Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 31/01/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002648-28.2004.4.03.6002/MS
2004.60.02.002648-5/MS
RELATORA : Juíza Convocada TÂNIA MARANGONI
APELANTE : Justica Publica
APELADO : NEDILE REGINATTO
ADVOGADO : MARIA AMELIA BARBOSA ALVES
: RODRIGO HENRIQUE LUIZ CORREA (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
REU ABSOLVIDO : FERNANDO PORTILHO LOPES
: ANA ZENI REGINATTO
No. ORIG. : 00026482820044036002 2 Vr DOURADOS/MS

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. CONTRATO DE DEPÓSITO, GUARDA E CONSERVAÇÃO DE PRODUTOS VINCULADOS A EMPRÉSTIMOS DO GOVERNO FEDERAL. AUTORIA E MATERIALIDADE DO DELITO COMPROVADAS. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. DESVIO DE GRANDE QUANTIDADE DE GRÃOS. MAIOR CULPABILIDADE. CAUSA DE AUMENTO. ART. 168, § 1º, INC. III, DO CP. CONTINUIDADE DELITIVA. SENTENÇA REFORMADA. CONDENAÇÃO. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO.
1. A materialidade delitiva evidenciada pelos autos de vistorias realizadas pela CONAB. Comprovada a perda, deterioração e desvio de produtos agropecuários depositados em armazéns da empresa ALVORADA ARMAZÉNS GERAIS LTDA.
2. A versão do co-réu Nedile, negando a ocorrência do desvio, justificando que as perdas foram ocasionadas pelas condições precárias de armazenamento dos produtos, não encontra respaldo na prova produzida pois, se a deterioração tivesse sido a causa do desaparecimento dos produtos deveriam existir ao menos restos dos grãos apodrecidos ou embolorados, o que não ocorreu.
3. As precárias condições de armazenamento não podem justificar a perda de toneladas dos produtos (arroz e milho), não se podendo imputar à fiscalização e tampouco ao órgão de acusação o ônus de provar o destino desses produtos, dado que desapareceram do armazém quando estavam sob custódia do co-réu NEDILE, sócio proprietário e administrador da empresa.
4. Com relação ao arroz com casca ensacado sequer se pode falar em deterioração visto que todo o produto desapareceu do armazém, denotando que os produtos foram, efetivamente, desviados pelo depositário.
5. Embora o co-réu FERNANDO tenha assinado o contrato como fiel depositário, as provas testemunhais produzidas nos autos corroboram a tese da defesa no sentido de que FERNANDO era motorista do armazém e empregado do co-réu NEDILE, não tendo poderes de administração para zelar pelo armazenamento e conservação dos produtos que transportava. O co-réu NEDILE era sócio e responsável pela administração da empresa. Autoria comprovada.
6. Pena-base fixada acima do mínimo legal, apesar do acusado ser tecnicamente primário e não possuir antecedentes criminais. Consideradas as graves conseqüências do desaparecimento de grande quantidade de grãos: mais de duas toneladas de arroz e mais de meia tonelada de milho, vinculados a políticas públicas na área alimentar no país, denotando maior culpabilidade do agente. Pena-base fixada em 1 ano e 8 meses de reclusão, além do pagamento de 18 dias-multa.
7. Inexistência de agravantes ou atenuantes. Aplicada a causa de aumento do inciso III do § 1º do art. 168 do Código Penal: o apelado recebeu os produtos em depósito em razão de sua atividade profissional, devido ao ramo específico de sua empresa. Pena aumentada em 1/3, resultando em 2 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão, e 24 dias-multa.
8. Delito cometido em continuidade delitiva averiguada com as diversas vistorias tendo persistido no mesmo "modus operandi". Aplicação do art. 71 do Código Penal, com aplicação da majorante à razão de 1/6, resultando a pena definitiva de 2 anos, 7 meses e 3 dias de reclusão e 28 dias-multa, arbitrados no valor unitário mínimo legal, vigente à época dos fatos. Regime inicial aberto.
9. Pena inferior a 4 anos. Delito não foi cometido com utilização de violência ou grave ameaça, réu não é reincidente e as circunstâncias previstas no art. 44, inc. III, do Código Penal, indicam que a substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos será suficiente a título de reprimenda. Substituição da pena restritiva de liberdade por duas penas restritivas de direitos: uma pena de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo, e prestação pecuniária equivalente a 20 (vinte) salários mínimos, que reverterá em prol de entidade beneficente a ser indicada pelo juízo da execução penal. Manutenção da pena de multa arbitrada.
10. Recurso ministerial provido para reformar a sentença e condenar o co-réu NEDILE REGINATTO pela prática do delito previsto no artigo 168, § 1º, inc. III, c.c. art. 71, todos do Código Penal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação ministerial para reformar a sentença e condenar o co-réu NEDILE às penas de 2 anos, 7 meses e 3 dias de reclusão, no regime inicial aberto, e 28 dias-multa, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 21 de janeiro de 2013.
TÂNIA MARANGONI
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002648-28.2004.4.03.6002/MS
2004.60.02.002648-5/MS
RELATORA : Juíza Federal Convocada TÂNIA MARANGONI
APELANTE : Justica Publica
APELADO : NEDILE REGINATTO
ADVOGADO : MARIA AMELIA BARBOSA ALVES
: RODRIGO HENRIQUE LUIZ CORREA (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
REU ABSOLVIDO : FERNANDO PORTILHO LOPES
: ANA ZENI REGINATTO
No. ORIG. : 00026482820044036002 2 Vr DOURADOS/MS

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal em face da sentença proferida pelo MM. Juiz Federal da 2ª Vara Federal de Dourados - MS, que absolveu os réus NEDILE REGINATTO, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, ANA ZENI REGINATTO e FERNANDO PORTILHO LOPES, pelo artigo 386, V, do mesmo Diploma penal, todos acusados da prática do delito previsto no artigo 168, § 1º, III, do Código Penal.

Consta da denúncia (fls. 02/05) que NEDILE REGINATTO e ANA ZENI REGINATTO na qualidade de sócios e dirigentes da empresa ALVORADA ARMAZÉNS GERAIS LTDA celebraram com o Banco do Brasil S/A, em 30/01/1995, contrato de depósito para guarda e conservação de produtos vinculados a "Empréstimos do Governo Federal - EGF", assumindo o empregado FERNANDO PORTILHO LOPES o encargo de fiel depositário dos produtos. Em vistorias realizadas em 30/04/98 a CONAB constatou o desvio de "559.381 Kg de milho em grãos da safra 93/94" e, em desvio e perdas em armazenamento de "2.047.686 Kg de arroz em casca das safras de 92/95", conforme notificações referentes aos anos de 1996 a 1998.

A denúncia foi recebida em 27/01/2005 (fl. 42).

Os réus foram interrogados (fls. 245/248 e 278/279) e apresentaram defesa prévia (fls. 235 e 285/286).

As testemunhas arroladas pelo Ministério Público foram ouvidas às fls. 376/377, 424/425 e as de defesa às fls. 440, 482 e 487.

Em alegações finais o Ministério Público Federal pugnou pela condenação de NEDILE REGINATTO e pela absolvição dos demais réus, nos termos do artigo 386, VIII do Código de Processo Penal (fls. 485/491).

Os réus apresentaram suas alegações finais às fls. 509/511 (Nedile e Ana) e 525/528 (Fernando), pleiteando a absolvição.

A sentença absolutória foi proferida em 18/04/2012 (fls. 545/549).

Apela o Ministério Público Federal pugnando pela condenação do acusado NEDILE REGINATTO, pelas razões que seguem:

1. A materialidade delitiva restou comprovada pela documentação trazida nos autos pelo Banco Central do Brasil, em especial, os "Termos de Notificação e Vistoria".

2. A autoria em relação ao réu NEDILE REGINATTO restou patente pelo contrato social da empresa ALVORADA ARMAZÉNS GERAIS LTDA, o qual atesta que o acusado é responsável por todos os atos de gestão da empresa; pelos depoimentos prestados em sede policial e em Juízo, no qual tentou se justificar, alegando que não se apropriou dos produtos e que entrou em contato com a CONAB para informar que eles se deterioraram devido às condições de armazenamento, à céu aberto.

3. As condições de armazenamento não eram propícias para a conservação e guarda de cereais. Foram constatados desvios/perdas de 2.047.686 Kg de arroz em 6 vistorias, sendo 5 delas apurada a perda parcial dos grãos armazenados em quantia menor do que foi depositado originalmente. Em vistoria realizada pela CONAB em 04/02/97, verificou-se o desaparecimento total (100%) de 525.088 Kg da safra de arroz (94/95), vinculada as CDAs 55.4375.0006-0 e 55.4375.0001-0, e, do milho, do total de 1.974.139 Kg constatou-se o desaparecimento de 559.381 Kg, já descontada a margem de segurança tolerada pela CONAB (10%), sem explicação plausível, evidenciando-se que o acusado agiu com dolo, apropriando-se e, posteriormente, desviando/alienando os grãos, incorrendo na conduta prevista no artigo 168, § 1º, III, do Código Penal.

4. Pede ainda que na fixação da pena sejam sopesadas circunstâncias como maus antecedentes e a conduta social do acusado, que se apropriou da res publica, causando lesão a interesse de toda coletividade, o que merece um grau maior de reprovabilidade.

Com as contra-razões vieram os autos a esta Egrégia Corte, onde a Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento do recurso, reformando-se a sentença, para condenar NEDILE REGINATTO como incurso no artigo 168, caput, do Código Penal (fls. 570/574).

O feito foi submetido à revisão, na forma regimental.

É O RELATÓRIO.



TÂNIA MARANGONI
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Nº de Série do Certificado: 07DCF0B19573A1C9
Data e Hora: 23/01/2013 17:04:31



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002648-28.2004.4.03.6002/MS
2004.60.02.002648-5/MS
RELATORA : Juíza Convocada TÂNIA MARANGONI
APELANTE : Justica Publica
APELADO : NEDILE REGINATTO
ADVOGADO : MARIA AMELIA BARBOSA ALVES
: RODRIGO HENRIQUE LUIZ CORREA (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
REU ABSOLVIDO : FERNANDO PORTILHO LOPES
: ANA ZENI REGINATTO
No. ORIG. : 00026482820044036002 2 Vr DOURADOS/MS

VOTO

Recorre o Ministério Público contra a sentença que absolveu o acusado NEDILE REGINATTO da acusação do crime previsto no artigo 168, § 1º, inc. III, do Código Penal, por entender o D. Magistrado "a quo" que o acervo dos autos não era suficiente para demonstrar o crime de apropriação indébita.

A materialidade delitiva está evidenciada no conjunto probatório, especialmente nos autos das vistorias realizadas pela CONAB que comprovam a perda e o desvio de produtos agropecuários depositados em armazéns da empresa ALVORADA ARMAZÉNS GERAIS LTDA, da qual o co-réu NEDILE REGINATTO era sócio e responsável pela administração. As perdas e deteriorações dos produtos (arroz e milho) foram descritas na sentença de primeiro grau nos seguintes termos:

"Nos termos de vistorias realizadas à época pelos fiscais, consta, inicialmente, somente a divergência quantitativa entre o produto depositado e o aferido na oportunidade do ato de fiscalização, consoante termo n. 012119, 03/12/1997 (fl. 09 e 68, do IPL); enquanto, nos seguintes (n. 009282 e 009284, 30/10/1996, fls. 57/58, do IPL), foi aferida, além da falta de higienização do local, também a perda em armazenamento (diferença de 4,93%). Já a partir das demais fiscalizações, conclui-se pela existência de produto derramado e perda de percentual de 25,13% de grãos de arroz, além da já verificada irregularidade na falta de higienização, nos termos de n. 011994, 17/09/1997 (fl. 61, do IPL), e no de n. 011874, a perda de 25,24%, em 24/07/1997 (fl. 72, do IPL).
Nos termos de n. 009318/009319 (04/02/1997, fls. 64/65 IPL) e n. 008245 (28/04/1998, fl. 116 IPL) constam a perda mais significativa de cereais, além da irregularidade da falta de higienização e produto derramado, já citados, a averiguação de insetos vivos no local (graneleiro). Aferiu-se no primeiro a perda de 100% das CDAs (6-0, 2-8, 1-0, safras 92/95 arroz) e o percentual de 46,42% das CDAs terminadas em 3-6 (safras 92/95 de arroz) e 17,06% da CDA 4-4 (safras 92/95 de arroz); enquanto na segunda vistoria a perda física de milho (559.381) correspondente a 28,33% (descontando-se 10% desvio técnico)." - fl. 546

O Juízo de Primeiro Grau, no entanto, absolveu da acusação de apropriação indébita o sócio administrador da empresa ao fundamento de que não evidenciado o elemento subjetivo do tipo (animus rem sibi habendi), conforme se verifica dos trechos da sentença a seguir destacados:

"Como se infere do relato supra, ficou atestado, além das condições de ambientação desfavoráveis para a guarda e conservação (falta de higienização, presença de insetos, produto derramando), o desvio ou perda dos produtos agrícolas, objeto do contrato de depósito formulado com a pessoa jurídica Alvorada Armazém Gerais Ltda., representada pelo então sócio dirigente e réu NEDILE REGINATTO.
Atestada, inclusive, a regular fiscalização da CONAB, mediante a notificação oportuna do contratante responsável, o réu NEDILE REGINATTO, na qualidade de representante legal, para regularizar a guarda dos produtos aos termos do contrato de depósito, seja conservando os grãos em ambiente adequado, com reposição dos produtos desviados ou perdidos, bem como, com a consequente indenização da diferença a menor aferida nas vistorias.
Logo, cabia ao contratado, na qualidade de sócio e representante da empresa ALVORADA ARMAZÉNS GERAIS LTDA, Sr. Nedile Reginatto, cumprir as obrigações contraídas no contrato de guarda e conservação dos produtos, zelando pela integralidade e quantidade dos bens confiados em razão do instrumento civil do depósito.
No entanto, o tipo penal exige, como dito, a caracterização de todas as elementares insculpidas no dispositivo legal, in casu, a subsunção exata da conduta dos acusados à descrição normativa do art. 168, §1°, III do CP.
Desta sorte, não ficou demonstrado, com os termos de vistoria relatados, se este desvio e perda dos grãos de milho e casca de arroz (desvio de "559.381Kg de milho em grãos da safra 93/94" e desvio e perda em armazenamento de "2.047.686Kg de arroz em casca das safras de 92/95") se deu a título de dolo ou culpa e se esta quantidade foi efetivamente apropriada pelo contratante ou se tão somente deteriorado em razão do tempo ou má conservação. Frise-e, não há qualquer alusão à causa dessa diferença quantitativa dos produtos agrícolas pelos fiscais, ou destinação dada pelo depositário, mas tão somente, menção da perda e desvio, bem como, das condições desfavoráveis (falta de higienização e presença de inseto) do armazenamento do produto.
(...)
O desvio ou perda decorrente da mera deterioração ou má conservação, apesar de estar inserida no âmbito das responsabilidades do Depositário, não se traduz no resultado material do crime de apropriação indébita, ou seja, a inversão em definitivo da posse dos bens, seja em proveito próprio ou alheio, e o elemento subjetivo do tipo animus rem sibi habendi.
Mesmo que haja responsabilidade convencional pela conservação dos produtos guardados pelo réu NEDILE REGINATTO, na qualidade de representante da ALVORADA ARMAZÉNS GERAIS LTDA, as consequências deste ato, seja conduta dolosa ou culposa, não ultrapassou a esfera civil, visando atestar a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal do art. 168, §1°, III do CP.
O Direito Penal, como sabido, é subsidiário, só atua quando os demais ramos são inoperantes ou ineficientes para a pacificação social, ou ainda, quando bens fundamentais são ameaçados ou ofendidos, especialmente em razão do seu princípio gestor, a fragmentariedade da norma criminal.
Outrossim, impera no ordenamento criminal a responsabilidade subjetiva e não é aceita, sequer, resquícios da culpabilidade do autor, porque a pessoa que infringe as leis penais responde pelo fato praticado, em razão de ação ou omissão, nunca pelo que foi ou é (personalidade e conduta social).
Como discorrido, há nos autos prova extensa e robusta da perda e desvio dos produtos agrícolas (desvio de "559.381Kg de milho em grãos da safra 93/94" e desvio e perda em armazenamento de "2.047.686Kg de arroz em casca das safras de 92/95") vinculados a EGF e sob a posse direta do acusado NEDILE REGINATTO, em razão do contrato de depósito para guarda e conservação (fI. 10 IPL).
Ao revés, o acervo judicial não torna inconteste a prática pelo acusado Nedile de todas as elementares do art. 168, §1°, III do CP, porque não atesta que a posse desses produtos, desviados e perdidos, foi invertida para a esfera de disponibilidade do representante da contratada, seja em proveito próprio ou alheio, requisito indispensável para a caracterização criminosa da conduta e a existência material do delito.
Registre-se que o tipo penal do art. 168, §1°, III do CP é material, exige além da mera conduta o resultado previsto na norma, a "apropriação" da coisa alheia móvel que o possuidor ou detentor de forma dolosa e consciente da reprovabilidade social de sua conduta, outrora, recebeu legitimamente.
Logo, se não restaram demonstrados pelas provas produzidas em juízo todos os requisitos do tipo legal do crime de apropriação indébita, consubstanciados na posse ou detenção, qualidade de móvel do bem depositado e o animus rem sibi habendi na conduta do réu, não há comprovação da ocorrência do art. 168, §1°, III do CP." - fls. 546 verso/547 verso

Ao contrário do entendimento adotado pelo Juízo de Primeiro Grau, no entanto, estão configurados todos os elementos do tipo descrito no artigo 168 do Código Penal dado que não se trata apenas de deterioração dos produtos armazenados, mas sim de desaparecimento (desvio) de 525.088 kg (quinhentos e vinte e cinco mil e oitenta e oito quilogramas) de arroz com casca ensacado da safra de 94/95, vinculados às CDAs 55.4375.006-0 e 55.4375.0001-0 (fls. 64 a 66 dos autos do inquérito policial em apenso).

Com relação ao milho, verifica-se também o desvio (desaparecimento) de quantidade correspondente a 28,33% (já descontado o desvio técnico de 10% admitido pela CONAB), o que corresponde a 559.381 kg (quinhentos e cinqüenta e nove mil trezentos e oitenta e um gramas) de milho.

No interrogatório judicial o co-réu NEDILE REGINATTO negou a ocorrência do desvio, justificando que as perdas foram ocasionadas pelas condições precárias de armazenamento dos produtos. Segue a transcrição do depoimento:

"que o interrogando era proprietário, junto com sua esposa Ana Zeni, da empresa Alvorada Armazéns Gerais Ltda. Que recebia nesse armazém depósito de produtos vinculados a EGF e AGF do governo federal. Que não fez os desvios dos produtos indicados na denúncia. O que ocorreu foi que na época houve uma sobrecarga nos armazéns e a Conab autorizou o armazenamento a céu aberto do arroz. O armazém do depoente fez armazenamento a céu aberto do arroz, cobrindo com lona preta, tipo essas usadas em barracos de sem-terra. A chuva e o vento acabavam por levantar essas lonas molhando o arroz. Inclusive o armazém teve que trocar essas lonas por várias vezes. O arroz ficou depositado nesse sistema por uns dois ou três anos. Que houve muita perda em razão desse tipo de armazenagem. Nesse período, a Conab foi retirando produto de arroz que era vendido ou transferido e ao final acabou se detectando essa quebra. Que nessas retiradas da Conab, se verificava que parte do arroz, que ficava na parte de baixo e nas laterais da lona, estava podre, e esses carregamentos eram feitos só com o arroz bom, o que estava estragado já era descartado ali. Por diversas vezes o depoente comunicou a Conab, por escrito, protocolando carta no Banco do Brasil local, informando sobre essas perdas e pedindo providências, mas eles só ficavam enrolando, retiravam poucas quantidades de arroz. Toda essa perda que teve foi deterioração do produto. Não desviou nada. Que em relação ao milho, foi depositado em armazém que não tem aeração e termometria, e por isso o armazém tinha que constantemente tirar o produto de um silo e passar para o outro, mas mesmo assim deu perda nessa armazenagem que ficou por cerca de cinco anos. Que ao final, quando foi retirado esse produto, teve uma parte que estava deteriorada. Por mais de uma vez, cerca de três ou quatro, comunicou por escrito a Conab para retirar o milho que estava se deteriorando. Que eles não atenderam de imediato mas quando atenderam constataram a perda do milho. Que nos contratos que fez com a Conab havia clausula estipulando o percentual máximo de perda admissível na armazenagem conhecida como quebra técnica. Que o réu Fernando trabalhava no escritório do armarem, com procuração para mexer com coisas de banco, e até assinou alguns contratos desse com a Conab. Era o depoente quem administrava a empresa Alvorada Armazéns Gerais Ltda. Que sua esposa Ana Zeni Reginatto apenas era sócia da empresa, mas nem no armazém ela ia, não participava da administração, mas chegou também a assinar alguns contratos desses com a Conab. Teve uma época em que o interrogando e a ré Ana Zeni estavam respondendo alguma coisa na justiça, e aí o co-réu Fernando por sugestão do Banco do Brasil assinou alguns desses contratos. Não conhece as provas do processo. Nada tem contra as testemunhas. Que responde a processo crime em Rio Brilhante. Às perguntas do ministério público: que os quantitativos indicados na denúncia como desvio de produto foram as perdas de armazenagem por deterioração do produto. Que o tipo de problema que tinha com a justiça na época das assinaturas dos contratos era com bancos. As perguntas da defesa: que a Conab não tinha prazo fixado no contrato para a retirada dos produtos." (fls. 245/246)

As precárias condições de armazenamento não podem justificar a perda de mais de uma tonelada de produtos (arroz e milho), não se podendo imputar à fiscalização e tampouco ao órgão de acusação o ônus de provar o destino desses produtos, dado que desapareceram do armazém quando estavam sob custódia do co-réu NEDILE, sócio proprietário e administrador da empresa.

Com relação ao arroz com casca ensacado, conforme acima consignado, sequer se pode falar em deterioração visto que todo o produto desapareceu do armazém, o que corrobora a acusação do Ministério Público Federal no sentido de que esses produtos foram, efetivamente, desviados pelo depositário.

Deve ser consignado, ainda, que se a deterioração tivesse sido a causa do desaparecimento dos produtos - conforme sustentado pelo co-réu NEDILE - deveriam existir ao menos restos dos grãos apodrecidos ou embolorados, o que não ocorreu, conforme apontado pelo Ministério Público Federal nas razões recursais.

A autoria do crime também está comprovada. Embora o co-réu FERNANDO tenha assinado o contrato como fiel depositário, as provas testemunhais produzidas nos autos corroboram a tese da defesa no sentido de que FERNANDO era motorista do armazém e empregado do co-réu NEDILE, não tendo poderes de administração para zelar pelo armazenamento e conservação dos produtos que transportava, pelo que era de rigor sua absolvição, conforme postulado pelo Ministério Público Federal em suas razões finais.

A absolvição da co-ré ANA ZENI REGINATTO também se impunha diante da comprovação de que, embora sócia da empresa de armazenagem com seu marido NEDILE, não participava das atividades da empresa sequer indiretamente, não podendo, pois, ser responsabilizada pelo desaparecimento dos produtos.

Comprovadas a autoria e a materialidade do delito de apropriação indébita, passo à dosimetria da pena.

Na primeira fase de dosimetria da pena, atenta às diretrizes do artigo 59 do Código Penal, verifico pelas informações criminais constantes dos autos que o acusado é tecnicamente primário e não possui antecedentes criminais a desfavorecê-lo.

Por outro lado, consoante se verifica dos Termos de Notificação/Vistoria, o desaparecimento de grande quantidade de grãos em poder do apelado, mais de duas toneladas de arroz e mais de meia tonelada de milho, há que se considerar as graves conseqüências que resultaram tanto para a coletividade como para o ente público que deixou de executar as políticas públicas para o abastecimento alimentar no país, denotando maior culpabilidade do agente, o que obriga a exasperação da pena base, para patamar acima do mínimo legal, de modo que fixo a pena-base em 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, além do pagamento de 18 (dezoito) dias-multa.

Não há agravantes ou atenuantes a serem consideradas na segunda fase da dosimetria da pena.

Na terceira fase, considerando que o apelado recebeu os produtos em depósito em razão de sua atividade profissional, devido ao ramo específico de sua empresa, deve ser aplicada a causa de aumento do inciso III do § 1º do art. 168 do Código Penal. Nestes termos doutrina Guilherme de Souza Nucci:

"Ofício, emprego ou profissão: a apropriação, quando cometida por pessoas que, por conta das suas atividades profissionais de um modo geral, terminam recebendo coisas, através de posse ou detenção, para devolução futura, é mais grave. Por isso, merece o autor pena mais severa. Não vemos necessidade, nesta hipótese, de haver relação de confiança entre o autor e a vítima, pois o tipo penal não a exige - diferentemente do que ocorre no caso de furto qualificado (art. 155, § 4º, II)"
(in "Código de Processo Penal Comentado", 4ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, p. 561)

Com isso, aplicado o aumento de 1/3, a pena resulta em 2 (dois) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, e 24 (vinte e quatro) dias-multa.

Ainda, verifico estarem presentes as condições estabelecidas no artigo 71 do Código Penal, vez que o delito foi cometido em continuidade delitiva averiguada com as diversas vistorias (30/10/96, 04/02/97, 24/07/97, 17/09/97, 03/12/1997 e 30/04/98) tendo persistido no mesmo "modus operandi", razão pela qual aplico a majorante relativa à continuidade delitiva à razão de 1/6, resultando a pena, em definitivo, de 2 (dois) anos, 7 (sete) meses e 3 (três) dias de reclusão e 28 (vinte e oito) dias-multa, arbitrados no valor unitário mínimo legal, vigente à época dos fatos.

O regime inicial de cumprimento de pena é o aberto, presentes os requisitos legais.

Por fim, observo que a pena corporal fixada é inferior a 4 (quatro) anos e o delito não foi cometido com utilização de violência ou grave ameaça, bem como o réu não é reincidente e as circunstâncias previstas no art. 44, inc. III, do Código Penal, indicam que a substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos será suficiente a título de reprimenda.

Assim sendo, substituo a pena privativa de liberdade acima fixada por duas penas restritivas de direitos, quais sejam, uma pena de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo, e prestação pecuniária equivalente a 20 (vinte) salários mínimos, que reverterá em prol de entidade beneficente a ser indicada pelo juízo da execução penal, além de manter a pena de multa já arbitrada anteriormente.

Diante do exposto, dou provimento ao recurso ministerial para reformar a sentença e, assim, condenar o réu NEDILE REGINATTO pela prática do delito previsto no artigo 168, § 1º, inc. III, c.c. art. 71, todos do Código Penal, à pena de 2 (dois) anos, 7 (sete) meses e 3 (três) dias de reclusão e 28 (vinte e oito) dias-multa, substituída a pena restritiva de liberdade por restritivas de direitos, nos moldes acima consignados.

É COMO VOTO.


TÂNIA MARANGONI
Juíza Federal Convocada


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