Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 24/01/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008617-66.2005.4.03.6106/SP
2005.61.06.008617-7/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : VALTER DE LUCCA
ADVOGADO : MARCELO DE LUCCA e outro
APELADO : Justica Publica
EXCLUIDO : ANTONIO CARLOS LOPES
No. ORIG. : 00086176620054036106 1 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO. DENÚNCIA QUE NÃO APONTA AS CIRCUNSTÂNCIAS TEMPORAIS DO FATO CRIMINOSO: INÉPCIA. CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA: PRESCRIÇÃO.
1. Apelação da Defesa contra sentença que condenou o réu como incurso nos artigos 299 e 304 c.c. o artigo 69, todos do Código Penal.
2. Quanto ao crime de uso de documento falso, verifica-se a existência de causa impeditiva da análise do mérito do recurso, sendo o caso de reconhecimento, de ofício, de inépcia da denúncia.
3. A denúncia não preenche os requisitos exigidos pelo artigo 41 do Código de Processo Penal, no tocante à exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias. A denúncia não aponta as circunstâncias temporais do fato criminoso, ou seja, não diz quando o réu teria praticado a conduta indicada, embora faça referência a momentos anteriores, com relação à confecção dos documentos ideologicamente falsos.
4. Excepcionalmente, admite-se que a denúncia não indique exatamente a data em que ocorreu o delito, se tal circunstância não foi passível de apuração durante a tramitação do inquérito policial. Contudo, em tais casos, a denúncia deve indicar que se trata de circunstância temporal ignorada ou incerta, e indicá-la ao menos aproximadamente.
5. Não é o caso dos autos, em que o Ministério Público Federal, tendo em mãos do inquérito policial, teria condições de indicar, ao menos aproximadamente, o período da conduta criminosa.
6. Além de exigida pelo artigo 41 do Código de Processo Penal, a indicação da data da prática do suposto ilícito é essencial para a verificação da ocorrência de prescrição e para a colheita de provas na ação penal e não restou especificada. Precedentes.
7. Quanto ao crime de falsidade ideológica, ocorreu a prescrição da pretensão punitiva estatal, na modalidade retroativa. A pena in concreto aplicada na sentença foi de um ano de reclusão, de modo que o prazo prescricional a ser aplicado é de 4 anos, nos termos do artigo 109, V, do Código Penal. Verifica-se a ocorrência da prescrição entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia, posto que decorridos mais de 4 anos no interstício.
8. Reconhecida a inépcia da denúncia quanto ao crime de uso de documento falso. Apelação parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, quanto ao crime de uso de documento falso, de ofício, reconhecer a inépcia da denúncia e anular a ação penal, ab initio, sem prejuízo de que outra denúncia seja regularmente oferecida e, neste ponto, julgar prejudicado o recurso de apelação; e dar parcial provimento ao recurso de apelação para reconhecer a extinção da punibilidade, quanto ao crime de falsidade ideológica, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, nos termos dos artigos 107, IV, 109, V, e 110, §1º, todos do Código Penal combinados com o artigo 61, caput, do Código de Processo Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 15 de janeiro de 2013.
MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008617-66.2005.4.03.6106/SP
2005.61.06.008617-7/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : VALTER DE LUCCA
ADVOGADO : MARCELO DE LUCCA e outro
APELADO : Justica Publica
EXCLUIDO : ANTONIO CARLOS LOPES
No. ORIG. : 00086176620054036106 1 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

RELATÓRIO

O Juiz Federal Convocado Márcio Mesquita (Relator):



O Ministério Público Federal ofereceu denúncia, em 16/12/2005, contra ANTÔNIO CARLOS LOPES e VALTER DE LUCCA, qualificados nos autos, nascidos aos 04/06/1962 e 27/02/1956, respectivamente, dando este como incurso no artigo 304 c.c. o artigo 299 do Código Penal e ANTÔNIO LOPES como incurso no artigo 299 do Código Penal. Consta da denúncia:

... Consta dos presentes autos que, em 18 de maio de 1997 e 23 de janeiro de 2001, os acusados, com unidade de desígnios, a fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante (o valor dos "honorários" percebidos pelo acusado Valter de Lucca em decorrência dos serviços prestados à Indústria de Lajes Rio Preto), inseriram declarações falsas em documentos particulares (fls. 74/75), bem como que o acusado Valter de Lucca fez uso de tais documentos falsos na reclamação trabalhista 1.257/2003-2, que tramitou perante a 2ª Vara do Trabalho de São José do Rio Preto.
Com efeito, o uso do documento falso pelo primeiro denunciado encontra-se demonstrado às fls. 03/09, 49/50 e 94/96, enquanto que a falsidade de tal documento, e a participação do segundo denunciado na sua formação, encontra-se evidenciada às fls. 06/07, 49/50, 55/56, 58/59, 80/82 e 94/96.
José Antônio Lopes, representante da empresa "Industria de Lajes Rio Preto Ltda", declarou, às fls. 55, que "Valter de Lucca não percebia aqueles salários mensais na empresa, conforme constou das declarações juntadas aos autos e isso foi feito e consignado daquela forma por sugestão do próprio gerente do Banco Real". Declarou, ainda, na Justiça do Trabalho, conforme fls. 06/07, que quem firmou as declarações foi seu irmão, ora denunciado, Antônio Carlos Lopes.
Ouvido às fls.58, o denunciado Antônio Carlos Lopes confessou ter assinado as declarações de fls.74 e 75, onde constaram valores de retirada mensais muito acima do que Valter de Lucca realmente recebia na empresa.
Tal fato é ainda comprovado pelo laudo às fls. 81/82, que atesta que as assinaturas constantes nas declarações às fls. 75 e 76 provieram do punho do denunciado.
Deve-se observar, ainda, que consoante depoimentos constantes às fls. 55/56 e 57/58, os documentos particulares ideologicamente falsos às fls. 75 e 76 foram confeccionados com o objetivo de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, qual seja, o valor percebido pelo acusado Valter de Lucca, e, assim, este conseguir aumentar o seu limite de cheque especial relacionado a conta corrente existente junto ao Banco Real...

A denúncia foi recebida em 19/12/2005 (fls. 125/127).

Pela decisão de fls. 197/199, determinou-se o desmembramento do processo com relação ao réu ANTÔNIO CARLOS LOPES, em razão de aceitação da proposta do Ministério Público Federal de suspensão condicional do processo em pelo prazo de dois anos.

Processado o feito, sobreveio sentença, da lavra do MM. Juiz Federal Substituto Roberto Polini e publicada em 27/04/2009 (fl. 281), que condenou o réu VALTER DE LUCCA como incurso nos artigos 299 e 304 c.c. o artigo 69, todos do Código Penal, à pena de 01 (um) ano de reclusão para cada um dos crimes, totalizando 02 (dois) anos de reclusão, a ser cumprida no regime aberto, e ao pagamento de 10 (dez) dias multa para cada crime, totalizando 20 (vinte) dias multa, no valor de 1/30 do salário mínimo cada.

A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direito, sendo uma prestação pecuniária, consistente no pagamento de 2 (dois) salários mínimos, e outra de prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, pelo prazo da pena aplicada, cabendo ao juiz da execução definir a entidade beneficiada, a forma e as condições de cumprimento da pena.

O réu apela (fl. 285). Razões às fls. 292/299. Preliminarmente, requer o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva na modalidade retroativa. No mérito, pede a absolvição do acusado, nos termos do artigo 386, VII, ao argumento de que os fatos não restaram suficientemente provados.

Afirma o réu que os valores constantes das declarações eram verdadeiros; que não há prova de que os documentos tenham sido utilizados para aumento de crédito no Banco Real S/A; que tanto a empresa quanto seu sócio-proprietário alegaram que as declarações eram falsas tendo em vista o temor da perda da ação trabalhista.

Contrarrazões do Ministério Público Federal às fls. 301/308.

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra da Procuradora Regional da República Ana Lúcia Amaral, opinou pelo conhecimento do recurso, pelo acolhimento da preliminar de prescrição e pelo não conhecimento da matéria de mérito (fls. 310/313).


É o relatório.

Ao MM. Revisor.


MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008617-66.2005.4.03.6106/SP
2005.61.06.008617-7/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : VALTER DE LUCCA
ADVOGADO : MARCELO DE LUCCA e outro
APELADO : Justica Publica
EXCLUIDO : ANTONIO CARLOS LOPES
No. ORIG. : 00086176620054036106 1 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

VOTO

O Juiz Federal Convocado Márcio Mesquita (Relator):



1. Quanto ao crime de uso de documento falso, verifico a existência de causa impeditiva da análise do mérito do recurso, sendo o caso de reconhecimento, de ofício, de inépcia da denúncia.

A denúncia oferecida pelo Parquet Federal não preenche os requisitos exigidos pelo artigo 41 do Código de Processo Penal, no tocante à exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias. Confira-se o inteiro teor da denúncia:


... Consta dos presentes autos que, em 18 de maio de 1997 e 23 de janeiro de 2001, os acusados, com unidade de desígnios, a fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante (o valor dos "honorários" percebidos pelo acusado Valter de Lucca em decorrência dos serviços prestados à Indústria de Lajes Rio Preto), inseriram declarações falsas em documentos particulares (fls. 74/75), bem como que o acusado Valter de Lucca fez uso de tais documentos falsos na reclamação trabalhista 1.257/2003-2, que tramitou perante a 2ª Vara do Trabalho de São José do Rio Preto.
Com efeito, o uso do documento falso pelo primeiro denunciado encontra-se demonstrado às fls. 03/09, 49/50 e 94/96, enquanto que a falsidade de tal documento, e a participação do segundo denunciado na sua formação, encontra-se evidenciada às fls. 06/07, 49/50, 55/56, 58/59, 80/82 e 94/96.
José Antônio Lopes, representante da empresa "Industria de Lajes Rio Preto Ltda", declarou, às fls. 55, que "Valter de Lucca não percebia aqueles salários mensais na empresa, conforme constou das declarações juntadas aos autos e isso foi feito e consignado daquela forma por sugestão do próprio gerente do Banco Real". Declarou, ainda, na Justiça do Trabalho, conforme fls. 06/07, que quem firmou as declarações foi seu irmão, ora denunciado, Antônio Carlos Lopes.
Ouvido às fls.58, o denunciado Antônio Carlos Lopes confessou ter assinado as declarações de fls.74 e 75, onde constaram valores de retirada mensais muito acima do que Valter de Lucca realmente recebia na empresa.
Tal fato é ainda comprovado pelo laudo às fls. 81/82, que atesta que as assinaturas constantes nas declarações às fls. 75 e 76 provieram do punho do denunciado.
Deve-se observar, ainda, que consoante depoimentos constantes às fls. 55/56 e 57/58, os documentos particulares ideologicamente falsos às fls. 75 e 76 foram confeccionados com o objetivo de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, qual seja, o valor percebido pelo acusado Valter de Lucca, e, assim, este conseguir aumentar o seu limite de cheque especial relacionado a conta corrente existente junto ao Banco Real...

Bem se vê que a denúncia não aponta as circunstâncias temporais do fato criminoso, ou seja, não diz quando o réu teria praticado a conduta indicada, embora faça referência a momentos anteriores, com relação à confecção dos documentos ideologicamente falsos.

É certo que, excepcionalmente, admite-se que a denúncia não indique exatamente a data em que ocorreu o delito, se tal circunstância não foi passível de apuração durante a tramitação do inquérito policial.

Contudo, em tais casos, a denúncia deve indicar que se trata de circunstância temporal ignorada ou incerta, e indicá-la ao menos aproximadamente.

Não é o caso dos autos, em que o Ministério Público Federal, tendo em mãos do inquérito policial, teria condições de indicar, ao menos aproximadamente, o período da conduta criminosa.

Além de exigida pelo artigo 41 do Código de Processo Penal, a indicação da data da prática do suposto ilícito é essencial para a verificação da ocorrência de prescrição e para a colheita de provas na ação penal e não restou especificada.

No sentido de que a indicação data do fato delituoso, quando possível, é imprescindível, encontramos os seguintes precedentes:


EMENTA: Ação penal originária: inépcia da denúncia. Não é apta a denúncia que sequer especifica a data em que os fatos teriam ocorrido, impossibilitando, até mesmo, a verificação da ocorrência da prescrição.
STF - Pleno - Inq 1423-MG - Rel.Min. Sepúlveda Pertence - DJ 17.12.2004 p.33
HABEAS CORPUS. RÉU MENOR DE DEZOITO ANOS, A DATA DO FATO CRIMINOSO. INIMPUTABILIDADE. Denuncia inepta, se não precisa a data do fato, havendo duvida se o evento sucedeu antes de o paciente completar dezoito anos de idade. Habeas corpus deferido para decretar a nulidade do processo, "ab initio".
STF - 1a Turma - HC 59687-SP - Rel.Min. Néri da Silveira - DJ 25.03.1983 p.3463

Assim, com relação ao crime de uso de documento falso, é de ser reconhecida a inépcia da denúncia.


2. Quanto ao crime de falsidade ideológica, ocorreu a prescrição da pretensão punitiva estatal, na modalidade retroativa.

Isto porque a pena in concreto aplicada na sentença foi de 1 (um) ano de reclusão, de modo que o prazo prescricional a ser aplicado é de 4 anos, nos termos do artigo 109, V, do Código Penal.

Assim, verifica-se a ocorrência da prescrição entre a data dos fatos (18/05/1997 e 23/01/2001) e o recebimento da denúncia (19/12/2005), posto que decorridos mais de 4 anos no interstício.


3. Da conclusão: pelo exposto, quanto ao crime de uso de documento falso, de ofício, reconheço a inépcia da denúncia e anulo a ação penal, ab initio, sem prejuízo de que outra denúncia seja regularmente oferecida e, neste ponto, julgo prejudicado o recurso de apelação; e dou parcial provimento ao recurso de apelação para reconhecer a extinção da punibilidade, quanto ao crime de falsidade ideológica, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, nos termos dos artigos 107, IV, 109, V, e 110, §1º, todos do Código Penal combinados com o artigo 61, caput, do Código de Processo Penal.

É o voto.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): MARCIO SATALINO MESQUITA:10125
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Data e Hora: 03/12/2012 14:09:16