D.E. Publicado em 19/04/2013 |
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EMENTA
PENAL. APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. USO DE DOCUMENTO FALSIFICADO. ARTIGO 273-B DO CÓDIGO PENAL .MEDICAMENTO ESTRANGEIRO SEM REGISTRO NO PAÍS. AUTORIA E MATERILIDADE COMPROVADAS. MAJORANTE QUANTO A INTERESTADUALIDADE E USO DE TRANSPORTE PÚBLICO AFASTADAS. CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. INEXISTENCIA DE LESÃO AO BEM JURIDICO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. APELAÇÃO IMPROVIDA.
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ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 10/04/2013 16:59:32 |
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VOTO
Consta da denúncia ministerial (fls.50/52) que no dia 28/04/2010, DANILO VINICIUS MARQUES FERREIRA foi preso em flagrante quando abordado por Policiais Rodoviários Federais no interior do ônibus de turismo da Empresa Expresso Queiroz, linha Ponta Porã - Campo Grande/MS, o qual trafegava pela BR-463, KM 65.
Ao ser abordado pelo policial rodoviário, o réu apresentou-se com um documento falso em seu nome e com sua fotografia, do qual fez uso para identificar-se como Policial Federal. Em seu poder também foram encontrados um simulacro de arma de fogo, uma cartela do medicamento denominado Pramil, 2 (dois) espelhos de identificação do Departamento da Polícia Federal, sem fotografia, em seu nome, 1 (uma) cédula funcional, plastificada, em seu nome e com sua fotografia da Polícia Civil do Estado de São Paulo e a quantidade de 1.100 (mil e cem) gramas da substância entorpecente conhecida como cannabis sativa ("maconha"), a qual determina dependência física e/ou psíquica, sem autorização legal ou regulamentar.
O inquérito policial apenso aos autos comprova a materialidade do crime em conjunto com o laudo preliminar de constatação (fl.18), o auto de apresentação e apreensão (fls. 11/12), bem como o laudo definitivo de exame de substância entorpecente (fl. 72/75) e os laudos de exame documentoscópico (fls. 99/104 e fls.106/112).
Com relação à autoria e dolo do réu, restaram incontestes por meio dos depoimentos dos policiais rodoviários federais Luis Fábio Benitez Lobato e Ramona do Rosário Arias, que em juízo confirmaram os depoimentos prestados na fase extrajudicial:
A testemunha de acusação Luis Fábio Benitez Lobato afirmou:
A testemunha Ramona do Rosário Arias afirmou:
Em seu interrogatório na fase extrajudicial (fls.09/10) o réu confessou que fora comprar a maconha no Paraguai com a intenção de transportá-la até a cidade de São Paulo onde seria comercializada. Afirmou que a adquiriu de uma pessoa desconhecida em Pedro Juan Caballero, pela quantia de R$100,00 (cem reais), assim como também a arma de brinquedo e o remédio Pramil. Admitiu o uso das carteiras de identificação de policial federal e de policial civil do Estado de São Paulo, alegando ter confeccionado os documentos por meio de um programa de computação que possuía.
Na fase judicial, o réu confirmou suas afirmações prestadas por ocasião da prisão em flagrante e acrescentou que iria entregar o entorpecente para um amigo que lhe ressarciria as despesas da viagem e lhe daria a quantia de R$ 500,00 (quinhentos reais).
Pugna a acusação em suas razões recursais para que seja reconhecida a aplicação da causa de aumento de pena relativa à interestadualidade (art.40, V, Lei nº11.343/2006) ou alternativamente, acaso mantida a absorção da "interestadualidade" pela "internacionalidade", considerada na dosimetria da pena.
Inconteste a transnacionalidade do delito, confessada pelo próprio réu em seus interrogatórios extrajudicial e judicial, uma vez admitida a compra do entorpecente em território paraguaio e que seu destino final era a cidade de São Paulo.
A causa de aumento decorrente da interestadualidade do delito visa punir mais severamente a conduta que vise à pulverização da droga pelo território nacional. Assim, pressupõe que a transposição de fronteiras estaduais não se constitua em mero desdobramento do desígnio inicial.
Em outras palavras, não se caracteriza o tráfico interestadual de drogas quando o agente adquire a droga no exterior e, embora transponha divisas interestaduais durante o transporte, evidentemente queria apenas alcançar o Estado no qual a droga deveria ser entregue.
As provas dos autos demonstram que a droga foi adquirida no Paraguai e ingressou no Estado do Mato Grosso do Sul tão somente para ser transportada para o Estado de São Paulo, mais especificamente para a cidade de São Paulo, onde seria comercializada, e que a intenção do réu não foi a de pulverizar o entorpecente entre vários Estados brasileiros, configurando-se apenas o tráfico transnacional de entorpecentes, de modo que não há como incidir a causa de aumento de pena prevista no inciso V, do artigo 40 da Lei 11343/06.
Portanto, na hipótese deve ser aplicada a majorante do inciso I, do art. 40, da Lei n. 11.343/06, por ser a interestadualidade mero desdobramento do desígnio delitivo, tópico em que não merece reparos a r. sentença proferida em primeiro grau de jurisdição.
Também não deve incidir a causa de aumento decorrente do uso de transporte público (art. 40, inc. III, da Lei n. 11.343/06) no presente caso.
É certo que foi demonstrado nos autos que o réu fez uso de transporte público para seu deslocamento entre as cidades de Ponta-Porã e Campo Grande/ MS, isto é, um ônibus da Viação Expresso Queiroz.
Todavia, temos que não basta o mero uso do coletivo para que, de imediato, incida a majoração sob debate. Em circunstâncias como esta sob apuração, qual seja, onde o transporte do entorpecente ocorre de forma dissimulada, sem que exista a oferta do produto ilegal a outros passageiros, ou seja, quando o ato de fornecimento do entorpecente a terceiros não ocorre no contexto do universo dos usuários do transporte coletivo, essa majorante não é aplicável.
Uma rápida leitura do inc. III do art. 40 da L. nº. 11.343/2006 deixa claro que todas as hipóteses fáticas lá elencadas estão ligadas ao local onde a traficância ocorre. O rol ali apresentado expõe uma série de localidades e/ou estabelecimentos públicos ou privados merecedores de especial proteção pela ordem jurídica nacional, seja porque são particularmente vulneráveis à ação da traficância, seja porque neles ou próximo a eles, os danos decorrentes da mesma ganham exacerbada relevância.
Portanto, resta evidente que em situações onde o transporte da droga ocorre de forma dissimulada e ignorada por todos os demais usuários do meio de transporte, evidencia-se que nenhuma daquelas razões de ser da norma agravante se apresenta, não havendo que se falar em exasperação da sanção penal.
Nesse sentido decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
Cito ainda o precedente desta 1ª Turma deste TRF da 3ª Região:
No mais, pugna a acusação para a condenação do réu pela infração ao artigo 273, §1º-B, incisos I, V e VI do Código Penal, tendo em vista a apreensão em seu poder, por ocasião de sua prisão em flagrante, de uma cartela com 20 (vinte) comprimidos do medicamento Pramil.
O laudo de exame deste produto, acostado à fls. 77/82, afirmou que esse medicamento não pode ser importado ou comercializado em território nacional, uma vez que não possui registro na ANVISA, no entanto, não afirma que se trate de produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.
Consoante a redação do tipo do art. 273 "caput" do Código Penal, capitulado como crime contra a saúde pública, é típico o ato de "falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais."
Menciona-se o §1º: "Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado" e ainda o §1º-B "Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no §1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:
I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente." (...)
V - de procedência ignorada;
VI- adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente."
Segundo literal interpretação do disposto no §1º-B do art. 273 CP, em teoria, está sujeito às penas do artigo 273 quem pratica as "ações" previstas no §1º desse mesmo tipo, quais sejam: "importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender (...)."
Conforme a prova material e pericial produzida nos autos, a conduta do réu consistente em adquirir uma cartela com 20 (vinte) comprimidos do medicamento Pramil em território paraguaio e ingressar com o produto em território brasileiro se subsume, em tese, ao tipo previsto no art. 273, §1º -B, inciso I, qual seja: "sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária."
Informou o réu em seu interrogatório (fls.148), a aquisição de uma única cartela do medicamento e que não intencionava a sua comercialização, mas somente a doação para um amigo.
Portanto, resta claro que no caso em tela, não restou comprovada a intenção do acusado de comercializar o medicamento, o que caracterizaria a ofensa ao bem jurídico tutelado no tipo penal em análise, isto é, de crime previsto no Capítulo "Dos Crimes Contra a Saúde Pública" do Código Penal, de maneira que concluo pela inexistência de dolo.
Outrossim, vale salientar, que o que torna evidente a ofensa ao bem jurídico tutelado nos crimes contra a saúde pública é a importação e a comercialização de grande quantidade de comprimidos, o que não se afigura no caso em análise em que foi apreendida uma única cartela com 20 (vinte) comprimidos.
No mais, essa mesma conduta do réu não se amolda às situações descritas nos incisos V e VI do art. 273 como requer a acusação, uma vez que não pode se afirmar que o medicamento seja de procedência ignorada, já que foi identificado o seu fabricante, bem como, não há prova nos autos de que tenha sido "adquirido em estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente".
Nesse aspecto, por tais fundamentos, mantenho o decreto absolutório em favor do acusado com relação ao delito tipificado no artigo 273-B e incisos do Código Penal.
DOSIMETRIA DA PENA:
No que tange à dosimetria da pena, observa-se que na primeira fase, no que se refere às circunstâncias judiciais do delito tipificado no art. 33 "caput" c/c art. 40, I da Lei nº 11.343/2006 não merece reparos a r. sentença que fixou a pena-base além do mínimo legal em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão, o que razoavelmente se coaduna com o grau de reprovabilidade da conduta do agente, as circunstâncias do transporte e a quantidade da substância entorpecente apreendida.
Correta ainda a sentença no aspecto em que não agravou a reprimenda imposta ao réu em razão da existência de registro de inquéritos policiais em andamento em seu desfavor, o que se coaduna a Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça: "É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base", uma vez que se trata de réu "tecnicamente" primário.
Na segunda fase, aplicam-se as atenuantes da menoridade (art. 65, I do Código Penal) uma vez que o réu era menor de 21 (vinte e um) anos na data do fato e da confissão (art. 65, III, "d" do Código Penal), tendo em vista que confessou os fatos descritos na inicial.
Desta forma, correta a redução da pena em 6 (seis) meses. Portanto, sem merecer qualquer reparo a sentença, também neste ponto, uma vez que ausentes outras agravantes ou atenuantes no caso específico, resta a pena fixada em 5 (cinco) anos de reclusão.
Na terceira fase há que se aplicar a causa de aumento prevista no inciso I, do artigo 40 da Lei nº 11.343/2006, tendo em vista que plenamente configurada a internacionalidade do delito, pelo que considero razoável o aumento em 1/6 da pena, restando a pena privativa de liberdade majorada para 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, e não em 1/5 conforme constou na r. sentença.
Não admitidas as causas de aumento pugnadas em apelação relativas à interestadualidade e ao transporte público, previstas respectivamente nos incisos III e V do artigo 40 da lei de drogas, conforme fundamentação acima exposta.
Ainda há que ser considerada nessa terceira fase a incidência da causa de diminuição de pena elencada no § 4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/06, que prevê a redução de 1/6 a 2/3 para o agente que seja primário, possua bons antecedentes e não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa.
O dispositivo indica a intenção do legislador em permitir a individualização da pena para as diversas condutas concernentes ao tráfico de drogas, uma vez que não é razoável punir com a mesma intensidade o responsável pela organização e o criminoso primário, ou o mero "subordinado".
Portanto, não demonstrada nos autos prova de que o réu integre organização criminosa ou de que se dedique a atividades criminosas permanentemente, mantenho a redução em 1/6, restando definitiva a pena com relação ao delito de tráfico em (cinco) anos de reclusão, conforme foi fixada na r. sentença, a despeito de diversa fundamentação.
No que tange à pena de multa, não merece reparos a r. sentença que a fixou em 500 (quinhentos) dias- multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato, que resta mantida.
Não foi objeto do recurso de apelação a pena aplicada ao delito tipificado no art. 304 do Código penal c/c art. 297 do Código Penal e observo razoáveis os critérios aferidos em primeiro grau de jurisdição, de modo a não merecer reparos a r. decisão que fixou a reprimenda por esse delito em definitivamente 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias multa.
Tendo em vista a regra prevista no artigo 69 do Código Penal, relativa ao concurso material de crimes que determina a soma das penas, situação aplicável ao caso em análise, resta a pena privativa de liberdade totalmente fixada em 07 (sete) anos de reclusão e 510 (quinhentos e dez) dias- multa, em regime inicial fechado, nos termos do art. 33 do Código Penal.
O valor de cada dia-multa foi determinado à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época do fato, a míngua de maiores informações quanto a situação financeira do acusado.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da acusação, para manter a r. sentença que condenou Danilo Vinicius Marques Ferreira às penas dos artigos 33, "caput", c/c art.40, inciso I da Lei nº 11.343/2006 e artigo 304 do Código Penal, aplicando regra do artigo 69 do Código Penal, consoante fundamentação acima exposta.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 10/04/2013 16:59:29 |