Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 16/08/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000692-86.2009.4.03.6006/MS
2009.60.06.000692-6/MS
RELATORA : Desembargadora Federal VESNA KOLMAR
APELANTE : DIONISIO VENTURA DA SILVA
ADVOGADO : MARCUS DOUGLAS MIRANDA e outro
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00006928620094036006 1 Vr NAVIRAI/MS

EMENTA

PENAL. CRIME DE DESCAMINHO. ARTIGO 334, § 1º, C, DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA. SÚMULA Nº 444 DO STJ. PENA-BASE REDUZIDA. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA MANTIDA. CO-CULPABILIDADE DO ESTADO. ATENUANTE GENÉRICA DO ARTIGO 66 DO CÓDIGO PENAL. INAPLICABILIDADE. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA REVERTIDA, DE OFÍCIO, EM BENEFÍCIO DA UNIÃO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. O apelante foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 334, § 1º, c, do Código Penal c.c. o artigo 3º do Decreto-Lei nº 399/1968.
2. Materialidade, autoria e dolo comprovados pelo Auto Prisão em Flagrante Delito, Auto de Apresentação e Apreensão, Ofício da Secretaria da Receita Federal, Laudo de Exame Merceológico, Laudo de Exame em Veículos Terrestres, interrogatório do réu e depoimentos de testemunhas.
3. Sentença condenatória mantida.
4. Dosimetria. Pena-base reduzida nos termos da Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça. Mantida a aplicação da atenuante da confissão espontânea.
5. Não enseja a aplicação da atenuante genérica do art. 66 do CP, a afirmação de co-culpabilidade do Estado, determinada pela falta de oportunidades de vida, se o réu, para livrar-se de sua alegada situação de necessidade financeira, optou pelo transporte de carga ilícita, quando lhe era dado realizar o mesmo serviço com outros tipos de mercadorias, sem sujeitar-se às consequências do crime. Precedentes.
6. Apelação parcialmente provida para reduzir a pena-base. Revertida, de ofício, a prestação pecuniária em benefício da União.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar parcial provimento à apelação, para reduzir a pena para 1 (um) ano, 4 (quatro) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e, de ofício, reverter a prestação pecuniária em benefício da União Federal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 12 de março de 2013.
Vesna Kolmar
Desembargadora Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000692-86.2009.4.03.6006/MS
2009.60.06.000692-6/MS
RELATORA : Desembargadora Federal VESNA KOLMAR
APELANTE : DIONISIO VENTURA DA SILVA
ADVOGADO : MARCUS DOUGLAS MIRANDA e outro
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00006928620094036006 1 Vr NAVIRAI/MS

VOTO VENCIDO

O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA:


Trata-se de apelação interposta pelo réu contra a sentença que o condenou à pena de 01 ano e 08 meses de reclusão, em regime inicial aberto, como incurso no artigo 334, §1º, alínea "c" do Código Penal, substituída por duas restritivas de direitos.

O feito foi levado a julgamento na sessão de 12.03.2013. Em seu voto, a Eminente Relatora Desembargadora Federal Vesna Kolmar deu parcial provimento à apelação, para reduzir a pena para 1 (um) ano, 4 (quatro) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e, de ofício, reverter a prestação pecuniária em benefício da União Federal, no que foi acompanhada pelo E. Juiz Federal Convocado Paulo Domingues.

Com a devida vênia, ousei divergir da douta maioria para absolver o réu com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal.


Passo a declarar as razões da divergência.


Observo que a denúncia imputa ao réu a conduta de transportar caixas de cigarros de origem estrangeira, introduzidas no país em desacordo com a legislação, iludindo o pagamento de tributos federais, enquadrando a conduta no artigo 334, §1º, alínea "c" do Código Penal, c/c artigo 3º do Decreto-lei nº 399/1968, nos seguintes termos:


... Consta dos inclusos autos de inquérito policial que, aos 30 de julho de 2009, por volta das 10h, na rodovia MS 141, em Naviraí/MS, o denunciado DIONISIO VENTURA DA SILVA foi preso em flagrante delito porque, dolosamente e ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, transportou 799 (setecentas e noventa e nove) caixas de cigarros de origem estrangeira, introduzidas no País em desacordo com a legislação aduaneira vigente, iludindo o pagamento de tributos federais (Imposto de Importação, Imposto sobre Produtos Industrializados, PIS e COFINS) devidos pela entrada da mercadoria no país, lesando o erário...
Cumpre salientar que o denunciado DIONISIO VENTURA DA SILVA confessou, em seu depoimento de fl. 07-08/IPL, ter sido contratado na cidade de Iguatemi/MS para realizar o transporte da mercadoria por uma pessoa conhecida como "PEREIRA", tendo recebido a quantia de R$ 4.500,00 para tal...
Cumpre ressaltar que, em que pese o tipo previsto no art. 334, caput e §§, não prever a conduta na modalidade "transportar", o Decreto-Lei nº 399, de 30 de dezembro de 1968, estabeleceu que "ficam incursos nas penas previstas no artigo 334 do Código Penal os que, em infração às medidas a serem baixadas na forma do artigo anterior adquirirem, transportarem, venderem, expuserem à venda, tiverem em depósito, possuírem ou consumirem qualquer dos produtos nêle mencionados" (grifou-se). Outrossim, em que pese não haver nos autos indícios de que o denunciado foi quem importou sobredita mercadoria, restou comprovado que efetivamente a transportou, bem como que sta foi introduzida no País em desacordo com a legislação aduaneira vigente.

A norma invocada pela Acusação, qual seja, o Decreto-Lei nº 399/1968, foi editado na vigência da Constiuição Federal de 1967, e é de seguinte teor:



DECRETO-LEI Nº 399, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1968.
Altera a legislação sôbre fiscalização de mercadorias de procedência estrangeira e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso das atribuições que lhe confere o § 1º do art. 2º do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968,
DECRETA:
Art 1º São fixadas alíquotas específicas adicionais, reajustáveis segundo a variação da taxa cambial, à alíquota " ad - valorem " sôbre as mercadorias classificadas nos sub-itens 24.02.002/003/004/005 da Tarifa das Alfândegas que acompanha o Decreto-lei nº 63, de 21 de novembro de 1966, modificada pelo Decreto-lei número 264, de 28 de fevereiro de 1967, nas grandezas abaixo relacionadas:
Item  Mercadoria  Alíquota específica adicional  
24.02.002  charuto  NCr$3,80/unidade 
24.02.003  cigarrilha  NCr$2,00/unidade 
24.02.004  cigarro  NCr$3,00/maço de 20 unidades 
24.02.005  qualquer outro  NCr$60,00/quilogramas líquido  
Art 2º O Ministro da Fazenda estabelecerá medidas especiais de contrôle fiscal para o desembaraço aduaneiro, a circulação, a posse e o consumo de fumo, charuto, cigarrilha e cigarro de procedência estrangeira.
Art 3º Ficam incursos nas penas previstas no artigo 334 do Código Penal os que, em infração às medidas a serem baixadas na forma do artigo anterior adquirirem, transportarem, venderem, expuserem à venda, tiverem em depósito, possuirem ou consumirem qualquer dos produtos nêle mencionados.

Como se vê, o Decreto-Lei nº 399/1968 verifica-se foi promulgado com o objetivo de regulamentar a taxação e fiscalização de entrada de mercadorias estrangeiras, especificamente fumo, charuto, cigarrilha e cigarro.

Contudo, nele inseriu-se o artigo 3º, tratando acerca de matéria penal, ampliando a tipificação legal do artigo 334 do Código Penal, ao estabelecer o transporte de fumo, charuto, cigarrilha e cigarro (dentre outras condutas) como fato típico do descaminho.

Na vigência da Constituição Federal de 1967, dispunha o Presidente da República de competência para expedir decretos com força de lei, em casos de urgência ou de interesse público relevante, sobre matérias relativas a segurança nacional e finanças públicas, conforme artigo 58, incisos I e II. Não era possível, portanto, legislar sobre matéria penal por meio de Decreto-Lei.

É certo que o referido Decreto-Lei nº 399 foi editado na vigência do Ato Institucional nº 5, de 13/12/1968, que em seu artigo 2º, §1º, autorizava o Presidente da República a legislar sobre quaisquer matérias, durante o recesso do Congresso Nacional, que ocorreu de 13/12/1968 (Ato Complementar nº 38, de 13/12/1968) a 22/10/1969 (Ato Complementar nº 72, de 15/10/1969).

Assim, como o referido Decreto-Lei foi editado na vigência de estado de exceção, não há que se falar em inconstitucionalidade formal.

Contudo, entendo que o referido Decreto-Lei não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, que introduziu pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro, o princípio do devido processo legal.

O referido princípio encontra-se positivado, inserido no capítulo que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, por sua vez dentro do título que trata dos direitos e garantias fundamentais, no artigo 5º, inciso LIV, que dispõe que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".

A norma incriminadora prevista no Decreto-Lei nº 399/1968, ao equiparar ao contrabando ou descaminho o transporte apenas de fumo, charuto, cigarrilha e cigarro de procedência estrangeira, viola o princípio do devido processo legal em sua dimensão substantiva.

O Supremo Tribunal Federal tem entendimento assente (v.g. ADIns 1.922-9 e 1.976-7) no sentido da possibilidade de concluir-se pela incompatibilidade de um ato normativo em razão de "ofensa ao princípio constitucional do devido processo legal em sentido material por violação da razoabilidade e da proporcionalidade em que se traduz esse princípio constitucional".

O artigo 334 do Código Penal que é de conteúdo misto alternativo, não relaciona entre os verbos nucleares a conduta de "transportar", mas apenas importar, exportar, expor à venda, manter em depósito, ou de qualquer forma utilizar, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, introduzida clandestinamente ou importada fraudulentamente.

Assim, não há razoabilidade na edição de uma norma penal que tipifica como crime de contrabando ou descaminho a conduta de transportar cigarros e outros produtos fumígenos, mas não criminaliza tal conduta com relação a quaisquer outras mercadorias.

Acrescento que, se assentada a validade do Decreto-Lei nº 399/1968, estará se assentando também a criminalização da conduta de simplesmente consumir cigarros de procedência estrangeira, introduzidos de forma clandestina ou fraudulenta no país, o que também se afigura absolutamente desarrazoado.

Desta forma, a conduta de transportar mercadorias importadas de forma clandestina ou fraudulenta, sem que tenha o agente aderido à anterior conduta de internação, configura, em tese, o crime de favorecimento real, previsto no artigo 349 do Código Penal. Nesse sentido:


HABEAS CORPUS. CONTRABANDO. DESCAMINHO. LIBERDADE PROVISÓRIA. ANTECEDENTES. DENÚNCIA. MERO TRANSPORTE. FAVORECIMENTO REAL. INÉPCIA. POSSIBILIDADE. PRISÃO PREVENTIVA. PRISÃO EM FLAGRANTE. ART. 331 CPP. LIMINAR RATIFICADA. ORDEM CONCEDIDA.
1. Habeas Corpus, com pedido de liminar, destinado a tornar insubsistente a prisão preventiva do paciente em ação penal que apura a prática dos delitos do art. 334, § 1º, "b", do CP, c/c o art. 3º do Decreto-Lei 399/68.
2. Indeferimento do pedido de liberdade provisória pelo Juízo a quo baseado em elementos concretos, na medida que Aparecido da Silva responde a outra ação penal, pela prática do mesmo crime, onde recebeu o benefício mediante fiança. Todavia, a detenção cautelar do paciente não se sustenta.
3. A denúncia não minudencia a identificação, a quantidade e o valor dos bens contrabandeados/descaminhados, limitando-se a dizer que o paciente transportava um grande carregamento de cigarros e outras mercadorias provenientes do Paraguai.
4. O art. 334 do CP, não criminaliza a mera ação de transportar a coisa anteriormente introduzida no território brasileiro, que, no máximo, se enquadraria no art. 349 do mesmo diploma legal.
5. Possibilidade de inépcia da inicial.
6. Admitindo-se que tenha ocorrido o delito do art. 349 do CP, punido com detenção, não seria caso de prisão preventiva, consoante art. 313 do CPP, e nem de prisão em flagrante, em se tratando de pessoa que tem a seu favor condições pessoais abonadoras.
7. Ratificação da liminar e concessão da ordem, a fim de que o paciente permaneça em liberdade provisória sem fiança, mediante compromisso de comparecer em Juízo a cada dois meses para comprovar domicílio e ocupação, bem como aos atos processuais, sempre que para isso seja intimado.
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, HC 0024464-88.2008.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, julgado em 28/10/2008, DJF3 DATA:10/11/2008)

No entanto, no caso dos autos, não é possível cogitar-se da condenação do réu pelo crime do artigo 349 do Código Penal, pois a denúncia não descreve a conduta de "prestar a criminoso, fora dos casos de co-autoria ou de receptação, auxílio destinado a tornar seguro o proveito do crime".


Pelo exposto, pelo meu voto dou provimento à apelação para absolver o réu, com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal.


MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000692-86.2009.4.03.6006/MS
2009.60.06.000692-6/MS
RELATORA : Desembargadora Federal VESNA KOLMAR
APELANTE : DIONISIO VENTURA DA SILVA
ADVOGADO : MARCUS DOUGLAS MIRANDA e outro
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00006928620094036006 1 Vr NAVIRAI/MS

RELATÓRIO

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL VESNA KOLMAR: Trata-se de Apelação Criminal interposta por Dionísio Ventura da Silva contra a r. sentença (fls. 142/145v.), proferida pelo MM. Juiz Federal da 1ª Vara Federal de Naviraí (MS), que julgou a ação procedente, para condenar o réu à pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, pela prática do delito previsto no artigo 334, § 1º, c, do Código Penal e decretar o perdimento dos veículos e valores apreendidos.


A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes na prestação pecuniária de R$ 1.000,00 (um mil reais) à entidade privada com destinação social e na prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, pelo prazo da pena aplicada, nos termos definidos pelo Juízo das Execuções Penais. O réu foi condenado ao pagamento de custas processuais.


Nas razões de apelação (fls. 161/170), Dionísio postulou a redução da pena base e a aplicação da atenuante genérica prevista no artigo 66 do Código Penal. Argumentou que as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal lhe são favoráveis e que incide no caso o princípio da co-culpabilidade do Estado pela prática do crime à vista da exclusão social.


Nas contrarrazões (fls. 172/175), o Ministério Público Federal pugnou pela manutenção da sentença.


A Procuradoria Regional da República (fls. 182/183), por seu ilustre representante Dr. Hindemburgo Chateaubriand Filho, opinou pelo desprovimento do recurso.


É o relatório.


À revisão.




Vesna Kolmar
Desembargadora Federal Relatora


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000692-86.2009.4.03.6006/MS
2009.60.06.000692-6/MS
RELATORA : Desembargadora Federal VESNA KOLMAR
APELANTE : DIONISIO VENTURA DA SILVA
ADVOGADO : MARCUS DOUGLAS MIRANDA e outro
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00006928620094036006 1 Vr NAVIRAI/MS

VOTO

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL VESNA KOLMAR: Dionísio Ventura da Silva foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 334, § 1º, c, do Código Penal c.c. o artigo 3º do Decreto-Lei nº 399/1968.


Narra a denúncia (fls. 45/46):


"(...).
Consta dos autos de inquérito policial que, aos 30 de julho de 2009, por volta das 10h, na rodovia MS 141, em Naviraí/MS, o denunciado DIONÍSIO VENTURA DA SILVA foi preso em flagrante delito porque, dolosamente e ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, transportou 799 (setecentos e noventa e nove) caixas de cigarros de origem estrangeira, introduzidas no País em desacordo com a legislação aduaneira vigente, iludindo o pagamento de tributos federais (Imposto de Importação, Imposto sobre Produtos Industrializados, PIS e COFINS) devidos pela entrada da mercadoria no país, lesando o erário.
Nas condições de tempo e local acima mencionadas, os Policiais Federais que realizavam bloqueio policial de rotina, abordaram os veículos trator M. Benz, placa MBL-1938 e semi-reboques Guerra, de placas MCC-4343 e MCC-4323, conduzidos por DIONISIO VENTURA DA SILVA, sendo que, ao realizarem revista nos veículos, lograram encontrar os referidos pacotes de cigarro, das marcas 'BLITZ', 'CALVERT', 'EIGHT', 'MILL', 'PALLADIUM', 'PLAY' e 'POLO', desacompanhados de documentação fiscal que comprovasse sua regular importação, ou que tivessem sido adquiridos em território nacional, razão pela qual foram as mercadorias apreendidas e o denunciado conduzido à Delegacia de Polícia.
A mercadoria foi avaliada em R$ 399.500,00 (trezentos e noventa e nove mil e quinhentos reais), sendo que os tributos iludidos alcançam o montante de R$ 199.750,00 (cento e noventa e nove mil, setecentos e cinquenta reais), conforme Tratamento Tributário colacionado às f. 39-41.
Cumpre salientar que o denunciado DIONÍSIO VENTURA DA SILVA confessou, em seu depoimento de f. 07-08/IPL, ter sido contratado na cidade de Iguatemi/MS para realizar o transporte da mercadoria por uma pessoa conhecida como 'PEREIRA', tendo recebido a quantia de R$ 4.500,00 para tal.
A prova da materialidade do crime, bem como da sua autoria, vem demonstrada pelo Auto de Prisão em Flagrante (. 02-08/IPL), Auto de Apresentação Apreensão (f. 09-10/IPL), pela confissão do indiciado (f. 07-08/IPL) e pelos depoimentos das testemunhas (f. 02-06/IPL).
Cumpre ressaltar que, em que pese o tipo previsto no art. 334 caput e §§, não prever a conduta na modalidade 'transportar', o Decreto-Lei nº 399, de 30 de dezembro de 1968, estabeleceu que 'ficam incursos nas penas previstas no artigo 334 do Código Penal os que, em infração às medidas a serem baixadas na forma do artigo anterior adquirirem, transportarem, venderem, expuserem à venda, tiverem em depósito, possuírem ou consumirem qualquer dos produtos nele mencionados.' (grifou-se). Outrossim, em que pese não haver nos autos indícios de que o denunciado foi quem importou sobredita mercadoria, restou comprovado que efetivamente a transportou, bem como que esta foi introduzida no País em desacordo com a legislação aduaneira vigente.
Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia DIONÍSIO VENTURA DA SILVA, como incurso no artigo 334, § 1º, c, do Código Penal, c.c. o artigo 3º, do Decreto-Lei nº 399/1968, (...)."

A materialidade delitiva restou comprovada pelo Auto de Prisão em Flagrante Delito (fls. 02/08), Auto de Apresentação e Apreensão (fls. 09/10), Ofício nº 0246/2009-SRF/IRF-MNO-1ª RF/Gabin da Secretaria da Receita Federal (fl. 39/41), Laudo de Exame Merceológico (fls. 63/66) e Laudo de Exame em Veículos Terrestres (fls. 108/113).


A autoria é inconteste. Confira-se excerto da sentença (fls. 143/143v.):


"Não há controvérsia, também, quanto à autoria, visto que o Réu confessou, tanto na fase do inquérito quanto em seu interrogatório judicial, a prática do delito (f. 10-12 e 117). A própria defesa concorda que está provada a autoria, conforme consta das alegações finais (f. 125-134).
Em seus depoimentos, perante a Autoridade Policial e em juízo, o Acusado confessa ter sido contratado por uma pessoa conhecida por 'Pereira', para realizar o transporte da carga de cigarros, sem documentação.
Vejamos seu depoimento perante a autoridade policial (f. 07-08):
"... Que, no dia de hoje, por volta das 10:00 horas, o interrogado foi surpreendido por policiais federais, transportando na rodovia que liga Naviraí/MS a Ivinhema/MS, diversas caixas de cigarros de origem estrangeira, desacompanhadas de qualquer documentação; Que o interrogado utilizava para tanto os veículos cavalo trator Mercedes Benz de placa MBL-1938 e semi reboques Guerra de placas MCC -4343 e MCC-4323, cujos proprietários o interrogado desconhece quem sejam ...; Que a carga de cigarros estrangeiros era transportada a Paracatu/MG, cidade onde telefonaria para uma pessoa que receberia a carreta guiada pelo interrogado bem como as mercadorias estrangeiras; Que, ontem, em Iguatemi/MS, foi convidado a efetuar o frete de tais mercadorias por uma pessoa que conhece apenas por PEREIRA...'
Em Juízo, o Acusado também ratificou os fatos, dizendo que desconfiava que os cigarros eram do Paraguai, porque recebeu pelo transporte a quantia de R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais).
Os policiais federais que efetuaram a prisão do Acusado também confirmaram que ele confessou o transporte de cigarros de origem estrangeira.
(...)
Assim, como ficou caracterizada a tipicidade do delito e não se tendo demonstrado que o Réu agiu ao amparo de excludente da antijuridicidade, conclui-se que cometeu o crime imputado, devendo ser-lhe aplicada a pena pertinente, ante a ausência de dirimentes da culpabilidade."

Destarte, a condenação não está a merecer reparo.


Passo à analise da dosimetria da pena, matéria a que se cinge o recurso.


Nos termos do artigo 59 do Código Penal, o MM. Juiz de primeiro grau fixou a pena-base acima do mínimo legal, em 2 (dois) anos de reclusão, em razão dos maus antecedentes (fl. 59) e da grande quantidade de mercadoria (799 caixas de cigarros), que, segundo o cálculo realizado no Laudo de Exame Merceológico (fls. 64/67), está avaliada em R$ 399.500,00 (trezentos e noventa e nove mil e quinhentos reais).

Tendo em vista a Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça, reduzo a pena-base em 1/6 (um sexto) para 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão e esclareço que a mantenho acima do mínimo legal em razão da elevada quantidade de mercadoria.


Na segunda fase da dosimetria, o magistrado de primeiro grau reduziu a pena em razão da atenuante da confissão espontânea. Nesse mesmo passo, aplico o artigo 65, III, d, do Código Penal e reduzo a pena em 1/6 (um sexto) para 1 (um) ano, 4 (quatro) meses e 20 (vinte) dias de reclusão.


O apelante postula a incidência da atenuante prevista no artigo 66 do Código Penal em razão da co-culpabilidade do Estado. Não lhe assiste razão, conforme bem sublinhou a Procuradoria Regional da República (fl. 183):


"Não enseja, por fim, a aplicação da atenuante genérica do art. 66 do CP, a afirmação de co-culpabilidade do Estado, determinada pela falta de oportunidades de vida, se o réu, para livrar-se de sua alegada situação de necessidade financeira, optou pelo transporte de carga ilícita, quando lhe era dado realizar o mesmo serviço com outros tipos de mercadorias, sem sujeitar-se às consequências do crime."

Neste sentido, trago à colação jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:


"HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO E USO DE DOCUMENTO FALSO. DOSIMETRIA DA PENA. MAUS ANTECEDENTES E REINCIDÊNCIA. CONDENAÇÕES COM TRÂNSITO EM JULGADO. EXASPERAÇÃO NA PRIMEIRA E NA SEGUNDA FASE. POSSIBILIDADE. TEORIA DA CO-CULPABILIDADE. COMPENSAÇÃO DA REINCIDÊNCIA COM A ALUDIDA CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE GENÉRICA. INVIABILIDADE. AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. AUMENTO DA PENA EM 1/3 (UM TERÇO). NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDO.
1. 'Não configura bis in idem a utilização de condenações anteriores com trânsito em julgado, para caracterizar os maus antecedentes e a reincidência do paciente, desde que uma delas seja utilizada para exasperar a pena-base e a outra na segunda fase da dosimetria' (HC 167.459/RJ, 5.ª Turma, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe de 12/02/2012).
2. A teoria da co-culpabilidade não pode ser erigida à condição de verdadeiro prêmio para agentes que não assumem a sua responsabilidade social e fazem da criminalidade um meio de vida.
3. Ademais, ad argumentandum tantum, inviável a compensação da circunstância preponderante da reincidência com a aludida circunstância atenuante genérica, a teor do disposto no art. 67 do Código Penal.
4. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a aplicação de fração superior a 1/6 pela reincidência exige motivação idônea.
5. A sentença condenatória, convalidada pela Corte a quo, reconheceu que o Paciente era reincidente e aumentou a sanção, na segunda fase, no patamar de 1/3, sem a correspondente fundamentação. Assim, impõe-se a readequação do acréscimo para o percentual mínimo de 1/6.
6. Habeas corpus parcialmente concedido para, reformando a sentença condenatória e o acórdão combatido, fixar a pena do Paciente em 05 anos, 05 meses e 10 dias, mais o pagamento de 24 dias-multa, mantendo-se, no mais, os parâmetros adotados pelas instâncias ordinárias." (grifou-se)
(STJ - HC - 179717/SP - Ministra Relatora LAURITA VAZ - DJe 21.05.2012)
"CRIMINAL. HABEAS CORPUS. ROUBO. DOSIMETRIA. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. TESE NÃO APRECIADA PELO TRIBUNAL A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. TESE DE CO-CULPABILIDADE. NÃO APRECIAÇÃO PELO JUIZ SINGULAR. AUSÊNCIA DE NULIDADE. SENTENÇA FUNDAMENTADA. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E DENEGADA.
I. Hipótese em que o impetrante aponta a ausência de fundamentação da sentença para fixar a pena-base acima do mínimo legal com base nos elementos de culpabilidade, conduta social, personalidade e comportamento da vítima.
II. Não tendo o pleito sido submetido ao crivo do órgão colegiado do Tribunal a quo, haja vista que na ordem originária o impetrante alegou ocorrência de bis in idem decorrente do aumento da pena-base devido à reincidência, não pode ser o pedido conhecido por esta Corte, sob pena de indevida supressão de instância.
III. A teoria da co-culpabilidade, invocada pelo impetrante, no lugar de explicitar a responsabilidade moral, a reprovação da conduta ilícita e o louvor à honestidade, fornece uma justificativa àqueles que apresentam inclinação para a vida delituosa, estimulando-os a afastar da consciência, mesmo que em parte, a culpa por seus atos.
IV. Não haveria como o juiz singular combater por argumentos jurídicos a tese lançada, primeiramente porque o atendimento do pleito intrinsecamente inviável, e, por outro lado, porque para o exame e afastamento da proposição, o magistrado teria que demonstrar, na sentença, que o paciente não foi nocivamente contaminado por quaisquer influências externas ao decidir praticar seu delito.
V. Não se verifica constrangimento ilegal se o juiz singular fundamentou devidamente a sentença com os elementos suficientes para a condenação, enfrentando todos os argumentos jurídicos explicitados.
VI. Ordem parcialmente conhecida e denegada." (grifou-se)
(STJ - HC - 172505 - Ministro Relator GILSON DIPP - DJe 01/07/2011)
"HABEAS CORPUS. DOSIMETRIA. HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO E OMISSÃO DE CADÁVER. PENA-BASE. FIXAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CULPABILIDADE. DESFAVORABILIDADE. MODUS OPERANDI. TEORIA DA CO-CULPABILIDADE. INVIABILIDADE DE ACOLHIMENTO. PERSONALIDADE. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E IDÔNEA. CONSEQUÊNCIAS DO DELITO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS CONCRETOS. MOTIVOS DO CRIME. FUNDAMENTAÇÃO COM BASE EM ELEMENTAR DO TIPO. IMPOSSIBILIDADE. SEGUNDA E TERCEIRA QUALIFICADORAS. UTILIZAÇÃO COMO AGRAVANTES GENÉRICAS. PERMISSIBILIDADE. REINCIDÊNCIA. BIS IN IDEM. DOCUMENTAÇÃO INSUFICIENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EM PARTE EVIDENCIADO. SANÇÃO REDIMENSIONADA. FIXAÇÃO DA REPRIMENDA NO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. NEGATIVIDADE DE ALGUMAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS.
1. Não há como se acoimar de ilegal a sentença condenatória no ponto em que procedeu ao aumento da pena-base em razão da culpabilidade, haja vista a elevada reprovabilidade da conduta delituosa praticada, bem evidenciada pelo modus operandi empregado no cometimento do delito.
2. Impossível acolher-se a teoria da Co-Culpabilidade para mitigar a reprovação da conduta do agente no caso, pois além de essa matéria não ter sido analisada pelo Tribunal de origem, o que impediria a sua apreciação diretamente por esta Corte Superior de Justiça, diante das circunstâncias em que se deram os ilícitos, não há como se eximir o acusado parcialmente das suas consequências, tampouco como concluir que teria sido levado a delinquir por uma suposta ausência de um direito não concretizado pelo Estado ou porque teria menor âmbito de autodeterminação em razão de eventuais condições sociais desfavoráveis.
3. Inviável infirmar a conclusão de personalidade voltada para a prática de ilícitos, assim comprovada diante da reincidência do paciente e do cometimento de crime de furto, anteriormente à prática dos delitos objetos do presente writ, indicativos de que seu envolvimento com o ilícito não é esporádico, a ensejar maior apenação na primeira etapa da dosimetria.
4. Não tendo o juiz sentenciante demonstrado, de forma concreta, as razões pelas quais considerou desfavoráveis ao paciente as consequências do delito, e tendo se utilizado de referências genéricas e de elementares do tipo para elevar a sanção, de rigor a redução da pena-base nesse ponto.
5. Os motivos do crime, quando próprios do tipo, não servem para justificar a exasperação da reprimenda na primeira etapa da dosimetria.
6. Tendo sido três as qualificadoras reconhecidas pelo Conselho de Sentença, perfeitamente possível a utilização de uma delas para qualificar o delito e das outras duas ou para elevar a sanção básica ou para agravar a pena na segunda etapa da dosimetria, quando prevista no art. 61 do CP.
7. Inviável acolher a alegação de que teria havido ofensa ao enunciado na Súmula 241 deste STJ, quando a documentação colacionada aos autos é insuficiente para afastar a afirmação feita pelas instâncias ordinárias de que a condenação anterior geradora da reincidência seria diversa da utilizada para valorar negativamente a circunstância judicial da personalidade, como se alega.
8. Habeas corpus parcialmente concedido, tão somente para reduzir a reprimenda-base imposta pelos dois delitos praticados pelo paciente, e para, de ofício, reconhecer a desproporcionalidade da reprimenda aplicada na segunda etapa da dosimetria, em razão do reconhecimento de duas das qualificadoras, tornando a sua sanção definitiva em 15 (quinze) anos e 8 (oito) meses de reclusão e pagamento de 20 (vinte) dias-multa." (grifou-se)
(STJ - HC - 116972/MS - Ministro Relator JORGE MUSSI - DJe 13.09.2010)

Portanto, inaplicável ao caso a atenuante prevista no artigo 66 do Código Penal.


Ausentes causas de aumento e diminuição de pena, torno-a definitiva.


Mantenho o regime aberto para o início do cumprimento de pena e a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, conforme fixado na sentença; entretanto, reverto, de ofício, o valor da prestação pecuniária em favor da União Federal.


Mantenho também a pena de perdimento de bens e valores aplicada na sentença.


Por esses fundamentos, dou parcial provimento à apelação, para reduzir a pena para 1 (um) ano, 4 (quatro) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e, de ofício, reverter a prestação pecuniária em benefício da União Federal.



Vesna Kolmar
Desembargadora Federal


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