de questão de direito, consubstanciada, basicamente, na aferição da observância aos artigos 59 e 68 do Código Penal na individualização da pena do Paciente, pelo Juízo prolator da sentença condenatória. Precedentes.
Ordem concedida, para determinar que o Tribunal de origem aprecie o mérito do habeas corpus originário, decidindo como entender de direito. (HC 180.875/PE, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 03/02/2011, DJe 21/02/2011)
No mesmo diapasão, os julgados: HC 86.367/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 28/11/2007, DJ 17/12/2007, p. 259; HC 42.116/PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgaod em 24/05/2005, DJ 01/07/2005, p. 585.
Outrossim, ao contrário do entendimento firmado pelo Tribunal a quo no acórdão impugnado, é possível desconstituir a sentença condenatória por meio de habeas corpus, se verificada a existência de flagrante ilegalidade, aplicando-se o princípio da fungibilidade entre ele e o apelo defensivo.
Pelo exposto, conheço do agravo regimental e dou-lhe provimento, passando a analisar o recurso ordinário.
Dou parcial provimento ao recurso ordinário, a fim de, cassando o v. acórdão do Eg. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, determinar que seja julgado o pedido como lhe parecer de direito, pois a utilização do remédio heróico, na espécie, é instrumento jurídico-constitucional reconhecido jurisprudencialmente como adequado, em tese, ao fum buscado. É como voto."

Passo, então, à reapreciação do habeas corpus.
Em relação ao pedido de reconhecimento da nulidade da sentença condenatória por força da ilicitude de prova produzida, alega a defesa que houve desrespeito ao direito constitucional a não auto-incriminação, sustentando que a paciente não poderia ter sido obrigada a submeter-se a exame médico hospitalar para a constatação de ingestão de entorpecente.

A respeito das provas ilícitas, reza o art. 157 do CPP:


"Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
§ 1º. São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (...)"

Por seu turno, o art. 5º, inciso LVI, da Constituição Federal dispõe que "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos".

O Pacto de São José da Costa Rica, que instituiu a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em seu artigo 8º, § 2º, "g" dispõe sobre o direito que toda pessoa tem de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada. Nessa esteira, a Constituição Federal consagrou o princípio da não auto-incriminação. Uma conseqüência direta disso é que o investigado tem o direito de não praticar qualquer comportamento ativo que possa incriminá-lo.

Resta averiguar se, no presente caso, a prova obtida violou este princípio de forma a se configurar como prova ilícita, ou não.

Segundo entendimento firmado no STJ, a utilização de aparelho de raios-x para identificar a ingestão de cápsulas contendo substâncias entorpecentes (prova não invasiva) é legal. Nesse sentido, o E. Ministro Og Fernandes, no julgamento do HC nº 149.146/SP declarou:


"(...) O princípio que veda seja alguém compelido a produzir prova contra si próprio consubstanciado no brocado latino nemo tenetur se detegere, diz respeito à impossibilidade de coagir alguém a performar atitude positiva em seu desfavor. É evidente que ninguém pode ser obrigado a fazer algo que o incrimine, mas isso não quer dizer, em absoluto, que não possa suportar investigação contra si, caso contrário não seriam possíveis revistas pessoais, buscas e apreensões, ou mesmo máquinas de raios-x em aeroportos. Na verdade, o exame ao qual foram os réus LUÍS e KAPETA submetidos assemelha-se, efetivamente, a uma revista pessoal, com auxílio de equipamento específico, não havendo no procedimento qualquer necessidade de um facere, um agir positivo, por parte dos então investigados. Nessa medida, não houve qualquer ilegalidade na colheita de provas, as quais, portanto,não podem ser consideradas ilícitas. (...)"

Confira-se a ementa da decisão:


"HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. PACIENTES SUBMETIDOS A EXAME DE RAIOS-X. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA PROVA POR OFENSA AO PRINCÍPIO DA NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO. INOCORRÊNCIA. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06. IMPOSSIBILIDADE. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ELEVADA QUANTIDADE DE COCAÍNA.
1. A Constituição Federal, na esteira da Convenção Americana de Direitos Humanos e do Pacto de São José da Costa Rica, consagrou, em seu art. 5º, inciso LXIII, o princípio de que ninguém pode ser compelido a produzir prova contra si.
2. Não há, nos autos, qualquer comprovação de que tenha havido abuso por parte dos policiais na obtenção da prova que ora se impugna. Ao contrário, verifica-se que os pacientes assumiram a ingestão da droga, narrando, inclusive, detalhes da ação que culminaria no tráfico internacional da cocaína apreendida para a Angola, o que denota cooperação com a atividade policial, refutando qualquer alegação de coação na colheita da prova.
3. Ademais, é sabido que a ingestão de cápsulas de cocaína causa risco de morte, motivo pelo qual a constatação do transporte da droga no organismo humano, com o posterior procedimento apto a expeli-la, traduz em verdadeira intervenção estatal em favor da integridade física e, mais ainda, da vida, bens jurídicos estes largamente tutelados pelo ordenamento.
4. Mesmo não fossem realizadas as radiografias abdominais, o próprio organismo, se o pior não ocorresse, expeliria naturalmente as cápsulas ingeridas, de forma a permitir a comprovação da ocorrência do crime de tráfico de entorpecentes.
5. Diz o art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, que a pena pode ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), desde que o paciente seja primário, portador de bons antecedentes, não integre organização criminosa nem se dedique a tais atividades.
6. A incidência da referida benesse foi afastada sob o fundamento de que as circunstâncias que ladearam a prática delitiva evidenciaram o envolvimento dos pacientes em organização criminosa.
7. A elevada quantidade de droga apreendida - a saber, mais de 1 Kg (um quilo) de cocaína, acondicionados em aproximadamente 130 (cento e trinta) cápsulas, as quais foram em parte ingeridas por dois dos pacientes -, bem como o objetivo de embarcar com destino à Angola, impedem, a meu ver, o reconhecimento da modalidade privilegiada do crime.
8. Ademais, a mens legis da causa de diminuição de pena seria alcançar aqueles pequenos traficantes, circunstância diversa da vivenciada nos autos, dado o modus operandi do crime e a apreensão de expressiva quantidade de entorpecente, com alto poder destrutivo.
9. Ordem denegada."
(HC 149.146/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 05/04/2011, DJe 19/04/2011)

Destaque-se que, independentemente da concordância da acusada, é certo que a existência no interior do organismo, de cápsulas contendo cocaína, representa risco de morte iminente, sendo assim, qualquer procedimento no sentido de expeli-las, se constitui, na verdade, numa proteção à integridade física e à própria vida do agente.

Ressalte-se ainda que, a submissão da paciente ao exame de raios-x não exigiu qualquer ação por parte dela, tampouco constituiu procedimento invasivo que pudesse violar seus direitos constitucionais, mas apenas aceleraram a colheita da prova que, caso não ocasionasse sua morte, seria naturalmente produzida com a expulsão das cápsulas pelo próprio organismo da ré.

Nesse sentido, o acórdão proferido pela Segunda Turma deste Tribunal:


"PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE COCAÍNA. FLAGRANTE DELITO. DIREITO DE NÃO SE AUTOINCRIMINAR. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. ESTADO DE NECESSIDADE NÃO CONFIGURADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. CONFISSÃO E MENORIDADE. DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO § 4º DO ARTIGO 33 DA LEI N.º 11.343/2006 APLICADA NA SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU. RECURSO DEFENSIVO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE.
1. Está em flagrante delito o agente que é apanhado transportando, no interior de seu organismo, cápsulas contendo cocaína.
2. Constatada a existência, no sistema digestivo do agente, de cápsulas contendo cocaína, a internação hospitalar e a submissão ao tratamento destinado à expulsão da droga são deveres médicos inafastáveis, que não podem ser evitados por manifestação de vontade do paciente, haja vista o evidente risco de morte iminente. De qualquer sorte, à míngua de indicação, nas razões de apelação, dos fundamentos de fato e das provas que apontariam para a contrariedade do agente, não há como prosperar a pretensão da defesa, formulada no sentido de que teria havido violação ao direito de não autoincriminação.
3. Comprovados a materialidade, a autoria e o dolo do crime de tráfico ilícito de drogas, é de rigor confirmar a solução condenatória decretada em primeiro grau de jurisdição.
3. Dificuldades financeiras não configuram estado de necessidade para prática de tráfico ilícito de drogas, tampouco constituem causa de diminuição de pena ou mesmo circunstância atenuante.
4. A natureza da droga e a respectiva quantidade - 705,6g de cocaína - autorizam a fixação da pena-base acima do mínimo legal.
5. As circunstâncias atenuantes não autorizam o abrandamento da pena para aquém do patamar mínimo previsto no tipo (Superior Tribunal de Justiça, Súmula 231).
6. Aplicada na sentença de primeira instância a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, em sua fração máxima, não deve ser conhecido recurso na parte em que busca a concessão do benefício.
7. Por ocasião do julgamento do pedido de habeas corpus n.º 111840, a maioria do Pleno do Supremo Tribunal Federal declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei n.º 8.072/1990, com a redação dada pela Lei n.º 11.464/2007, de sorte que, mesmo cuidando-se de crime hediondo ou a tanto equiparado, a fixação do regime prisional inicial deve pautar-se pelas regras constantes do artigo 33, caput e §§ 1º a 3º, do Código Penal.
8. Aplicada pena não superior a 4 (quatro) anos de reclusão, a existência de algumas circunstâncias judiciais desfavoráveis não autoriza a imposição do regime fechado para o início do cumprimento da pena, sendo caso de estabelecer-se o regime semiaberto.
9. Embora o Supremo Tribunal Federal já tenha reconhecido a inconstitucionalidade da vedação à substituição da pena privativa de liberdade, contida no art. 44 da Lei nº 11.343/2006, tal benefício deve ser denegado se os motivos do crime revelam, concretamente, a insuficiência da medida para a prevenção e a repressão do delito.
10. A falta de vínculos pessoais, familiares, profissionais ou patrimoniais com o distrito da culpa autoriza a custódia cautelar, como forma de assegurar a aplicação da lei penal.
11. Recurso defensivo parcialmente conhecido e em parte provido."
(TRF, ACR 0009947-57.2011.4.03.618, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, 2ª Turma, j. 16/10/2012, DJe 25/10/2012)

Dessa forma, não há que se falar em ilicitude das provas, restando afastada a suposta nulidade do processo.


Quanto ao pedido de redução da pena cominada na sentença por força da aplicação, no patamar máximo de 2/3, da hipótese prevista no artigo 33, § 4º da Lei nº 11.343/2006, há que se fazer algumas considerações.

Tal dispositivo prevê a redução de 1/6 a 2/3 da pena para o agente que seja primário, possua bons antecedentes e não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Convém ressaltar que esses requisitos são complementares, sendo certo que a falta de qualquer deles é motivo para impedir a aplicação da redutora.
A conduta da paciente se enquadra no que se costuma denominar de "mula", ou seja, pessoa que transporta a droga, mas não se subordina de modo permanente às organizações criminosas, nem integra seus quadros, tratando-se, em regra, de mão-de-obra avulsa e ocasional de pessoas que são contratadas para a prática do delito, sem ter qualquer informação aprofundada ou poder de decisão sobre a quantidade que irá transportar ou para quem irá entregar o produto do tráfico, e que muitas vezes colocam a própria vida em risco ao ingerirem cápsulas contendo droga, não sendo mais do que meros cumpridores de ordens.
Conforme consta dos autos, a ré é primária e tem bons antecedentes, bem como não há comprovação de que se dedica a atividades criminosas ou que seja integrante de organização criminosa, apesar de encarregada do transporte da droga.
Por outro lado, segundo julgado da 5ª Turma do STJ, "a viabilidade do exame da dosimetria da pena, por meio de habeas corpus, somente se faz possível caso evidenciado eventual desacerto na consideração de circunstância judicial ou errônea aplicação do método trifásico, se daí resultar flagrante ilegalidade e prejuízo ao réu". (STJ, HC 200902455083, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma, j. 28/09/2010, DJe 18/10/2010).
Não vislumbro, no presente caso, qualquer ilegalidade ou flagrante prejuízo à paciente, razão pela qual, por ora, mantenho a redução de 1/6 da pena conforme aplicada na sentença.
Assim, não restou configurado constrangimento ilegal, razão pela qual denego a ordem. É como voto.

PAULO DOMINGUES
Juiz Federal Convocado


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Data e Hora: 19/12/2012 11:29:22