Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 06/03/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002605-68.2007.4.03.6105/SP
2007.61.05.002605-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : ADRIANA DASSUMPCAO FERREIRA
ADVOGADO : ESTEVAO HENRIQUE PEREIRA DOS SANTOS e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00026056820074036105 9 Vr CAMPINAS/SP

EMENTA


PENAL. DESCAMINHO POR TRANSPORTE AÉREO. INOCORRÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO PARA A ACUSAÇÃO: RECURSO DO MP PLEITEANDO MAJORAÇÃO DE PENA: IMPOSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO DE PRESCRIÇÃO COM BASE NA PENA FIXADA PELA SENTENÇA. PRELIMINAR REJEITADA. ILUSÃO DE PARTE DE PAGAMENTO DE IMPOSTO DEVIDO PELA IMPORTAÇÃO DE MERCADORIAS NO PAÍS. MATERIALIDADE E AUTORIA CONMPROVADAS. INOCORRÊNCIA DE CRIME IMPOSSÍVEL. EFICÁCIA DO MEIO EMPREGADO: PESAGEM E CONFERÊNCIA DA CARGA. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA. APREENSÃO DA MERCADORIA EM ZONA ADUANEIRA PRIMÁRIA: IRRELEVÂNCIA NO CRIME DE DESCAMINHO NA MODALIDADE DE IMPORTAÇÃO: DELITO FORMAL. CONSUMAÇÃO COM O EFETIVO INGRESSO DA MERCADORIA NO TERRITÓRIO NACIONAL. EXCLUSÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA PENA PELA TENTATIVA.
1 . A prescrição retroativa, calculada pela pena em concreto fixada pela sentença, apenas ocorre após o trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação ou depois de improvido seu recurso: Art. 110, § 1º do CP. Inocorrência do trânsito em julgado para a acusação, diante da existência de recurso ministerial requerendo a majoração da pena fixada na sentença. Caso em que a prescrição deve ser calculada com base na pena em abstrato cominada ao delito: Art. 109, do CP. Lapso prescricional não ultrapassado. Preliminar rejeitada.
2 . Comprovada nos autos a materialidade e autoria do crime de descaminho por transporte aéreo praticado pela ré, que, como proprietária de empresa importadora, iludiu parte do pagamento de imposto devido pela entrada, em território nacional, de produtos não declarados nos respectivos conhecimentos de transporte e faturas, bem como produtos declarados por valor inferior ao preço do mercado internacional.
3 .Apesar de existir regulamentação própria para a conferência das cargas que entram no território nacional, o meio empregado para a execução do crime foi capaz de promover a internação da mercadoria, e a diferença entre o peso real e o peso declarado apenas foi descoberto após ter sido realizada a pesagem e conferência da carga, que revelou seu valor real. Não se há de falar em atipicidade da conduta ou crime impossível, pelo fato de a fraude ser grosseira, visível a olho nu, tendo em vista que foi necessária a medição da carga para que fosse descoberta, não havendo ineficácia absoluta do meio ou absoluta impropriedade do objeto.
4 . Condenação mantida.
5 . Pena-base mantida em um ano de reclusão, aplicada em dobro pelo fato de o crime ter sido praticado por transporte aéreo, fixada em dois anos de reclusão: § 3º. do art. 334, do CP.
6 . O crime de descaminho imputado à ré, na figura básica prevista no artigo 334 ,do CP na modalidade de importação, consiste na ilusão, no todo ou em parte, do pagamento dos tributos devidos pela entrada de mercadorias estrangeiras no País. Trata-se de crime formal, instantâneo, que não exige, para sua ocorrência, um resultado naturalístico. Consumou-se no momento em que a mercadoria importada ingressou no território nacional, com a ilusão dos tributos devidos pela importação, independente do local, ou seja, dentro ou fora da alfândega. Apenas ocorre a tentativa em momento anterior à entrada da mercadoria no território nacional.
7 . Excluída, da dosimetria da pena, a causa de redução prevista no artigo 14, II, do CP. Pena majorada para dois anos de reclusão.
8 . Manutenção do regime fixado para o início do cumprimento da pena e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos lançados pela sentença.
9 . Preliminar de prescrição rejeitada. Apelação da defesa a que se nega provimento.
10 . Apelação ministerial a que se dá provimento, para excluir da dosimetria da pena da ré, a causa de redução prevista no art. 14, II, do CP e majorar sua pena para dois anos de reclusão.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar e, no mérito, negar provimento à apelação da defesa e dar provimento à apelação ministerial para excluir da dosimetria da pena da ré, a causa de redução prevista no art. 14, II, do CP e majorar sua pena para dois anos de reclusão, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 25 de fevereiro de 2013.
Antonio Cedenho
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002605-68.2007.4.03.6105/SP
2007.61.05.002605-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : ADRIANA DASSUMPCAO FERREIRA
ADVOGADO : ESTEVAO HENRIQUE PEREIRA DOS SANTOS e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00026056820074036105 9 Vr CAMPINAS/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


Trata-se de apelações criminais interpostas pela JUSTIÇA PÚBLICA e por ADRIANA D'ASSUMPÇÃO FERREIRA contra sentença que condenou a ré pela prática do crime previsto no artigo 334, § 3º, c/c o artigo 14, II, ambos do Código Penal.


O Ministério Público Federal denunciou a acusada como incursa nas penas do artigo 334, § 3º do Código Penal.


Consta da exordial (fls. 127/129):



"... No dia 5 de março de 2005, a acusada ADRIANA D'ASSUMPÇÃO FERREIRA iludiu o pagamento de imposto devido pela entrada de mercadoria no país via transporte aéreo.
Segundo o apurado, na data supramencionada, chegaram na Alfândega do Aeroporto Internacional de Viracopos mercadorias consignadas à empresa "Adhara Comércio de Suprimentos para escritório Ltda.", da qual a acusada ADRIANA D'ASSUMPÇÃO FERREIRA é sócia e administradora. Estas mercadorias foram amparadas pelos conhecimentos de carga AWB 549-1135.5945 (DTA 05/0071885-7)- constituída de 3 (três) volumes com peso declarado de 584 kg (quinhentos e oitenta e quatro quilogramas)- e AWB 549-1135.5956 (DTA 05/0071879-2)- constituída de 4 (quatro) volumes, com peso declarado de 491 kg (quatrocentos e noventa e um quilogramas).
Ademais, a carga de AWB 549-1135.5945, descrita como "Electronics parts" (componentes eletrônicos) e com nº de fatura SO5013, foi declarada com valor FOB de US$ 5.516,14 (cinco mil, quinhentos e dezesseis dólares estadunidenses e catorze centavos), o equivalente, à época, a R$ 14.726,99 (catorze mil, setecentos e vinte e seis reais e noventa e nove centavos); ao passo que a carga de AWB 549-1135.5956, também descrita como "Eletronics parts" e com nº de fatura SO5014, foi declarada com valor FOB de U$6.694,35 (seis mil, seiscentos e noventa e quatro dólares estadunidenses e trinta e cinco centavos), o equivalente, à época, a R$ 17.872,57 (dezessete mil, oitocentos e setenta e dois reais e cinqüenta e sete centavos).
Ocorre que a Alfândega do Aeroporto Internacional de Viracopos fiscalizou o conteúdo da carga de AWB 549-1135.5945 e descobriu que esta tinha peso real de 605,50 kg (seiscentos e cinco quilograma e quinhentos gramas) e o valor total de suas mercadorias atingia a cifra de US$ 83.626,16 (oitenta e três mil, seiscentos e vinte e seis reais e dezesseis centavos), o equivalente, à época, a R$ 223.256,75 (duzentos e vinte e três mil, duzentos e cinqüenta e seis reais e setenta e cinco centavos), ou seja, R$ 208.529,76 (duzentos e oito mil, quinhentos e vinte e nove reais e setenta e seis centavos) de diferença em relação ao valor declarado.
A Alfândega ainda fiscalizou o conteúdo da carga de AWB 549-1135.5956, cujo peso real foi apurado em 503 (quinhentos e três quilogramas) e o valor total de suas mercadorias, em US$ 49.759,61 (quarenta e nove mil, setecentos e cinqüenta e nove dólares estadunidenses e sessenta e um centavos. Este valor equivalia, à época, a R$ 132.843,22 (cento e trinta e dois mil, oitocentos e quarenta e três reais e vinte e dois centavos), o que significa R$ 114.970,65 (cento e catorze mil, novecentos e setenta reais e sessenta e cinco centavos) de diferença em relação ao valor declarado.
Tendo em vista o valor das mercadorias importadas pela denunciada e o disposto no art. 65 da Lei nº 10.833/2003, conclui-se que a acusada ADRIANA D'ASSUMPÇÂOP FERREIRA iludiu tributos federais no montante de R$ 178.049,98 (cento e setenta e oito mil, quarenta e nove reais e noventa e oito centavos).
Desta forma, na esfera administrativa foram aplicadas à denunciada ADRIANA D'ASSUMPÇÃO FERREIRA multa e pena de perdimento das mercadorias (conforme auto de infração de fls. 41/42 e termo de apreensão e guarda fiscal de fls. 84/108, do Apenso I).
(...)"

A denúncia foi recebida em 27 de agosto de 2008 (fl. 130).


Após regular instrução foi proferida a sentença de fls. 580/588, publicada em 01 de julho de 2011, que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal para condenar Adriana D'Assumpção Ferreira como incursa nas sanções do artigo 334, § 3º, c/c o artigo 14, II, fixando a pena de 8 (oito) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial aberto.


A pena privativa de liberdade foi substituída por uma restritiva de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, a ser especificada pelo Juízo das Execuções.


Apelam a Justiça Pública e a ré condenada.


Nas razões de fls. 597/604, o representante do "Parquet" Federal requer a reforma parcial da sentença, a fim de afastar a causa de diminuição de pena prevista no artigo 14, II e § único do CP, sob a alegação de que o crime ocorreu na forma consumada.


A defesa, por sua vez, requer, preliminarmente, a declaração da extinção da punibilidade da apelante, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva.


No mérito, requer a absolvição da ré, sob a alegação de atipicidade da conduta por se tratar de crime impossível.


Contrarrazões às fls. 615/622 e 646/651.


A Procuradoria Regional da República, no parecer de fls. 653/654, opina seja dado provimento à apelação ministerial e negado provimento ao recurso da defesa.


É o relatório.


À revisão.





Antonio Cedenho
Desembargador Federal


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Data e Hora: 17/01/2013 21:46:57



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002605-68.2007.4.03.6105/SP
2007.61.05.002605-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : ADRIANA DASSUMPCAO FERREIRA
ADVOGADO : ESTEVAO HENRIQUE PEREIRA DOS SANTOS e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00026056820074036105 9 Vr CAMPINAS/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


Não merece acolhida a preliminar de prescrição com base na pena aplicada na sentença.


O artigo 109 do CP dispõe que a prescrição, antes do trânsito em julgado da sentença final, salvo o disposto nos parágrafos 1º e 2º do artigo 110 do mesmo texto legal, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao delito, verificando-se nos prazos dispostos nos incisos I a VI.


Da combinação do teor do artigo 110 e § 1º, do CP, extrai-se que a prescrição retroativa, que é calculada com base na pena aplicada pela sentença, ocorre depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, e verifica-se nos prazos fixados no artigo 109 do mesmo texto legal.


Os fatos ocorreram em 05 de março de 2005, a denúncia foi recebida em 27 de agosto de 2008 e a sentença condenatória foi publicada em 1º de julho de 2011 (fls. 589).


A sentença condenou a ré à pena de oito meses de reclusão, que, consoante o artigo 109, VI, do CP, prescreve em dois anos.


Assim, caso ocorresse o trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação, seria o caso de reconhecer-se a prescrição retroativa, uma vez que teria sido ultrapassado o lapso temporal de dois anos entre a data dos fatos e a do recebimento da denúncia, bem como entre este e a sentença condenatória.


Ocorre, porém, que o Ministério Público Federal interpôs recurso de apelação requerendo a majoração da pena fixada na sentença.


Logo, não ocorreu o trânsito em julgado para a acusação, de maneira que não se há de falar em prescrição da pretensão punitiva na modalidade retroativa com base na pena aplicada na sentença, devendo esta ser calculada com base na pena em abstrato cominada ao delito (quatro anos, que prescreve em oito anos), lapso temporal que não foi ultrapassado.


Diante do exposto, afasto a preliminar e passo ao exame do mérito das apelações.


Os fatos imputados à acusada restaram devidamente comprovados durante a instrução criminal.


Os fiscais da Alfândega do Aeroporto Internacional de Viracopos, em vistoria realizada nos conhecimentos de carga AWB 549-1135.5945 (DTA 05/0071885-7) e AWB 549-1135.5956 constataram que a carga importada destinada à empresa Adhara, da qual a acusada é sócia-gerente e administradora, e que foi por ela submetida a despacho de trânsito aduaneiro, continha grande quantidade de produtos não declarados nos respectivos conhecimentos de transporte e faturas, bem como produtos declarados por valor inferior ao preço do mercado internacional, a fim de iludir o pagamento dos tributos.


A materialidade do crime de descaminho por transporte aéreo está demonstrada pelo ofício da Alfândega do Aeroporto Internacional de Viracopos, datado de 27.02.2008, que encaminhou informações prestadas pelo Auditor Fiscal que lavrou o Auto de Infração constante do procedimento fiscal, e a discriminação das mercadorias (fls. 82/83 e 84/108 do apenso).


Tampouco restam dúvidas acerca da autoria, tendo em vista que a acusada é a proprietária e única administradora da empresa importadora, conforme o contrato social da empresa juntado à fl. 33/37 sendo, portanto, a responsável pelas importações dos produtos em questão.


A fim de alcançar a absolvição da acusada, a defesa alega que os fatos configuraram o crime impossível, de forma que deveria ser excluída a atipicidade da conduta imputada, sob a seguinte argumentação (fls. 641/644):



" Em uma atividade comercial em que uma determinada empresa realiza importação de bens para a venda em território nacional, os procedimentos devem seguir os mandamentos do Decreto 6.759/2009, Regulamento Aduaneiro.
Necessariamente as mercadorias devem passar pelos recintos alfandegados para que possam ser submetidas à análise fiscal,conforme se pode verificar no que dispõe o artigo 9º do Regulamento Aduaneiro:
(...)
Para fiscalizar a entrada e saída de bens do país, a Receita Federal dispõe de um sistema próprio (SISCOMEX), onde o contribuinte realiza os procedimentos para viabilizar a entrada de mercadoria e, posterior nacionalização desta.
Através deste sistema, o contribuinte lavra a Declaração de Importação, onde é informado tudo a respeito da mercadoria, que passará, então, pelo procedimento de despacho de importação, no qual haverá a conferência Aduaneira.
(...)
Vejam-se, Excelências, que a conduta da Apelante, em suma, foi declarar o peso inferior ao peso real, buscando se favorecer pela tributação consideravelmente inferior ao que realmente deveria ser aplicada. Ocorre que, na verdade, ainda que a apelante quisesse burlar o fisco através dessa declaração falsa, o crime jamais se consumaria devido aos meios de fiscalização da Receita Federal.
Para que a apelante pudesse auferir qualquer vantagem indevida, certamente precisaria declarar um peso consideravelmente inferior ao real, o que certamente seria acusado pela balança da fiscalização, como foi. Portanto, se trata de ação grosseira, absolutamente incapaz de iludir o fisco da forma como supostamente se procedeu, conforme a peça acusatória.
No caso concreto, observa-se que a declaração de peso diverso do real em elação à mercadoria importada é perceptível a olho nu. O meio empregado para supostamente iludir o fisco não se presta à ocultação de veículo objeto de crime contra o patrimônio. Qualquer cidadão, por mais incauto que seja, tem condições de identificar a falsidade que, de tão grosseira, a ninguém pode iludir. Em suma, a fraude é risível, grotesca. Logo, a fé pública não é sequer atingida.
(...)
Verifica-se a atipicidade da conduta porquanto o meio praticado é absolutamente inócuo ao delito de descaminho, pois incapaz de iludir o fisco."

Insubsistente a alegação de crime impossível.


Ocorre o crime impossível quando o objeto pretendido pelo agente não pode ser alcançado, ou seja, quando o crime não se consuma por ineficácia total do meio empregado ou pela impropriedade absoluta do objeto material.


O artigo 17, do Código Penal dispõe que não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.


É certo que existe regulamentação própria para a conferência das cargas que entram no território nacional. Contudo, tal fato não torna lícita ou impunível a conduta da apelante nem tampouco impediu que o crime se consumasse, já que o meio empregado para a execução do crime foi capaz de promover a internação da mercadoria, e a diferença entre o peso real e o peso declarado apenas foi descoberto após ter sido realizada a pesagem e conferência da carga, que revelou seu valor real .


Portanto, ao contrário do que alega a defesa, não há como afirmar que a fraude perpetrada foi grosseira, visível a olho nu, tendo em vista que foi necessária a medição da carga para que a fraude fosse descoberta.


Assim sendo, não houve ineficácia absoluta do meio ou absoluta impropriedade do objeto, ou seja, não ocorreu o alegado crime impossível.


Ademais, há que se destacar que a tese ora invocada pela defesa trata-se de inovação em sede recursal, tendo em vista que contraria a argumentação anteriormente defendida.


Oportuno ressaltar as ponderações exaradas no parecer ministerial (fls. 658):



"... Não se pode acolher a alegação de que a conduta de Adriana D'Assumpção Ferreira recaiu sobre ente idôneo para a produção de resultado lesivo à coletividade, Ainda que exista regulamentação específica quanto à aferição de cargas importadas, a quantidade de mercadoria e o contingente de funcionários não permitem que se realize a fiscalização da totalidade dos produtos que adentram no território nacional.
Por sua vez, o uso dos documentos AWB 549-1135.5945 e 549-1135.5956 pela apelada, para dar ares de licitude à sua conduta, demonstra a sofisticação e o planejamento da prática delitiva, que somente fora descoberta pela diligência empregada pelos funcionários alfandegários, logo após a consumação do delito, com a entrada da mercadoria em território nacional.
Se mais não fosse, os membros da sociedade possuem o dever de agir de acordo com as normas jurídicas que disciplinam seu comportamento. Quanto a isso, a própria defesa, em suas razões (fls. 638/644) reconhece que Adriana D'Assumpção Ferreira teve a intenção de iludir tributos ao declarar informações falsas a respeito da carga que estava importando através de transporte aéreo, contrariando o ordenamento jurídico."

Portanto, comprovado que a apelante, livre e conscientemente, praticou o crime pelo qual foi denunciada, é de rigor sua condenação, que deverá ser mantida, razão pela qual rejeito a preliminar de prescrição argüida pela defesa e, no mérito, nego provimento à sua apelação.


Passo à análise da dosimetria da pena:


A pena-base, fixada no mínimo legal (um ano de reclusão) será mantida.


Na segunda etapa da individualização da pena, não existem atenuantes ou agravantes a serem consideradas.


Na terceira fase, aplica-se a pena em dobro, nos termos do parágrafo 3º, do artigo 334 do CP, pois comprovado que o crime foi praticado por transporte aéreo, o que resulta m dois anos de reclusão.


Na mesma fase, o MM. Juiz considerou que o crime foi praticado na forma tentada e diminuiu a pena em dois terços, fixando-a em oito meses de reclusão, sob os seguintes fundamentos (fls. 585 v.):



"... observo que a apreensão das mercadorias pela Alfândega do Aeroporto de Viracopos deu-se durante a realização de conferência física decorrente de pedido de concessão de trânsito aduaneiro com destino ao porto seco Plan-Service-Guarulhos-SP (fls. 02/03 das peças informativas apensas), portanto ainda no interior da zona aduaneira primária, no âmbito da fiscalização alfandegária.
Dessa forma, não há que se falar em crime consumado, mas em tentativa, na medida em que o delito somente se consuma com a efetiva internalização da carga e correspondente redução dos tributos devidos...
(...)
Destarte, diante das provas produzidas nos autos é forçoso concluir que a ré tentou iludir o pagamento de impostos devidos pela entrada de mercadoria no país por intermédio de transporte aéreo."

Nesse aspecto, assiste razão ao Ministério Público Federal ao requerer a exclusão da redução da pena pela tentativa.


O crime de descaminho imputado à ré, na figura básica prevista no artigo 334, do CP, consiste na ilusão, no todo ou em parte, do pagamento dos tributos devidos pela entrada de mercadorias estrangeiras no País. Trata-se de crime formal, instantâneo, que não exige, para sua ocorrência, um resultado naturalístico, de maneira que se consuma no momento em que o agente ingressa no território nacional com a mercadoria, independente do local, ou seja, dentro ou fora da alfândega.


No caso, como já analisado, nos termos da documentação constante do procedimento administrativo, restou demonstrado que as mercadorias importadas pela ré efetivamente entraram no território nacional e que sobre elas houve a ilusão, em parte, dos tributos devidos pela importação.


É certo que o MM. Juiz sentenciante baseou sua decisão em Acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no "habeas corpus" 120.586/SP (HC 200802506177), de relatoria do Ministro Nilson Naves, com o seguinte teor:



"Contrabando (condenação). Bolsas e porta-maquiagens (marca contrafeita). Território nacional (ingresso). Crime (consumação/tentativa). Pena-base (cálculo). Habeas corpus (correção da pena).
1. Há vozes, e de bom tempo, por exemplo, a de Fragoso nas "Lições", segundo as quais, "se a importação ou exportação se faz através da alfândega, o crime somente estará consumado depois de ter sido a mercadoria liberada pelas autoridades ou transposta a zona fiscal".
2. Assim, também não há falar em crime consumado se as mercadorias destinadas aos pacientes foram, no caso, apreendidas no centro de triagem e remessas postais internacionais dos correios.
(...)"

No entanto, observa-se que a decisão não foi unânime, pois a Eminente Ministra Maria Thereza de Assis Moura divergiu quanto ao entendimento de que o crime ocorre na forma tentada nos casos de importação de mercadoria proibida, como o presente.


Confira-se trechos de seu voto:



"Pedi vista dos autos para melhor apreciar a questão do enquadramento típico do crime imputado, se consumado ou tentado.
(...)
De fato, a doutrina é pacífica a entender que as figuras descritas no art. 334 do Código Penal admitem a tentativa, por serem materiais e, sobretudo, tendo em conta seu caráter plurissubsistente.
Contudo, penso ser importante proceder a uma diferenciação entre os dois crimes enunciados no artigo em testilha. O crime de descaminho tem uma índole eminentemente tributária, dado ser necessário, para sua consumação, a "ilusão fiscal".
Todavia, para o aperfeiçoamento do delito de contrabando tal locução não é necessária, pois somente se exige a importação/exportação de "mercadoria proibida".
Assim, a máxima de que, importada a mercadoria e obstada a sua indevida liberação ainda na alfândega, ter-se-ia apenas conatus , bem serve para a análise do descaminho. No entanto, penso não ser apropriada invocá-la para o exame do contrabando.
Portanto, tenho que a tão-só entrada em território nacional de mercadoria proibida (in casu, bolsas com marcas confrafeitas) independentemente de qualquer questão fiscal, já torna o crime consumado.
Lembre-se a propósito a lição de NÉLSON HUNGRIA:
Nem há dizer-se que, em qualquer caso, enquanto a mercadoria se achar dentro da zona fiscal, somente poderá ser reconhecida a tentativa de contrabando ou descaminho. Na modalidade de exportação , sem dúvida que enquanto a mercadoria não tiver ultrapassado a zona fiscal para fora do território nacional, não haverá crime consumado; mas, na hipótese de importação, o crime se consuma desde que a mercadoria entre no território nacional, não sendo necessário que seja transportada ao local a que era destinada. Somente no momento anterior a essa entrada é que poderá ser identificada a simples tentativa. (Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, v. IX, p. 434-435).
Em igual sentido, confira-se a jurisprudência mais antiga da Corte sobre o crime de contrabando:
"PROCESSUAL. CONFLITO DE COMPETENCIA. CONTRABANDO. MOMENTO DA CONSUMAÇÃO.
1. O MOMENTO CONSUMATIVO DO CRIME DE CONTRABANDO É O DA CHEGADA DA MERCADORIA NO TERRITORIO NACIONAL, NÃO SENDO NECESSÁRIO QUE SEJA TRANSPORTADA AO LOCAL A QUE ERA DESTINADA.
2. CONFLITO CONHECIDO E DECLARADO COMPETENTE O SUSCITANTE.
(CC 4.214/PR, Rel. Ministro ADHEMAR MACIEL, Rel. p/ Acórdão Ministro ANSELMO SANTIAGO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 17/06/1993, DJ 29/11/1993 p. 25843)
CC - CONSTITUCIONAL - PENAL - CONTRABANDO. DESCAMINHO - CRIME PERMANENTE - CRIME INSTANTÂNEO DE EFEITO PERMANENTE -
O ART. 334, CÓDIGO PENAL ENCERRA VARIAS AÇÕES TÍPICAS. DIZ-SE - CRIME PERMANENTE - O DELITO, CUJO RESULTADO PERSISTE ENQUANTO PERSISTIR A CONDUTA. E O CASO DO SEQUESTRO. CESSADO O CONSTRANGIMENTO, A VITIMA RECUPERA INCONTINENTI A LIBERDADE. O - CRIME INSTANTÂNEO DE EFEITO PERMANENTE - E DIVERSO. OCORRIDO O RESULTADO, TORNA-SE IRREVERSÍVEL, AINDA QUE ESGOTADA A CONDUTA DELITUOSA. ILUSTRA-SE COM O HOMICÍDIO. A VITIMA NÃO RECUPERA A VIDA. NESSE QUADRANTE, INADEQUADO GENERALIZAR QUE O CONTRABANDO E O DESCAMINHO SEJAM CRIMES PERMANENTES. O CONTRABANDO E O DESCAMINHO, NAS FIGURAS BÁSICAS CONFIGURAM CRIME INSTANTÂNEO. BASTA O INGRESSO DA MERCADORIA PROIBIDA OU ILUDIR O PAGAMENTO DE DIREITO OU IMPOSTO DEVIDO PELA ENTRADA, SAÍDA OU CONSUMO. NÃO CONFUNDIR COM AS FORMAS ASSIMILADAS A CONTRABANDO E DESCAMINHO.
(CC 4.191/SP, Rel. Ministro EDSON VIDIGAL, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, TERCEIRA SECAO, julgado em 17/06/1993, DJ 30/08/1993 p. 17264, destaquei)
Sublinhe-se: os autos cuidam de hipótese em que, efetivamente, os pacientes lograram trazer as mercadorias proibidas para o território nacional. Assim, para o reconhecimento da consumação, é indiferente que a aduana tenha, ou não, inviabilizado a ilusão fiscal. O bem jurídico tutelado, na primeira conduta descrita no art. 334 do Código Penal, é "o controle da entrada e saída de mercadorias do País" (DELMANTO, Celso, ET al. Código penal comentado . 7. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007 p. 837).
Desta forma, no meu sentir, não é de se desclassificar a imputação de consumada para tentada."
(DESTAQUES NOSSOS)

Portanto, tendo se consumado o presente crime de descaminho, por transporte aéreo, excluo, da dosimetria da pena da ré, a causa de redução prevista no artigo 14, II, do CP, e fixo a pena definitivamente em dois anos de reclusão.


Mantenho o regime fixado para o início do cumprimento da pena e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos lançados pela sentença.


Diante do exposto, rejeito a preliminar de prescrição argüida pela defesa e, no mérito, nego provimento à sua apelação e dou provimento ao recurso do Ministério Público Federal para excluir, da dosimetria da pena da ré, a causa de redução prevista no art. 14, II, do CP e majorar sua pena para dois anos de reclusão.


É o voto.










Antonio Cedenho
Desembargador Federal


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