Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0010634-60.2010.4.03.6119/SP
2010.61.19.010634-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
REL. ACÓRDÃO : Juiz Federal Convocado MARCIO MESQUITA
EMBARGANTE : MOHAMMED KAMIL ALI reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
EMBARGADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00106346020104036119 1 Vr GUARULHOS/SP

VOTO CONDUTOR

O Juiz Federal Convocado MARCIO MESQUITA (Relator):


Tratam-se de embargos infringentes opostos por MOHAMMED KAMIL ALI contra o v. acórdão de fls. 347/351, proferido pela Egrégia 5ª Turma desta Corte Regional que, por maioria, "deu parcial provimento ao recurso para reduzir a pena base e reconhecer a atenuante da confissão, reduzindo a pena privativa de liberdade do acusado Mohammedd Kamil Ali para 6 (seis) anos, 5 (cinco) meses e 23 (vinte e três) dias de reclusão, regime inicial fechado, e pagamento de 647 (seiscentos e quarenta e sete) dias-multa. No mais, fica mantida a sentença, nos termos do voto do Relator, acompanhado pelo voto do DES. FED. LUIZ STEFANINI. Vencida a JUÍZA FED. CONV. LOUISE FILGUEIRAS que dava parcial provimento, em maior extensão, fixando a pena em 3 anos, 9 meses e 10 dias de reclusão, em regime inicial fechado, vedada a substituição da pena por não condizentes as circunstâncias judiciais, principalmente em se levando em consideração a quantidade da droga transportada."

O feito foi levado a julgamento na sessão de 29/11/2012. Em seu voto, o E. Relator Desembargador Federal José Lunardelli deu parcial provimento aos embargos infringentes, para que prevaleça o voto vencido da Juíza Fed. Convocada Louise Filgueiras, que deu parcial provimento ao recurso da defesa, em maior extensão, para aplicar a causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, entretanto, no percentual mínimo legal (1/6), fixando a pena definitiva em 5 (cinco) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, no regime inicial fechado, e pagamento de 540 (quinhentos e quarenta) dias-multa, vedada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito.

Com a devida vênia, ousei divergir do E. Relator, para negar provimento aos embargos infringentes, no que fui acompanhado pelos Eminentes Desembargadores Federais Peixoto Junior, Nelton Dos Santos, André Nekatschalow, Luiz Stefanini, Cotrim Guimarães e Vesna Kolmar, restando vencidos, o Desembargador Federal José Lunardelli (Relator) e os Juízes Federais Convocados Rubens Calixto e Paulo Domingues, e a Desembargadora Federal Cecilia Mello que lhes davam parcial provimento.


Passo a proferir o voto condutor.


A divergência restringe-se à possibilidade de aplicação da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4º da Lei nº 11.343/2006, como se verifica do teor do voto vencido do E. Juíza Federal Convocada Louise Filgueiras (fls. 353/359):

Acompanho o voto do E. Relator em seus termos, salvo em relação à aplicação da causa de diminuição do parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06, que tenho por devida.
Entendo que a quantidade expressiva de drogas não elide a circunstância do transporte ocasional por si só, isoladamente, ainda que a quantidade expressiva represente indício de que integra a organização, por sugerir que o transportador goza de maior confiança do dono da droga. Em meu entender, são necessários outros elementos a formar um contexto seguro para essa afirmação, para se concluir pela prova de que o indivíduo de fato integra organização criminosa, o que não extraio dos autos.
Com efeito, no presente caso, observa-se que não há registro de viagens anteriores do acusado e tampouco outros indicativos do envolvimento do réu com organização criminosa.
Em relação à causa de diminuição, tenho me posicionado no seguinte sentido:
Ao tratar da causa de diminuição do parágrafo 4º do artigo 33, o legislador não se utilizou da mesma técnica, e estabeleceu, tão somente a possibilidade de graduação entre o mínimo de 1/6 e o máximo de 2/3 de diminuição, verbis:
...
Fixou requisitos cumulativos que se preenchidos, dão direito à diminuição, naqueles termos. No presente caso, não há qualquer prova de envolvimento do réu com organização criminosa. Não é dado presumir em desfavor do direito de liberdade, destarte, entendo deva ficar provado, ainda que por um conjunto indiciário, que o réu pertencia, integrava um grupo voltado para a prática de crimes, com um mínimo de estabilidade, para negar-se a diminuição. Portanto, o Juiz deve poder concluir da prova dos autos que houve ação prévia junto ao grupo, não sendo possível presumi-lo do fato isolado do transporte aqui julgado, ainda que isso viesse a trazer um benefício a suposto grupo organizado. Devida a diminuição, passo ao problema de sua graduação. Segundo o critério trifásico de aplicação da pena, encampado pelo Código Penal Brasileiro em seu artigo 68, verbis:
...
A quantidade da droga, por sua vez, é critério aferível no momento de se avaliar as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, dizendo a lei textualmente que:
...
Refere-se, portanto, claramente às circunstâncias do artigo 59, indicando ao intérprete, quais as de maior dentre aquelas ali previstas, portanto, nos termos do artigo 68 do Código Penal - dentre aquelas aplicáveis na dosagem da pena base. O artigo 59 do Código Penal diz, por sua vez que:
...
Portanto, o legislador ao inserir o artigo 42 na lei 11.343/06, nada mais fez que ressaltar que a quantidade da droga deveria ser levada em consideração na graduação da pena base, ressaltar, por que a título de conseqüência do crime e de motivos - considerando que quanto mais droga, maior o lucro visado - tais circunstâncias já constavam do rol do artigo 59, e mesmo antes da lei poderiam, e deveriam ser avaliadas nesta fase. Preocupou-se, quiçá, em evitar o costume de fixação de pena mínima mesmo diante da maior reprovabilidade da conduta e nesse passo, vê-se que também a quantidade se relaciona com a culpabilidade, circunstância judicial, a ser avaliada na primeira fase da dosimetria, na forma do artigo 68 do Código Penal. Portanto, dosar a diminuição entre mínimo e máximo levando em consideração quaisquer das circunstâncias judiciais seria evidente bis in idem. Diminuir menos é agravar, tanto assim é que é preciso fundamentar, motivar explicar porque não se defere a diminuição máxima prevista na lei. Se o agente não tiver nada de negativo que possa ser considerado nessa fase, faria jus à máxima diminuição. Vale aqui me socorrer dos ensinamentos dos renomados professores Ada Pelegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio de Magalhães Gomes Filho em sua notória obra "As Nulidades do Processo Penal", Malheiros 2ª ed., pg 163/164:
...
Note-se que os autores afirmam a impossibilidade de avaliação dupla de circunstância própria de fases distintas, tanto para agravar como para atenuar a pena, e logo de início, nos alertam de que o princípio da individualização da pena decorre do princípio da isonomia. Portanto, não é demasiado concluir que a preservação do critério trifásico e a vedação ao bis in idem pretende garantir que indivíduos em situação semelhante não venham a ser tratados diferentemente, ou que indivíduos em situação desigual sejam tratados da mesma forma, em função da apreciação subjetiva de circunstâncias por parte do judiciário. O subjetivismo decorrente disso é também evitado por meio do princípio da reserva legal. Sobre a vedação ao bis in idem na aplicação da pena, colaciono alguma jurisprudência:
...
O princípio do ne bis in idem decorre também, logicamente do princípio da reserva legal, pois realiza a sua aplicação nas diversas fases da dosimetria da pena, exigindo do julgador que puna mais, ou puna menos, pela circunstância fática prevista previamente em lei, de acordo com a sanção previamente estatuída para aquele fato, o que não ocorrerá se for aplicada a sanção duplamente, pelo mesmo fato. Sobre o princípio da reserva legal, vale uma incursão nas palavras sempre atuais de Aníbal Bruno:
...
Nesse sentido ainda, a doutrina de Assis Toledo:
...
Trouxe essa doutrina para demonstrar que o parágrafo quarto do artigo 33 da lei de drogas traz possibilidade de agravamento incerto, a critério do julgador, e só por isso incide em violação ao princípio da reserva legal, pois não traça nenhum critério para a graduação da benesse. Ainda que se pudesse criar meios de graduação, violando-se o princípio da lei estrita, ao dosá-la utilizando-se das circunstâncias do crime, motivos, quantidade e qualidade da droga, conduta social, internacionalidade, ou outras, já previstas em lei, a decisão incidirá em bis in idem vedado.
Não é possível negar a diminuição da lei a quem faz jus, mas também não é possível aplicar o parágrafo como está sem incidir em bis in idem, concluo. Ora, nesse cenário, desde que devida a redução, só seria cabível no patamar máximo de 2/3, pois a única consentânea com o princípio da reserva legal e presunção de inocência, que indicam que na dúvida, no impasse, a solução deve ser em favor do direito de liberdade.
Esse tem sido o meu posicionamento, porém o estou revendo agora, pois é inegável que essa solução também deixa a desejar.
Ocorre que na prática, a solução acaba por provocar um excesso em favor do réu que aniquila o intuito punitivo da norma, e torna a pena aplicável, incompatível com a gravidade da conduta que é tida por hedionda pela Constituição Federal, o que torna essa solução também contrária ao Direito.
O afastamento da graduação com aplicação em dois terços da diminuição faz resultar evidentemente desproporcional a pena, e obriga o juiz a praticar excesso em favor do réu, ao solapar, por exemplo, uma grave pena de seis anos de reclusão a apenas dois, muitas vezes, pena inferior à que resulta de muitos crimes de gravidade infinitamente menor que o tráfico.
O legislador quis privilegiar a primariedade, em senso lato, sem dúvida. Porém, não a ponto de tornar impune aquele que pratica a conduta pela primeira vez, sem vínculo com grupo criminoso organizado.
Reconheço que desconsiderar a gravidade da conduta já fixada com a pena base e nas fases seguintes da dosimetria em nome da primariedade, solapando a punição pela redução de 2/3 é de fato praticar o excesso, em favor do réu, o que a lei não poderia fazer, nem pretendeu fazer, pois fixou um redutor variável.
Portanto, a interpretação conforme a Constituição, ao princípio da isonomia que norteia o sistema e aos demais princípios de direito penal, como a individualização da pena e reserva legal, deve afastar também o excesso em favor do réu, privilegiando o princípio da proporcionalidade razoável na aplicação da pena, que decorre da equidade e proibição do excesso, que informa o legislador e o juiz, seja em favor da sociedade, seja em favor do réu.
Note-se que aqui não se trata de criar reprimenda onde não existe lei para punir, com base no excesso em favor do direito de liberdade, não se trata de legislar, criar preceito, mas adequar uma reprimenda existente a limites proporcionais, com base na Constituição Federal.
No sentido da proibição do excesso no exercício do poder legislativo, já discorremos ao tratar do artigo 273 do Código Penal, porém neste caso, apontamos excesso em desfavor do direito de liberdade:
...
Vê-se do exposto, que nada impede que a doutrina acima se aplique também em favor da sociedade, quando se afirma que as punições devem ser proporcionais e razoáveis. Na verdade, o Estado é titular do direito de punir, limitado pela lei, porém esse direito se traduz também num dever, o dever de punir as condutas contrárias a ordem vigente. Não se olvida que o Estado Brasileiro se propôs a punir efetivamente o tráfico de drogas, já que consta da lei maior que "XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem." Portanto, é dever do legislador punir adequadamente o tráfico. Nesse sentido, Manuel Pedro Pimentel, verbis:
...
Reconheço, por essas razões, que é preciso realizar o intento da norma, que é efetivamente punir o delinqüente, o que não ocorrerá se a pena fracassar em quaisquer de suas funções, repressivas, intimidatórias ou de reinserção social e prevenção, pois a pena deve funcionar como instrumento de prevenção geral e especial, e assim a resposta penal precisa ser adequada ao delito praticado. Desbordaria os limites da discricionariedade do legislador abrandar de tal maneira o tratamento de um delito hediondo, assim considerado pela Constituição de modo que a pena reste inócua para os fins a que se destina, assim como não poderá agravar de forma evidentemente excessiva a reprimenda de delito de gravidade notadamente inferior. Portanto, após muito desassossego com esse assunto, pois a solução que encontrei para não incidir em bis in idem, aplicar o redutor sempre em 2/3 nunca me pareceu plenamente satisfatória - ainda que a aplicasse por tratar-se da solução em prol do direito de liberdade, com base na presunção de inocência - reconheço que é preciso coibir excessos também em favor desse direito, sob pena de sacrificar-se a ordem constitucional vigente e os objetivos de pacificação social do Direito. Na verdade, a falta de técnica do legislador, ao prever diminuição em patamar elástico e sem critérios para o seu estabelecimento, não deve levar o julgador a resultado evidentemente desproporcional em face da conduta já dosada nas fases anteriores e do sistema repressivo como um todo. Portanto, uma interpretação conforme a Constituição Federal desse inquietante parágrafo 4º da lei 11.343/06, deve afastar a impossível graduação, evitando-se o bis in idem, e fixar o redutor em patamar fixo, sempre que presentes os requisitos cumulativos da causa de diminuição, sob pena de negar-se vigência ao dispositivo, que não é de ser declarado inconstitucional por esse defeito, mas interpretado conforme os princípios constitucionais.
O patamar, pelo exposto, não deve ser o máximo. Entendo que, para atender, dentro da medida do possível a mens legis, procurando situar o julgamento mais proximamente à vontade do legislador, sem incidir em bis in idem, nem em excesso permissivo, revejo entendimento e passo a fixar a diminuição, quando devida, sempre no patamar fixo correspondente a média do intervalo pela lei estabelecido, e, portanto, em 5/12 (fração média entre 1/6 e 2/3 fixada pelo legislador).
Sendo assim, concluo que aplicada a diminuição em 5/12 a pena fica definitivamente fixada em 3 (três) anos 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão.
Em conclusão, vedada a reformatio in pejus para aumento da pena base, deixo de aumentá-la. Aplico a atenuante da confissão e causa de aumento nos termos do voto E. Relator. Aplico a causa de diminuição em 5/12.
A pena, por esses fundamentos, fica fixada em 3 anos, 9 meses e 10 dias de reclusão, em regime inicial fechado, vedada a substituição da pena, por não condizentes as circunstâncias judiciais, principalmente em se levando em consideração a quantidade da droga transportada.
No mais, acompanho o voto do E. Relator.
É como voto.

Por sua vez, o voto vencedor, da lavra do E. Desembargador Federal Andre Nekatschalow, afastou a causa de diminuição da pena do §4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006, pelos seguintes fundamentos (fls. 349 verso):


Alguns precedentes do Supremo Tribunal Federal admitem que a natureza e a quantidade de entorpecente sirvam para graduar a causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06 (STF, HC n. 106.762, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 21.06.11; HC n. 104.195, Rel. Min. Luiz Fux, j. 26.04.11), reconhecendo ademais plena liberdade ou discricionariedade judicial (STF, HC n. 94.440, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 03.05.11; RHC n. 106.719, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 01.03.11). Não obstante, há precedentes também no sentido de que considerar essas circunstâncias do delito seria proibido bis in idem (STF, HC n. 108.264, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 21.06.11; HC n. 106.313, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 15.03.11). Assim, embora repute admissível apreciar tais circunstâncias com certa dose de discricionariedade (trata-se de disposição específica), convém que além delas sejam consideradas outras peculiaridades do caso concreto, à vista das provas dos autos, para resolver sobre a aplicabilidade e a gradação dessa causa de diminuição.
Considerando a quantidade relativamente significativa do entorpecente (11.235g de peso líquido de cocaína), concluo que o réu não faz jus à causa de diminuição da pena.

Com a devida vênia, comungo do entendimento esposado no voto vencedor. Com efeito, dispõe o artigo §4° do artigo 33 da Lei 11.343/2006 sobre a possibilidade de redução da pena no crime de tráfico de drogas, de um sexto a dois terços, "desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa".

Tais requisitos são exigíveis cumulativamente, e portanto a ausência de qualquer deles implica na inexistência de direito ao benefício da diminuição da pena.

Não me parece que o citado §4° do artigo 33 da Lei n° 11.343/06 deva ser interpretado de modo a possibilitar a sua aplicação às assim chamadas "mulas" do tráfico de drogas, porquanto tal interpretação favoreceria sobremaneira a operação das organizações criminosas voltadas para o tráfico internacional, o que certamente contraria a finalidade do citado diploma legal, que visa à repressão dessa atividade.

A atividade daquele que age como "mula", transportando a droga de sua origem ao destino, na verdade pressupõe a existência de uma organização criminosa, com diversos membros, cada qual com funções específicas. Quem transporta a droga em sua bagagem, ou em seu corpo, cumpre uma função dentro de um esquema maior, que pressupõe alguém para comprar, ou de alguma forma obter a droga na origem, e alguém para recebê-la no destino, e providenciar a sua comercialização.

Se aquele que atua como "mula" desconhece quem sejam os integrantes da organização criminosa - circunstância que não põe esta em risco de ser desmantelada - e foi aliciado de forma aleatória, fortuita e sem qualquer perspectiva de ingressar na "associação criminosa", muitas vezes em face da situação de miserabilidade econômica e social em que se encontra, outras em razão da ganância pelo lucro fácil, não há como se entender que faça parte do grupo criminoso, no sentido de organização. Mas o certo é que é contratado por uma organização criminosa para servir como portador da droga e, portanto, integra essa organização.

Acresce-se que não se exige o requisito da estabilidade na integração à associação criminosa; se existente tal estabilidade ou permanência nessa integração, estaria o agente cometendo outro crime, qual seja, o de associação para o tráfico, tipificado no artigo 35 da Lei nº 11.343/2006, em concurso material com o crime de tráfico, tipificado no artigo 33 do mesmo diploma legal.

E, ainda que se entenda que o traficante que atue como "mula" não integra a organização criminosa, é certo que o benefício não alcança aqueles que se dedicam à atividades criminosas, ou seja, aqueles que se ocupam do tráfico, como meio de subsistência, ainda que de forma não habitual.

Se o agente, sem condições econômicas próprias, despende vários dias de viagem, para obter a droga, e dirigir-se ao exterior, com promessa de pagamento pelo serviço de transporte, sem que comprove ter outro meio de subsistência, forçoso é concluir que faz do tráfico o seu meio de subsistência, não fazendo jus portanto à aplicação da causa de diminuição da pena.

Nesse sentido aponto precedentes do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Seção do Tribunal Regional Federal da Terceira Região:


"Mula" e causa de diminuição de pena - 2
Em conclusão de julgamento, a 2ª Turma, por maioria, denegou habeas corpus em que pretendida a aplicação, em favor de condenada por tráfico de entorpecentes pelo transporte de 951 g de cocaína, a causa de diminuição da pena do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006. No caso, as instâncias de origem, embora tivessem reconhecido que a ré seria primária, com bons antecedentes e que não se dedicaria à atividade criminosa, concluíram que, de fato, ela integraria organização criminosa e, portanto, não teria jus à citada causa de diminuição - v. Informativo 618. Considerou-se que o tráfico internacional não existiria sem o transporte da droga pelas chamadas "mulas". O Min. Gilmar Mendes ressaltou que a "mula", de fato, integraria a organização criminosa, na medida em que seu trabalho seria condição sine qua non para a narcotraficância internacional. Pressupunha, assim, que toda organização criminosa estruturar-se-ia a partir de divisão de tarefas que objetivasse um fim comum. Assim, inegável que esta tarefa de transporte estaria inserida nesse contexto como essencial. Além disso, asseverou que o legislador não teria intenção de dispensar tratamento menos rigoroso ao "traficante mula" ou, ainda, a outros com "participação de menor importância" e não diretamente ligados ao núcleo da organização. Se esse fosse o propósito, certamente consubstanciaria elementar do tipo. Ter-se-ia, então, um tipo penal derivado. Vencido o Min. Ayres Britto, relator, que deferia a ordem. HC 101265/SP, rel. orig. Min. Ayres Britto, red. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa, 10.4.2012. (HC-101265)
STF - Informativo nº 661
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM AEROPORTO. "MULA". DIMINUIÇÃO DA PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4.º, DA NOVA LEI DE TÓXICOS. ATUAÇÃO EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA MINORANTE. WRIT DENEGADO. 1. As circunstâncias do caso concreto - Paciente de nacionalidade estrangeira e que transportava 2.070 (dois mil e setenta) gramas de cocaína, abordada ao tentar embarcar para Lisboa - evidenciam sua dedicação a atividades criminosas. 2. Assim, considerando a dinâmica dos fatos delituosos e com indicação de elementos concretos, o referido fato é circunstância que, de per si, impede a aplicação da causa especial de diminuição prevista no § 4.º do art. 33 da Lei n.º 11.343/06. 3. Habeas corpus denegado.
STJ, 5ª Turma, HC 148148, Rel.Min. Laurita Vaz, j. 26/11/2009, DJ 15/12/2009
PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS: ART. 33, CAPUT, C/C ART. 40, I DA LEI 11.343/06: CAUSA DE REDUÇÃO DE PENA PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/06: INAPLICABILIDADE AOS "MULAS" DO TRÁFICO, AINDA QUE EVENTUAIS : INTEGRAÇÃO EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. 1 . Embargos infringentes com pretensão à realização de novo julgamento, acolhendo-se, no que tange ao recurso da acusação, o voto vencido que aplicou, na dosimetria da pena do embargante, pela prática do crime de tráfico transnacional de drogas, a causa de redução de pena prevista no § 4º do art. 33, da Lei nº 11.343/06. 2 . O embargante afirmou que fora contratado na Colômbia por uma pessoa que lhe propôs viajar com a droga para entregá-la na China, custeando sua viagem. Saiu da Colômbia e se dirigiu a Manaus onde recebeu a droga de outra pessoa, e receberia pelo serviço a quantia de quatro mil dólares. 3 . O benefício previsto no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06 exige que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Como a lei utilizou a conjunção "nem", deduz-se que há diferença substancial entre "se dedicar a atividades criminosas" e "integrar uma organização criminosa". Integrar não exige habitualidade e permanência, a reiteração de condutas criminosas ou o ânimo de reiterá-las, que está presente em outro requisito, que é o não se dedicar a atividades criminosas. 4 . Ainda que o embargante seja primário, de bons antecedentes e que não existam provas de que se dedique a atividades criminosas, se figurou, ainda que de forma eventual, na ponta de uma organização criminosa , a ela prestando serviços e colaborando para a distribuição mundial de entorpecentes ao exercer a função de "mula " de grande quantidade de drogas para o exterior mediante remuneração, integrou a organização criminosa, não preenchendo, pois, de forma cumulativa os requisitos exigidos para a aplicação desse benefício. 5 . Embargos infringentes a que se nega provimento.
TRF 3ª Região, 1ª Seção, EIFNU 0004043-82.2010.4.03.6119, Rel. Des.Fed. Ramza Tartuce, j. 05/09/2011, DJe 30/05/2012

No caso dos autos há elementos que permitem concluir que o réu integrava organização criminosa ou, caso assim não se entenda, que dedicava-se a atividades criminosas, inclusive apontados no voto vencedor: a expressiva quantidade da droga (11.235 gramas de cocaína, peso líquido, fls. 349 verso); a confissão do réu de que foi contratado para o transporte da droga em troca de pagamento de vinte e dois mil dólares; a obediência às ordens do traficante.

Portanto, por integrar organização criminosa ou, caso assim não se entenda, por dedicar-se à atividades criminosas, o réu não faz jus à causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4° da Lei n° 11.343/06.


Pelo exposto, nego provimento aos embargos infringentes.

É como voto.



MARCIO MESQUITA
Relator para o acórdão


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D.E.

Publicado em 15/01/2013
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0010634-60.2010.4.03.6119/SP
2010.61.19.010634-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
REL. ACÓRDÃO : Juiz Federal Convocado MARCIO MESQUITA
EMBARGANTE : MOHAMMED KAMIL ALI reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
EMBARGADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00106346020104036119 1 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA

PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO PARÁGRAFO 4º DO ARTIGO 33 DA LEI 11.343/2006: INAPLICABILIDADE. EMBARGOS IMPROVIDOS.
1. A divergência restringe-se à possibilidade de aplicação da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4º da Lei nº 11.343/2006.
2. Dispõe o artigo §4° do artigo 33 da Lei 11.343/2006 sobre a possibilidade de redução da pena no crime de tráfico de drogas, de um sexto a dois terços, "desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa". Tais requisitos são exigíveis cumulativamente, e portanto a ausência de qualquer deles implica na inexistência de direito ao benefício da diminuição da pena.
3. O dispositivo não deve ser interpretado de modo a possibilitar a sua aplicação às assim chamadas "mulas" do tráfico de drogas, porquanto tal interpretação favoreceria sobremaneira a operação das organizações criminosas voltadas para o tráfico internacional, o que certamente contraria a finalidade do citado diploma legal, que visa à repressão dessa atividade.
4. A atividade daquele que age como "mula", transportando a droga de sua origem ao destino, na verdade pressupõe a existência de uma organização criminosa, com diversos membros, cada qual com funções específicas. Quem transporta a droga em sua bagagem, ou em seu corpo, cumpre uma função dentro de um esquema maior, que pressupõe alguém para comprar, ou de alguma forma obter a droga na origem, e alguém para recebê-la no destino, e providenciar a sua comercialização.
5. Se aquele que atua como "mula" desconhece quem sejam os integrantes da organização criminosa - circunstância que não põe esta em risco de ser desmantelada - e foi aliciado de forma aleatória, fortuita e sem qualquer perspectiva de ingressar na "associação criminosa", muitas vezes em face da situação de miserabilidade econômica e social em que se encontra, outras em razão da ganância pelo lucro fácil, não há como se entender que faça parte do grupo criminoso, no sentido de organização. Mas o certo é que é contratado por uma organização criminosa para servir como portador da droga e, portanto, integra essa organização.
6. Não se exige o requisito da estabilidade na integração à associação criminosa; se existente tal estabilidade ou permanência nessa integração, estaria o agente cometendo outro crime, qual seja, o de associação para o tráfico, tipificado no artigo 35 da Lei nº 11.343/2006, em concurso material com o crime de tráfico, tipificado no artigo 33 do mesmo diploma legal.
7. Ainda que se entenda que o traficante que atue como "mula" não integra a organização criminosa, é certo que o benefício não alcança aqueles que se dedicam à atividades criminosas, ou seja, aqueles que se ocupam do tráfico, como meio de subsistência, ainda que de forma não habitual. Se o agente, sem condições econômicas próprias, despende vários dias de viagem, para obter a droga, e dirigir-se ao exterior, com promessa de pagamento pelo serviço de transporte, sem que comprove ter outro meio de subsistência, forçoso é concluir que faz do tráfico o seu meio de subsistência, não fazendo jus portanto à aplicação da causa de diminuição da pena.
8. Precedentes do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e da Primeira Seção do Tribunal Regional Federal da Terceira Região.
9. No caso dos autos há elementos que permitem concluir que o réu integrava organização criminosa ou, caso assim não se entenda, que dedicava-se a atividades criminosas, inclusive apontados no voto vencedor: a expressiva quantidade da droga (11.235 gramas de cocaína); a confissão do réu de que foi contratado para o transporte da droga em troca de pagamento de vinte e dois mil dólares; a obediência às ordens do traficante.
10. Embargos improvidos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, negar provimento aos embargos infringentes, nos termos do voto do Juiz Federal Convocado Márcio Mesquita (Revisor), com quem votaram os Desembargadores Federais Peixoto Junior, Nelton dos Santos, André Nekatschalow, Luiz Stefanini, Cotrim Guimarães e Vesna Kolmar. Vencidos o Desembargador Federal José Lunardelli (Relator) e os Juízes Federais Convocados Rubens Calixto e Paulo Domingues, e a Desembargadora Federal Cecília Mello, que lhes davam parcial provimento.



São Paulo, 29 de novembro de 2012.
MARCIO MESQUITA
Relator para o acórdão


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EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0010634-60.2010.4.03.6119/SP
2010.61.19.010634-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
EMBARGANTE : MOHAMMED KAMIL ALI reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
EMBARGADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00106346020104036119 1 Vr GUARULHOS/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Trata-se de embargos infringentes opostos por MOHAMMED KAMIL ALI contra o v. acórdão de fls. 347/351, proferido pela Egrégia 5ª Turma desta Corte Regional que, por maioria, "deu parcial provimento ao recurso para reduzir a pena base e reconhecer a atenuante da confissão, reduzindo a pena privativa de liberdade do acusado Mohammedd Kamil Ali para 6 (seis) anos, 5 (cinco) meses e 23 (vinte e três) dias de reclusão, regime inicial fechado, e pagamento de 647 (seiscentos e quarenta e sete) dias-multa. No mais, fica mantida a sentença, nos termos do voto do Relator, acompanhado pelo voto do DES. FED. LUIZ STEFANINI. Vencida a JUÍZA FED. CONV. LOUISE FILGUEIRAS que dava parcial provimento, em maior extensão, fixando a pena em 3 anos, 9 meses e 10 dias de reclusão, em regime inicial fechado, vedada a substituição da pena por não condizentes as circunstâncias judiciais, principalmente em se levando em consideração a quantidade da droga transportada."

A Juíza Fed. Convocada divergiu do e. Relator apenas no tocante à aplicação da causa de diminuição, prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, fazendo-a incidir no percentual de 5/12 (cinco doze avos) e fixando a pena definitiva em 3 (três) anos, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão.

O embargante, em suas razões (fls. 363/369), almeja a prevalência do voto vencido.

O Ministério Público Federal (fls. 373/375) postula o desprovimento dos embargos infringentes opostos.

É o relatório.

À revisão.



JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0010634-60.2010.4.03.6119/SP
2010.61.19.010634-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
EMBARGANTE : MOHAMMED KAMIL ALI reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
EMBARGADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00106346020104036119 1 Vr GUARULHOS/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Inicialmente, ressalto que, em sede de embargos infringentes, o reexame do Acórdão proferido em apelação está restrito à parte em que houver divergência entre os julgadores.

No caso, verifico que o dissenso é parcial, devolvendo, assim, a este órgão jurisdicional, a reapreciação da questão examinada pela Colenda Quinta Turma desta Corte apenas no que diz respeito à aplicação da causa de diminuição, prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06.

O voto vencedor afastou a aplicação da referida causa de diminuição, em razão da quantidade da droga apreendida, nos seguintes termos:


"Alguns precedentes do Supremo Tribunal Federal admitem que a natureza e a quantidade de entorpecente sirvam para graduar a causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06 (STF, HC n. 106.762, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 21.06.11; HC n. 104.195, Rel. Min. Luiz Fux, j. 26.04.11), reconhecendo ademais plena liberdade ou discricionariedade judicial (STF, HC n. 94.440, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 03.05.11; RHC n. 106.719, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 01.03.11). Não obstante, há precedentes também no sentido de que considerar essas circunstâncias do delito seria proibido bis in idem (STF, HC n. 108.264, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 21.06.11; HC n. 106.313, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 15.03.11). Assim, embora repute admissível apreciar tais circunstâncias com certa dose de discricionariedade (trata-se de disposição específica), convém que além delas sejam consideradas outras peculiaridades do caso concreto, à vista das provas dos autos, para resolver sobre a aplicabilidade e a gradação dessa causa de diminuição."
Considerando a quantidade relativamente significativa do entorpecente (11.235g de peso líquido de cocaína), concluo que o réu não faz jus à causa de diminuição da pena.

Já o voto vencido fez incidir a referida causa de diminuição, no percentual de 5/12 (cinco doze avos), assim fundamentando:


"Acompanho o voto do E. Relator em seus termos, salvo em relação à aplicação da causa de diminuição do parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06, que tenho por devida.
Entendo que a quantidade expressiva de drogas não elide a circunstância do transporte ocasional por si só, isoladamente, ainda que a quantidade expressiva represente indício de que integra a organização, por sugerir que o transportador goza de maior confiança do dono da droga. Em meu entender, são necessários outros elementos a formar um contexto seguro para essa afirmação, para se concluir pela prova de que o indivíduo de fato integra organização criminosa, o que não extraio dos autos.
Com efeito, no presente caso, observa-se que não há registro de viagens anteriores do acusado e tampouco outros indicativos do envolvimento do réu com organização criminosa.
Em relação à causa de diminuição, tenho me posicionado no seguinte sentido:
Ao tratar da causa de diminuição do parágrafo 4º do artigo 33, o legislador não se utilizou da mesma técnica, e estabeleceu, tão somente a possibilidade de graduação entre o mínimo de 1/6 e o máximo de 2/3 de diminuição, verbis:
"(...) § 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa".
Fixou requisitos cumulativos que se preenchidos, dão direito à diminuição, naqueles termos. No presente caso, não há qualquer prova de envolvimento do réu com organização criminosa. Não é dado presumir em desfavor do direito de liberdade, destarte, entendo deva ficar provado, ainda que por um conjunto indiciário, que o réu pertencia, integrava um grupo voltado para a prática de crimes, com um mínimo de estabilidade, para negar-se a diminuição. Portanto, o Juiz deve poder concluir da prova dos autos que houve ação prévia junto ao grupo, não sendo possível presumi-lo do fato isolado do transporte aqui julgado, ainda que isso viesse a trazer um benefício a suposto grupo organizado. Devida a diminuição, passo ao problema de sua graduação.
Segundo o critério trifásico de aplicação da pena, encampado pelo Código Penal Brasileiro em seu artigo 68, verbis:
"Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Parágrafo único - No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)".
A quantidade da droga, por sua vez, é critério aferível no momento de se avaliar as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, dizendo a lei textualmente que:
"Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente".
Refere-se, portanto, claramente às circunstâncias do artigo 59, indicando ao intérprete, quais as de maior dentre aquelas ali previstas, portanto, nos termos do artigo 68 do Código Penal - dentre aquelas aplicáveis na dosagem da pena base. O artigo 59 do Código Penal diz, por sua vez que:
"Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)".
Portanto, o legislador ao inserir o artigo 42 na lei 11.343/06, nada mais fez que ressaltar que a quantidade da droga deveria ser levada em consideração na graduação da pena base, ressaltar, por que a título de conseqüência do crime e de motivos - considerando que quanto mais droga, maior o lucro visado - tais circunstâncias já constavam do rol do artigo 59, e mesmo antes da lei poderiam, e deveriam ser avaliadas nesta fase. Preocupou-se, quiçá, em evitar o costume de fixação de pena mínima mesmo diante da maior reprovabilidade da conduta e nesse passo, vê-se que também a quantidade se relaciona com a culpabilidade, circunstância judicial, a ser avaliada na primeira fase da dosimetria, na forma do artigo 68 do Código Penal. Portanto, dosar a diminuição entre mínimo e máximo levando em consideração quaisquer das circunstâncias judiciais seria evidente bis in idem. Diminuir menos é agravar, tanto assim é que é preciso fundamentar, motivar explicar porque não se defere a diminuição máxima prevista na lei. Se o agente não tiver nada de negativo que possa ser considerado nessa fase, faria jus à máxima diminuição.
(...)
Note-se que os autores afirmam a impossibilidade de avaliação dupla de circunstância própria de fases distintas, tanto para agravar como para atenuar a pena, e logo de início, nos alertam de que o princípio da individualização da pena decorre do princípio da isonomia. Portanto, não é demasiado concluir que a preservação do critério trifásico e a vedação ao bis in idem pretende garantir que indivíduos em situação semelhante não venham a ser tratados diferentemente, ou que indivíduos em situação desigual sejam tratados da mesma forma, em função da apreciação subjetiva de circunstâncias por parte do judiciário. O subjetivismo decorrente disso é também evitado por meio do princípio da reserva legal. Sobre a vedação ao bis in idem na aplicação da pena, colaciono alguma jurisprudência:
(...)
O princípio do ne bis in idem decorre também, logicamente do princípio da reserva legal, pois realiza a sua aplicação nas diversas fases da dosimetria da pena, exigindo do julgador que puna mais, ou puna menos, pela circunstância fática prevista previamente em lei, de acordo com a sanção previamente estatuída para aquele fato, o que não ocorrerá se for aplicada a sanção duplamente, pelo mesmo fato. Sobre o princípio da reserva legal, vale uma incursão nas palavras sempre atuais de Aníbal Bruno:
"(...) Traçando o círculo fechado do ilícito penal, dentro do qual, em princípio, ninguém pode penetrar sem incorrer em pena e fora do qual ninguém pode sofrer a imposição penal, a lei punitiva não só promove a defesa pela proteção que confere, por meio dos rigores de sua sanção, às condições existenciais da sociedade, nos termos em que ela se acha constituída, mas assegura e delimita o campo de ação do Estado na repressão e prevenção direta da delinqüência, e com essa delimitação garante as liberdades individuais em geral e os direitos fundamentais que subsistem no próprio delinqüente O princípio nullum crimen, nulla poena sine lege O rigor dessa limitação e a força dessas garantias estão no princípio que faz da lei penal a fonte exclusiva de declaração dos crimes e das penas, o princípio da absoluta legalidade do direito punitivo, que exige a anterioridade de uma lei penal, para que determinado fato, por ela definido e sancionado, seja julgado e punido como crime. Esse princípio, tradicionalmente expresso na regra nullum crimen, nulla poena sine lege e geralmente consagrado nos dispositivos de abertura dos Códigos penais modernos, tem raízes na Magna carta, da Inglaterra (1215), e nas Petition os Rights, norte-americanas, mas foi formulado em termos precisos na Declaração dos Direitos do Homem, na Revolução Francesa: ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada (art. 8º) Na doutrina, encontram-se antecedentes em Montesquieu e Beccaria, mas quem forneceu os próprios termos da regra latina em que hoje é enunciado foi Feuerbach. No nosso Código está consagrado no artigo 7º " não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal" e Além disso, é um dispositivo da nossa Constituição, onde aliás, continua uma tradição constante em todas as cartas constitucionais. No decurso de sua evolução, a partir da Magna Carta, dos documentos norte americanos e da Revolução Francesa, o princípio da legalidade foi dissociando do seu contexto as várias funções de garantia que hoje apresenta: não há crime nem pena sem lei anterior, e então o princípio se opõe á retroatividade da norma penal incriminadora, trazendo a necessária precisão e segurança ao direito; não há crime nem pena sem lei escrita, o que importa negar ao direito costumeiro função criadora ou agravante de tipos ou sanções penais; não há crime nem pena sem lei estrita, com que se impõe uma limitação à aplicação da lei e se torna defeso, do domínio das normas incriminadoras, o emprego da analogia. Esse princípio, que é uma das características dos regimes democráticos nascidos das idéias liberais do século XVIII, do liberalismo e do individualismo das correntes filosóficas e políticas que então se desenvolveram, tem sido posto modernamente em discussão e vem sendo abolido mesmo em algumas legislações, ou como expressão de um regime de hipertrofia estatal, em que a defesa de um sistema político, de um partido, de uma classe social, exige uma ordem penal que se tem chamado autoritária, em condição de atuar sem a limitação daquele princípio liberal, ou como forma de transição entre um direito penal de normas incriminadoras tipificadas e em direito penal sem parte Especial e sem dosimetria das penas. São, em geral, sinais e exigências da crise social e política do nosso tempo. Note-se que já era assim na Roma do império com os seus juízes decidindo ad exemplum legis. Modernamente, a Rússia excluiu este princípio do seu sistema jurídico-penal, designando o crime pelo conceito elástico de ação socialmente perigosa (refere-se o autor ao Código Penal soviético, como explica em nota de rodapé). Do mesmo modo a Alemanha do Nacional -socialismo, correndo ao "são sentimento do povo" desembaraçou-se do princípio legalista. Outras vezes razões de doutrina ou de técnica, ou simplesmente de tradição legislativa têm influído para o abandono do princípio da legalidade. Um exemplo é o Código Penal da Dinamamrca. Não são modelos que mereçam ser seguidos. O caráter punitivo da sanção anticriminal, com a grave restrição de bens jurídicos fundamentais imposta ao criminoso, como ainda hoje se apresenta, o seu sentido retributivo-expiatório, eleva aquela máxima à posição de garantia imprescindível à liberdade do homem." (grifei) (Aníbal Bruno, Direito Penal, pg 206/207, 1978)".
(...)
O patamar, pelo exposto, não deve ser o máximo. Entendo que, para atender, dentro da medida do possível a mens legis, procurando situar o julgamento mais proximamente à vontade do legislador, sem incidir em bis in idem, nem em excesso permissivo, revejo entendimento e passo a fixar a diminuição, quando devida, sempre no patamar fixo correspondente a média do intervalo pela lei estabelecido, e, portanto, em 5/12 (fração média entre 1/6 e 2/3 fixada pelo legislador).
Sendo assim, concluo que aplicada a diminuição em 5/12 a pena fica definitivamente fixada em 3 (três) anos 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão.
Em conclusão, vedada a reformatio in pejus para aumento da pena base, deixo de aumentá-la. Aplico a atenuante da confissão e causa de aumento nos termos do voto E. Relator. Aplico a causa de diminuição em 5/12.
A pena, por esses fundamentos, fica fixada em 3 anos, 9 meses e 10 dias de reclusão, em regime inicial fechado, vedada a substituição da pena, por não condizentes as circunstâncias judiciais, principalmente em se levando em consideração a quantidade da droga transportada."

O artigo 33 § 4º da Lei 11.343/06 prevê a redução de 1/6 a 2/3 para o agente que seja primário, possua bons antecedentes e não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa.


O dispositivo foi criado a fim de facultar ao julgador ajustar a aplicação e a individualização da pena às múltiplas condutas envolvidas no tráfico de drogas, notadamente o internacional, porquanto não seria razoável tratar o traficante primário, ou mesmo as "mulas", com a mesma carga punitiva a ser aplicada aos principais responsáveis pela organização criminosa que atuam na prática deste ilícito penal.


Dos elementos coligidos nos autos, constata-se que a conduta do embargante se enquadra no que se convencionou denominar no jargão do tráfico internacional de droga de "mula", isto é, pessoa que funciona como agente ocasional no transporte de drogas, pois não se subordina de modo permanente às organizações criminosas nem integra seus quadros. Trata-se, em regra, de mão-de-obra avulsa, esporádica, de pessoas que são cooptadas para empreitada criminosa sem ter qualquer poder decisório sobre o modo e o próprio roteiro do transporte, cabendo apenas obediência às ordens recebidas. Pouco ou nada sabem a respeito da organização criminosa.


Sobre o papel das "mulas" no narcotráfico e sua hipotética integração em organizações criminosas, bem apreciou essa questão o TRF- 5ª Região, asseverando que:


"A etimologia do léxico "integrar" remete a íntegro, inteiro, conjunto. Muitas são as acepções da palavra, mas na frase objeto do nosso estudo, pertine àquela de incluir-se como elemento do conjunto, como membro da quadrilha.
O apelante - ficou claro - foi utilizado como "mula".
No âmbito do tráfico, o termo "mula" não foi adotado à toa. Nomeou-se assim o indivíduo que se faz de correio de drogas, especialmente em viagens internacionais. Para tanto é remunerado e apenas segue ordens. São tão menosprezados pelos escalões superiores das organizações criminosas do tráfico que não raro os próprios traficantes que contratam as "mulas" as denunciam aos órgãos de segurança e imigração, com intuito de, para efetuarem a prisão, os policiais não poderem revistar outros indivíduos, também "mulas", estes transportando maiores quantidades de entorpecentes.
São pessoas aliciadas, que participam do fato delituoso em condição vexatória e com grande risco para a vida, quando conduzem a droga dentro de suas próprias vísceras.
Reconheço que o só fato de ser o responsável pelo transporte da droga não importa, necessariamente, não integrar a organização criminosa. Todavia, alguém que exerce esse papel pela primeira vez, como é o caso, segundo a própria sentença, não deve ser considerado membro da organização criminosa, que na verdade "terceirizou" a arriscada atividade." (TRF - 5ª R. - APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2007.81.00.007277-3 - rel. JOSÉ MARIA LUCENA - j. 13.11.2008 - DJU 02.12.2008).

Em suma, do fato puro e simples de determinada pessoa servir como "mula" para o transporte de droga não é possível, por si só, inferir a inaplicabilidade da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei 11.342/2006, por supostamente integrar organização criminosa.


No caso em análise, Mohammed Kalil Ali é primário e não ostenta maus antecedentes. Não há prova nos autos de que o embargante se dedica a atividades criminosas, nem elementos para concluir que integra organização criminosa, apesar de encarregado do transporte da droga. Por outro lado, caberia à acusação fazer tal prova, ônus do qual não se desincumbiu. Certamente, estava transportando a droga para bando criminoso internacional, o que não significa, porém, que fosse integrante dele.


Pois bem, considerando as circunstâncias subjetivas e objetivas do caso, em que o embargante pretendia embarcar para Johanesburgo/África do Sul, levando a cocaína oculta em sua bagagem, porque pretendia dar melhores condições à família, entendo que a pena deve ser diminuída em 1/6 (um sexto), motivo pelo qual resta a pena fixada em 5 (cinco) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, no regime inicial fechado, e 540 (quinhentos e quarenta) dias-multa.


Com tais considerações, DOU PARCIAL PROVIMENTO aos presentes embargos infringentes, para que prevaleça o voto vencido da Juíza Fed. Convocada Louise Filgueiras, que deu parcial provimento ao recurso da defesa, em maior extensão, para aplicar a causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, entretanto, no percentual mínimo legal (1/6), fixando a pena definitiva em 5 (cinco) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, no regime inicial fechado, e pagamento de 540 (quinhentos e quarenta) dias-multa, vedada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito.


É o voto.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): JOSE MARCOS LUNARDELLI:10064
Nº de Série do Certificado: 1012080581EB67A9
Data e Hora: 05/12/2012 14:39:24