Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 04/04/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010555-81.2010.4.03.6119/SP
2010.61.19.010555-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : THIAGO RIBEIRO LOCKS
ADVOGADO : RODNEY CARVALHO DE OLIVEIRA e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00105558120104036119 5 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. PENA-BASE. AGRAVANTE DO ART. 62, IV, DO CÓGIDO PENAL. CONFISSÃO. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/06. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTITIVAS DE DIREITOS. ADEQUAÇÃO DAS PENAS. DISTÚRBIO PSICOLÓGICO.
1. Autoria e materialidade comprovadas.
2. Nos termos do art. 42 da Lei n. 11.343/06, a natureza (cocaína) e a quantidade da droga apreendida (1.315g), são circunstâncias preponderantes na graduação da pena-base.
3. Pena-base que deve ser aplicada em seis anos de reclusão, tendo em vista a significativa quantidade e a natureza da droga apreendida com o réu..
4. Quanto à agravante do art. 62, IV, do Código Penal, não é o caso de sua aplicabilidade, tendo em vista que a paga ou promessa de recompensa constitui elemento inerente ao transporte de drogas no delito de tráfico de entorpecentes.
5. Incide a atenuante do art. 65, III, d, do Código Penal, tendo em vista que a condenação foi fundamentada na confissão do réu (fl. 319). Pelo que se infere dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça, a atenuante da confissão (CP, art. 65, III, d) incide sempre que fundamentar a condenação do acusado, pouco relevando se extrajudicial ou parcial, mitigando-se ademais a sua espontaneidade (STJ, HC n. 154544, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 23.03.10; HC n. 151745, Rel. Min. Felix Fischer, j. 16.03.10; HC n. 126108, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 30.06.10; HC n. 146825, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 17.06.10; HC n. 154617, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 29.04.10; HC n. 164758, Rel. Min. Og Fernandes, j. 19.08.10).
6. Mantenho a incidência da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06. O acusado não possui maus antecedentes, é primário e não se dedica a atividades criminosas. Suas declarações revelam que a empreitada criminosa constituiu um fato isolado em sua vida, não sendo produzidas provas de que participa de organização criminosa voltada ao tráfico de drogas. Concluo que, aplicada a diminuição em 1/6 (um sexto), a pena fica definitivamente fixada em cinco anos, quatro meses e cinco dias de reclusão. Aplicada com a devida proporcionalidade, a pena de multa resta fixada em 533 (quinhentos e trinta e três) dias-multa.
7. Denego a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, com fundamento nos arts. 33, § 3º, e 59, ambos do Código Penal.
8. Não há que se cogitar em adequação das penas em razão de distúrbio psicológico apresentado pelo réu. Restou comprovado nos autos que, ao tempo dos fatos, o réu tinha completo entendimento do caráter ilícito da conduta praticada e agiu espontaneamente, determinando-se de acordo com ele.
9. Recursos parcialmente providos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, pelo voto médio do Des. Fed. Luiz Stefanini dar parcial provimento à apelação ministerial, para afastar a conversão da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos e reduzir para 1/6 (um sexto) o patamar de aplicação do § 4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006, bem como dar parcial provimento à apelação defensiva a fim de manter a pena-base aplicada em primeiro grau e reconhecer a atenuante da confissão espontânea, aplicando, com isso, as reprimendas finais de cinco anos, quatro meses e cinco dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e a pagar 533 (quinhentos e trinta e três) dias-multa, sendo que a relatora dava parcial provimento ao recurso de apelação do MPF para exasperar a pena-base do réu para 6 anos e 8 meses de reclusão e 666 dias-multa e denegar a conversão da pena privativa por restritiva de direitos e, dava parcial provimento à apelação de Thiago Ribeiro Locks para aplicar a atenuante da confissão, cominando-lhe a pena de 3 anos, 9 meses e 10 dias de reclusão e 377 dias-multa e o Des. Fed. Antonio Cedenho dava parcial provimento à apelação ministerial, para afastar a conversão de pena privativa de liberdade em restritiva de direitos e para afastar a causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, bem como dava parcial provimento à apelação da defesa para manter a pena-base aplicada em primeiro grau e reconhecer a atenuante da confissão espontânea, fixando, assim, a pena final em 6 (seis) anos e 5 (cinco) meses de reclusão e 641 (seiscentos e quarenta e um) dias-multa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 18 de março de 2013.
LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LUIZ DE LIMA STEFANINI:10055
Nº de Série do Certificado: 47D97696E22F60E3
Data e Hora: 25/03/2013 18:45:16



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010555-81.2010.4.03.6119/SP
2010.61.19.010555-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : THIAGO RIBEIRO LOCKS
ADVOGADO : RODNEY CARVALHO DE OLIVEIRA e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00105558120104036119 5 Vr GUARULHOS/SP

VOTO-VISTA

Para melhor análise dos fatos, pedi vista destes autos.

Segundo consta, Thiago Ribeiro Locks foi denunciado pela prática do delito do art. 33, caput, c. c. o art. 40, I, ambos da Lei n. 11.343/06, tendo em vista que, em 10.11.10, foi surpreendido pelo Agente da Polícia Federal Jorge Alberto do Nascimento, que trabalhava em fiscalização de rotina no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP), quando pretendia embarcar em voo da companhia aérea TAP, trazendo consigo, para fins de comércio ou entrega, de qualquer forma, a consumo de terceiros no exterior, 1.315 g (um mil, trezentos e quinze gramas) de cocaína.

Relativamente à materialidade delitiva, à autoria e ao dolo do apelante, acompanho integralmente o voto da eminente Relatora, Exma Juíza Federal Convocada Louise Filgueiras.

Quanto à dosimetria da pena, porém, divirjo de sua Excelência, nos termos a seguir declinados.

Na primeira fase, considerando as circunstâncias judiciais previstas nos artigos 59 do Código Penal e 42 da Lei Antitóxicos, particularmente, a natureza e a quantidade de substância entorpecente apreendida na posse do réu -1.315 g (um mil, trezentos e quinze gramas) de cocaína -, a pena-base foi fixada em primeiro grau em seis anos de reclusão.

Entendo que referido "quantum" foi correta e proporcionalmente aplicado, pois a quantidade e a natureza da droga (cocaína), apta a causar consequências gravíssimas a relevante número de pessoas e famílias, são circunstâncias que legitimam a fixação da pena-base naquele patamar, a meu ver suficiente.

Assim, mantenho a r. sentença nesse aspecto, divergindo da eminente Relatora, que majorou a pena-base para seis anos e oito meses.

Na segunda fase, acompanho sua Excelência quanto ao afastamento da agravante do inciso IV do artigo 62 do CP (mediante paga ou promessa de recompensa) pelos mesmos fundamentos de seu voto.

Acompanho-a, ademais, quanto a incidência da atenuante da confissão espontânea, razão por que reduzo aquela pena para cinco anos e seis meses de reclusão.

Reconhecida a internacionalidade, majoro aquela pena em 1/6 (um sexto), resultando em seis anos e cinco meses de reclusão.

Relativamente à causa de diminuição prevista no § 4º do artigo 33, da Lei nº 11.343/2006, a acusação não trouxe aos autos quaisquer provas, nem mesmo indiciárias, que pudessem revelar que o réu estivesse envolvido com organização criminosa ou que vinha se dedicando a atividades criminosas, não sendo lícito ao julgador fazer essa espécie de presunção, sob pena de odiosa responsabilização objetiva.

Ademais, em análise do passaporte do apelante, entranhado aos autos às fls. 128, verifico inexistirem quaisquer outras anotações e carimbos atestando viagens internacionais anteriores, circunstância que, a meu ver, exclui a possibilidade de ele tratar-se de "mula" profissional do tráfico internacional de drogas.

Dessa forma, entendo que deve ser mantida a incidência daquela causa de diminuição, porém, aplico-a no mínimo legal de 1/6 (um sexto), tendo em vista a natureza e a significativa quantidade de droga apreendida com o réu, bem como pelo fato de que ele, ainda que agindo como simples "mula", tinha plena consciência de que estava contribuindo com organização criminosa voltada ao tráfico de drogas em âmbito internacional.

Outrossim, a reprimenda privativa de liberdade resta definitivamente aplicada em cinco anos, quatro meses e cinco dias de reclusão.

À míngua de recurso da acusação, também mantenho o regime inicial semiaberto, tal como destacado pela eminente Relatora.

Quanto à pena de multa, aplicando-a com a devida proporcionalidade à reprimenda privativa de liberdade, resta definitivamente fixada em 533 (quinhentos e trinta e três) dias-multa.

Por fim, acompanho sua Excelência quanto à impossibilidade de ser substituída a pena corporal por restritivas de direitos, porquanto ausentes estão os pressupostos objetivos à concessão, já que fixada reprimenda privativa de liberdade superior a quatro anos de reclusão.

Ainda que assim não fosse, ausentes também estão os pressupostos subjetivos previstos no artigo 44 do Código Penal, porquanto a significativa quantidade e a natureza da droga teriam o condão de causar consequências gravíssimas a número relevante de pessoas, não sendo, assim, tal conduta compatível com os escopos da substituição.

No mais, acompanho na íntegra os demais fundamentos esposados pela eminente Relatora.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou parcial provimento à apelação ministerial, para afastar a conversão da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos e reduzir para 1/6 (um sexto) o patamar de aplicação do § 4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006, bem como dou parcial provimento à apelação defensiva a fim de manter a pena-base aplicada em primeiro grau e reconhecer a atenuante da confissão espontânea, aplicando, com isso, as reprimendas finais de cinco anos, quatro meses e cinco dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e a pagar 533 (quinhentos e trinta e três) dias-multa.

É como voto.


LUIZ STEFANINI


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LUIZ DE LIMA STEFANINI:10055
Nº de Série do Certificado: 47D97696E22F60E3
Data e Hora: 01/03/2013 15:48:23



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010555-81.2010.4.03.6119/SP
2010.61.19.010555-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : THIAGO RIBEIRO LOCKS
ADVOGADO : RODNEY CARVALHO DE OLIVEIRA e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00105558120104036119 5 Vr GUARULHOS/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e por Thiago Ribeiro Locks, contra a sentença que o condenou a pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 350 (trezentos e cinquenta) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data do fato, pela prática do delito do art. 33, caput, c. c. o art. 40, I, ambos da Lei n. 11.343/06, sendo que a pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no montante de 10 (dez) salários mínimos (fls. 317/326).

Apela o Ministério Público Federal com os seguintes argumentos:

a) a pena-base deve ser aumentada;
b) deve ser aplicada a agravante do art. 62, IV, do Código Penal;
c) deve ser afastada a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06;
d) deve ser cassada a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos (fls. 345/354).

Foram oferecidas contrarrazões (fls. 367/375).

Apela o réu com os seguintes argumentos:

a) deve ser aplicada a atenuante da confissão;
b) é devida a aplicação da causa de diminuição de pena do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06, no máximo legal (2/3);
c) espera a readequação da pena, em razão de alegado distúrbio psiquiátrico (fls. 391/402).

Foram oferecidas contrarrazões (fls. 404/419).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Orlando Martello, manifestou-se pelo desprovimento da apelação do réu e pelo parcial provimento da apelação da acusação, para que se afaste a aplicação da causa de diminuição de pena do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06 (fls. 422/437).

À revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.




Louise Filgueiras
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LOUISE VILELA LEITE FILGUEIRAS BORER:10201
Nº de Série do Certificado: 3EA721263F9A6AA4
Data e Hora: 08/01/2013 12:30:02



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010555-81.2010.4.03.6119/SP
2010.61.19.010555-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : THIAGO RIBEIRO LOCKS
ADVOGADO : RODNEY CARVALHO DE OLIVEIRA e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00105558120104036119 5 Vr GUARULHOS/SP

VOTO

Imputação. Thiago Ribeiro Locks foi denunciado pela prática do delito do art. 33, caput, c. c. o art. 40, I, ambos da Lei n. 11.343/06, tendo em vista que, em 10.11.10, foi surpreendido pelo Agente da Polícia Federal Jorge Alberto do Nascimento, que trabalhava em fiscalização de rotina no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP), quando pretendia embarcar em voo da companhia aérea TAP, trazendo consigo, para fins de comércio ou entrega, de qualquer forma, a consumo de terceiros no exterior, 1.315 g (um mil, trezentos e quinze gramas) de cocaína.

Materialidade. A materialidade do delito está comprovada por intermédio dos seguintes documentos:

a) autos de apresentação e apreensão (fls. 8/9):
b) laudo preliminar de constatação (fl. 7);
c) laudo de exame de substância, com resultado positivo para 1.315g (um mil, trezentos e quinze gramas) de cocaína (fls. 112/115).

Autoria. A autoria delitiva encontra-se satisfatoriamente comprovada.

Na fase policial, o réu permaneceu em silêncio (fl. 5).

Interrogado em Juízo, o réu admitiu a prática delitiva, dizendo que recebeu proposta de transporte internacional de droga de homem que conheceu em Florianópolis, de alcunha "Cado", mediante o pagamento de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais). Afirmou que, aceita a proposta, "Cado" forneceu a droga na data da viagem. Narrou que foi o traficante quem comprou as passagens na CVC, encaminhadas para o e-mail do interrogando. Disse que sabia que iria passar 3 (três) dias em Portugal, onde aguardaria contato. Afirmou que já havia sido preso em Florianópolis por uso de drogas, tendo sido determinada uma pena alternativa. Informou ao Juízo que fazia tratamento psiquiátrico. Narrou que foi abordado por 2 (dois) policiais no local do embarque, tendo sido levado para o local onde se encontrava sua mala, ainda lacrada, sendo que foi ele quem avisou os policiais que havia fundo falso na bagagem, onde estava acondicionada a droga. Indagado sobre viagem anterior para Madri, com retorno por Paris, no ano de 2.010, respondeu que não estava conseguindo conciliar suas relações familiares e sociais, e resolveu ir para Europa para tentar trabalhar e se tornar independente dos pais, com o uso do dinheiro que havia guardado para terminar a faculdade. Aludiu que se hospedou em albergue e pensão, por 20 (vinte) e poucos dias, e que não levou, nem trouxe droga naquela viagem. Disse que fala inglês e espanhol, idiomas que aprendeu na escola. Afirmou que vinha usando drogas caras, que não tinha mais amigos, que se interessava apenas por festas e drogas, encontrando-se com as relações familiares abaladas, pouco antes de ser preso. Afirmou que tinha uma psiquiatra de nome Estelita e que estava indo bem na faculdade, mas que, por revolta, não fez sua rematrícula. Afirmou que está preso há quase um ano, arrependido do que fez e "atrasando sua vida", mas que quer terminar seu curso (fl. 316 e mídia à fl. 328).

A testemunha Jorge Alberto do Nascimento, Policial Federal, reconheceu o réu em audiência e disse que estava de plantão no Aeroporto Internacional de Guarulhos, tendo sido acionado para verificar uma bagagem, localizando, em seu interior, substancia branca em pó. Disse que o réu estava embarcando pela companhia TAP para a Europa, levando consigo um pacote, no fundo falso de sua bagagem, constatando-se, posteriormente, que se tratava de cocaína (fl. 222 e mídia à fl. 224).

A testemunha Eliane Ribeiro de França reconheceu o acusado presente na audiência. Narrou que trabalha no setor de raio-X de bagagem de mão, no Aeroporto Internacional de Cumbica, e acompanhou o encontro da droga no interior da bagagem do réu, identificada como cocaína. Disse que o réu estava bastante nervoso e que foi tratado com dignidade pela polícia. Afirmou que o réu disse, por ocasião da prisão: "eu acabei com a minha vida". Perguntado pela defesa quanto ao que seria "bagagem de mão", respondeu ser aquela que o passageiro leva consigo, em mãos, adicionando que a bagagem na qual foi encontrada a droga, foi trazida pelo Policial Federal, identificada como sendo do réu pela tarjeta de identificação (fl. 223 e mídia à fl. 224).

A testemunha Estelita Helena Chames, médica psiquiatra, aludiu que foi procurada em fevereiro de 2010, quando começou a tratar o réu, cuja família a procurou com queixa de que sofria de distúrbio de atenção, com dificuldades de levar adiante os estudos. Afirmou que o tratou por quase 1 (um) ano e que ele tinha muitas características de distúrbio de atenção e que, ao longo do tratamento, percebeu que ele tinha também hiperatividade. Acrescentou que ele aderiu muito bem ao tratamento, inicialmente sem a administração de medicamentos, e, posteriormente, com uso de medicação, trazendo resgates, inclusive de querer resgatar um namoro, cujo término lhe causou muita dor. Disse que, em meados de julho, o réu estava terminando o semestre da faculdade e passava por problemas financeiros, não retornando às sessões de tratamento. Afirmou que o réu tem distúrbio que não está ligado ao caráter da pessoa, mas à uma patologia, com resposta muito positiva, quando tratada, por exemplo, com ritalina, muito mais no réu, que a testemunha crê que tenha uma inteligência acima da média, sendo uma pessoa que faz vínculo e tem uma escuta muito grande. A testemunha afirmou que prescreveu inicialmente ômega 3 para o réu e depois prescreveu cloridrato de bupropriona (antidepressivo geralmente usado até para quem quer parar de fumar). A testemunha disse que ele deveria estar usando a medicação e que não terá melhora agora encarcerado. Afirmou também que a patologia do paciente faz com que ele não tenha a clareza do todo, ficando com a análise do todo prejudicada, ficando mais paralisado quando está ansioso. Aludiu que ele estava com dificuldades financeiras e seus pais disseram que não iriam pagar a faculdade, sendo que o réu ficou muito triste, muito abatido e angustiado, não tendo visto mais o paciente, contudo, salientando que o réu precisa de tratamento. A testemunha afirmou que ele tem 2 (dois) diagnósticos de patologia que atrapalham a percepção da realidade e que tem necessidade de tratamento e que ele pode ser tomado como preguiçoso, contudo dormir mais, ser preguiçoso é sintoma do distúrbio que ele tem (fl. 282 e mídia à fl. 260).

A testemunha Alexandre Pereira Rodrigues afirmou que o réu é seu amigo há 3 (três) ou 4 (quatro) anos, e que notou que ele começou a apresentar comportamento diferente, distante, nos últimos tempos. Aludiu que ele cursava 2 (duas) faculdades e que retomou publicidade e propaganda, curso que ele gostava, apesar de ser particular (sendo o outro de instituição pública). Referiu que o réu estava sem condições financeiras para pagamento dos estudos. Afirmou que sabia que o réu recebia ameaças e que temia por sua morte, mas não soube declinar o conteúdo das ameaças, ou a autoria delas. A testemunha afirmou que ele era viciado em drogas e que as ameaças referiam-se ao tráfico de drogas. Afirmou que teve notícias de pessoas procurando pelo réu, após sua prisão. Narrou que, nos últimos tempos, o réu não tinha mais celular, restringindo mais o contato entre eles (fl. 304 e mídia à fl. 306).

A prova da autoria delitiva é incontroversa, tendo o réu admitido como verdadeira a prática delitiva, narrando detalhadamente como se dera.

De rigor, portanto, a manutenção da sentença condenatória.

Dosimetria. A sentença recorrida fixou a pena-base do réu acima do mínimo legal, em 6 (seis) anos de reclusão e 600 (seiscentos) dias-multa, tendo em vista a quantidade de droga transportada.

Não aplicou a atenuante genérica da confissão, em virtude de o réu ter sido preso em flagrante.

Sem outras atenuantes ou agravantes.

Majorou as penas em 1/6 (um sexto) para 7 (sete) anos de reclusão e 700 (setecentos) dias-multa, em razão da transnacionalidade.

Aplicou a causa de diminuição do § 4°, do art. 33, da Lei n. 11.343/2006, reduzindo as penas em 1/2 (metade) para 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 350 (trezentos e cinquenta) dias-multa.

Determinou o cumprimento da pena no regime inicial semiaberto.

Substituiu a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, e em prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos, conforme definido pelo Juízo das Execuções.

Apela o Ministério Público Federal, objetivando o aumento da pena-base, a aplicação da agravante do art. 62, IV, do Código Penal, o afastamento da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 e a denegação da substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos (fls. 345/354).

Apela o réu requerendo a aplicação da atenuante da confissão, a aplicação da causa de diminuição de pena do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06, no máximo legal (2/3) e a readequação da pena, em razão de alegado distúrbio psiquiátrico (fls. 391/402).

Os recursos merecem parcial provimento.

Nos termos do art. 42 da Lei n. 11.343/06, a natureza (cocaína) e a quantidade da droga apreendida na posse do acusado (1.315g), são circunstâncias preponderantes na graduação da pena-base. Embora não apresente antecedentes criminais (fls. 81, 90, 101, 109 e 165), apenas antecedentes policiais (fls. 83/85), é preciso aquilatar o maior desvalor desta conduta em função da quantidade e qualidade do entorpecente, nesta fase, pois diz com as consequências potenciais do crime, com os motivos, pois demonstra maior ganância do agente que visa ao lucro com sua conduta, circunstâncias essas próprias da graduação da pena-base, nos termos do art. 59 do Código Penal e do citado art. 42 da Lei n. 11.343/06.

Em função do princípio da isonomia, estabeleci critério de graduação de aumento pela quantidade e qualidade da droga, procurando assim, aplicar a mesma elevação a situações semelhantes e permitir com segurança discriminar as situações diferentes na medida de suas desigualdades.

A partir de 500g (quinhentos gramas), quantidade já significativa para o tráfico de qualquer droga, aumento a pena em 1/12 (um doze avos) até 1 (um) quilo transportado, e a partir daí aumento mais 1/12 (um doze) a cada excedente de um quilo.

A qualidade da droga é de ser levada em consideração, a cocaína é altamente lesiva ao cérebro, pode causar morte e induz facilmente à dependência. Aplico o percentual de 1/4 (um quarto) por se tratar de tráfico de cocaína.

No caso, o transporte de 1.315g (mil trezentos e quinze gramas) de cocaína enseja maior aumento da pena-base, de acordo com esse entendimento.

De acordo com esse critério, elevo a pena-base em 1/4 (um quarto) + 1/12 (um doze avos) ou 1/3 (um terço), o que resulta em 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 666 (seiscentos e sessenta e seis) dias-multa.

Sem circunstâncias agravantes.

Quanto à agravante do art. 62, IV, do Código Penal, não é o caso de sua aplicabilidade, tendo em vista que a paga ou promessa de recompensa constitui elemento inerente ao transporte de drogas no delito de tráfico de entorpecentes:


HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. (...). EXCLUSÃO DA AGRAVANTE PREVISTA NO ARTIGO 62, IV,DO CÓDIGO PENAL (CRIME PRATICADO MEDIANTE RECOMPENSA ). ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA, PARA EXCLUIR A AGRAVANTE. (...) 2. O Tribunal "a quo" proveu recurso ministerial para reconhecer presente a agravante prevista no ar. 62, IV, do Código Penal. Todavia, embora o delito de tráfico ilícito de entorpecente se configure mesmo com o transporte gratuito da droga, isso não significa que a recompensa em dinheiro deva agravar a pena, porque, em princípio, a referência a comércio ou mercancia nos remete à ideia de lucro. 3. Concessão em parte da ordem, tão-só para excluir a agravante de paga ou recompensa .
(STJ, HC n. 168992, Rel. Min. Celso Limongi, j. 30.06.10)
PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE MACONHA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA. USO DE DOCUMENTO FALSO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO(...) 5. Não se aplica ao crime de tráfico ilícito de drogas a agravante prevista no inciso IV do artigo 62 do Código Penal (crime praticado mediante paga ou promessa de recompensa ). Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. (...) 9. Recursos parcialmente providos.
(TRF da 3ª Região, ACr n. 2009.60.00.009242-5, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, j. 17.05.11)

Incide a atenuante do art. 65, III, d, do Código Penal, tendo em vista que a condenação foi fundamentada na confissão do réu (fl. 319). Pelo que se infere dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça, a atenuante da confissão (CP, art. 65, III, d) incide sempre que fundamentar a condenação do acusado, pouco relevando se extrajudicial ou parcial, mitigando-se ademais a sua espontaneidade (STJ, HC n. 154544, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 23.03.10; HC n. 151745, Rel. Min. Felix Fischer, j. 16.03.10; HC n. 126108, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 30.06.10; HC n. 146825, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 17.06.10; HC n. 154617, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 29.04.10; HC n. 164758, Rel. Min. Og Fernandes, j. 19.08.10).

Assim, reduzo as penas em 1/6 (um sexto), o que perfaz 5 (cinco) anos, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 555 (quinhentos e cinquenta e cinco) dias-multa.

Correta a incidência da causa de aumento de pena do art. 40, I, da Lei n. 11.343/06. É inconteste que o acusado recebeu a droga no Brasil para transporte para a Europa, para ampla disseminação no exterior. Mantenho a elevação das penas em 1/6 (um sexto), na forma da sentença, resultando as penas de 6 (seis) anos, 5 (cinco) meses e 23 (vinte e três) dias de reclusão e 647 (seiscentos e quarenta e sete) dias-multa.

Sem outras causas de aumento de pena.

Mantenho a incidência da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06. O acusado não possui maus antecedentes, é primário, não sendo produzidas provas de que se dedique a atividades criminosas ou participe de organização criminosa voltada ao tráfico de drogas.

Ao tratar da causa de diminuição do § 4º do art. 33, o legislador não se utilizou da mesma técnica e estabeleceu tão somente a possibilidade de graduação entre o mínimo de 1/6 (um sexto) e o máximo de 2/3 (dois terços) de diminuição, verbis:


(...)
§ 4o  Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Fixou requisitos cumulativos que, se preenchidos, dão direito à diminuição, naqueles termos.

No presente caso, não há qualquer prova de envolvimento do acusado com organização criminosa. Não é dado presumir-se em desfavor do direito de liberdade, destarte, entendo deva ficar provado, ainda que por um conjunto indiciário, que a ré pertencia, integrava um grupo voltado para a prática de crimes, com um mínimo de estabilidade, para negar-se a diminuição, o que implica dizer que o julgador deve poder concluir da prova dos autos que houve ação prévia junto ao grupo, não sendo possível presumi-lo do fato isolado do transporte aqui julgado, ainda que isso viesse a trazer um benefício a suposto grupo organizado.

Devida a diminuição, passo ao problema de sua graduação.

Segundo o critério trifásico de aplicação da pena, encampado pelo Código Penal Brasileiro em seu art. 68, verbis:


Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único - No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

A quantidade da droga, por sua vez, é critério aferível no momento de se avaliar as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, dizendo a lei textualmente que:


Art. 42.  O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.

Refere-se, portanto, claramente às circunstâncias do art. 59, indicando ao intérprete, quais as de maior dentre aquelas ali previstas, portanto, nos termos do art. 68 do Código Penal - dentre aquelas aplicáveis na dosagem da pena base.

O art. 59 do Código Penal diz, por sua vez que:


Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Portanto, o legislador ao inserir o art. 42 na Lei n. 11.343/06, nada mais fez que ressaltar que a quantidade da droga deveria ser levada em consideração na graduação da pena base, ressaltar, por que a título de conseqüência do crime e de motivos - considerando que quanto mais droga, maior o lucro visado - tais circunstâncias já constavam do rol do art. 59, e mesmo antes da lei poderiam, e deveriam ser avaliadas nesta fase.

Preocupou-se, quiçá, em evitar o costume de fixação de pena mínima mesmo diante da maior reprovabilidade da conduta e nesse passo, vê-se que também a quantidade se relaciona com a culpabilidade, circunstância judicial, a ser avaliada na primeira fase da dosimetria, na forma do art. 68 do Código Penal.

Portanto, dosar a diminuição entre mínimo e máximo levando em consideração quaisquer das circunstâncias judiciais seria evidente bis in idem. Diminuir menos é agravar, tanto assim é que é preciso fundamentar, motivar explicar porque não se defere a diminuição máxima prevista na lei. Se o agente não tiver nada de negativo que possa ser considerado nessa fase, faria jus à máxima diminuição.

Vale aqui me socorrer dos ensinamentos dos renomados professores Ada Pelegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio de Magalhães Gomes Filho em sua notória obra "As Nulidades do Processo Penal", Malheiros 2ª ed., pg 163/164:


A individualização da pena opera em dois planos: o legal e o judicial. Representa, em qualquer deles, a aceitaçao do princípioda isonomia, na justiça distributiva, segundo o qual devem os homens ser tratados desigualmente na justa medida de suas desigualdades, ou seja, segundo uma igualdade proporcional.
Cabe ao legislador, no plano abstrato, estabelecer margens mínimas e máximas de penas aos diversos crimes e permitir agravamentos ou atenuações quando acompanhados, na as concretização de determinadas circunstâncias, ao juiz incumbe, no caso concreto, buscar a reprimenda adequada, dentro dos limites previamente estabelecidos para cada crime e em face das agravantes e atenuantes genéricas ou especiais existentes.
A Constituição dirige-se ao legisladora ao juiz. Ao legislador diz que deverá realizar a individualização da pena (art. 5º. XLVI) e ao juiz impõe a necessidade de motivar todas as suas decisões, incluídas aí as decisões sobre a pena (art. 95, IX)
(...)
O Código Penal, na reforma de 1984, adotou o critério trifásico de Nélson Hungria (art. 68 do Código Penal) Em Relação à aplicação da pena privativa de liberdade.
O STF vem anulando sentenças que não seguiram o critério trifásico da lei (RTJ 117/589, 118/483, RT 606/420, 606/396, Lex Jur STF 91/360. mesma orientação encontra-se também no Tribunal de justiça de são Paulo RJTJSP, Lex v. 109/402, 117/455, 118/526.
Na primeira fase, será fixada a pena base, com fundamento nas circunstâncias do artigo 59, caput.
Serão consideradas na segunda etapa, as circunstâncias atenuantes e agravantes dos arts 61 a 67 do Código Penal.
(...)
Sob pena de nulidade, não pode uma circunstância, que serviu como qualificadora ou possibilitou a desclassificação para um tipo privilegiado ser usada também para agravar ou atenuar a pena. Seria ela utilizada duas vezes.

Note-se que os autores afirmam a impossibilidade de avaliação dupla de circunstância própria de fases distintas, tanto para agravar como para atenuar a pena, e logo de início, nos alertam de que o princípio da individualização da pena decorre do princípio da isonomia.

Portanto, não é demasiado concluir que a preservação do critério trifásico e a vedação ao bis in idem pretende garantir que indivíduos em situação semelhante não venham a ser tratados diferentemente, ou que indivíduos em situação desigual sejam tratados da mesma forma, em função da apreciação subjetiva de circunstâncias por parte do judiciário. O subjetivismo decorrente disso é também evitado por meio do princípio da reserva legal.

Sobre a vedação ao bis in idem na aplicação da pena, colaciono alguma jurisprudência:


EMENTA: EXECUÇÃO PENAL. Pena privativa de liberdade. Prisão. Cálculo. Delito de latrocínio (art. 157, § 3º, do CP). Causas de aumento por concurso de pessoas e emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º, I e II). Aplicação. Inadmissibilidade. Bis in idem. Maior gravidade já considerada na cominação da pena base. HC não conhecido. Ordem concedida de ofício. Precedentes. Não se aplicam as majorantes previstas no § 2º do art. 157 do Código Penal à pena base pelo delito tipificado no § 3º.
Supremo Tribunal Federal, HC 94994, Rel. Min. CEZAR PELUSO
EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES DE ROUBO. REINCIDÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS E CAUSA AGRAVANTE GENÉRICA OBRIGATÓRIA. BIS IN IDEM NÃO CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA. I - As circunstâncias judiciais são colhidas dos elementos fáticos trazidos pelo processo para a fixação da pena-base, sobre a qual são aplicadas as agravantes e atenuantes e, após, as causas de aumento e diminuição. II - O aumento da pena, em função da reincidência, expressamente prevista no art. 61, I, do Código Penal, não constitui bis in idem quando não utilizada como circunstância judicial para a fixação da pena-base. III - Ordem denegada
Supremo Tribunal Federal, HC 94846, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO, NA FASE DO ARTIGO 59, COM FUNDAMENTO NA CONDIÇÃO DO CARGO DE DELEGADO DO PACIENTE. BIS IN IDEM. CRIMES TIPIFICADOS NOS ARTIGOS 312 E 316 DO CÓDIGO PENAL. DELITOS DE MÃO PRÓPRIA APENADOS COM MAIOR RIGOR, CONSIDERADOS OS CRIMES CONGÊNERES PRATICADOS POR PARTICULARES. PRECEDENTE. Peculato e concussão. Exasperação da pena-base em virtude do cargo de delegado exercido pelo paciente. Os crimes descritos nos artigos 312 e 316 do Código Penal são delitos de mão própria; só podem ser praticados por funcionário público. O legislador foi mais severo, relativamente aos crimes patrimoniais, ao cominar pena em abstrato de 2 (dois) a 12 (doze) anos para o crime de peculato, considerada a pena de 1 (um) a 4 (quatro) anos para o crime congênere de furto. Daí que o acréscimo da pena-base, com fundamento no cargo exercido pelo paciente, configura bis in idem. A Primeira Turma desta Corte, no julgamento do HC n. 83.510, Rel. o Ministro Carlos Britto, fixou o entendimento de que a condição de Prefeito Municipal não pode ser considerada como circunstância judicial para elevar a pena-base. Substituindo o cargo de prefeito pelo de delegado, a hipótese destes autos é a mesma. Ordem concedida.
Supremo Tribunal Federal, HC 88545, Rel. Min. EROS GRAU
E M E N T A: HABEAS CORPUS - MENORIDADE DO RÉU - PENA ABAIXO DO MINIMO LEGAL - INADMISSIBILIDADE - NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO DECISORIO - EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL SATISFEITA - REINCIDENCIA - DUPLA VALORAÇÃO - INOCORRENCIA - PEDIDO INDEFERIDO. - Os juízes e Tribunais, mesmo reconhecendo a ocorrência da circunstancia atenuante obrigatória da menoridade, não podem reduzir a pena a limite que se situe abaixo da sanção minima cominada em lei. - A motivação dos atos decisórios do Poder Judiciário constitui pressuposto de validade, de eficácia e de legitimidade dos pronunciamentos jurisdicionais. Decisões imotivadas são decisões nulas. Ocorrência, no caso, de ato judicial plenamente fundamentado. - A reincidência do condenado somente legitima a exasperação da pena na hipótese única de seu reconhecimento como circunstancia agravante genérica. Essa pessoal condição jurídica do sentenciado, que influi na definição do seu status poenalis, não pode ser também considerada na fixação da pena-base. A dupla valoração da reincidência - enquanto circunstancia judicial e enquanto circunstancia legal - não deve ser admitida, sob pena de inaceitável bis in idem.
Supremo Tribunal Federal, HC 70483, Rel. Min. CELSO DE MELLO

O princípio do ne bis in idem decorre também, logicamente do princípio da reserva legal, pois realiza a sua aplicação nas diversas fases da dosimetria da pena, exigindo do julgador que puna mais, ou puna menos, pela circunstância fática prevista previamente em lei, de acordo com a sanção previamente estatuída para aquele fato, o que não ocorrerá se for aplicada a sanção duplamente, pelo mesmo fato.

Sobre o princípio da reserva legal, vale uma incursão nas palavras sempre atuais de Aníbal Bruno:


(...) Traçando o círculo fechado do ilícito penal, dentro do qual, em princípio, ninguém pode penetrar sem incorrer em pena e fora do qual ninguém pode sofrer a imposição penal, a lei punitiva não só promove a defesa pela proteção que confere, por meio dos rigores de sua sanção, às condições existencias da sociedade, nos termos emque ela se acha constituída, mas assegura e delimita o campo de ação do Estado na repressão e prevenção direta da delinqüência, e com essa delimitação garante as liberdades individuais em geral e os direitos fundamentais que subsistem no próprio delinquente
O princípio nullum crimen, nulla poena sine lege
O rigor dessa limitação e a força dessas garantias estão no princípio que faz da lei penal a fonte exclusiva de declaração dos crimes e das penas, o princípio da absoluta legalidade do direito punitivo, que exige a anterioridade de uma lei penal, para que determinado fato, por ela definido e sancionado, seja julgado e punido como crime. Esse princípio, tradicionalmente expresso na regra nullum crimen, nulla poena sine lege e geralmente consagrado nos dispositivos de abertura dos Códigos penais modernos, tem raízes na Magna carta, da Inglaterra (1215), e nas Petition os Rights, norte-americanas, mas foi formulado em termos precisos na Declaração dos Direitos do Homem, na Revolução Frencesa: ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada (art. 8º)
Na doutrina, encontram-se antecedentes em Montesquieu e Beccaria, mas quem forneceu os próprios termos da regra latina em que hoje é enunciado foi Feuerbach. No nosso Código está consagrado no artigo 7º "não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal" e Além disso, é um dispositivo da nossa Constituição, onde aliás, continua uma tradição constante em todas as cartas constitucionais.
No decurso de sua evolução, a partir da Magna Carta, dos documentos norte americanos e da Revolução Francesa, o princípio da legalidade foi dissociando do seu contexto as várias funções de garantia que hoje apresenta: não há crime nem pena sem lei anterior, e então o princípio se opõe á retroatividade da norma penal incriminadora, trazendo a necessária precisão e segurança ao direito; não há crime nem pena sem lei escrita, o que importa negar ao direito costumeiro função criadora ou agravante de tipos ou sanções penais; não há crime nem pena sem lei estrita, com que se impõe uma limitação à aplicação da lei e se torna defeso, do domínio das normas incriminadoras, o emprego da analogia.
Esse princípio, que é uma das características dos regimes democráticos nascidos das idéias liberais do século XVIII, do liberalismo e do individualismo das correntes filosóficas e políticas que então se desenvolveram, tem sido posto modernamente em discussão e vem sendo abolido mesmo em algumas legislações, ou como expressão de um regime de hipertrofia estatal, em que a defesa de um sistema político, de um partido, de uma classe social, exige uma ordem penal que se tem chamado autoritária, em condição de atuar sem a limitação daquele princípio liberal, ou como forma de transição entre um direito penal de normas incriminadoras tipificadas e em direito penal sem parte Especial e sem dosimetria das penas. São, em geral, sinais e exigências da crise social e política do nosso tempo. Note-se que já era assim na Roma do império com os seus juízes decidindo ad exemplum legis. Modernamente, a Rússia excluiu este princípio do seu sistema jurídico-penal, designando o crime pelo conceito elástico de ação socialmente perigosa (refere-se o autor ao Código Penal soviético, como explica em nota de rodapé). Do mesmo modo a Alemanha do Nacional -socialismo, correndo ao "são sentimento do povo" desembaraçou-se do princípio legalista. Outras vezes razões de doutrina ou de técnica, ou simplesmente de tradição legislativa têm influído para o abandono do princípio da legalidade. Um exemplo é o Código Penal da Dinamamrca. Não são modelos que mereçam ser seguidos. O caráter punitivo da sanção anticriminal, com a grave restrição de bens jurídicos fundamentais imposta ao criminoso, como ainda hoje se apresenta, o seu sentido retributivo-expiatório, eleva aquela máxima à posição de garantia imprescindível á liberdade do homem." (grifei) (Aníbal Bruno, Direito Penal, pg 206/207, 1978)

Nesse sentido ainda, a doutrina de Assis Toledo:


Função de garantia da lei penal. Princípio da legalidade ou da reserva legal. Estudada a técnica da elaboração dos tipos, resta ver-se como esta se projeta no plano político e constitucional para erigir-se em um dos mais importantes princípios do direito penal dos últimos tempos. Uma breve digressão histórica contribuirá para demonstrar essa afirmação.
Em 1935, no auge do regime nazista, Dahm, percebendo nos tipos legais de crime uma incômoda limitação ao poder estatal, proclamou a necessidade de atenuação ou de aniquilamento de um velho princípio - o nullum crimen, nulla poena sine lege - afirmando que os crimes mais graves, principalmente políticos, não se deixam conter em tipos legais nem se deixam circunscrever por meio de normas abstratas (National sozialistisches um faschistisches Strafrechts, Berlin, 1935). Daí a necessidade de superar-se, ao ver do autor citado, esse princípio, que se constituía em verdadeiro obstáculo à atuação do juiz, na aplicação da pena criminal a fatos danosos não totalmente ajustados às previsões legais.
A novidade criticável dessa doutrina está na conclusão que adota, não na constatação, realmente correta, de que os tipos legais de crime, à luz do princípio da legalidade que iremos examinar, constituem concreta limitação ao poder estatal. Franz Von Liszt percebera isso, muito antes, quando em 1905, com propósitos diferentes, afirmava ser o código penal a magna carta do delinqüente, isto é, a garantia, para os que se rebelam contra o Estado e a sociedade, de uma punição segundo certos pressupostos e dentro de precisos limites legais. E aqui se revela um dúplice aspecto do ordenamento jurídico penal, enfatizado por Roxin serve, simultaneamente, para limitar o poder de intervenção estatal na esfera dos direitos individuais e também para combater o crime. Protege tanto o indivíduo contra os abusos da autoridade quanto a sociedade e seus membros contra os abusos dos indivíduos'
Somente pois, em um Estado de direito, muito diferente daquele a que servia Dahm, será possível identificar-se, em toda a sua inteireza, o princípio da legalidade e dele extraírem-se lógicas conseqüências. É que este princípio deita raízes longínquas no liberalismo, com suas idéias jus naturalistas e contratualistas incompatíveis com as que orientam um estado totalitário'
(...)
O nullum crimen, nulla poena sine lege tem sua longa história, por vezes acidentada, com fluxos e refluxos. Por isso já foi objeto de muitas interpretações, conforme acentua Maurach, cada uma delas desempenhando papel político de realce, antes que se chegasse à concepção atual, mais ou menos cristalizada na doutrina. Presentemente, essa concepção é obtida na no quadro da denominada "função de garantia da lei penal".. e para a atuação da justiça criminal em um estado de direito, essa função de garantia provoca o desdobramento do princípio em exame em quatro ouros princípios, a saber:
a) nullum crimen, nulla poena sine lege PRAEVIA;
b) nullum crimen, nulla poena sine lege SCRIPTA;
c) nullum crimen, nulla poena sine lege STRICTA;
d) nullum crimen, nulla poena sine lege CERTA.
Lex praevia significa proibição de leis retroativas que fundamentem ou agravem a punibilidade. Lex scripta, a proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pelo direito consuetudinário. Lex stricta, a proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pela analogia (analogia in malam partem) . Lex certa, a proibição de leis penais indeterminadas (grifei).

Trouxe essa doutrina para demonstrar que o § 4º do art. 33 da Lei de drogas traz possibilidade de agravamento incerto, a critério do julgador, e só por isso incide em violação ao princípio da reserva legal, pois não traça nenhum critério para a graduação da benesse.

Ainda que se pudesse criar meios de graduação, violando-se o princípio da lei estrita, ao dosá-la utilizando-se das circunstâncias do crime, motivos, quantidade e qualidade da droga, conduta social, internacionalidade, ou outras, já previstas em lei, a decisão incidirá em bis in idem vedado.

Não é possível negar a diminuição da lei a quem faz jus, mas também não é possível aplicar o parágrafo como está sem incidir em bis in idem, concluo.

Nesse sentido, ao tratar da dupla consideração do critério quantidade e qualidade, já se pronunciou o E. Supremo Tribunal Federal, pela existência de bis in idem, confira-se:


HC 108523 / MS - MATO GROSSO DO SUL HABEAS CORPUS
Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA
Julgamento:  14/02/2012 
Órgão Julgador:  Segunda Turma
Publicação 14/03/2012
Habeas Corpus. Tráfico de drogas. Utilização de transporte público. Incidência da causa de aumento prevista no art. 40, inc. III, da Lei nº 11.343/06. Fixação do quantum relativo à causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/06. Necessidade de fundamentação idônea. Inocorrência. Ordem parcialmente concedida.
A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a simples utilização de transporte público para a circulação da substância entorpecente ilícita já é motivo suficiente para a aplicação da causa de aumento de pena prevista no art. 40, inc. III, da Lei nº 11.343/2006 (dentre outros, HC 107.274/MS, rel. min. Ricardo Lewandowski, DJe-075 de 25.04.2011). O magistrado não está obrigado a aplicar a causa de diminuição prevista no § 4° do art. 33 da Lei nº 11.343/06 em seu patamar máximo quando presentes os requisitos para a concessão de tal benefício, tendo plena autonomia para aplicar a redução no 'quantum' reputado adequado de acordo com as peculiaridades do caso concreto" (HC 99.440/SP, da minha relatoria, DJe-090 de 16.05.2011). Contudo, a fixação do quantum de redução deve ser suficientemente fundamentada e não pode utilizar os mesmos argumentos adotados em outras fases da dosimetria da pena. Como se sabe, "a quantidade e a qualidade de droga apreendida são circunstâncias que devem ser sopesadas na primeira fase de individualização da pena, nos termos do art. 42 da Lei 11.343/2006, sendo impróprio invocá-las por ocasião de escolha do fator de redução previsto no § 4º do art. 33, sob pena de bis in idem" (HC 108.513/RS, rel. min. Gilmar Mendes, DJe nº 171, publicado em 06.09.2011). Ordem parcialmente concedida para determinar ao TRF da 3ª Região que realize nova dosimetria da pena, reaprecie o regime inicial de cumprimento de pena segundo os critérios previstos no art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal, e avalie a possibilidade de conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direito conforme os requisitos previstos no art. 44 do CP.
Decisão
Ordem parcialmente concedida para determinar ao Tribunal
Regional Federal da 3ª Região que proceda a nova individualização da pena observando-se a adequada motivação do quantum de redução da pena previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006.Determinado ainda, de ofício, que, fixada a pena definitiva, o TRF da 3ª Região delibere sobre o regime inicial de cumprimento da pena segundo os critérios previstos no art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal, bem como sobre a possibilidade de conversão dapena privativa de liberdade em restritiva de direito conforme os requisitos dispostos no art. 44 do CP, nos termos do voto do Relator. Decisão unânime. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello. 2ª Turma, 14.02.2012.

Porém, em que pese a Suprema Corte ter declarado que "O magistrado não está obrigado a aplicar a causa de diminuição prevista no § 4° do art. 33 da Lei nº 11.343/06 em seu patamar máximo quando presentes os requisitos para a concessão de tal benefício, tendo plena autonomia para aplicar a redução no 'quantum' reputado adequado de acordo com as peculiaridades do caso concreto" (HC 99.440/SP, da minha relatoria, DJe-090 de 16.05.2011)", resta saber que critério seria esse, que já não tenha sido avaliado, ou que já não devesse ter sido avaliado nas operações anteriores e possa, portanto, ser utilizado pelo juiz nesta fase.

Ora nesse cenário, desde que devida a redução, só será cabível no patamar máximo de 2/3 (dois terços), pois a única consentânea com o princípio da reserva legal e presunção de inocência, que indicam que na dúvida, no impasse, a solução deve ser em favor do direito de liberdade.

Esse foi o meu posicionamento por algum tempo.

Porém, o estou revendo agora, pois é inegável que essa solução também deixa a desejar.

Ocorre que na prática, a solução acaba por provocar um excesso em favor do réu que aniquila o intuito punitivo da norma, e torna a pena aplicável, incompatível com a gravidade da conduta que é tida por hedionda pela Constituição Federal, o que torna a essa solução também contrária ao Direito.

O afastamento da graduação com aplicação em 2/3 (dois terços) da diminuição faz resultar evidentemente desproporcional a pena, e obriga o juiz a praticar excesso em favor do réu, ao solapar, por exemplo, uma grave pena de 6 (seis) anos de reclusão a apenas 2 (dois), muitas vezes, pena inferior à que resulta de muitos crimes de gravidade infinitamente menor que o tráfico.

O legislador quis privilegiar a primariedade, em senso lato, sem dúvida. Porém, não a ponto de tornar impune aquele que pratica a conduta pela primeira vez, sem vínculo com grupo criminoso organizado.

Reconheço que desconsiderar a gravidade da conduta já fixada com a pena-base e nas fases seguintes da dosimetria em nome da primariedade solapando a punição pela redução de 2/3 (dois terços) é de fato praticar o excesso, em favor do réu, o que a lei não poderia fazer, nem pretendeu fazer, pois fixou um redutor variável.

Portanto, a interpretação conforme a Constituição, ao princípio da isonomia que norteia o sistema e aos demais princípios de direito penal, como a individualização da pena e reserva legal deve afastar também o excesso em favor do réu, privilegiando o princípio da proporcionalidade razoável na aplicação da pena, que decorre da equidade e proibição do excesso, que norteia o legislador e o juiz, seja em favor da sociedade, seja em favor do réu.

Note-se que aqui não se trata de criar reprimenda onde não existe lei para punir, com base no excesso em favor do direito de liberdade, não se trata de legislar, criar preceito, mas adequar uma reprimenda existente a limites proporcionais.

No sentido da proibição do excesso no exercício do poder legislativo, já discorremos ao tratar do art. 273 do Código Penal, porém neste caso, apontamos excesso em desfavor do direito de liberdade:


É certo que o judiciário não deve se imiscuir na função legislativa, o que seria afronta ao princípio da tripartição dos poderes. Cabe-lhe interpretar a norma jurídica e aplicá-la no caso concreto. Porém cabe-lhe a interpretação harmônica do sistema, e dentro dessa função está a de controlar a constitucionalidade das normas jurídicas, devendo nesse passo deixar de aplicar preceitos que se encontrem em confronto com as normas e princípios constitucionais, isto é, que não encontram fundamento de validade na Lei Maior.
E o princípio da proibição do excesso, da proporcionalidade razoável está previsto em nossa Constituição e rege a atividade discricionária, quer do administrador público, quer do legislador positivo. Decorre do princípio do devido processo legal em seu aspecto material e do princípio da individualização da pena, expressos na Constituição.
Significa que no exercício de sua discricionariedade regrada o poder público, por meio de seus agentes não está autorizado pela Constituição Federal, a agir com excesso ao restringir direitos individuais em prol do interesse público, além do suficiente e necessário para a defesa dos interesses públicos. O excesso torna ilegal a atividade administrativa, ainda que a pretexto do exercício do poder discricionário e da mesma maneira torna inconstitucional a atividade legislativa, pois evidencia o desbordar dos limites da discricionariedade conferida a esses agentes pela Lei e pela Constituição.
Cito em meu subsídio o renomado professor José Joaquim Gomes Canotilho, em sua obra Direito Constitucional, pg 617/618:
2.5. O princípio da proibição do excesso (art. 18, o/2)
Este princípio, atrás considerado como um subprincípio densificador do Estado de direito democrático (cfr. supra, Parte IV, Cap. 1, A). significa, no âmbito específico das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, que qualquer limitação, feita por lei ou com base na lei, deve ser adequada (apropriada), necessária (exigível) e proporcional (com justa medida). A exigência da adequação aponta para a necessidade de a medida restritiva ser apropriada para a prossecução dos fins invocados pela lei (conformidade com os fins). A exigência da necessidade pretende evitar a adopção de medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias que, embora adequadas, não são necessárias para se obterem os fins de protecção visados pela Constituição ou a lei. Uma medida será então exigível ou necessária quando não for possível escolher outro meio igualmente eficaz, mas menos , relativamente aos direitos restringidos. O princípio da proporcionalidade em sentido restrito ( = princípio da ) significa que uma lei restritiva, mesmo adequada e necessária, pode ser inconstitucional, quando adopte cargas coactivas de direitos, liberdades e garantias , , ou em relação aos resultados obtidos.
O princípio da proibição do excesso (ou da proporcionalidade em sentido amplo), consagrado na parte final do art. 18. o/2, constitui um limite constitucional à liberdade de conformação do legislador. A Constituição, ao autorizar a lei a restringir direitos, liberdades e garantias, de forma a permitir ao legislador a realização de uma tarefa de concordância prática justificada pela defesa de outros bens ou direitos constitucionalmente protegidos, impõe uma clara vinculação ao exercício dos poderes discricionários do legislador. Em primeiro lugar, entre o fim da autorização constitucional para uma emanação de leis restritivas e o exercício do poder discricionário por parte do legislador ao realizar esse fim deve existir uma inequívoca conexão material de meios e fins. Em segundo lugar, no exercício do seu poder ou liberdade de conformação dos pressupostos das restrições de direitos, liberdades e garantias, o legislador está vinculado ao princípio material da proibição do excesso.
A questão, como se intui, coloca problemas complexos em sede de controlo concreto da constitucionalidade, se se interpretar a , a e a da medida legal restritiva como uma questão de situada no âmbito de liberdade de conformação do legislador. Deve apurar-se um de liberdade de conformação, pois: (1) há casos em que o legislador está estritamente vinculado, podendo afirmar-se que ele apenas possui uma competência de concretização legislativa (ex.: na definição do direito à liberdade e integridade física, o legislador só pode concretizar a defesa de nos precisos e estritos termos definidos pela CRP); (2) noutros casos, a competência de qualificação dos interesses públicos é já mais livre, mas, ainda assim, positivamente vinculada impedindo o legislador de limitar direitos em nome de interesses públicos não constitucionalmente protegidos (ex.: será inconstitucional a relativização do direito ao despedimento sem justa causa dos trabalhadores com base no interesse da produtividade das empresas, pois este não é um bem superior ou prevalente constitucionalmente protegido).
A liberdade de conformação do legislador exige das entidades judiciais de controlo uma relativa prudência quanto à aplicação do princípio da proibição do excesso, mas elas não poderão abdicar de dar uma específica aplicação a este princípio, sobretudo quando está em jogo a apreciação de medidas especialmente restritivas (ex.: do exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação, petição colectiva e a capacidade eleitoral nos termos do art. 270.). O princípio da proporcionalidade terá ainda interesse para o eventual controlo preventivo da constitucionalidade da lei geral restritiva.
A relevância prática do princípio da proibição do excesso pode ser ilustrada através de alguns casos decididos pelo TC (Ver Acs TC 4/84, 703/84, 23/84, 225/88, 282/86).

Vê-se do exposto, que nada impede que a doutrina acima se aplique também em favor da sociedade, quando se afirma que as punições devem ser proporcionais e razoáveis.

Na verdade, o Estado é titular do direito de punir, limitado pela lei, porém esse direito se traduz também num dever, o dever de punir as condutas contrárias a ordem vigente. Não se olvida que o Estado Brasileiro se propôs a punir efetivamente o tráfico de drogas, já que consta da lei maior que "XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem."

Portanto, é dever do legislador punir adequadamente o tráfico.

Nesse sentido, Manuel Pedro Pimentel, verbis:


Estamos convencidos de que o Estado não é titular de um direito subjetivo de punir. Segundo se extrao dos ensinamentos de Santi Romano, o que existe realmente, é um poder dever de punir. O Estado tem o poder de punir, que é atributo de sua soberania, mas ao mesmo tempo, tem o dever de punir, imposto pela exigência de realização de uma das suas finalidades. Não há, portanto, o direito de punir (jus puniendi), mas um poder-dever de punir, que mais convém ao caráter público do Direito Penal.
(...) (Direito Penal Econômico, pg 88, RT, 1973)

Reconheço, por essas razões, que é preciso realizar o intento da norma, que é efetivamente punir o delinquente, o que não ocorrerá se a pena fracassar em quaisquer de suas funções, repressivas, intimidatórias ou de reinserção social e prevenção, pois a pena deve funcionar como instrumento de prevenção geral e especial, e assim a resposta penal precisa ser adequada ao delito praticado.

Desbordaria os limites da discricionariedade do legislador abrandar de tal maneira o tratamento de um delito hediondo, assim considerado pela Constituição de modo que a pena reste inócua para os fins a que se destina, assim como não poderá agravar de forma evidentemente excessiva a reprimenda de delito de gravidade notadamente inferior.

Portanto, após muito desassossego com esse assunto, pois a solução que encontrei para não incidir em bis in idem, aplicar o redutor sempre em 2/3 (dois terços) nunca me pareceu plenamente satisfatória - ainda que a aplicasse por tratar-se da solução em prol do direito de liberdade, com base na presunção de inocência - reconheço que é preciso coibir excessos também em favor desse direito, sob pena de sacrificar-se a ordem constitucional vigente e os objetivos de pacificação social do Direito.

Na verdade, a falta de técnica do legislador, ao prever diminuição em patamar elástico e sem critérios para o seu estabelecimento, não deve levar o julgador a resultado evidentemente desproporcional em face da conduta já dosada nas fases anteriores e do sistema repressivo como um todo.

Portanto, uma interpretação conforme a Constituição Federal desse inquietante § 4º da Lei n. 11.343/06 DEVE AFASTAR A IMPOSSÍVEL GRADUAÇÃO, EVITANDO-SE O BIS IN IDEM, E POR ISSO ESTIPULAR O REDUTOR EM PATAMAR FIXO, SEMPRE QUE PRESENTES OS REQUISITOS CUMULATIVOS DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO , sob pena de negar-se vigência ao dispositivo, que não é de ser declarado inconstitucional por esse defeito, mas interpretado conforme os princípios constitucionais.

O patamar, pelo exposto, não deve ser o máximo. Entendo que, para atender, dentro da medida do possível a mens legis, procurando situar o julgamento mais proximamente à vontade do legislador (punir o tráfico adequadamente), sem incidir em bis in idem, nem em excesso permissivo, revejo entendimento e passo a fixar a diminuição, quando devida, sempre no patamar fixo correspondente à MÉDIA do intervalo pela lei estabelecido que vem a ser "5/12" (cinco doze avos) (fração média entre 1/6 e 2/3 fixada pelo legislador).

Concluo que, aplicada a diminuição em 5/12 (cinco doze avos), a pena fica definitivamente fixada em 3 (três) anos, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 377 (trezentos e setenta e sete) dias-multa.

No presente caso, as circunstâncias judiciais a que aludem os arts. 33, § 3º, e 59, ambos do Código Penal recomendam a fixação do regime inicial fechado. Contudo, mantenho o regime inicial semiaberto, ausente recurso do Ministério Público Federal nesse aspecto, em atenção à proibição à reformatio in pejus.

Denego a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, com fundamento nos arts. 33, § 3º, e 59, ambos do Código Penal.

Não há que se cogitar em adequação das penas em razão de distúrbio psicológico apresentado pelo réu.

O réu aderiu ao transporte de significativa quantidade de cocaína, na forma pura, armazenada em fundo falso de bagagem, para disseminação no exterior, mediante o pagamento de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais).

Assim, restou comprovado nos autos que, ao tempo dos fatos, o réu tinha completo entendimento do caráter ilícito da conduta praticada e agiu espontaneamente, determinando-se de acordo com ele.

Ante todo o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação do Ministério Público Federal para exasperar a pena-base do réu para 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 666 (seiscentos e sessenta e seis) dias-multa e denegar a conversão da pena privativa definitivamente aplicada por restritivas de direitos, e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação de Thiago Ribeiro Locks para aplicar a atenuante da confissão, cominando-lhe as penas de 3 (três) anos, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 377 (trezentos e setenta e sete) dias-multa.

É o voto.




Nao foi possivel adicionar esta Tabela
Tabela nao uniforme
i.e Numero ou tamanho de celulas diferentes em cada linha

Louise Filgueiras
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LOUISE VILELA LEITE FILGUEIRAS BORER:10201
Nº de Série do Certificado: 3EA721263F9A6AA4
Data e Hora: 30/01/2013 18:31:25