Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 30/01/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002889-37.2010.4.03.6181/SP
2010.61.81.002889-5/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : MARIAMA DIALLO reu preso
ADVOGADO : GUILHERME AUGUSTO JUNQUEIRA DE ANDRADE (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELANTE : CHIDOZIE FELIX reu preso
ADVOGADO : MARCOS ANTONIO PADERES BARBOSA (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00028893720104036181 9P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE PREPARADO: INOCORRÊNCIA. CRIME IMPOSSÍVEL: INOCORRÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA DEMONSTRADAS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO: REJEITADA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO TRAFICANTE OCASIONAL: AFASTADA. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO: NÃO CARACTERIZADA. ELEVAÇÃO DA PENA-BASE. REDUÇÃO DA PENA AQUÉM DO MÍNIMO: INVIÁVEL. INTERNACIONALIDADE DELITIVA. DELAÇÃO PREMIADA: INOCORRÊNCIA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS: DESCABIMENTO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. REGIME INICIAL FECHADO: POSSIBILIDADE.
1. Apelações criminais interpostas pela Acusação e pela Defesa contra sentença que condenou os réus como incursos no artigo 33 c/c o artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, às penas de 04 anos, 08 meses e 20 dias de reclusão e 05 anos, 08 meses e 01 dia de reclusão, bem como absolveu os réus da imputação quanto ao crime de associação para o tráfico, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
2. Rejeitada a preliminar de nulidade do flagrante preparado, retardado ou controlado. O flagrante retardado ocorre quando a autoridade policial já tem o conhecimento do delito e retarda a prisão. Não há que se falar em flagrante retardado ou ação controlada, porque a polícia não sabia se tratava realmente de tráfico de drogas.
3. Não procede a alegação de ocorrência de crime impossível em decorrência do monitoramento policial. O crime impossível somente se caracteriza quando o agente jamais poderia consumar o crime pela ineficácia absoluta do meio empregado ou pela absoluta impropriedade do objeto material. A conduta criminosa já estava consumada nas modalidades guardar ou trazer consigo. Eventuais vícios do inquérito policial não se projetam na ação penal para contaminá-la. Precedentes.
4. A materialidade e a autoria delitivas encontram-se demonstradas pelas provas produzidas nos autos, sob o crivo do contraditório e ampla defesa.
5. Não comporta acolhimento o pleito de desclassificação do crime de tráfico de drogas para uso. O acusado não se declarou dependente de drogas, manifestando seu desejo de permanecer calado. Ademais, a quantidade de entorpecente apreendida em seu apartamento em muito se distancia daquela transportada para consumo próprio, razão pela qual não se enquadra no disposto no artigo 28 da Lei 11.343/2006.
6. Afastada a causa de diminuição de pena do traficante ocasional. A atividade daquele que age como "mula", transportando a droga de sua origem ao destino, na verdade pressupõe a existência de uma organização criminosa, com diversos membros, cada qual com funções específicas. O acusado faz parte da organização criminosa, sendo o responsável pela estadia da corré no Brasil, pela entrega da droga e troca de passagem aérea da acusada para garantir seu o retorno ao exterior, tendo inclusive entregue telefone celular para manter contato com ela, tudo a serviço da organização maior. Ainda havia a participação da corré, que atuou como "mula" para transportar a droga para o exterior, e uma terceira pessoa no destino iria recebê-la.
7. Não comporta acolhimento o pedido de condenação do réu pelo crime de associação para o tráfico. Para a caracterização do crime tipificado no artigo 35 da Lei de Drogas é necessária a presença dos seguintes elementos: duas ou mais pessoas; acordo prévio dos participantes; vínculo associativo duradouro; finalidade de traficar substâncias entorpecentes ou que causem dependência física ou psíquica. O conjunto probatório é insuficiente para a demonstração de que tenha havido associação estável entre o apelado e a corré ou o indivíduo não identificado, ou sua efetiva ligação com o tráfico de drogas.
8. No crime de tráfico de drogas, a natureza e a quantidade da substância, a personalidade e a conduta social do agente devem ser considerados na fixação das penas, com preponderância sobre o previsto no artigo 59 do Código Penal. Quanto maior a quantidade da droga traficada maior o potencial lesivo e o perigo de dano à saúde pública, a justificar uma maior reprovabilidade da conduta empreendida e, consequentemente, a elevação da pena-base. Precedentes.
9. Inviável a minoração da pena aquém do mínimo, porque válido o entendimento sumulado nº 231 do Superior Tribunal de Justiça que aduz que "a incidência da circunstância atenuante não pode coincidir à redução da pena abaixo do mínimo legal". Precedente do Supremo Tribunal Federal.
10. Presente a causa de aumento da internacionalidade delitiva, pois patente a intenção da apelante de internar a droga em território estrangeiro. Configura-se a internacionalidade do tráfico quando o agente está transportando o entorpecente e prestes a sair do território nacional. Precedentes.
11. Para a concessão da delação premiada, faz-se imprescindível a eficácia da delação, com a indicação precisa de demais autores do crime aliada à efetiva facilitação ao desmantelamento da estrutura criminosa, não bastando meras indicações do réu para reconhecer o benefício do perdão judicial ou da redução da pena.
12. Os §4° do artigo 33 da Lei 11.343/2006 não deve ser interpretado de modo a possibilitar a sua aplicação às assim chamadas "mulas" do tráfico de drogas, porquanto tal interpretação favoreceria sobremaneira a operação das organizações criminosas voltadas para o tráfico internacional, o que certamente contraria a finalidade do citado diploma legal, que visa à repressão dessa atividade. Há elementos que permitem concluir que a ré se dedicava a atividades criminosas. Contudo, à míngua de recurso da acusação quanto ao ponto e em virtude da proibição da reformatio in pejus, mantida a causa de diminuição no patamar da sentença.
13. A acusada não faz jus à substituição da pena de reclusão por penas restritivas de direitos, uma vez que não preenchido o requisito do inciso I do artigo 44 do Código Penal.
14. Apesar do regime inicial ser estabelecido, a princípio, em função da quantidade da pena, nos termos do §2º do artigo 33 do Código Penal, o §3º do citado dispositivo estabelece que "a determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código". Foram consideradas desfavoráveis as circunstâncias do artigo 59 do CP, fixando a pena-base em patamar superior ao mínimo legal, e dessa forma não há que se falar em ilegalidade no estabelecimento do regime inicial fechado.
16. Apelos da Defesa improvidos. Apelo da Acusação parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar de nulidade e negar provimento à apelação do réu CHIDOZIE; negar provimento à apelação da ré MARIAMA; dar parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal para, quanto ao réu CHIDOZIE, afastar a causa de diminuição do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006, resultando a pena definitiva de 06 anos, 09 meses e 20 dias de reclusão, no regime inicial fechado, e pagamento de 680 (seiscentos e oitenta) dias-multa, mantido o valor unitário mínimo, bem como para, quanto à ré MARIAMA, afastar a redução da pena aquém do mínimo legal, na segunda fase da dosimetria, readequando sua pena definitiva para 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, e 486 (quatrocentos e oitenta e seis) dias-multa, mantida no mais a sentença apelada; e determinar a comunicação ao Superior Tribunal de Justiça, ao Juízo das Execuções Criminais Penais e ao Ministério da Justiça, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 22 de janeiro de 2013.
MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002889-37.2010.4.03.6181/SP
2010.61.81.002889-5/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : MARIAMA DIALLO reu preso
ADVOGADO : GUILHERME AUGUSTO JUNQUEIRA DE ANDRADE (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELANTE : CHIDOZIE FELIX reu preso
ADVOGADO : MARCOS ANTONIO PADERES BARBOSA (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00028893720104036181 9P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):

O Ministério Público Federal, em 30/03/2010, denunciou CHIDOZIE FELIX, qualificados nos autos, de nacionalidade nigeriana, nascido aos 20/05/1978, e MARIAMA DIALLO, qualificada nos autos, de nacionalidade guineense, nascida aos 14/06/1987, como incursos nos artigos 33, combinado com o artigo 40, inciso I, e artigo 35, todos da Lei nº 11.343/06. Consta da denúncia:

... 1.- Nos autos do incluso inquérito policial ficou evidenciada a prática, pelos Denunciados, do crime previsto no art. 33, c/c o art. 40, I, e art. 35, todos da Lei nº 11.343/06, estando a autoria e a materialidade delitiva bem delineadas pela investigação policial.
Conforme consta nos autos, as investigações originaram-se quando o DENARC tomou conhecimento, através de delação anônima, que uma mulher originária da Guiné transportava entorpecentes e estaria hospedada no Hotel Rivoli. A partir de então, os policiais identificaram a pessoa referida como sendo MARIAMA DIALLO, a qual foi localizada e passou a ser monitorada pela equipe policial, desde o dia 23 de janeiro do corrente ano.
Durante esse período, constatou-se que MARIAM havia se mudado para o Hotel Vitória, sito na Rua Cavalheiro, nº 85, Brás, nesta Capital.
2.- No dia 25/1/2010, por volta das 9:00, os policiais civis Vinicius Pedroso Costa e Daniel Tsuji se dirigiram ao endereço supracitado e localizaram MARIAMA deixando o hotel na companhia de CHIDOZIE FELIX. Ambos os Denunciados embarcaram em um ônibus na Estação Rodoviária Princesa Isabel, com destino ao Terminal Tiradentes (fls. 9).
No interior do coletivo os policiais viram uma terceira mulher, não identificada, entregar a MARIAMA uma mochila de cor cinza e preta, bem como uma sacola plástica de cor branca. Após esta entrega, os Acusados separaram-se e retornaram ao Hotel Vitória. A mulher não identificada tomou rumo ignorado.
Por volta das 14:00 do mesmo dia, os policiais civis ingressaram no hotel e abordaram os Acusados, seguindo com eles até o quarto 708, ocupado pela Denunciada MARIAMA.
Ao adentrarem o quarto em questão, os policiais encontraram sob sobre a cama 9 cubos de alumínio para rodas de bicicleta, 4 porta-pratos de madeira, diversos envelopes de papel em branco e folhas de receitas plastificadas (fls. 21/22 e 24/30, sendo que todos esses objetos ocultavam, de forma dissimulada, substância em pó, que levadas a exame toxicológico resultou positivo para cocaína (fls. 45).
Foram igualmente encontrados quatro aparelhos de telefonia celular, uma quantia em dinheiro (US$ 100,00 e R$ 200,00), os passaportes de CHIDOZIE FELIX e MARIAMA DIALLO e uma declaração de valores, assinado pelo Corréu CHIDOZIE (fls. 21/22, 23 e 32/33).
3.- Diante dos fatos, dirigiram-se todos para a residência do Acusado CHIDOZIE, na rua Frei Caneca, nº 128, apto. 74, nesta Capital, sendo recebidos por Elaine, namorada deste, que lhes franqueou a entrada.
Nas buscas efetuadas pelos policiais foram encontradas quatro cápsulas contendo cocaína, diversos documentos de remessas de dinheiro do exterior para o Brasil em nome de Elaine de Alcântara Rocha, um notebook da marca Accer, um bilhete eletrônico de passagem aérea, emitido por Exim Voyages, em nome de MARIAMA DIALLO e um comprovante de tranferência de valores, emitido pela Western Union, no valor de R$3.524,22, em favor de CHIDOZIE FELIX, tendo como país de origem a Costa do Marfim (fls. 21/22 e 34/41).
4.- Diante das circunstâncias, os Acusados foram presos em flagrante delito (fls. 8/16), sendo apreendidos os objetos encontrados em sua posse.
O material foi submetido a perícia preliminar, sendo emitido laudo de constatação (fls. 45), o qual apontou tratar-se de droga ilícita, indicando resultado positivo para 3.128,0 gramas de cocaína.
A fls. 15 e 16, em seus interrogatórios, CHIDOZIE e MARIAMA permaneceram em silêncio, não respondendo a nenhuma das perguntas formuladas pela autoridade policial.
5.- Assim, a partir dos elementos carreados a estes autos, conclui-se que a materialidade do crime restou comprovada, assim como há indícios suficientes de sua autoria...
A denúncia foi recebida em 19/07/2010 (fls. 189/191).
Processado o feito, sobreveio sentença, da lavra da MM. Juíza Federal Monica Aparecida Bonavina Camargo e publicada em 09/11/2010 (fls. 271), que: a) condenou a ré MARIAMA como incursa no artigo 33 c/c o artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, à pena de 04 (quatro) anos, 08 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicialmente fechado, e 473 (quatrocentos e setenta e três) dias-multa, no valor unitário mínimo; b) condenou o réu CHIDOZIE como incurso no artigo 33, c/c o artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.363/2006, à pena de 05 (cinco) anos, 08 (oito) meses e 01 (um) dia de reclusão, e 567 (quinhentos e sessenta e sete) dias-multa, no valor unitário mínimo; c) absolveu os réus MARIAMA e CHIDOZIE da imputação quanto ao crime de associação para o tráfico, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. Foram negados a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos e o direito de apelar em liberdade (fls. 260/270).
O Ministério Público Federal interpôs recurso de apelação, pugnando pela reforma parcial da sentença objetivando, quanto à ré MARIAMA, a correção da dosimetria da pena, argumentando que a circunstância atenuante da confissão não pode resultar em diminuição aquém do patamar mínimo; e quanto ao réu CHIZODIE, o afastamento da causa de diminuição de pena, prevista no artigo 33, § 4º da Lei nº 11.343/2006, e sua condenação pelo crime de associação para o tráfico (fls. 275, 281/284).
Apela também a ré MARIAMA, representada pela DPU - Defensoria Pública da União (fls.288), pedindo: a) seja a pena base fixada no mínimo legal; b) seja aplicada a causa de diminuição da pena contida no art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/06, no seu maior patamar, ou seja, aplicando-se a redução de 2/3, com a conseqüente substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito, nos termos do artigo 44 , do Código Penal; c) seja afastada a causa de aumento de pena do artigo 40, I, da Lei 11.343/06; d) seja reconhecida a delação premiada constante do artigo 41, da Lei 11.343/06; e) seja fixado como regime inicial de cumprimento de pena, o semiaberto, nos moldes do art. 33, § 2º, alínea "b", do Código Penal, caso a pena seja mantida; f) a manifestação expressa deste Egrégio Tribunal, sobre todos os dispositivos legais e constitucionais supracitados, para fins de prequestionamento, consoante a Súmula 282, do E. Supremo Tribunal Federal (303/318).
Foi expedida guia de recolhimento provisória, em favor do réu CHIDOZIE (fls. 325/327).
Contrarrazões da Defesa da ré MARIAMA pedindo o improvimento do recurso do órgão ministerial (fls. 291/301).
Apelou o réu CHIDOZIE (fls.360).
Em face da inércia do defensor do réu CHIDOZIE (fls. 387), a DPU foi nomeada para representá-lo e ofereceu razões de apelação em favor do sentenciado, requerendo a reforma da sentença para que seja declarada a ilegalidade do flagrante preparado, a resultar no relaxamento da prisão decretada e a conseqüente absolvição do réu; bem como, seja reconhecida a ilicitude da colheita das provas a fulminar de nulidade as provas derivadas produzidas, a culminar na absolvição do réu, com fundamento no artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal. Subsidiariamente, requer-se a absolvição em relação ao art. 33, combinado com o artigo 40, inciso I, da Lei 11.343/06, por insuficiência probatória, nos termos do artigo 386, V, do Código de Processo Penal e a desclassificação da conduta pelo delito do artigo 28, da Lei de Drogas. A defesa pleiteou, ainda, a diminuição da pena-base do apelante (fls. 389/401).
Contrarrazões de apelação oferecidas em favor do corréu CHIDOZIE, pleiteando a manutenção da sentença (fls. 402/409).
O Ministério Público Federal ofereceu contrarrazões, pugnando pelo improvimento dos recursos de apelação dos réus MARIAMA e CHIDOZIE (413/429).
A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da Dra. Rose Santa Rosa, opinou pelo desprovimento dos recursos da Defesa, e pelo provimento do recurso da Acusação (fls. 953/960).
Juntado aos autos ofício do Juízo das Execuções Criminais, comunicando o deferimento da progressão para o regime semiaberto, em favor da ré MARIAMA (fls. 962/965).
Consta, ainda, dos autos, a comunicação da impetração do Habeas Corpus nº 253591/SP, perante o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em favor do paciente CHIDOZIE FELIX, bem como a cópia das informações prestadas ao eminente Relator.

É o relatório.
Ao MM. Revisor.


MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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Data e Hora: 04/10/2012 19:11:05



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002889-37.2010.4.03.6181/SP
2010.61.81.002889-5/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : MARIAMA DIALLO reu preso
ADVOGADO : GUILHERME AUGUSTO JUNQUEIRA DE ANDRADE (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELANTE : CHIDOZIE FELIX reu preso
ADVOGADO : MARCOS ANTONIO PADERES BARBOSA (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00028893720104036181 9P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):


I - DO RECURSO DO RÉU CHIDOZIE


I.1. Da preliminar de nulidade do flagrante preparado, retardado ou controlado, em razão da ilegalidade da ação controlada da polícia judiciária, que iniciou o monitoramento da corré MARIAMA em 23/01/2010 e apreendeu a droga e prendeu os acusados somente dois dias depois, em 25/01/2010, bem como porque seria necessária autorização judicial, a tornar a situação hipotética de tráfico de drogas em crime impossível, contaminando e tornando ilícitas e inadmissíveis as demais provas produzidas.

A preliminar é de ser rejeitada.

O flagrante retardado ocorre quando a autoridade policial já tem o conhecimento do delito e retarda a prisão. Nesse sentido é a doutrina de Guilherme de Souza Nucci, in Código de Processo Penal Comentado, Ed. RT, 11ª ed., SP, 2012:


18. Flagrante diferido ou retardado: é a possibilidade de que a polícia possui de retardar a realização da prisão em flagrante, para obter maiores dados e informações a respeito do funcionamento, componentes e atuação de uma organização criminosa. Veja-se o disposto no art. 2º da Lei 9.034/95:...

No caso em tela, verifica-se dos depoimentos dos policiais que acompanharam as atividades dos acusados no período, prestados na fase judicial, que eles tinham apenas a suspeita de a corré MARIAMA transportaria droga, à vista da denúncia anônima, mas não tinham certeza de ela estava na posse da mesma, de modo que esperaram o momento mais oportuno para abordar os acusados.

Dessa forma, não há que se falar em flagrante retardado ou ação controlada, porque a polícia não sabia se tratava realmente de tráfico de drogas.

De igual forma, não procede a alegação de ocorrência de crime impossível em decorrência do monitoramento policial. O crime impossível somente se caracteriza quando o agente jamais poderia consumar o crime pela ineficácia absoluta do meio empregado ou pela absoluta impropriedade do objeto material, nos termos do artigo 17 do Código Penal, o que não se verifica no presente caso. Tal circunstância é facilmente verificável pela forma de acondicionamento da droga, escondida no interior dos cubos de alumínio da roda de bicicleta, no interior dos porta-pratos de madeira, e dos envelopes e folhas de receitas plastificadas. Ademais, a conduta criminosa já estava consumada nas modalidades guardar ou trazer consigo.

Assim, não há que se falar na ilicitude da prova.

Ainda que assim não fosse, eventuais vícios do inquérito policial não se projetam na ação penal para contaminá-la. Nesse sentido situa-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:


O inquérito policial é peça meramente informativa, não suscetível de contraditório, e sua eventual irregularidade não é motivo para decretação de nulidade da ação penal...
STF - 2a Turma - HC 83233/RJ - Relator Min.Nelson Jobim - DJ 19.03.2004 p.33.
...I - Eventuais vícios no inquérito policial não contaminam a ação penal, tendo em vista tratar-se, o mesmo, de peça meramente informativa e não probatória...
STJ - 5a Turma - RHC 10.419 - Relator Ministro Gilson Dipp - DJU 17.09.2001 p.173

Superada a matéria preliminar, passo ao exame do mérito.


I.2. Da materialidade e da autoria delitivas: a materialidade e a autoria delitivas encontram-se demonstradas pelas provas produzidas nos autos, sob o crivo do contraditório e ampla defesa.

Os Laudos Preliminares de Constatação de fls. 45 e o Laudo de Exame em Substância de fls. 104/107 atestam ser cocaína a substância encontrada nos objetos apreendidos no quarto da corré MARIAMA e nas cápsulas apreendidas no apartamento do apelante, no montante líquido 3.128 gramas e 51 gramas, respectivamente.

O réu foi abordado por policiais nas proximidades do Hotel Vitória, local onde foram encontrados no quarto 708, quarto este ocupado pela corré MARIAMA DIALLO, 3.128 gramas de cocaína, acondicionada de forma disfarçada no interior de 2 livros ficheiros com capas plastificadas, 9 cubos de alumínio para rodas de bicicleta, 4 porta pratos de madeira, diversas folhas de receitas plastificadas.

Ademais, foram encontrados mais 4 cápsulas de cocaína, no peso líquido de 51 gramas, no apartamento do apelante, na Rua Frei Caneca, sobre o armário da cozinha, além da passagem aérea de ida e volta em nome da corré MARIAMA DIALLO (trechos Dakar-Lisboa, Lisboa-Recife, e volta Recife-Lisboa, Lisboa-Dakar).

A conduta imputada ao apelante, de fornecer e ter em depósito droga ilícita, para fins de comércio ou entrega, de qualquer forma, a consumo de terceiros é corroborada pelo depoimento em juízo e testemunho do policial que efetuou a prisão em flagrante (fls. 214/217 e 218/220).

Dessa forma, não procede a alegação da Defesa de ausência de provas de que ele CHIDOZIE que corré MARIAMA transportava drogas. A autoria delitiva e o dolo em relação a CHIDOZIE restou comprovada pelo auto de prisão em flagrante, pelos depoimento das testemunhas de acusação e pelo interrogatório da corré MARIAMA.

Depreende-se do interrogatório da corré MARIAMA que um amigo de CHIDOZIE, chamado Emanuel, a contratou para buscar a droga no Brasil, que CHIDOZIE a buscou na rodoviária em São Paulo, cuidou de sua hospedagem, entregou-lhe um celular para contato e cuidaria da passagem aérea de volta de MARIAMA. MARIAMA disse ainda que CHIDOZIE a levou para buscar a droga de ônibus, a qual estava dentro de uma mochila e uma sacola plástica.

Tal fato foi confirmado pelos policiais Vinicius Pedroso Costa e Daniel Tsuji, que presenciaram os fatos e foram incisivos em afirmar em juízo, na qualidade de testemunhas, que observaram o corréu CHIDOZIE receber a mochila de um indivíduo desconhecido em um ônibus, os quais continham os objetos e a droga encontrados no quarto de MARIAMA. Ademais, foi encontrado no apartamento do apelante CHIDOZIE 4 cápsulas de cocaína e a passagem aérea em nome de MARIAMA.

Dessa forma, resta comprovado que CHIDOZIE era o responsável pela estadia da MARIAMA no Brasil, entrega da droga e troca de passagem aérea para retorno da acusada à África.


I.3. Do pleito de desclassificação do crime de tráfico de drogas para uso: o pedido não comporta acolhimento.

Verifico que, ao ser preso em flagrante, o acusado CHIDOZIE não se declarou como dependente de drogas, manifestando seu desejo de permanecer calado (fl. 15). Ademais, a quantidade de entorpecente apreendida em seu apartamento (51 gramas de cocaína, peso líquido) em muito se distancia daquela transportada para consumo próprio, razão pela qual não se enquadra no disposto no artigo 28 da Lei 11.343/2006.

Assim, o intuito mercantil do transporte da droga resta evidenciado. Portanto, a situação fática dos autos demonstra a inviabilidade da desclassificação do tráfico para uso de drogas.

Demonstradas materialidade e autoria delitivas, irretocável a condenação proferida em primeiro grau.


Passo à análise da dosimetria da pena.


No tocante à pena de CHIDOZIE, a insurgência da acusação e da defesa limita-se à causa de diminuição da pena do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/06.


I.4. Da causa de diminuição de pena do traficante ocasional: A defesa pede a aplicação da causa de diminuição do artigo 33, §4º da lei 11.343/06 no patamar máximo. A Acusação, por sua vez, pede o afastamento da causa de diminuição do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/06.

Procede o pleito da acusação.

Embora reconhecidamente primário e de bons antecedentes, como lançado na sentença, o requisito da não dedicação a atividades criminosas restou desatendido.

A atividade daquele que age como "mula", transportando a droga de sua origem ao destino, na verdade pressupõe a existência de uma organização criminosa, com diversos membros, cada qual com funções específicas.

Restou claro nos autos que o acusado CHIDOZIE faz parte da organização criminosa, sendo o responsável pela estadia da corré MARIAMA no Brasil, pela entrega da droga e troca de passagem aérea da acusada para garantir seu o retorno ao exterior, tendo inclusive entregue telefone celular para manter contato com ela, tudo a serviço da organização maior. Ainda havia a participação da corré MARIAMA, que atuou como "mula" para transportar a droga para o exterior, e uma terceira pessoa no destino iria recebê-la.

Dessa forma, o acusado não faz jus à causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4° da Lei n° 11.343/06.


Assim, convém refazer o cálculo da dosimetria da pena.

Na primeira fase da dosimetria a pena-base foi fixada em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa; na segunda fase foi considerada a ausência de agravantes e atenuantes; e na terceira fase a pena foi aumentada em 1/6 por força da causa de aumento da transnacionalidade, resultando a pena definitiva de 06 anos, 09 meses e 20 dias de reclusão, no regime inicial fechado, e pagamento de 680 (seiscentos e oitenta) dias-multa, mantido o valor unitário mínimo.



II - DO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL


O MPF pede a condenação de CHIDOZIE pelo crime de associação para o tráfico, uma vez demonstrada sua efetiva participação na organização criminosa composta por membros presentes no Brasil e na África, sendo que atuava no Brasil recebendo as mulas responsáveis pelo transporte da droga, pessoas essas que eram cooptadas no estrangeiro por um outro membro do grupo criminoso, de nome Emanuel, com o único objetivo de realizar o tráfico de drogas.

O pedido não comporta acolhimento. Para a caracterização do crime tipificado no artigo 35 da Lei de Drogas é necessária a presença dos seguintes elementos: - duas ou mais pessoas; - acordo prévio dos participantes; - vínculo associativo duradouro; - finalidade de traficar substâncias entorpecentes ou que causem dependência física ou psíquica.

Segundo a lição de Guilherme de Souza Nucci, in Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, 4ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, o tipo "demanda a prova de estabilidade e permanência da mencionada associação criminosa". Nesse sentido também situa-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:


HABEAS CORPUS. PACIENTES CONDENADOS POR TRÁFICO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO QUANTO AO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 35 DA LEI 11.343/2006. RECONHECIMENTO PELAS INSTÂNCIAS DE ORIGEM DE QUE TERIA HAVIDO ASSOCIAÇÃO EVENTUAL. NECESSIDADE DE ESTABILIDADE OU PERMANÊNCIA PARA A CARACTERIZAÇÃO DO DELITO DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EXISTENTE. ABSOLVIÇÃO QUANTO À ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. CONCESSÃO DA ORDEM.
1. Diante da expressão "reiteradamente ou não", contida no caput do artigo 35 da Lei 11.343/2006, há que se perquirir se para a configuração do delito de associação para o tráfico basta a convergência ocasional de vontades ou a eventual colaboração entre pessoas para a prática delituosa, ou se é necessário, tal como no crime de quadrilha ou bando previsto no Código Penal, que a reunião se dê de forma estável.
2. Para a caracterização do crime de associação para o tráfico, é imprescindível o dolo de se associar com estabilidade e permanência, sendo que a reunião ocasional de duas ou mais pessoas não se subsume ao tipo do artigo 35 da Lei 11.343/2006. Doutrina.
Precedentes.
3. As instâncias de origem, tendo reconhecido que a reunião dos pacientes teria sido eventual, a admitiram como apta a configurar o delito de associação para o tráfico, o que contraria a interpretação majoritária que tem sido conferida ao tipo do artigo 35 da Lei de Drogas.
4. Não havendo qualquer registro, quer na denúncia, na sentença condenatória, ou no aresto que a confirmou, de que a associação dos pacientes teria alguma estabilidade ou caráter permanente, não há que se falar no delito de associação para o tráfico, estando-se diante de mero concurso de pessoas.
5. Ordem concedida apenas para absolver os pacientes do delito de associação para o tráfico, mantendo-se, quanto ao mais, a sentença condenatória prolatada na origem.
(STJ, HC 137471/MS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 02/09/2010, DJe 08/11/2010)
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. NÃO CABIMENTO. EXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE MANIFESTA. ASSOCIAÇÃO EVENTUAL PARA O TRÁFICO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DO DELITO DO ART. 35 DA LEI N. 11.343/2005.
1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, em recentes decisões, não têm mais admitido a utilização do habeas corpus como sucedâneo do meio processual adequado, seja o recurso ou a revisão criminal, salvo em situações excepcionais.
2. Para a caracterização do crime de associação para o tráfico, é imprescindível o dolo de se associar com estabilidade e permanência, sendo que a reunião ocasional de duas ou mais pessoas não se subsume ao tipo do artigo 35 da Lei 11.343/2006. (HC n. 208.886/SP, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 1º/12/2011).
3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para absolver o paciente e os corréus da imputação relativa à prática do crime de associação para o tráfico.
(STJ, HC 193.232/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 07/11/2012, DJe 26/11/2012)

No caso dos autos, a denúncia sequer faz referência à associação estável ou a eventual vínculo associativo duradouro entre o apelado CHIDOZIE e a corré MARIAMA ou o indivíduo não identificado, cujo prenome é Emanuel, necessários à caracterização do crime de associação para o tráfico.

Ademais, o conjunto probatório é insuficiente para a demonstração de que tenha havido associação estável entre o apelado CHIDOZIE e a corré MARIAMA, ou entre CHIDOZIE e o indivíduo de prenome Emanuel, que sequer foi mencionado na denúncia como eventual contratante de "mulas" no exterior. A despeito de os documentos fls. 33/40 retratarem intensa movimentação de recursos oriundos da África em favor de CHIDOZIE no período de 11/02/2009 a 14/12/2009, a acusação não demonstrou sua efetiva ligação com o tráfico de drogas.

Destarte, é de se manter a absolvição do CHIDOZIE da imputação do crime do artigo 35, caput, da Lei 11.343/2006.



III - DO RECURSO DA RÉ MARIAMA DIALLO


Não obstante a ausência de insurgência em relação à materialidade, autoria e dolo do crime de tráfico de drogas, verifico que a materialidade delitiva restou comprovada pelo laudo pericial de fls. 45 e 104/107 e a autoria e dolo pela confissão da acusada na fase judicial (fl. 223 e mídia de fl. 230).

No tocante à dosimetria da pena, a Defesa pleiteia a diminuição da pena-base, o afastamento da causa de aumento da internacionalidade, o reconhecimento da delação premiada, a aplicação da causa de diminuição do artigo 33, §4º da lei 11.343/06 em patamar maior, a fixação do regime inicial menos gravoso, e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Tendo em vista que a Acusação também insurge-se em relação à dosimetria da pena (impossibilidade de redução da pena abaixo do mínimo legal em face de circunstância atenuante), os recursos serão analisados em conjunto.



III.1. Quanto à pena-base, o Magistrado a quo fixou-a em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, considerando a natureza da droga (cocaína) de elevado efeito nocivo ao organismo dos usuários, e a grande quantidade apreendida (3.128 gramas) revelam o alto grau de lesividade da conduta.

Requer a defesa a redução da pena-base no patamar mínimo.

O artigo 42 da Lei 11.343/2006 estabelece expressamente que, no crime de tráfico de drogas, a natureza e a quantidade da substância, a personalidade e a conduta social do agente devem ser considerados na fixação das penas, com preponderância sobre o previsto no artigo 59 do Código Penal. Saliente-se que o objeto jurídico tutelado no crime de tráfico de entorpecente é a saúde pública e, portanto, quanto maior a quantidade da droga traficada maior o potencial lesivo e o perigo de dano à saúde pública, a justificar uma maior reprovabilidade da conduta empreendida e, conseqüentemente, a elevação da pena-base.

Nesse sentido situa-se a orientação do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:


HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO A 4 ANOS, 2 MESES E 10 DIAS DE RECLUSÃO, EM REGIME INICIAL FECHADO, E MULTA, POR TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES (ART. 33, CAPUT, C/C ART. 40, I, AMBOS DA LEI 11.343/06)... PENA-BASE CORRETAMENTE FIXADA EM 6 ANOS. REDUÇÃO POR FORÇA DO ART. 40, I DA LEI 11.343/06 APLICADA NO MÍNIMO LEGAL. GRANDE QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA, DE ELEVADO PODER PSICOTRÓPICO (780 GRAMAS DE COCAÍNA)... 2. A natureza da droga e a grande quantidade apreendida (cerca de 780 gramas de cocaína) têm função de extrema relevância quando do cotejo da individualização da pena, contribuindo fortemente na dosimetria da reprimenda, para uma adequada resposta social e no repúdio ainda maior da justiça criminal. Assim, devidamente justificadas a pena-base, fixada em 6 anos de reclusão, e a incidência no patamar mínimo do benefício previsto no art. 40, I da Lei 11.343/06...
STJ, 5ª Turma, HC 145242, Rel.Min. Napolão Nunes Maia Filho, j. 19/08/2010, DJe 27/09/2010
APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - MAJORAÇÃO DA PENA-BASE, À VISTA DA QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA...1. Réu condenado pela prática de tráfico internacional de entorpecentes porque trazia consigo, dentro de 2 (dois) pacotes plásticos acondicionados em sua mala, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros, no exterior, 3.020g (três mil e vinte gramas), de cocaína, substância entorpecente que determina dependência física e/ou psíquica, sem autorização legal ou regulamentar. 2. Majoração da pena-base atentando-se à significativa quantidade (mais de três quilos) e à natureza nefasta da droga apreendida (cocaína)...
TRF 3ª Região, 1ª Turma, ACR 00042638520074036119, Rel. Des.Fed. Johonsom di Salvo, j. 29/11/2011, DJe 07/12/2011

Dessa foram, verifico que a potencialidade lesiva inerente à natureza da droga apreendida, aliada à expressiva quantidade (3.128 gramas de cocaína) justificam a exasperação da pena-base além do patamar mínimo.

Dessa forma, reputo adequado e suficiente a fixação da pena-base em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, tal como lançado na r.sentença apelada.


III.2. Da confissão espontânea. Na segunda fase da dosimetria da pena, foi considerada a atenuante da confissão espontânea, sendo a pena reduzida em 1/6 (um sexto), passando a 4 anos, 10 meses e 10 dias de reclusão.

A Acusação sustenta a impossibilidade de redução da pena aquém do mínimo legal, por conta de circunstância atenuante, a teor da Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça.

Com razão o Ministério Público Federal.

Com efeito, inviável a minoração da pena aquém do mínimo, porque válido o entendimento sumulado nº 231 do Superior Tribunal de Justiça que aduz que "a incidência da circunstância atenuante não pode coincidir à redução da pena abaixo do mínimo legal".

Referido enunciado tem amparo legal, pois se o tipo tem previsão de pena mínima, esta deve ser respeitada. As circunstâncias atenuantes e agravantes não possuem no Código Penal um balizamento do quantum pode ser diminuído ou aumentado. O entendimento sustentando na sentença recorrida implicaria em admitir a possibilidade de aplicação de pena igual a zero, o que se afigura absurdo. Dessa forma, o entendimento não afronta o princípio constitucional da legalidade, ao contrário, está exatamente de acordo com o mesmo.

Também não se verifica afronta ao princípio constitucional da individualização da pena, posto que essa se dá dentro dos limites mínimo e máximo estabelecidos pelo legislador ordinário.

No mesmo sentido do entendimento consubstanciado na Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça já manifestou-se o Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral:


AÇÃO PENAL. Sentença. Condenação. Pena privativa de liberdade. Fixação abaixo do mínimo legal. Inadmissibilidade. Existência apenas de atenuante ou atenuantes genéricas, não de causa especial de redução. Aplicação da pena mínima. Jurisprudência reafirmada, repercussão geral reconhecida e recurso extraordinário improvido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. Circunstância atenuante genérica não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.
STF, RE 597270 QO-RG/RS, Rel.Min. Cezar Peluso, j. 26/03/2009, DJe 04/06/2009.

Assim, considerado que o recurso da acusação limita-se ao patamar de redução da atenuante da confissão espontânea, reduzo a pena para o mínimo legal, 05 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.


III.3. Da causa de aumento da internacionalidade delitiva. Pretende a Defesa o afastamento da causa de aumento da internacionalidade delitiva.

No tocante à internacionalidade, vislumbro sua ocorrência, pois: a) foram encontrados bilhetes aéreo de ida e volta em nome de MARIAMA; b) MARIAMA disse na fase judicial ter sido contratada no exterior para levar cocaína para Marrocos, e após Guiné; c) a droga apreendida estava oculta na bagagem da acusada. Todos estes fatores evidenciam a intenção da acusada em levar a droga para o exterior.

Assim, patente a intenção da apelante de internar a droga em território estrangeiro, justificando a aplicação da causa de aumento do artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06.

Configura-se a internacionalidade do tráfico quando o agente está transportando o entorpecente e prestes a sair do território nacional. Nesse sentido situa-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3a Região:


HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS... INTERNACIONALIDADE CONFIGURADA... 4. O entendimento firmado neste Superior Tribunal é no sentido de que para a caracterização da internacionalidade do tráfico basta que a operação vise a difusão da droga no exterior, não sendo necessário que o agente deixe as fronteiras do País para configurar a causa de aumento. No caso, o Paciente foi flagrado no aeroporto prestes a embarcar com a droga para o exterior...
STJ, 5ª Turma, HC 136614, Rel.Min. Laurita Vaz, j. 26/08/2010, DJ 27/09/2010
APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES...INTERNACIONALIDADE DO TRÁFICO COMPROVADA... 1. Réu condenado pela prática de tráfico internacional de entorpecentes porque trazia consigo, no interior de 70 (setenta) cápsulas por ele ingeridas, para fins de comércio ou de entrega a consumo de terceiros no exterior, 509,5g (quinhentos e nove gramas e cinco decigramas), peso líquido, de cocaína, substância entorpecente que determina dependência física e/ou psíquica, sem autorização legal ou regulamentar... 7. Internacionalidade comprovada: o réu foi abordado trazendo consigo cocaína no interior do Aeroporto Internacional de Guarulhos prestes a embarcar para o exterior, restando clara e evidente sua intenção de transportar a droga para fora do país, fato suficiente para considerar o crime consumado e para caracterizar a internacionalidade do tráfico perpetrado, ainda que não efetivada a internação da droga em território estrangeiro...
TRF 3ª Região, 1ª Turma, ACR 00076760920074036119, Rel. Des.Fed. Johonsom di Salvo, j. 14/02/2012, DJ 30/03/2012

Portanto, incide a causa de aumento da internacionalidade 1/6 (um sexto), tal como lançado na sentença, resultando na pena de 5 anos e 10 meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.


III.4. Da delação premiada: nos termos do artigo 41 da Lei n° 11.343/2006, para a concessão do favor legal faz-se imprescindível a eficácia da delação, com a indicação precisa de demais autores do crime aliada à efetiva facilitação ao desmantelamento da estrutura criminosa, não bastando meras indicações do réu para reconhecer o benefício do perdão judicial ou da redução da pena. Nesse sentido, aponto precedente deste Tribunal:


PENAL: REVISÃO CRIMINAL. DELITO DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO. INOBSERVÂNCIA DO CRITÉRIO TRIFÁSICO. NULIDADE DA DOSIMETRIA. NOVA FIXAÇÃO DA REPRIMENDA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CAUSAS DE AUMENTO E DIMINUIÇÃO. DELAÇÃO PREMIADA. NÃO CARACTERIZADA... V - Delação premiada não caracterizada, eis que as informações apresentadas pelo requerente não lograram identificar os demais integrantes do grupo, tão pouco suas prisões. Inaplicável, por conseguinte, a atenuante do art. 8º da Lei nº 8.072/90...
TRF 3ª Região, 1ª Seção, RVC 00165957420084030000, Rel. Des.Fed. Cecília Mello, j. 03/12/2009, DJe 30/09/2010

Na fase policial, a acusada nada informou sobre a qualificação ou endereço do traficante contratante (fl. 16). Embora haja no interrogatório prestado na fase judicial a indicação do prenome do contratante (Emmanuel) e do País de sua residência (Dakar/Senegal), não justificam a concessão da benesse uma vez que meras indicações da ré, em nada contribuíram para a identificação de eventuais outros agentes. As informações nada esclareceram de concreto, como se constata do interrogatório judicial de fls. 223 e mídia de fl. 231.

Assim, no caso concreto, ante a ineficácia e generalidade da delação, inviabiliza-se a minoração da pena ou a concessão do perdão judicial.

Acrescente-se que a apreensão da droga e a prisão do corréu CHIDOZIE se deu em decorrência das diligencias policiais, não havendo que se falar em efetiva colaboração da acusada, para fins da concessão do benefício.


III.5. Da causa de diminuição de pena do traficante ocasional: Dispõe o artigo §4° do artigo 33 da Lei 11.343/2006 sobre a possibilidade de redução da pena no crime de tráfico de drogas, de um sexto a dois terços, "desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa".

Tais requisitos são exigíveis cumulativamente, e portanto a ausência de qualquer deles implica na inexistência de direito ao benefício da diminuição da pena.

Não me parece que o citado §4° do artigo 33 da Lei n° 11.343/06 deva ser interpretado de modo a possibilitar a sua aplicação às assim chamadas "mulas" do tráfico de drogas, porquanto tal interpretação favoreceria sobremaneira a operação das organizações criminosas voltadas para o tráfico internacional, o que certamente contraria a finalidade do citado diploma legal, que visa à repressão dessa atividade.

A atividade daquele que age como "mula", transportando a droga de sua origem ao destino, na verdade pressupõe a existência de uma organização criminosa, com diversos membros, cada qual com funções específicas. Quem transporta a droga em sua bagagem, ou em seu corpo, cumpre uma função dentro de um esquema maior, que pressupõe alguém para comprar, ou de alguma forma obter a droga na origem, e alguém para recebê-la no destino, e providenciar a sua comercialização.

Se aquele que atua como "mula" desconhece quem sejam os integrantes da organização criminosa - circunstância que não põe esta em risco de ser desmantelada - e foi aliciado de forma aleatória, fortuita e sem qualquer perspectiva de ingressar na "associação criminosa", muitas vezes em face da situação de miserabilidade econômica e social em que se encontra, outras em razão da ganância pelo lucro fácil, não há como se entender que faça parte do grupo criminoso, no sentido de organização. Mas o certo é que é contratado por uma organização criminosa para servir como portador da droga, e portanto integra essa organização.

E, ainda que se entenda que o traficante que atue como "mula" não integra a organização criminosa, é certo que o benefício não alcança aqueles que se dedicam à atividades criminosas, ou seja, aqueles que se ocupam do tráfico, como meio de subsistência, ainda que de forma não habitual.

Se o agente, sem condições econômicas próprias, dispende vários dias de viagem, para obter a droga, e dirigir-se ao exterior, com promessa de pagamento pelo serviço de transporte, sem que comprove ter outro meio de subsistência, forçoso é concluir que faz do tráfico o seu meio de subsistência, não fazendo jus portanto à aplicação da causa de diminuição da pena.

Nesse sentido aponto precedentes do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região:


"Mula" e causa de diminuição de pena - 2
Em conclusão de julgamento, a 2ª Turma, por maioria, denegou habeas corpus em que pretendida a aplicação, em favor de condenada por tráfico de entorpecentes pelo transporte de 951 g de cocaína, a causa de diminuição da pena do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006. No caso, as instâncias de origem, embora tivessem reconhecido que a ré seria primária, com bons antecedentes e que não se dedicaria à atividade criminosa, concluíram que, de fato, ela integraria organização criminosa e, portanto, não teria jus à citada causa de diminuição - v. Informativo 618. Considerou-se que o tráfico internacional não existiria sem o transporte da droga pelas chamadas "mulas". O Min. Gilmar Mendes ressaltou que a "mula", de fato, integraria a organização criminosa, na medida em que seu trabalho seria condição sine qua non para a narcotraficância internacional. Pressupunha, assim, que toda organização criminosa estruturar-se-ia a partir de divisão de tarefas que objetivasse um fim comum. Assim, inegável que esta tarefa de transporte estaria inserida nesse contexto como essencial. Além disso, asseverou que o legislador não teria intenção de dispensar tratamento menos rigoroso ao "traficante mula" ou, ainda, a outros com "participação de menor importância" e não diretamente ligados ao núcleo da organização. Se esse fosse o propósito, certamente consubstanciaria elementar do tipo. Ter-se-ia, então, um tipo penal derivado. Vencido o Min. Ayres Britto, relator, que deferia a ordem. HC 101265/SP, rel. orig. Min. Ayres Britto, red. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa, 10.4.2012. (HC-101265)
STF - Informativo nº 661
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM AEROPORTO. "MULA". DIMINUIÇÃO DA PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4.º, DA NOVA LEI DE TÓXICOS. ATUAÇÃO EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA MINORANTE. WRIT DENEGADO. 1. As circunstâncias do caso concreto - Paciente de nacionalidade estrangeira e que transportava 2.070 (dois mil e setenta) gramas de cocaína, abordada ao tentar embarcar para Lisboa - evidenciam sua dedicação a atividades criminosas. 2. Assim, considerando a dinâmica dos fatos delituosos e com indicação de elementos concretos, o referido fato é circunstância que, de per si, impede a aplicação da causa especial de diminuição prevista no § 4.º do art. 33 da Lei n.º 11.343/06. 3. Habeas corpus denegado.
STJ, 5ª Turma, HC 148148, Rel.Min. Laurita Vaz, j. 26/11/2009, DJ 15/12/2009
APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES...INAPLICABILIDADE DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ARTIGO 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06. 1. Réu condenado pela prática de tráfico internacional de entorpecentes porque trazia consigo, no interior de 70 (setenta) cápsulas por ele ingeridas, para fins de comércio ou de entrega a consumo de terceiros no exterior, 509,5g (quinhentos e nove gramas e cinco decigramas), peso líquido, de cocaína, substância entorpecente que determina dependência física e/ou psíquica, sem autorização legal ou regulamentar... 6. A pessoa que se dispõe a efetuar o transporte de substância entorpecente para o exterior com as despesas custeadas e mediante promessa de recompensa evidentemente integra organização criminosa de forma efetiva e relevante. Com efeito, o apelante, de forma voluntária, contribuiu para a narcotraficância internacional, constituindo figura essencial ao sucesso da empreitada criminosa, eis que incumbido de receber a droga devidamente embalada em cápsulas do fornecedor, ocultá-la e transportá-la dentro de seu organismo, devendo entregá-la ao destinatário na Espanha, representando, portanto, o imprescindível elo de ligação entre fornecedor e receptor, o que afasta, de plano, a incidência do benefício discorrido, cuja aplicação exige a prova extreme de dúvidas da concorrência dos quatro requisitos exigidos na norma. Ademais, o modus operandi do transporte - ingestão de cápsulas contendo a droga - está a revelar a participação de outras pessoas na dinâmica criminosa, permitindo enxergar o pertencimento do réu a grupo criminoso, conclusão que vem a ser reforçada pelo fato de KRISZTIAN ter efetuado outras 3 (três) viagens internacionais transportando substância entorpecente, conforme narrativa ofertada em contraditório judicial...
TRF 3ª Região, ACR 0007676-09.2007.4.03.6119, Rel. Des.Fed. Johonsom di Salvo, j. 14/02/2012, DJ 30/03/2012

No caso dos autos há elementos que permitem concluir que a ré dedicava à atividades criminosas: a quantidade da droga apreendida (3.128 gramas de cocaína); a inexistência de prova de ocupação lícita; o fato de haver confessado que tinha sido contratado para o transporte da droga em Guiné, mediante pagamento de mil dólares americanos, bem como do fornecedor da droga haver custeado a compra da passagem aérea internacional e demais despesas da viagem; o fato de ter recebido telefone celular para manter contato com o traficante contratante, conforme relato em interrogatório judicial, referido na r. sentença apelada (fls. 263 e verso).

Todas essas circunstâncias conduzem à conclusão de que a ré se dedicava à atividades criminosas, e portanto não faz jus à causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4° da Lei n° 11.343/06.

Contudo, à míngua de recurso da acusação quanto ao ponto e em virtude da proibição da reformatio in pejus, mantenho a causa de diminuição no patamar da sentença, em 1/6 (um sexto), resultando a pena de 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 486 (quatrocentos e oitenta e seis) dias-multa, mantido o valor mínimo.


III.6. Da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito: o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus 972556/RS, declarou a inconstitucionalidade das vedações à substituição constantes da Lei 11.343/2006 (STF, Pleno, HC 97256/RS, Rel.Min. Ayres Britto, j. 01/09/2010, DJe 15/12/2010).

No caso dos autos, contudo, a acusada não faz jus à substituição da pena de reclusão por penas restritivas de direitos, uma vez que não preenchido o requisito do inciso I do artigo 44 do Código Penal.


III.7. Do regime inicial de cumprimento da pena. Postula a defesa a alteração do regime inicial de cumprimento da pena.

Observo que vinha sustentando entendimento no sentido de que o estabelecimento de regime inicial aberto ou semiaberto não se mostra compatível com a condenação por crime de tráfico ilícito de entorpecentes, dada a equiparação do tráfico aos delitos hediondos.

E assim o fazia por entender que tanto o legislador constituinte (artigo 5º, inciso XLIII) quanto o legislador infraconstitucional (Lei nº 8.072/1990) dispensaram tratamento mais rigoroso na repressão ao crime de tráfico ilícito de entorpecentes, sendo portanto lícito o estabelecimento de regime inicial mais gravoso para cumprimento da pena, na esteira de precedentes do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região: STF, 1ª Turma, RHC 108011/RJ, Rel.Min. Luiz Fux, j. 06/09/2011, DJe 30/09/2011; STF, 2ª Turma, HC 103011/RN, Rel.Min. Ellen Gracie, j. 24/08/2010, DJe 09/09/2010; STF, 2ª Turma, HC 91360/SP, Rel.Min. Joaquim Barbosa, j. 13/05/2008, DJe 19/06/2008; STJ, 5ª Turma, HC 226379/SP, Rel.Min. Jorge Mussi, j. 24/04/2012, DJe 08/05/2012; TRF 3ª Região, 1ª Turma, HC 0001433-97.2012.403.0000, Rel. Des.Fed. Johonsom di Salvo, j. 06/03/2012, DJe 16/03/2012.

Contudo, não me é dado desconhecer que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do §1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/1990, na redação dada pela Lei nº 11.464/2007, que estabelecia o regime inicial fechado para cumprimento da pena para os condenados por crime de tráfico de drogas (HC 111840/ES, rel. Min. Dias Toffoli, 27.6.2012. Informativo STF nº 672).

No caso dos autos, o entendimento pela inconstitucionalidade do referido dispositivo legal firmado pelo STF, não beneficia a acusada.

É certo que no caso dos autos a sentença fez expressa referência ao artigo 2º, §1º da Lei nº 8.072/1990, na redação da Lei nº 11.464/2007, para fixar o regime inicial de cumprimento da pena.

Contudo, não se poderia exigir do Juízo a quo, anteriormente à declaração de inconstitucionalidade do citado dispositivo, e havendo inclusive manifestações do próprio Supremo Tribunal Federal pela sua constitucionalidade, que aventasse outras razões para o estabelecimento do regime inicial fechado.

Assim, há de se perquirir se na dosimetria da pena, foram reconhecidos em favor do réu como favoráveis as circunstâncias judiciais. Isso porque apesar do regime inicial ser estabelecido, a princípio, em função da quantidade da pena, nos termos do §2º do artigo 33 do Código Penal, o §3º do citado dispositivo estabelece que "a determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código".

E, no caso dos autos, foram consideradas desfavoráveis as circunstâncias do artigo 59 do CP, em relação às conseqüências do crime, fixando a pena-base em patamar superior ao mínimo legal (cinco anos e dez meses de reclusão).

Dessa forma, não obstante a pena final de quatro anos, dez meses e dez dias de reclusão, não há que se falar em flagrante ilegalidade no estabelecimento do regime inicial fechado.


IV - DA CONCLUSÃO: por estas razões: a) rejeito a preliminar de nulidade e nego provimento à apelação do réu CHIDOZIE; b) nego provimento à apelação da ré MARIAMA; c) dou parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal para, quanto ao réu CHIDOZIE, afastar a causa de diminuição do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006, resultando a pena definitiva de 06 anos, 09 meses e 20 dias de reclusão, no regime inicial fechado, e pagamento de 680 (seiscentos e oitenta) dias-multa, mantido o valor unitário mínimo, bem como para, quanto à ré MARIAMA, afastar a redução da pena aquém do mínimo legal, na segunda fase da dosimetria, readequando sua pena definitiva para 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, e 486 (quatrocentos e oitenta e seis) dias-multa, mantida no mais a sentença apelada; e determino ainda a comunicação ao Superior Tribunal de Justiça, ao Juízo das Execuções Criminais Penais e ao Ministério da Justiça.

É como voto.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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