Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 08/01/2013
HABEAS CORPUS Nº 0029303-20.2012.4.03.0000/SP
2012.03.00.029303-9/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
IMPETRANTE : JOSE ROBERTO CURTOLO BARBEIRO
PACIENTE : MAURO CESAR FILETO reu preso
ADVOGADO : JOSE ROBERTO CURTOLO BARBEIRO e outro
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 2 VARA DE S J RIO PRETO SP
No. ORIG. : 00073952920064036106 2 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

EMENTA

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. RÉU QUE RESPONDEU PRESO AO PROCESSO: IMPOSSIBILIDADE. DISTINÇÃO DOS AGENTES ENTRE OS DE CLASSE SOCIAL PRIVILEGIADA E DESPRIVILEGIADA: DIFERENCIAÇÃO DESPIDA DE FUNDAMENTO LEGAL E CONSTITUCIONAL, NO QUE DIZ RESPEITO À REPROVABILIDADE DE CRIMES. CONDIÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA DO RÉU: JUSTIFICATIVA APENAS PARA A FIXAÇÃO, COM MAIOR GRAVAME, DO VALOR DO DIA-MULTA. INEXISTÊNCIA DE REGISTROS CRIMINAIS ANTERIORES. AVALIAÇÃO NEGATIVA DA CONDUTA SOCIAL E PERSONALIDADE DO PACIENTE: INCONGRUÊNCIA. PENA FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. REGIME SEMIABERTO: POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO CABAL DE QUE A SENTENÇA CONCEDEU PEDIDO NÃO FORMULADO NA DENÚNCIA. JULGAMENTO EXTRA PETITA: DESCABIMENTO.
1. Habeas Corpus impetrado contra ato do Juiz Federal da 2ª Vara de São José do Rio Preto, que, ao proferir sentença condenatória, estabeleceu regime inicial fechado para cumprimento da pena e negou o direito de recorrer em liberdade.
2. Quanto ao pedido de apelar em liberdade, adota-se entendimento prevalente na Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região no sentido do cabimento do habeas corpus.
3. O preenchimento dos requisitos da prova da materialidade e da autoria delitiva imputadas ao paciente pode ser extraído da própria condenação de primeiro grau, dando-o como incurso nas penas do artigo 288 do Código Penal, com as sanções cominadas no artigo 8º da Lei nº 8.072/1990.
4. O paciente respondeu preso ao processo. Não tem direito de apelar em liberdade o réu que, justificadamente, respondeu preso ao processo. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
5. Quanto ao pedido de fixação de regime inicial semiaberto, verifica-se ser o caso de concessão da ordem. Relativamente à culpabilidade do paciente, o MM. Juiz a quo traz como motivação para o agravamento da pena-base o fato de Mauro provir de classe social privilegiada, ostentar aptidão financeira, intelectual e o vigor da juventude para o exercício de atividades lícitas, mas, ainda assim, escolher o caminho do crime.
6. A fundamentação indicada é inapta para o agravamento da pena, A distinção dos agentes entre os de classe social privilegiada e desprivilegiada, entre os que possuem acesso à educação ou não, entre ricos e pobres e entre jovens e idosos levaria a uma diferenciação despida de fundamento legal e constitucional, no que diz respeito à reprovabilidade de crimes.
7. É certo que a Constituição Federal elenca entre os objetivos fundamentais da República a erradicação da pobreza e marginalização e a redução das desigualdades sociais. Isso justifica a adoção de critérios de discriminação que busquem favorecer os brasileiros mais pobres, em busca da redução das desigualdades (como por exemplo, imposto de renda progressivo, programas assistenciais de complementação de renda e ações afirmativas). Mas também inclui entre os objetivos da República a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, e, portanto, não há como justificar, no âmbito penal, que o réu receba pena mais gravosa pelo fato de ser jovem ou rico.
8. A condição econômico-financeira do réu justifica apenas a fixação, com maior gravame, do valor do dia-multa, nos termos do artigo 60 do Código Penal.
9. A motivação apresentada para a avaliação negativa da conduta social e personalidade do paciente Mauro revela-se absolutamente incongruente, diante do reconhecimento, na própria sentença, da inexistência de registros criminais anteriores em nome do paciente. O ilícito sob julgamento na ação penal não pode servir de justificativa para a conclusão de "propensão à prática de ilícitos penais", pois constitui o único registro criminal contra o paciente, como reconhecido na sentença, considerando-se que o exame da conduta social e da personalidade do agente, quanto ao aspecto da existência de registros criminais, deve pautar-se em acontecimentos anteriores ao crime e não ao próprio crime sob julgamento.
10. Nem mesmo inquéritos e ações penais em andamento justificam a valoração negativa da personalidade do réu. Precedentes.
11. O lucro fácil é o móvel natural daqueles que se organizam para o tráfico de substâncias entorpecentes, não justificando a majoração da pena. Precedentes.
12. Da avaliação das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, embora a pena tenha ficado acima do mínimo legal, é o caso de fixação de regime semiaberto para o desconto da pena reclusiva. A pena de quatro anos e seis meses de reclusão agregada à favorabilidade majoritária das circunstâncias judiciais leva à fixação de regime inicial de cumprimento semiaberto, nos termos do artigo 33, §2º, "b" e §3º do Código Penal. É de se deferir a ordem para alterar o regime de cumprimento de pena.
13. Quanto à alegação de julgamento extra petita: não há demonstração cabal de que a sentença concedeu pedido não formulado na denúncia, qual seja, a condenação por crime de quadrilha voltada à prática de crime equiparado a hediondo - tráfico de drogas.
14. Ordem parcialmente concedida.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, conceder parcialmente a ordem para, confirmando a liminar, fixar em favor do paciente, desde logo, o regime inicial semiaberto de cumprimento da pena privativa de liberdade, nos termos do voto do Relator, acompanhado pelo voto do Desembargador Federal José Lunardelli, vencida a Desembargadora Federal Vesna Kolmar, que denegava a ordem.



São Paulo, 18 de dezembro de 2012.
MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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HABEAS CORPUS Nº 0029303-20.2012.4.03.0000/SP
2012.03.00.029303-9/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
IMPETRANTE : JOSE ROBERTO CURTOLO BARBEIRO
PACIENTE : MAURO CESAR FILETO reu preso
ADVOGADO : JOSE ROBERTO CURTOLO BARBEIRO e outro
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 2 VARA DE S J RIO PRETO SP
No. ORIG. : 00073952920064036106 2 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

DECLARAÇÃO DE VOTO

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL VESNA KOLMAR:


Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado por José Roberto Curtolo Barbeiro em favor de Mauro Cesar Fileto, por meio do qual objetiva a alteração do regime de cumprimento de pena imposto na sentença condenatória, além de ver reconhecido o direito de responder ao processo em liberdade. Requer, ainda, a nulidade da sentença, uma vez que extra petita.


Na sessão de julgamento realizada no dia 18.12.2012 esta Primeira Turma, por maioria, concedeu parcialmente a ordem para, confirmar a liminar e fixar em favor do paciente, desde logo, o regime inicial semiaberto de cumprimento da pena privativa de liberdade, nos termos do voto do Relator, acompanhado pelo voto do Desembargador Federal José Lunardelli, vencida esta Desembargadora, que denegava a ordem.


Assim, divergi do eminente relator quanto ao cumprimento da pena em regime semiaberto.


O MM° Juiz, quando da prolação da sentença, ao fixar o regime de cumprimento de pena, ressaltou que as condições previstas no artigo 59 do Código Penal revelaram-se amplamente desfavoráveis ao acusado, razão pela qual, "para fins de reprovação e prevenção delitiva", determinou o início do cumprimento da pena em regime fechado.


Com efeito, o artigo 33, parágrafo 3° do Código Penal estabelece que a determinação do regime inicial de cumprimento de pena far-se-á com observância dos critérios previstos no artigo 59 do Código Penal. Na situação em apreço, a r. sentença expressamente considerou desfavoráveis as circunstâncias, quais sejam, a culpabilidade, a conduta social e personalidade, os motivos, as circunstâncias e consequências do crime, nos seguintes termos:


"(...)Culpabilidade. O acusado praticou o crime acima descrito animado por dolo direto de elevada intensidade, com profunda violação ao bem jurídico protegido pela norma penal em apreço, em razão de seu papel de grande relevância para o grupo criminoso, no recebimento de ordens de pagamento internacionais. Nesse diapasão, não se pode negar a vasta capacidade lesiva do grupo criminoso do qual fazia parte, constituído sob vínculo associativo permanente e estável, para a prática dos delitos já citados, que se distingue das quadrilhas comuns em razão de seu caráter transnacional, de seu alto nível de organização e eficiência, do substancial volume de vendas e da superlativa movimentação financeira, sobressaindo-se, também, em função da coesão e do fiel comprometimento de seus membros com os escopos ilícitos perseguidos, resumindo-se assim os principais fatores para seu sucesso e inequívoca longevidade, circunstâncias especialíssimas que não deixam dúvidas quanto aos efeitos deletérios proporcionados, ainda que em abstrato, a toda a coletividade mundial, que obviamente repugna a existência e a continuidade de tal sociedade espúria, justificando-se, portanto, a fixação da sanção básica, relativa ao crime em questão (art. 288 do Código Penal), em patamar superior ao mínimo legal.
Não bastasse tudo o que já foi dito, exigia-se do Acusado Mauro César Fileto uma conduta absolutamente diversa, já que provém de classe social privilegiada e certamente nunca teve que passar por graves privações materiais, como acontece com a grande e honesta maioria da população brasileira, gozando de excelente padrão de vida e de conforto ao longo de sua existência, incluindo-se aí a possibilidade de freqüentar bons colégios.
Possuía, evidentemente, aptidão financeira e intelectual, contando ainda com o vigor de sua juventude, para o exercício de atividades consideradas lícitas, ou, pelo menos, para buscar oportunidades legais para seu sustento, tendo abandonado a perspectiva de uma profissão idônea e de uma vida normal, unicamente para optar pela seara criminosa, escolha voluntária e consciente, mas inadmissível, que merece censura realmente severa, para que não sirva jamais como exemplo para nossos jovens ou para qualquer cidadão deste País.
Antecedentes - o réu não ostenta antecedentes relativos a ocorrências ou condenações criminais.
Conduta Social e Personalidade - não há nos autos prova de fato desabonador à conduta do nominado réu nas relações com as pessoas de seu meio social. O quadro probatório examinado à exaustão permite a conclusão de que se trata de pessoa com desvio de personalidade, com propensão à prática de ilícitos penais, circunstância que também justifica a imposição de pena mais severa, em seu desfavor.
Motivos - sua adesão à quadrilha descrita nos autos foi impulsionada pela busca do lucro fácil, motivo abjeto e que deve sofrer maior reprovação, ensejando, também, a elevação da respectiva pena-base.
Circunstâncias dos Crimes - a associação criminosa não apresentava estrutura rudimentar ou estacionária; pelo contrário, nota-se um constante aprimoramento de suas atividades, com a utilização cada vez maior de sofisticados recursos eletrônicos e de informática para agilizar a comunicação entre os principais integrantes, bem como para evitar qualquer tipo de interceptação ou ação policial, valendo-se até de endereços eletrônicos e provedores em offshores, para garantir o anonimato e a segurança, evitando-se a solução de continuidade nos negócios, que vinham se desenvolvendo, com grande sucesso, segundo prova colhida nos autos, o que também demonstra a grande persistência e obstinação na consecução dos intentos criminosos. Tais circunstâncias devem servir para a exasperação da respectiva pena-base. Conseqüências dos Crimes - são nefastas as conseqüências no tocante à população em geral, na medida em que a quadrilha já atuava há muitos anos e somente em 2006 foi desbaratada, evidenciando-se que grande quantidade de medicamentos entorpecentes e outros, de diversas espécies, acabaram entregues a milhares de pessoas, ao redor do mundo, tornando-as vulneráveis aos efeitos deletérios causados pela utilização indiscriminada de tais substâncias.
Diante do exposto, não sendo favoráveis ao Réu as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, fixo a sua pena-base em patamar superior ao mínimo: em 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão.
2ª Fase - Circunstâncias Agravantes e Atenuantes
Não há agravantes aplicáveis à espécie. O réu não confessou a prática do crime objeto da presente condenação.
3ª Fase - Causas de Aumento ou de Diminuição
Não há causas de aumento ou de diminuição aplicáveis ao caso concreto.
PENA DEFINITIVA
Ultrapassadas todas as fases legais e ausentes outras circunstâncias a serem sopesadas, torno definitiva a pena anteriormente fixada, no patamar de 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão. Afastada, nos termos da fundamentação, a ocorrência do "bis in idem", tenho como inviável a aplicação das disposições contidas no art. 8º do Código Penal, pois restritas aos casos de extraterritorialidade incondicionada (art. 7ª, inciso I e 1º, CP), em que o acusado tenha que ser julgado no Brasil mesmo quando já condenado, no exterior, pelo mesmo crime.
REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA
As disposições contidas no artigo 33, 3º, do Código Penal, deixam bem claro que a quantidade das sanções aplicadas não é o fator único a ser levado em consideração para a fixação do regime de cumprimento das penas, sendo primordial a análise das condições estampadas no art. 59 do Código Penal.
No caso concreto, tais condições revelaram-se amplamente desfavoráveis ao acusado, razão pela qual entendo recomendável, para fins de reprovação e prevenção delitiva, que dê início ao cumprimento de sua pena no REGIME FECHADO, observando-se as regras estabelecidas no art. 34 da Lei Penal. Pelos mesmos motivos - e, agora, também pela quantidade de pena aplicada -, não considero possível a substituição da pena privativa de liberdade por outras restritivas de direitos e, tampouco, a concessão do benefício do sursis."

Da análise dos autos constata-se que a fixação do regime fechado para o início de cumprimento da pena está devidamente fundamentada e em consonância ao que dispõe o artigo 33, parágrafo 3° do Código Penal.


Por esses fundamentos, denego a ordem.


É o voto.



Vesna Kolmar
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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HABEAS CORPUS Nº 0029303-20.2012.4.03.0000/SP
2012.03.00.029303-9/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
IMPETRANTE : JOSE ROBERTO CURTOLO BARBEIRO
PACIENTE : MAURO CESAR FILETO reu preso
ADVOGADO : JOSE ROBERTO CURTOLO BARBEIRO e outro
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 2 VARA DE S J RIO PRETO SP
No. ORIG. : 00073952920064036106 2 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

RELATÓRIO

O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):

Trata-se de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado por Jose Roberto Curtolo Barbeiro em favor de MAURO CESAR FILETO, contra ato do Juiz Federal da 2ª Vara de São José do Rio Preto, que, ao proferir sentença condenatória nos autos nº 0007395-29.2006.403.6106, estabeleceu regime inicial fechado para cumprimento da pena e negou o direito de recorrer em liberdade.

Sustenta o impetrante ser cabível o manejo do habeas corpus para discutir-se regime de cumprimento de pena e o direito de recorrer em liberdade, e que a pendência do recurso de apelação não elide a interposição do writ, de rito muito mais célere.

Consta da impetração que o paciente foi denunciado pelos crimes dos artigos 12 e 14, c.c. 18, I, da Lei nº 6.368/76, artigos 288, 273 §1º-B, I, III e V e 334 do Código Penal, sendo condenado como incurso nas penas do artigo 288, caput, do Código Penal, na forma do artigo 8º da Lei 8.072/90, à pena de 4 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial fechado, sendo absolvido da imputação dos artigos 12 e 14, c.c. 18, I, da Lei nº 6.368/76 e artigos73 §1º-B, I, III e V e 334 do Código Penal, com fundamento no artigo 386, V, do CPP.

Argumenta o impetrante com a ocorrência de julgamento extra petita, pois a denúncia não imputa ao paciente o crime do artigo 288 do Código Penal com redação do artigo 8º da Lei 8072/90, mas apenas na forma simples do caput do artigo 288 do CP, sequer tendo sido requerido nas alegações finais da Acusação, o que afronta os princípios do direito ao devido processo legal, cerceamento de defesa.

Alega o impetrante que o juízo sentenciante entendeu ser adequada a fixação do regime inicial fechado em razão das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, bem como manter a prisão preventiva do paciente, pois, se solto, poderia evadir-se novamente para os Estados Unidos. Sustenta o impetrante ser inadequada a manutenção da prisão preventiva do paciente, pois se apresentou à Justiça brasileira espontaneamente, bem como fez prova de ter trabalho lícito, renda lícita, vida regrada e de que não vivia do crime.

Narra também o impetrante que a pena-base foi fixada em confronto com a Súmula 444 do STJ, não havendo a necessária individualização da pena, tendo o Magistrado ponderado que se trata de pessoa com desvio de personalidade, com propensão à pratica de delitos, mas fez prova de que vivia de trabalho lícito e honesto nos Estados Unidos, bem como de que é primário, não é reincidente, não tem antecedentes, possui família constituída, além do que nos fatos apurados não há violência ou clamor público nem é crime hediondo, de modo que é cabível a aplicação do regime semiaberto para o início do cumprimento da pena, nos termos do artigo 33, §2º, do Código Penal.

Pretende o impetrante, em sede liminar, a fixação do regime semiaberto para cumprimento da pena privativa de liberdade, nos termos das Súmulas 718 e 719 do STF ou a concessão do direito de recorrer em liberdade, bem como o reconhecimento do julgamento extra petita à vista da aplicação da pena prevista no artigo 8º da Lei 8.072/1990. Ao final, a confirmação da liminar.

Requisitadas informações à autoridade impetrada (fls. 179), foram prestadas às fls. 208/209, com os documentos de fls. 182/207.

Pela decisão de fls. 210/214 foi deferida a liminar deferida para fixar em favor do paciente, desde logo, o regime inicial semiaberto de cumprimento da pena privativa de liberdade.

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra da DD. Procuradora Regional da República Samantha Chantal Dobrowolski, opinou pela denegação da ordem.


É o relatório.

Apresento o feito em mesa.



VOTO

O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):


É de ser concedida parcialmente a ordem.


Quanto ao pedido de apelar em liberdade, adoto o entendimento atualmente prevalente nesta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região no sentido do cabimento do habeas corpus: HC 0009654-06.2011.403.0000, Rel. Des.Fed. Johonsom di Salvo, j. 19/07/2011, DJe 27/07/2011; HC 0026283-55.2011.403.0000, Rel. Des.Fed. José Lunardelli, j. 22/11/2011, DJe 02/12/2011).

A decisão que negou ao paciente o direito de apelar em liberdade foi devidamente fundamentada, fazendo inclusive expressa referência ao fato de permanecerem presentes os motivos que haviam determinado a anterior decretação da prisão preventiva (fls. 204verso/205):


PRISÃO CAUTELAR
Mantenho a prisão cautelar (preventiva) em relação ao condenado MAURO CÉSAR FILETO, pois entendo que ainda se fazem presentes os pressupostos estampados no art. 312 do Código de Processo Penal, que justificaram a decretação de tal medida, desde o início.
Os elementos de prova já analisados na presente sentença reforçam ainda mais a convicção de que o nominado réu ingressou e atuava junto ao grupo criminoso descrito nos autos há algum tempo, retirando o seu sustento dos lucros obtidos através dessa atividade ilícita.
Reitero que não se trata de uma quadrilha comum, mas de verdadeira empresa criminosa, de caráter transnacional, indiscutível capacidade financeira e elevado potencial lesivo, com ramificação nos Estados Unidos e alto nível de coesão, organização e eficiência de seus membros, que já atuavam há vários anos na venda de medicamentos entorpecentes e outros de natureza diversa para pessoas do mundo inteiro.
Tais características servem para demonstrar que, se for posto em liberdade, cedo ou tarde, encontrará estímulos para reiniciar a mesma atividade criminosa, que tantos lucros lhe proporcionou e que foi a principal fonte de seu sustento nos últimos tempos.
Nesse sentido, destaco o seguinte julgado:
"Para garantia da ordem pública, visará o magistrado, ao decretar a prisão preventiva, evitar que o delinqüente volte a cometer delitos, ou porque é acentuadamente propenso às práticas delituosas, ou porque, em liberdade, encontraria os mesmos estímulos relacionados com a infração cometida" (JTACRIM/SP 42/58)
Não se deve olvidar, outrossim, que a quadrilha atuava na comercialização de produtos extremamente nocivos à saúde das pessoas, podendo levá-las inclusive à morte - aliás, as investigações nos Estados Unidos começaram em razão do óbito, por overdose, de indivíduo que adquiriu medicamentos entorpecentes através do sítio mantido pela quadrilha brasileira.
Em razão de tamanha gravidade, premiar o condenado com a liberdade até o definitivo julgamento do mérito seria, a meu sentir, incentivar o cometimento de crimes da mesma espécie em nosso meio, permitindo que ele mesmo ou outras pessoas desprovidas de sólido alicerce sintam-se à vontade para realizar o mesmo comportamento pernicioso à coletividade e contrário aos interesses deste País.
Diante de evidente periculosidade e da real possibilidade de reiteração da mesma conduta criminosa por parte do réu, justifica-se a manutenção de sua prisão preventiva, como medida essencial para a garantia da ordem pública.
Não bastasse isso, tenho que a prisão cautelar do ora condenado também atende à necessidade de se assegurar a efetiva aplicação da lei penal, pois, muito embora seus familiares residam em São José do Rio Preto, com eles já não convivia há muito tempo e não pode ser desprezada a possibilidade de, posto em liberdade, retornar aos Estados Unidos ou mudar para outro país qualquer, para escapar à nova condenação.
Ressalto que sua primariedade, isoladamente, não justifica a concessão da liberdade, de acordo com remansosa jurisprudência de nossos tribunais:
"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 121, 2º, INCISOS II E IV, DO CÓDIGO PENAL, E ART. 1º DA LEI Nº 2.252/54. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS.I - Demonstradas, de forma efetiva, as circunstâncias concretas ensejadoras da prisão preventiva, consistentes na reiterada atividade delitiva, na possibilidade de prática de novos delitos e no fundado receio de fuga do distrito da culpa, resta suficientemente motivado o decreto prisional para garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal (Precedentes). II-Condições pessoais favoráveis como primariedade, bons antecedentes e residência fixa no distrito da culpa, não têm o condão de, por si só, garantirem ao paciente a liberdade provisória, se há nos autos elementos hábeis a recomendar a manutenção de sua custódia cautelar (Precedentes). Ordem denegada."(STJ - HC 45401 - Rel. Min. Felix Fischer - DJU de 19/12/2005 - pág. 455)
Portanto, presentes os requisitos legais estampados no art. 312 do Código de Processo Penal - "fumus boni juris" (prova da existência do crime de quadrilha e convicção quanto à autoria, ambos já firmados em juízo de cognição plena) e "periculum in mora" (necessidade da segregação para garantir a ordem pública e assegurar a aplicação da lei penal), mantenho a prisão cautelar de MAURO CÉSAR FILETO, negando ao mesmo o direito de apelar em liberdade, caso manifeste o desejo de recorrer da presente sentença. (grifos do original)

O preenchimento dos requisitos da prova da materialidade e da autoria delitiva imputadas ao paciente pode ser extraído da própria condenação de primeiro grau, dando-o como incurso nas penas do artigo 288 do Código Penal, com as sanções cominadas no artigo 8º da Lei nº 8.072/1990.

Por outro lado, o paciente respondeu preso ao processo. E, no sentido de que não tem direito de apelar em liberdade o réu que, justificadamente, respondeu preso ao processo situa-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:


Processual penal. Habeas corpus. Tráfico privilegiado de entorpecentes (art. 33, § 4º da Lei n. 11.343). Liberdade provisória. Indeferimento. Prisão preventiva. Grande quantidade de entorpecente. Garantia da ordem pública. ausência de hediondez do crime de tráfico privilegiado: Questão elidida na sentença condenatória proferida supervenientemente a esta impetração. desproporção da prisão cautelar com a pena a ser imposta: inocorrência. Impossibilidade de liberdade provisória em se tratando de réu que permaneceu preso durante toda a instrução criminal e que teve os fundamentos da prisão cautelar convalidados na sentença. 1. O art. 44 da Lei n. 11.343/2006 veda a concessão de liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico de entorpecente. 2. A questão atinente à (in)constitucionalidade do art. 44 da Lei n. 11.343/2006 encontra-se pendente de exame no Pleno desta Corte no HC 104.339 (Relator Min. Cármen Lúcia), e no HC 100.949 (Relator Min. Joaquim Barbosa). 3. A vedação à liberdade provisória não resulta apenas do citado art. 44 da Lei n. 11.343/2006, mas, também, de circunstância fática justificadora da necessidade da segregação cautelar para garantia da ordem pública, consistente na grande quantidade de maconha apreendida, a revelar a real periculosidade do paciente. 4. In casu, o paciente foi preso em flagrante portando 85 quilos de maconha, circunstância que autoriza a segregação cautelar em prol da garantia da ordem pública, na linha de entendimento firmado nesta Corte: HC 94.872/SP, Rel. Min. EROS GRAU, Segunda Turma, DJe de 19/12/2008; HC 91.825/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, DJe de 15/08/2008; HC 107.430/AC, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, 1ª Turma, DJe de 07/06/2011; e HC 104.934/MT, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Rel. p/ o acórdão Min. LUIZ FUX, 1ª Turma, DJe de 06/12/2011. 5. A hediondez, inexistente, in casu, no crime de tráfico privilegiado, foi enfrentada pelo juiz, que consignou na sentença não se tratar de crime hediondo e fixou a pena em 5 (cinco) anos, 2 (dois) meses e 12 (doze) dias. Quantum que, além de não ser desproporcional com a prisão preventiva, impossibilitou a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e o sursis, porquanto fixada em patamar acima do previsto nos arts. 44, I, e 77 do Código Penal. 6. O paciente encontra-se segregado preventivamente desde 4 de dezembro de 2010, sendo certo que a sentença condenatória, proferida em 17 de junho de 2011, supervenientemente a esta impetração, convalidou os fundamentos da segregação cautelar, por isso não cabe cogitar da liberdade provisória, consoante precedente firmado no HC n. 89.089/SP, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 01/06/2007, verbis: Não há sentido lógico permitir que o réu, preso preventivamente durante toda a instrução criminal, possa aguardar o julgamento da apelação em liberdade. 7. Ordem denegada.
(STF, 1ª Turma, HC 107796/MS, Rel.Min. Luiz Fux, j. 13.03.2012, DJe 19.04.2012);
HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. OMISSÃO QUANTO AO DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. RÉUS QUE RESPONDERAM À AÇÃO PENAL PRESOS. CRIMES DE TÓXICOS. ILEGALIDADE. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. I - O direito de apelar em liberdade para os delitos contidos na Lei 11.343/2006 é excepcional, desafiando fundamentação própria. II - Não há ilegalidade em manter presos, para apelar, réus que responderam a ação penal nessa condição. III - Inexistência de ilegalidade ou de abuso de poder. IV - Ordem denegada.
(STF, 1ª Turma, HC 92612/PI, Rel.Min. Ricardo Lewandowski, j. 11/03/2008, DJe 10/04/2008);
HABEAS CORPUS. PACIENTE PRESO EM FLAGRANTE POR TRÁFICO DE ENTORPECENTE TIMBRADO PELA TRANSNACIONALIDADE (ARTS. 33 E 40 DA LEI Nº 11.343/06). CRIME HEDIONDO. CUSTÓDIA CAUTELAR MANTIDA. OBSTÁCULO DIRETAMENTE CONSTITUCIONAL: INCISO XLIII DO ART. 5º (INAFIANÇABILIDADADE DOS CRIMES HEDIONDOS). JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA DO STF. EXCESSO DE PRAZO. TEMA NÃO APRECIADO PELAS INSTÂNCIAS PRECEDENTES. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADA. 1. Aqui, não cabe ao Supremo Tribunal Federal examinar a tese do excesso de prazo na custódia cautelar do paciente. Isso porque se trata de u'a matéria que não foi apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça. Pior: nem sequer passou pelo crivo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, instância judicante que se limitou a examinar os fundamentos da prisão processual do paciente. O que impede o julgamento do tema diretamente por esta Corte, pena de indevida supressão de instância. Precedentes: HCs 86.990, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski; 84.799, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence; 82.213, da relatoria da ministra Ellen Gracie; e 83.842, da relatoria do ministro Celso de Mello. 2. Se o crime é inafiançável e preso o acusado em flagrante, o instituto da liberdade provisória não tem como operar. O inciso II do art. 2º da Lei nº 8.072/90, quando impedia a "fiança e a liberdade provisória", de certa forma incidia em redundância, dado que, sob o prisma constitucional (inciso XLIII do art. 5º da CF/88), tal ressalva era desnecessária. Redundância que foi reparada pelo art. 1º da Lei nº 11.464/07, ao retirar o excesso verbal e manter, tão somente, a vedação do instituto da fiança. 3. Manutenção da jurisprudência desta Primeira Turma, no sentido de que "a proibição da liberdade provisória, nessa hipótese, deriva logicamente do preceito constitucional que impõe a inafiançabilidade das referidas infrações penais: [...] seria ilógico que, vedada pelo art. 5º, XLIII, da Constituição, a liberdade provisória mediante fiança nos crimes hediondos, fosse ela admissível nos casos legais de liberdade provisória sem fiança" (HC 83.468, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence). 4. Acresce que atualmente o paciente se acha condenado pelos delitos de tráfico de entorpecentes, lavagem de dinheiro e posse irregular de arma de fogo. O que, na linha da firme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, inviabiliza a concessão da pretendida liberdade provisória, pois não há sentido lógico permitir que o réu, preso em flagrante delito e encarcerado durante toda a instrução criminal, possa aguardar em liberdade o trânsito em julgado da sentença condenatória, se mantidos os motivos da custódia cautelar. 5. Ordem denegada.
(STF, 1ª Turma, HC 98464/SP, Rel.Min. Carlos Britto, j. 03/11/2009, DJe 03/12/2009);
CRIMINAL. HC. ROUBO QUALIFICADO. PRETENSÃO DE ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO CONHECIMENTO. VEDAÇÃO AO APELO EM LIBERDADE. MODUS OPERANDI. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS DA PRÁTICA DELITIVA. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA. Não se conhece de argumentação que visa ao abrandamento do regime prisional fixado pela sentença, se evidenciado que o acórdão recorrido não abordou o tema. O posicionamento desta Corte é no sentido da manutenção do acusado na prisão, após a sentença condenatória, se foi mantido preso durante a instrução processual, desde que a custódia esteja fulcrada no art. 312 do Código de Processo Penal. O modus operandi da eventual prática delituosa empreendida, em tese, pelo paciente obsta a revogação da segregação cautelar para a garantia da ordem pública. Em casos como o dos autos, em que se sobressalta a extrema violência como supostamente foi cometido o crime pelo agente, a jurisprudência tem entendido pela manutenção da custódia cautelar. Precedentes do STJ e do STF. Ressalvado, no édito condenatório, que negou ao paciente o direito de apelar em liberdade, a persistência dos elementos da prisão preventiva, não é ilegal a sua permanência no cárcere, enquanto aguarda o julgamento do recurso de apelação. Precedentes desta Corte. Ordem denegada.
(STJ, 5a Turma, HC 60073-SP, DJU 18.12.2006 p.428).

Portanto, quanto ao ponto, denego a ordem.


Quanto ao pedido de fixação de regime inicial semiaberto, verifico ser o caso de concessão da ordem. A sentença condenatória dosou a pena e estabeleceu o regime de cumprimento da sanção da seguinte maneira:

III - DISPOSITIVO
Posto isso e considerando tudo o mais que dos autos consta, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados na denúncia para:
- CONDENAR MAURO CÉSAR FILETO, devidamente qualificado nestes autos, pela prática do crime tipificado no art. 288, do Código Penal, com as sanções cominadas no art. 8º da Lei nº 8.072/90;
- ABSOLVER MAURO CÉSAR FILETO das imputações estampadas na denúncia, referentes à prática dos crimes tipificados nos arts. 12, c/c 18, inciso I, da Lei nº 6.368/76; e daqueles definidos nos arts. 273, 1º-B, incisos I, III e V, 278 e 334, do Código Penal, por falta de provas, com fulcro nas disposições do art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal.
Forte nas disposições insculpidas na Constituição Federal e, também, na Lei Penal Substantiva (art. 59 c/c o art. 68 e art. 49 c/c o art. 60, todos do CP), observando o sistema trifásico, passo à tarefa de individualização da pena aplicável ao condenado, tendo em conta necessidade e suficiência para a reprovação e prevenção do crime cometido.
1ª Fase - Circunstâncias Judiciais do art. 59 do Código Penal
Culpabilidade. O acusado praticou o crime acima descrito animado por dolo direto de elevada intensidade, com profunda violação ao bem jurídico protegido pela norma penal em apreço, em razão de seu papel de grande relevância para o grupo criminoso, no recebimento de ordens de pagamento internacionais. Nesse diapasão, não se pode negar a vasta capacidade lesiva do grupo criminoso do qual fazia parte, constituído sob vínculo associativo permanente e estável, para a prática dos delitos já citados, que se distingue das quadrilhas comuns em razão de seu caráter transnacional, de seu alto nível de organização e eficiência, do substancial volume de vendas e da superlativa movimentação financeira, sobressaindo-se, também, em função da coesão e do fiel comprometimento de seus membros com os escopos ilícitos perseguidos, resumindo-se assim os principais fatores para seu sucesso e inequívoca longevidade, circunstâncias especialíssimas que não deixam dúvidas quanto aos efeitos deletérios proporcionados, ainda que em abstrato, a toda a coletividade mundial, que obviamente repugna a existência e a continuidade de tal sociedade espúria, justificando-se, portanto, a fixação da sanção básica, relativa ao crime em questão (art. 288 do Código Penal), em patamar superior ao mínimo legal.
Não bastasse tudo o que já foi dito, exigia-se do Acusado Mauro César Fileto uma conduta absolutamente diversa, já que provém de classe social privilegiada e certamente nunca teve que passar por graves privações materiais, como acontece com a grande e honesta maioria da população brasileira, gozando de excelente padrão de vida e de conforto ao longo de sua existência, incluindo-se aí a possibilidade de freqüentar bons colégios.
Possuía, evidentemente, aptidão financeira e intelectual, contando ainda com o vigor de sua juventude, para o exercício de atividades consideradas lícitas, ou, pelo menos, para buscar oportunidades legais para seu sustento, tendo abandonado a perspectiva de uma profissão idônea e de uma vida normal, unicamente para optar pela seara criminosa, escolha voluntária e consciente, mas inadmissível, que merece censura realmente severa, para que não sirva jamais como exemplo para nossos jovens ou para qualquer cidadão deste País.
Antecedentes - o réu não ostenta antecedentes relativos a ocorrências ou condenações criminais.
Conduta Social e Personalidade - não há nos autos prova de fato desabonador à conduta do nominado réu nas relações com as pessoas de seu meio social. O quadro probatório examinado à exaustão permite a conclusão de que se trata de pessoa com desvio de personalidade, com propensão à prática de ilícitos penais, circunstância que também justifica a imposição de pena mais severa, em seu desfavor.
Motivos - sua adesão à quadrilha descrita nos autos foi impulsionada pela busca do lucro fácil, motivo abjeto e que deve sofrer maior reprovação, ensejando, também, a elevação da respectiva pena-base.
Circunstâncias dos Crimes - a associação criminosa não apresentava estrutura rudimentar ou estacionária; pelo contrário, nota-se um constante aprimoramento de suas atividades, com a utilização cada vez maior de sofisticados recursos eletrônicos e de informática para agilizar a comunicação entre os principais integrantes, bem como para evitar qualquer tipo de interceptação ou ação policial, valendo-se até de endereços eletrônicos e provedores em offshores, para garantir o anonimato e a segurança, evitando-se a solução de continuidade nos negócios, que vinham se desenvolvendo, com grande sucesso, segundo prova colhida nos autos, o que também demonstra a grande persistência e obstinação na consecução dos intentos criminosos. Tais circunstâncias devem servir para a exasperação da respectiva pena-base. Conseqüências dos Crimes - são nefastas as conseqüências no tocante à população em geral, na medida em que a quadrilha já atuava há muitos anos e somente em 2006 foi desbaratada, evidenciando-se que grande quantidade de medicamentos entorpecentes e outros, de diversas espécies, acabaram entregues a milhares de pessoas, ao redor do mundo, tornando-as vulneráveis aos efeitos deletérios causados pela utilização indiscriminada de tais substâncias.
Diante do exposto, não sendo favoráveis ao Réu as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, fixo a sua pena-base em patamar superior ao mínimo: em 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão.
2ª Fase - Circunstâncias Agravantes e Atenuantes
Não há agravantes aplicáveis à espécie. O réu não confessou a prática do crime objeto da presente condenação.
3ª Fase - Causas de Aumento ou de Diminuição
Não há causas de aumento ou de diminuição aplicáveis ao caso concreto.
PENA DEFINITIVA
Ultrapassadas todas as fases legais e ausentes outras circunstâncias a serem sopesadas, torno definitiva a pena anteriormente fixada, no patamar de 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão. Afastada, nos termos da fundamentação, a ocorrência do "bis in idem", tenho como inviável a aplicação das disposições contidas no art. 8º do Código Penal, pois restritas aos casos de extraterritorialidade incondicionada (art. 7ª, inciso I e 1º, CP), em que o acusado tenha que ser julgado no Brasil mesmo quando já condenado, no exterior, pelo mesmo crime.
REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA
As disposições contidas no artigo 33, 3º, do Código Penal, deixam bem claro que a quantidade das sanções aplicadas não é o fator único a ser levado em consideração para a fixação do regime de cumprimento das penas, sendo primordial a análise das condições estampadas no art. 59 do Código Penal.
No caso concreto, tais condições revelaram-se amplamente desfavoráveis ao acusado, razão pela qual entendo recomendável, para fins de reprovação e prevenção delitiva, que dê início ao cumprimento de sua pena no REGIME FECHADO, observando-se as regras estabelecidas no art. 34 da Lei Penal. Pelos mesmos motivos - e, agora, também pela quantidade de pena aplicada -, não considero possível a substituição da pena privativa de liberdade por outras restritivas de direitos e, tampouco, a concessão do benefício do sursis.

Relativamente à culpabilidade do paciente, o MM. Juiz a quo traz como motivação para o agravamento da pena-base o fato de Mauro provir de classe social privilegiada, ostentar aptidão financeira, intelectual e o vigor da juventude para o exercício de atividades lícitas, mas, ainda assim, escolher o caminho do crime.

Com a devida vênia, entendo que a fundamentação indicada é inapta para o agravamento da pena, sob o título culpabilidade acentuada, porquanto a distinção dos agentes entre os de classe social privilegiada e desprivilegiada, entre os que possuem acesso à educação ou não, entre ricos e pobres e entre jovens e idosos levaria a uma diferenciação despida de fundamento legal e constitucional, no que diz respeito à reprovabilidade de crimes.

É certo que a Constituição Federal elenca entre os objetivos fundamentais da República a erradicação da pobreza e marginalização e a redução das desigualdades sociais (artigo 3º, III). Por certo, isso justifica a adoção de critérios de discriminação que busquem favorecer os brasileiros mais pobres, em busca da redução das desigualdades (como por exemplo, imposto de renda progressivo, programas assistenciais de complementação de renda e ações afirmativas).

Mas a Constituição também inclui entre os objetivos da República a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, e, portanto, não há como justificar, no âmbito penal, que o réu receba pena mais gravosa pelo fato de ser jovem ou rico.

A condição econômico-financeira do réu justifica apenas a fixação, com maior gravame, do valor do dia-multa, nos termos do artigo 60 do CP.

Portanto, a culpabilidade do paciente desmerece viés negativo.

No tangente aos antecedentes, a autoridade impetrada reconheceu que o paciente é primário, não ostentando antecedentes relativos a ocorrências ou condenações criminais.

Ao examinar as circunstâncias conduta social e personalidade consignou que "se trata de pessoa com desvio de personalidade, com propensão à prática de ilícitos penais, circunstância que também justifica a imposição de pena mais severa, em seu desfavor".

Porém, a motivação apresentada para a avaliação negativa da conduta social e personalidade do paciente Mauro revela-se absolutamente incongruente, diante do reconhecimento, na própria sentença, da inexistência de registros criminais anteriores em nome do paciente.

Com efeito, o ilícito sob julgamento na ação penal não pode servir de justificativa para a conclusão de "propensão à prática de ilícitos penais", pois constitui o único registro criminal contra o paciente, como reconhecido na sentença, considerando-se que o exame da conduta social e da personalidade do agente, quanto ao aspecto da existência de registros criminais, deve pautar-se em acontecimentos anteriores ao crime e não ao próprio crime sob julgamento.

Nem mesmo inquéritos e ações penais em andamento justificam a valoração negativa da personalidade do réu, conforme entendimento jurisprudencialmente consagrado :

PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ARTIGO 2º, INCISO II, DA LEI 8.137/90). DIVERGÊNCIA QUE SE RESTRINGE AO QUANTUM DA FIXAÇÃO DA PENA-BASE. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. II - Não é possível agravar a pena com alusão ao desajuste na personalidade e na conduta social do acusado se tal avaliação se funda no registro de inquéritos e ações penais em andamento, ou seja, sem que haja prova da existência de trânsito em julgado, como é o caso dos autos, visto que tal juízo choca-se com o princípio da presunção de inocência. Súmula 444 do STJ. II - A avaliação da personalidade do acusado e também da sua conduta social devem estar assentadas em elementos idôneos e devidamente demonstrados nos autos, não servindo para tal fim os registros supracitados. Precedentes do STJ. III - Não havendo circunstâncias judiciais desfavoráveis ao condenado, nos termos do art. 59 do Código Penal, deve a pena-base ser fixada no mínimo legal. IV - Embargos Infringentes providos para fazer prevalecer integralmente o voto vencido
(TRF 3ª Região, 1ª Seção, EIFNU 0000679-55.2008.4.03.6125, Rel. Des. Fed. José Lunardelli, j. 04/10/2012, DJe 15/10/2012).

Ponderou o Juízo a quo quanto aos motivos a busca do lucro fácil. Entrevejo, contudo, que o lucro fácil é o móvel natural daqueles que se organizam para o tráfico de substâncias entorpecentes, não justificando a majoração da pena. Nesse sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO NÃO IMPUGNADA. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. MANTIDA A ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ANIMUS ASSOCIATIVO. DOSIMETRIA DA PENA. EXCLUÍDA - DE OFÍCIO - A AGRAVANTE PREVISTA O ART. 62 INCISO IV DO CÓDIGO PENAL. MANTIDA A APLICACAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/06, MAS REDUZIDO O PERCENTUAL PARA O MÍNIMO LEGAL. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. RECURSO DA DEFESA DESPROVIDO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARCIALMENTE PROVIDO...
II - Na segunda fase da dosimetria, a pena foi majorada em decorrência do reconhecimento da agravante prevista no art. 62, inciso IV, do Código Penal (mediante a promessa de recompensa). Ocorre que o intuito de lucro (dinheiro) é inerente ao tipo penal e não pode ser utilizado para majorar a pena, razão pela qual foi excluída, de ofício, referida agravante da condenação; (...)
(TRF 3ª Região, 1ª Turma, ACR 0009598-38.2009.4.03.6112, Rel. Des. Fed. José Lunardelli, j. 02/10/2012, DJe 16/10/2012).

Assim, da avaliação das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, no caso concreto, embora a pena tenha ficado acima do mínimo legal, vislumbro ser o caso de fixação de regime semiaberto para o desconto da pena reclusiva.

A pena de quatro anos e seis meses de reclusão agregada à favorabilidade majoritária das circunstâncias judiciais leva à fixação de regime inicial de cumprimento semiaberto, nos termos do artigo 33, §2º, "b" e §3º do Código Penal. Logo, é de se deferir a ordem para alterar o regime de cumprimento de pena.

Quanto à alegação de julgamento extra petita: não há demonstração cabal de que a sentença concedeu pedido não formulado na denúncia, qual seja, a condenação por crime de quadrilha voltada à prática de crime equiparado a hediondo - tráfico de drogas.

Ao contrário do alegado, a denúncia imputa ao paciente a constituição de "organização criminosa voltada ao tráfico internacional ilícito de medicamentos com propriedades entorpecentes, de medicamentos capazes de causar dependência física ou psíquica, ao comércio nacional e internacional ilícito de medicamentos sem registro no órgão de vigilância sanitária competente, sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização, de procedência ignorada, bem como também à venda de outras substâncias nocivas à saúde" (fls. 113).


Pelo exposto, concedo parcialmente a ordem para, confirmando a liminar, fixar em favor do paciente, desde logo, o regime inicial semiaberto de cumprimento da pena privativa de liberdade.

É como voto.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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