Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 19/03/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000463-85.2007.4.03.6107/SP
2007.61.07.000463-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : Justica Publica
APELADO : DEISE ELAINE MOREIRA ROSSATO
ADVOGADO : JULIANA AMARO DA SILVA (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00004638520074036107 1 Vr ARACATUBA/SP

EMENTA

PENAL. ESTELIONATO CONTRA A EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS: FRAUDE NO PAGAMENTO POR MEIO DE CHEQUE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INAPLICABILIDADE NO ESTELIONATO CONTRA EMPRESA PÚBLICA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA ANULADA.
1 . Ré denunciada pela prática de estelionato qualificado ( art. 171, caput e § 2º, VI e § 3º), por ter emitido um cheque sem provisão de fundos, no valor de R$ 401,90 (quatrocentos e um reais e noventa centavos), como pagamento por serviços postais prestados à sua empresa pela Agência dos Correios e Telégrafos.
2 . Após a apresentação da defesa preliminar, foi proferida sentença absolutória que aplicou ao caso o princípio da insignificância adotando, por analogia, o entendimento de que valores não recolhidos a título de tributo abaixo de R$ 10.000,00 (dez mil reais) são atípicos.
3 . A teoria da insignificância vincula-se à lesividade ao bem jurídico tutelado, devendo ser observado, como critério para sua incidência, a análise do desvalor da conduta do agente, de forma prudente e criteriosa, quando presentes a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência total de periculosidade social da ação, o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica ocasionada.
4 . Caso em que está evidenciada a relevância do comportamento perpetrado pela ré. Não se aplica o princípio da insignificância ao estelionato praticado contra a EBCT, empresa pública que presta serviços postais de grande importância social, e que merece a tutela do direito penal, que se destina à inibição da proliferação da prática da referida conduta.
5 . A Jurisprudência majoritária desautoriza a aplicação do princípio da insignificância quando o valor do cheque é superior ao salário mínimo vigente na época dos fatos.
6 . Apelação ministerial a que se dá provimento. Sentença absolutória anulada. Remessa dos autos ao Juízo de origem para prosseguimento do feito.






ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação ministerial para anular a sentença e determinar a remessa dos autos ao Juízo de origem para que dê prosseguimento à ação penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 11 de março de 2013.
Antonio Cedenho
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000463-85.2007.4.03.6107/SP
2007.61.07.000463-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : Justica Publica
APELADO : DEISE ELAINE MOREIRA ROSSATO
ADVOGADO : JULIANA AMARO DA SILVA (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00004638520074036107 1 Vr ARACATUBA/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


Trata-se de apelação criminal interposta pela JUSTIÇA PÚBLICA contra sentença proferida nos autos de ação penal em que foi imputada a DEISE ELAINE MOREIRA ROSSATO a prática do crime previsto no artigo 171, caput e § 2º, VI c/c o § 3º.


Segundo a denúncia (fls. 98/99), a acusada emitiu, em 14 de setembro de 2006, o cheque nº 850035 sem a suficiente provisão de fundos, no valor de R$ 401,90 (quatrocentos e um reais e noventa centavos), com a finalidade de pagar serviços postais prestados à sua empresa pela Agência dos Correios e Telégrafos de Araçatuba/SP.


A exordial narrou ainda que o cheque foi devolvido após a segunda apresentação, em 19.09.2006, por insuficiência de fundos, e que até o momento do oferecimento da denúncia a dívida ainda não fora paga.


A denúncia foi recebida em 05 de agosto de 2009 (fls. 101).


Após a apresentação da defesa preliminar da acusada, foi proferida a sentença de fls. 126/127, que julgou improcedente a denúncia e absolveu a ré, nos termos do artigo 386, III, do Código de Processo Penal.


Inconformada, apela a Justiça Pública para que seja anulada a sentença, com o prosseguimento da ação penal até a final condenação da ré nos termos da denúncia. Alega, em síntese, que não seria aplicável ao caso o princípio da insignificância diante da lesão causada ao contexto social, visto que o objeto jurídico protegido não se restringe ao erário, mas à coletividade, não podendo receber o mesmo tratamento dado aos delitos tributários.


Contrarrazões da ré às fls. 141/142, pela manutenção da sentença.


A Procuradoria Regional da República, no parecer de fls. 145/147, opina seja dado provimento ao apelo ministerial.


É o relatório.


À revisão.















Antonio Cedenho
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000463-85.2007.4.03.6107/SP
2007.61.07.000463-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : Justica Publica
APELADO : DEISE ELAINE MOREIRA ROSSATO
ADVOGADO : JULIANA AMARO DA SILVA (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00004638520074036107 1 Vr ARACATUBA/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


A Justiça Pública requer a anulação de sentença que houve por bem absolver a acusada Deise Elaine Moreira Rossato das imputações que lhes foram irrogadas pela denúncia, dando-a como incursa nas penas do artigo 171, caput e § 2º, VI e § 3º, por ter emitido um cheque sem provisão de fundos, no valor de R$ 401,90 (quatrocentos e um reais e noventa centavos), como pagamento por serviços postais prestados à sua empresa pela Agência dos Correios e Telégrafos.


O MM. Juiz absolveu a acusada sob os seguintes fundamentos (fls. 126 v./127):



"... Inobstante este Juízo entender comprovado no caso concreto a materialidade delitiva e a autoria (com a comprovação do dolo), o que por si só ensejaria a condenação da ré DEISE pela sua conduta ilícita e antijurídica, o fato de a acusada ter emitido cheque sem suficiente provisão de fundos em favor do sacado, no valor de R$ 401,90 (quatrocentos e um reais e noventa centavos), há de ser aplicado o princípio da insignificância e reconhecida a ausência de justa causa, adotando-se, por analogia, o entendimento pacificado tanto pelo Supremo Tribunal Federal, em sua duas Turmas,( HC 96309, 1ª Turma, Relatora Min. Carmen Lucia, DJe de 24/04/2009: HC 96976, 2ª Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 08/05/2009) quanto pelo Superior Tribunal de Justiça ( terceira Seção, que pacifica questões penais), de que valores não recolhidos a título de tributo abaixo de R$ 10.000,00 (dez mil reais) são atípicos. Não devendo o direito penal se preocupar com bagatelas.
(...)
Ora, se para contribuintes sonegadores e contrabandistas (que não cumprem suas responsabilidades tributárias e prejudicam o País), o valor não pago a título de tributos abaixo de R$ 10 mil é considerado insignificante par fins penais, na mesma linha de raciocínio, a emitente de cheque sem suficiente provisão de fundos, em prejuízo da Agência dos Correios em Araçatuba/SP e que também sangra os cofres públicos com a sua conduta ilícita, deve receber o mesmo beneplácito da jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Malgrado não compartilhar com esse posicionamento jurisprudencial do STF e do STJ, entendo, em homenagem ao princípio da segurança jurídica, deve ser seguido este entendimento por todo o Poder Judiciário, ou seja, deve ser considerado que valores objeto de emissão de cheque sem provisão de fundos, que não ultrapassem R$ 10.000,00 (dez mil reais), sejam alcançados pelo princípio da insignificância. Coaduna minha opinião com aquela firmada pelo Ministro Napoleão Maia Filho no referido Resp 1.112.748/TO): "Penso, com todo respeito, que a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) é extremamente vultosa para se considerar uma bagatela, mas o entendimento do Colendo STF estará acima dessa minha particular percepção."
(...)
ISTO POSTO, e considerando o que mais consta dos autos, JULGO IMPROCEDENTE a denúncia e ABSOLVO a acusada DEISE ELAINE MOREIRA ROSSATO, nos termos do artigo 386, III, do Código de Processo Penal.
(...)"

A apelação merece provimento.


O princípio da insignificância, que está diretamente ligado aos postulados da fragmentariedade e intervenção mínima do Estado em matéria penal, tem sido acolhido pela doutrina e pela Jurisprudência como causa supralegal de exclusão de tipicidade, ou seja, uma conduta que se subsuma a um tipo penal poderá ser considerada atípica por força desse princípio.


Contudo, a teoria da insignificância vincula-se à lesividade ao bem jurídico tutelado, de maneira que deve ser observado, como critério para sua incidência, a análise do desvalor da conduta do agente, sendo imprescindível que o referido postulado seja aplicado de forma prudente e criteriosa, quando presentes a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência total de periculosidade social da ação, o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica ocasionada.

No caso em apreço, entendo estar evidenciada a relevância do comportamento perpetrado pela ré, não se podendo afirmar que o estelionato praticado se identifica como um indiferente penal apenas que se considere o prejuízo patrimonial sofrido pelos Correios como sendo de pequeno valor, já que trata-se de empresa pública que presta serviços postais, essenciais e de grande importância social, e que merece a tutela do direito penal, tutela essa que se destina à inibição da proliferação da prática da referida conduta.


Realmente, não está desprovido de periculosidade social, nem de reduzido grau de reprovabilidade suficiente à incidência da norma penal a conduta de alguém que emite, dolosamente, cheque sem provisão de fundos, iludindo a boa-fé de quem o recebe, principalmente em se tratando de empresa pública federal, que presta serviço de relevância nacional.


Por outro lado, a conduta da ré não pode ser tida como de reduzida lesão ao bem jurídico tutelado, pois, como a própria inicial afirma, o cheque sem provisão de fundos tinha o valor de quatrocentos e um reais e noventa centavos , tratando-se de quantia maior que o salário mínimo então vigente, que correspondia a trezentos e cinqüenta reais, não se podendo, em tal caso, reconhecer que o fato imputado conduz à atipicidade material, de acordo com a Jurisprudência majoritária que desautoriza a aplicação do princípio da insignificância quando o valor do cheque é superior ao salário mínimo vigente na época dos fatos.



A respeito, confira-se os seguintes Acórdãos:



"AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. ESTELIONATO COMETIDO EM DETRIMENTO DE ENTIDADE DE DIREITO PÚBLICO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O cerne da controvérsia se refere à lesividade concreta das condutas não autorizarem a aplicação do princípio da insignificância.
2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que não se aplica o princípio da insignificância ao crime de estelionato cometido em detrimento de entidade de direito público.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ, AgRg no HC 144.032/RS, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, DJe 18/04/2011)
"HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. UTILIZAÇÃO DE CHEQUE FALSIFICADO. PREJUÍZO QUE BEIRA UM SALÁRIO MÍNIMO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. FIXAÇÃO DA PENA-BASE ACIMA DO PATAMAR MÍNIMO. EXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS DESFAVORÁVEIS. MULTIPLICIDADE DE CONDENAÇÕES. EXASPERAÇÃO NA PRIMEIRA E SEGUNDA ETAPAS DO CRITÉRIO TRIFÁSICO. BIS IN IDEM. INEXISTÊNCIA.
1. Para a aplicação do referido postulado, devem ser obedecidos quatro requisitos, a saber: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.
2. Na hipótese, o prejuízo causado com a ação do paciente foi avaliado em R$ 220,00 (duzentos e vinte reais). Tal valor não pode ser taxado de insignificante, principalmente se considerado que à época dos fatos (5.5.02), ele se aproximava a 1 (um) salário mínimo.
3. De mais a mais, a utilização de cheque falsificado evidencia a presença de periculosidade social da ação, afastando a incidência do referido princípio.
(...)"
(STJ, HC 83.144/DF, Rel. MIN. OG FERNANDES, SEXTA TURMA, DJe 21/06/2010)
PENAL. ESTELIONATO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME COMETIDO EM DETRIMENTO DE ENTIDADE DE DIREITO PÚBLICO OU DE INSTITUTO DE ECONOMIA POPULAR, ASSISTÊNCIA SOCIAL OU BENEFICÊNCIA. CÓDIGO PENAL, ART. 171, § 3º. INAPLICABILIDADE.
1 . O princípio da insignificância é reservado para situações particulares nas quais não há relevante ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma penal. Na hipótese porém do estelionato cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência, deve ser ponderado o interesse público subjacente ao objeto material da ação delitiva. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e a deste Tribunal desaconselham a prodigalização da aplicação desse princípio quanto ao delito do art. 171, § 3º, do Código Penal . (STJ, AGREsp n. 939850, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 16.11.10; REsp n. 776216, Rel. Min. Nilson Naves, j. 06.05.10; REsp n. 795803, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 19.03.09; HC n. 86957, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 07.08.08; TRF da 3ª Região, ACr n. 200361190014704, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 28.09.10; ACr n. 200003990625434, Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, j. 16.11.09).
(...)"
(TRF3, ACR 00037401320094036181, Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, QUINTA TURMA, DJF3 Judicial 1 DATA:30/03/2011 PÁGINA: 794 )

Diante do exposto, dou provimento à apelação ministerial para anular a sentença recorrida, determinando a remessa dos autos ao Juízo de origem para que dê prosseguimento à ação penal, nos termos da denúncia.


É o voto.


















Antonio Cedenho
Desembargador Federal


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Data e Hora: 14/03/2013 10:27:36