D.E. Publicado em 30/01/2013 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar de nulidade e negar provimento à apelação do réu CHIDOZIE; negar provimento à apelação da ré MARIAMA; dar parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal para, quanto ao réu CHIDOZIE, afastar a causa de diminuição do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006, resultando a pena definitiva de 06 anos, 09 meses e 20 dias de reclusão, no regime inicial fechado, e pagamento de 680 (seiscentos e oitenta) dias-multa, mantido o valor unitário mínimo, bem como para, quanto à ré MARIAMA, afastar a redução da pena aquém do mínimo legal, na segunda fase da dosimetria, readequando sua pena definitiva para 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, e 486 (quatrocentos e oitenta e seis) dias-multa, mantida no mais a sentença apelada; e determinar a comunicação ao Superior Tribunal de Justiça, ao Juízo das Execuções Criminais Penais e ao Ministério da Justiça, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
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VOTO
O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):
I - DO RECURSO DO RÉU CHIDOZIE
I.1. Da preliminar de nulidade do flagrante preparado, retardado ou controlado, em razão da ilegalidade da ação controlada da polícia judiciária, que iniciou o monitoramento da corré MARIAMA em 23/01/2010 e apreendeu a droga e prendeu os acusados somente dois dias depois, em 25/01/2010, bem como porque seria necessária autorização judicial, a tornar a situação hipotética de tráfico de drogas em crime impossível, contaminando e tornando ilícitas e inadmissíveis as demais provas produzidas.
A preliminar é de ser rejeitada.
O flagrante retardado ocorre quando a autoridade policial já tem o conhecimento do delito e retarda a prisão. Nesse sentido é a doutrina de Guilherme de Souza Nucci, in Código de Processo Penal Comentado, Ed. RT, 11ª ed., SP, 2012:
No caso em tela, verifica-se dos depoimentos dos policiais que acompanharam as atividades dos acusados no período, prestados na fase judicial, que eles tinham apenas a suspeita de a corré MARIAMA transportaria droga, à vista da denúncia anônima, mas não tinham certeza de ela estava na posse da mesma, de modo que esperaram o momento mais oportuno para abordar os acusados.
Dessa forma, não há que se falar em flagrante retardado ou ação controlada, porque a polícia não sabia se tratava realmente de tráfico de drogas.
De igual forma, não procede a alegação de ocorrência de crime impossível em decorrência do monitoramento policial. O crime impossível somente se caracteriza quando o agente jamais poderia consumar o crime pela ineficácia absoluta do meio empregado ou pela absoluta impropriedade do objeto material, nos termos do artigo 17 do Código Penal, o que não se verifica no presente caso. Tal circunstância é facilmente verificável pela forma de acondicionamento da droga, escondida no interior dos cubos de alumínio da roda de bicicleta, no interior dos porta-pratos de madeira, e dos envelopes e folhas de receitas plastificadas. Ademais, a conduta criminosa já estava consumada nas modalidades guardar ou trazer consigo.
Assim, não há que se falar na ilicitude da prova.
Ainda que assim não fosse, eventuais vícios do inquérito policial não se projetam na ação penal para contaminá-la. Nesse sentido situa-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:
Superada a matéria preliminar, passo ao exame do mérito.
I.2. Da materialidade e da autoria delitivas: a materialidade e a autoria delitivas encontram-se demonstradas pelas provas produzidas nos autos, sob o crivo do contraditório e ampla defesa.
Os Laudos Preliminares de Constatação de fls. 45 e o Laudo de Exame em Substância de fls. 104/107 atestam ser cocaína a substância encontrada nos objetos apreendidos no quarto da corré MARIAMA e nas cápsulas apreendidas no apartamento do apelante, no montante líquido 3.128 gramas e 51 gramas, respectivamente.
O réu foi abordado por policiais nas proximidades do Hotel Vitória, local onde foram encontrados no quarto 708, quarto este ocupado pela corré MARIAMA DIALLO, 3.128 gramas de cocaína, acondicionada de forma disfarçada no interior de 2 livros ficheiros com capas plastificadas, 9 cubos de alumínio para rodas de bicicleta, 4 porta pratos de madeira, diversas folhas de receitas plastificadas.
Ademais, foram encontrados mais 4 cápsulas de cocaína, no peso líquido de 51 gramas, no apartamento do apelante, na Rua Frei Caneca, sobre o armário da cozinha, além da passagem aérea de ida e volta em nome da corré MARIAMA DIALLO (trechos Dakar-Lisboa, Lisboa-Recife, e volta Recife-Lisboa, Lisboa-Dakar).
A conduta imputada ao apelante, de fornecer e ter em depósito droga ilícita, para fins de comércio ou entrega, de qualquer forma, a consumo de terceiros é corroborada pelo depoimento em juízo e testemunho do policial que efetuou a prisão em flagrante (fls. 214/217 e 218/220).
Dessa forma, não procede a alegação da Defesa de ausência de provas de que ele CHIDOZIE que corré MARIAMA transportava drogas. A autoria delitiva e o dolo em relação a CHIDOZIE restou comprovada pelo auto de prisão em flagrante, pelos depoimento das testemunhas de acusação e pelo interrogatório da corré MARIAMA.
Depreende-se do interrogatório da corré MARIAMA que um amigo de CHIDOZIE, chamado Emanuel, a contratou para buscar a droga no Brasil, que CHIDOZIE a buscou na rodoviária em São Paulo, cuidou de sua hospedagem, entregou-lhe um celular para contato e cuidaria da passagem aérea de volta de MARIAMA. MARIAMA disse ainda que CHIDOZIE a levou para buscar a droga de ônibus, a qual estava dentro de uma mochila e uma sacola plástica.
Tal fato foi confirmado pelos policiais Vinicius Pedroso Costa e Daniel Tsuji, que presenciaram os fatos e foram incisivos em afirmar em juízo, na qualidade de testemunhas, que observaram o corréu CHIDOZIE receber a mochila de um indivíduo desconhecido em um ônibus, os quais continham os objetos e a droga encontrados no quarto de MARIAMA. Ademais, foi encontrado no apartamento do apelante CHIDOZIE 4 cápsulas de cocaína e a passagem aérea em nome de MARIAMA.
Dessa forma, resta comprovado que CHIDOZIE era o responsável pela estadia da MARIAMA no Brasil, entrega da droga e troca de passagem aérea para retorno da acusada à África.
I.3. Do pleito de desclassificação do crime de tráfico de drogas para uso: o pedido não comporta acolhimento.
Verifico que, ao ser preso em flagrante, o acusado CHIDOZIE não se declarou como dependente de drogas, manifestando seu desejo de permanecer calado (fl. 15). Ademais, a quantidade de entorpecente apreendida em seu apartamento (51 gramas de cocaína, peso líquido) em muito se distancia daquela transportada para consumo próprio, razão pela qual não se enquadra no disposto no artigo 28 da Lei 11.343/2006.
Assim, o intuito mercantil do transporte da droga resta evidenciado. Portanto, a situação fática dos autos demonstra a inviabilidade da desclassificação do tráfico para uso de drogas.
Demonstradas materialidade e autoria delitivas, irretocável a condenação proferida em primeiro grau.
Passo à análise da dosimetria da pena.
No tocante à pena de CHIDOZIE, a insurgência da acusação e da defesa limita-se à causa de diminuição da pena do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/06.
I.4. Da causa de diminuição de pena do traficante ocasional: A defesa pede a aplicação da causa de diminuição do artigo 33, §4º da lei 11.343/06 no patamar máximo. A Acusação, por sua vez, pede o afastamento da causa de diminuição do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/06.
Procede o pleito da acusação.
Embora reconhecidamente primário e de bons antecedentes, como lançado na sentença, o requisito da não dedicação a atividades criminosas restou desatendido.
A atividade daquele que age como "mula", transportando a droga de sua origem ao destino, na verdade pressupõe a existência de uma organização criminosa, com diversos membros, cada qual com funções específicas.
Restou claro nos autos que o acusado CHIDOZIE faz parte da organização criminosa, sendo o responsável pela estadia da corré MARIAMA no Brasil, pela entrega da droga e troca de passagem aérea da acusada para garantir seu o retorno ao exterior, tendo inclusive entregue telefone celular para manter contato com ela, tudo a serviço da organização maior. Ainda havia a participação da corré MARIAMA, que atuou como "mula" para transportar a droga para o exterior, e uma terceira pessoa no destino iria recebê-la.
Dessa forma, o acusado não faz jus à causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4° da Lei n° 11.343/06.
Assim, convém refazer o cálculo da dosimetria da pena.
Na primeira fase da dosimetria a pena-base foi fixada em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa; na segunda fase foi considerada a ausência de agravantes e atenuantes; e na terceira fase a pena foi aumentada em 1/6 por força da causa de aumento da transnacionalidade, resultando a pena definitiva de 06 anos, 09 meses e 20 dias de reclusão, no regime inicial fechado, e pagamento de 680 (seiscentos e oitenta) dias-multa, mantido o valor unitário mínimo.
II - DO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
O MPF pede a condenação de CHIDOZIE pelo crime de associação para o tráfico, uma vez demonstrada sua efetiva participação na organização criminosa composta por membros presentes no Brasil e na África, sendo que atuava no Brasil recebendo as mulas responsáveis pelo transporte da droga, pessoas essas que eram cooptadas no estrangeiro por um outro membro do grupo criminoso, de nome Emanuel, com o único objetivo de realizar o tráfico de drogas.
O pedido não comporta acolhimento. Para a caracterização do crime tipificado no artigo 35 da Lei de Drogas é necessária a presença dos seguintes elementos: - duas ou mais pessoas; - acordo prévio dos participantes; - vínculo associativo duradouro; - finalidade de traficar substâncias entorpecentes ou que causem dependência física ou psíquica.
Segundo a lição de Guilherme de Souza Nucci, in Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, 4ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, o tipo "demanda a prova de estabilidade e permanência da mencionada associação criminosa". Nesse sentido também situa-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
No caso dos autos, a denúncia sequer faz referência à associação estável ou a eventual vínculo associativo duradouro entre o apelado CHIDOZIE e a corré MARIAMA ou o indivíduo não identificado, cujo prenome é Emanuel, necessários à caracterização do crime de associação para o tráfico.
Ademais, o conjunto probatório é insuficiente para a demonstração de que tenha havido associação estável entre o apelado CHIDOZIE e a corré MARIAMA, ou entre CHIDOZIE e o indivíduo de prenome Emanuel, que sequer foi mencionado na denúncia como eventual contratante de "mulas" no exterior. A despeito de os documentos fls. 33/40 retratarem intensa movimentação de recursos oriundos da África em favor de CHIDOZIE no período de 11/02/2009 a 14/12/2009, a acusação não demonstrou sua efetiva ligação com o tráfico de drogas.
Destarte, é de se manter a absolvição do CHIDOZIE da imputação do crime do artigo 35, caput, da Lei 11.343/2006.
III - DO RECURSO DA RÉ MARIAMA DIALLO
Não obstante a ausência de insurgência em relação à materialidade, autoria e dolo do crime de tráfico de drogas, verifico que a materialidade delitiva restou comprovada pelo laudo pericial de fls. 45 e 104/107 e a autoria e dolo pela confissão da acusada na fase judicial (fl. 223 e mídia de fl. 230).
No tocante à dosimetria da pena, a Defesa pleiteia a diminuição da pena-base, o afastamento da causa de aumento da internacionalidade, o reconhecimento da delação premiada, a aplicação da causa de diminuição do artigo 33, §4º da lei 11.343/06 em patamar maior, a fixação do regime inicial menos gravoso, e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Tendo em vista que a Acusação também insurge-se em relação à dosimetria da pena (impossibilidade de redução da pena abaixo do mínimo legal em face de circunstância atenuante), os recursos serão analisados em conjunto.
III.1. Quanto à pena-base, o Magistrado a quo fixou-a em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, considerando a natureza da droga (cocaína) de elevado efeito nocivo ao organismo dos usuários, e a grande quantidade apreendida (3.128 gramas) revelam o alto grau de lesividade da conduta.
Requer a defesa a redução da pena-base no patamar mínimo.
O artigo 42 da Lei 11.343/2006 estabelece expressamente que, no crime de tráfico de drogas, a natureza e a quantidade da substância, a personalidade e a conduta social do agente devem ser considerados na fixação das penas, com preponderância sobre o previsto no artigo 59 do Código Penal. Saliente-se que o objeto jurídico tutelado no crime de tráfico de entorpecente é a saúde pública e, portanto, quanto maior a quantidade da droga traficada maior o potencial lesivo e o perigo de dano à saúde pública, a justificar uma maior reprovabilidade da conduta empreendida e, conseqüentemente, a elevação da pena-base.
Nesse sentido situa-se a orientação do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
Dessa foram, verifico que a potencialidade lesiva inerente à natureza da droga apreendida, aliada à expressiva quantidade (3.128 gramas de cocaína) justificam a exasperação da pena-base além do patamar mínimo.
Dessa forma, reputo adequado e suficiente a fixação da pena-base em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, tal como lançado na r.sentença apelada.
III.2. Da confissão espontânea. Na segunda fase da dosimetria da pena, foi considerada a atenuante da confissão espontânea, sendo a pena reduzida em 1/6 (um sexto), passando a 4 anos, 10 meses e 10 dias de reclusão.
A Acusação sustenta a impossibilidade de redução da pena aquém do mínimo legal, por conta de circunstância atenuante, a teor da Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça.
Com razão o Ministério Público Federal.
Com efeito, inviável a minoração da pena aquém do mínimo, porque válido o entendimento sumulado nº 231 do Superior Tribunal de Justiça que aduz que "a incidência da circunstância atenuante não pode coincidir à redução da pena abaixo do mínimo legal".
Referido enunciado tem amparo legal, pois se o tipo tem previsão de pena mínima, esta deve ser respeitada. As circunstâncias atenuantes e agravantes não possuem no Código Penal um balizamento do quantum pode ser diminuído ou aumentado. O entendimento sustentando na sentença recorrida implicaria em admitir a possibilidade de aplicação de pena igual a zero, o que se afigura absurdo. Dessa forma, o entendimento não afronta o princípio constitucional da legalidade, ao contrário, está exatamente de acordo com o mesmo.
Também não se verifica afronta ao princípio constitucional da individualização da pena, posto que essa se dá dentro dos limites mínimo e máximo estabelecidos pelo legislador ordinário.
No mesmo sentido do entendimento consubstanciado na Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça já manifestou-se o Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral:
Assim, considerado que o recurso da acusação limita-se ao patamar de redução da atenuante da confissão espontânea, reduzo a pena para o mínimo legal, 05 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.
III.3. Da causa de aumento da internacionalidade delitiva. Pretende a Defesa o afastamento da causa de aumento da internacionalidade delitiva.
No tocante à internacionalidade, vislumbro sua ocorrência, pois: a) foram encontrados bilhetes aéreo de ida e volta em nome de MARIAMA; b) MARIAMA disse na fase judicial ter sido contratada no exterior para levar cocaína para Marrocos, e após Guiné; c) a droga apreendida estava oculta na bagagem da acusada. Todos estes fatores evidenciam a intenção da acusada em levar a droga para o exterior.
Assim, patente a intenção da apelante de internar a droga em território estrangeiro, justificando a aplicação da causa de aumento do artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06.
Configura-se a internacionalidade do tráfico quando o agente está transportando o entorpecente e prestes a sair do território nacional. Nesse sentido situa-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3a Região:
Portanto, incide a causa de aumento da internacionalidade 1/6 (um sexto), tal como lançado na sentença, resultando na pena de 5 anos e 10 meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.
III.4. Da delação premiada: nos termos do artigo 41 da Lei n° 11.343/2006, para a concessão do favor legal faz-se imprescindível a eficácia da delação, com a indicação precisa de demais autores do crime aliada à efetiva facilitação ao desmantelamento da estrutura criminosa, não bastando meras indicações do réu para reconhecer o benefício do perdão judicial ou da redução da pena. Nesse sentido, aponto precedente deste Tribunal:
Na fase policial, a acusada nada informou sobre a qualificação ou endereço do traficante contratante (fl. 16). Embora haja no interrogatório prestado na fase judicial a indicação do prenome do contratante (Emmanuel) e do País de sua residência (Dakar/Senegal), não justificam a concessão da benesse uma vez que meras indicações da ré, em nada contribuíram para a identificação de eventuais outros agentes. As informações nada esclareceram de concreto, como se constata do interrogatório judicial de fls. 223 e mídia de fl. 231.
Assim, no caso concreto, ante a ineficácia e generalidade da delação, inviabiliza-se a minoração da pena ou a concessão do perdão judicial.
Acrescente-se que a apreensão da droga e a prisão do corréu CHIDOZIE se deu em decorrência das diligencias policiais, não havendo que se falar em efetiva colaboração da acusada, para fins da concessão do benefício.
III.5. Da causa de diminuição de pena do traficante ocasional: Dispõe o artigo §4° do artigo 33 da Lei 11.343/2006 sobre a possibilidade de redução da pena no crime de tráfico de drogas, de um sexto a dois terços, "desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa".
Tais requisitos são exigíveis cumulativamente, e portanto a ausência de qualquer deles implica na inexistência de direito ao benefício da diminuição da pena.
Não me parece que o citado §4° do artigo 33 da Lei n° 11.343/06 deva ser interpretado de modo a possibilitar a sua aplicação às assim chamadas "mulas" do tráfico de drogas, porquanto tal interpretação favoreceria sobremaneira a operação das organizações criminosas voltadas para o tráfico internacional, o que certamente contraria a finalidade do citado diploma legal, que visa à repressão dessa atividade.
A atividade daquele que age como "mula", transportando a droga de sua origem ao destino, na verdade pressupõe a existência de uma organização criminosa, com diversos membros, cada qual com funções específicas. Quem transporta a droga em sua bagagem, ou em seu corpo, cumpre uma função dentro de um esquema maior, que pressupõe alguém para comprar, ou de alguma forma obter a droga na origem, e alguém para recebê-la no destino, e providenciar a sua comercialização.
Se aquele que atua como "mula" desconhece quem sejam os integrantes da organização criminosa - circunstância que não põe esta em risco de ser desmantelada - e foi aliciado de forma aleatória, fortuita e sem qualquer perspectiva de ingressar na "associação criminosa", muitas vezes em face da situação de miserabilidade econômica e social em que se encontra, outras em razão da ganância pelo lucro fácil, não há como se entender que faça parte do grupo criminoso, no sentido de organização. Mas o certo é que é contratado por uma organização criminosa para servir como portador da droga, e portanto integra essa organização.
E, ainda que se entenda que o traficante que atue como "mula" não integra a organização criminosa, é certo que o benefício não alcança aqueles que se dedicam à atividades criminosas, ou seja, aqueles que se ocupam do tráfico, como meio de subsistência, ainda que de forma não habitual.
Se o agente, sem condições econômicas próprias, dispende vários dias de viagem, para obter a droga, e dirigir-se ao exterior, com promessa de pagamento pelo serviço de transporte, sem que comprove ter outro meio de subsistência, forçoso é concluir que faz do tráfico o seu meio de subsistência, não fazendo jus portanto à aplicação da causa de diminuição da pena.
Nesse sentido aponto precedentes do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região:
No caso dos autos há elementos que permitem concluir que a ré dedicava à atividades criminosas: a quantidade da droga apreendida (3.128 gramas de cocaína); a inexistência de prova de ocupação lícita; o fato de haver confessado que tinha sido contratado para o transporte da droga em Guiné, mediante pagamento de mil dólares americanos, bem como do fornecedor da droga haver custeado a compra da passagem aérea internacional e demais despesas da viagem; o fato de ter recebido telefone celular para manter contato com o traficante contratante, conforme relato em interrogatório judicial, referido na r. sentença apelada (fls. 263 e verso).
Todas essas circunstâncias conduzem à conclusão de que a ré se dedicava à atividades criminosas, e portanto não faz jus à causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4° da Lei n° 11.343/06.
Contudo, à míngua de recurso da acusação quanto ao ponto e em virtude da proibição da reformatio in pejus, mantenho a causa de diminuição no patamar da sentença, em 1/6 (um sexto), resultando a pena de 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 486 (quatrocentos e oitenta e seis) dias-multa, mantido o valor mínimo.
No caso dos autos, contudo, a acusada não faz jus à substituição da pena de reclusão por penas restritivas de direitos, uma vez que não preenchido o requisito do inciso I do artigo 44 do Código Penal.
III.7. Do regime inicial de cumprimento da pena. Postula a defesa a alteração do regime inicial de cumprimento da pena.
Observo que vinha sustentando entendimento no sentido de que o estabelecimento de regime inicial aberto ou semiaberto não se mostra compatível com a condenação por crime de tráfico ilícito de entorpecentes, dada a equiparação do tráfico aos delitos hediondos.
E assim o fazia por entender que tanto o legislador constituinte (artigo 5º, inciso XLIII) quanto o legislador infraconstitucional (Lei nº 8.072/1990) dispensaram tratamento mais rigoroso na repressão ao crime de tráfico ilícito de entorpecentes, sendo portanto lícito o estabelecimento de regime inicial mais gravoso para cumprimento da pena, na esteira de precedentes do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região: STF, 1ª Turma, RHC 108011/RJ, Rel.Min. Luiz Fux, j. 06/09/2011, DJe 30/09/2011; STF, 2ª Turma, HC 103011/RN, Rel.Min. Ellen Gracie, j. 24/08/2010, DJe 09/09/2010; STF, 2ª Turma, HC 91360/SP, Rel.Min. Joaquim Barbosa, j. 13/05/2008, DJe 19/06/2008; STJ, 5ª Turma, HC 226379/SP, Rel.Min. Jorge Mussi, j. 24/04/2012, DJe 08/05/2012; TRF 3ª Região, 1ª Turma, HC 0001433-97.2012.403.0000, Rel. Des.Fed. Johonsom di Salvo, j. 06/03/2012, DJe 16/03/2012.
Contudo, não me é dado desconhecer que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do §1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/1990, na redação dada pela Lei nº 11.464/2007, que estabelecia o regime inicial fechado para cumprimento da pena para os condenados por crime de tráfico de drogas (HC 111840/ES, rel. Min. Dias Toffoli, 27.6.2012. Informativo STF nº 672).
No caso dos autos, o entendimento pela inconstitucionalidade do referido dispositivo legal firmado pelo STF, não beneficia a acusada.
É certo que no caso dos autos a sentença fez expressa referência ao artigo 2º, §1º da Lei nº 8.072/1990, na redação da Lei nº 11.464/2007, para fixar o regime inicial de cumprimento da pena.
Contudo, não se poderia exigir do Juízo a quo, anteriormente à declaração de inconstitucionalidade do citado dispositivo, e havendo inclusive manifestações do próprio Supremo Tribunal Federal pela sua constitucionalidade, que aventasse outras razões para o estabelecimento do regime inicial fechado.
Assim, há de se perquirir se na dosimetria da pena, foram reconhecidos em favor do réu como favoráveis as circunstâncias judiciais. Isso porque apesar do regime inicial ser estabelecido, a princípio, em função da quantidade da pena, nos termos do §2º do artigo 33 do Código Penal, o §3º do citado dispositivo estabelece que "a determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código".
E, no caso dos autos, foram consideradas desfavoráveis as circunstâncias do artigo 59 do CP, em relação às conseqüências do crime, fixando a pena-base em patamar superior ao mínimo legal (cinco anos e dez meses de reclusão).
Dessa forma, não obstante a pena final de quatro anos, dez meses e dez dias de reclusão, não há que se falar em flagrante ilegalidade no estabelecimento do regime inicial fechado.
IV - DA CONCLUSÃO: por estas razões: a) rejeito a preliminar de nulidade e nego provimento à apelação do réu CHIDOZIE; b) nego provimento à apelação da ré MARIAMA; c) dou parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal para, quanto ao réu CHIDOZIE, afastar a causa de diminuição do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006, resultando a pena definitiva de 06 anos, 09 meses e 20 dias de reclusão, no regime inicial fechado, e pagamento de 680 (seiscentos e oitenta) dias-multa, mantido o valor unitário mínimo, bem como para, quanto à ré MARIAMA, afastar a redução da pena aquém do mínimo legal, na segunda fase da dosimetria, readequando sua pena definitiva para 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, e 486 (quatrocentos e oitenta e seis) dias-multa, mantida no mais a sentença apelada; e determino ainda a comunicação ao Superior Tribunal de Justiça, ao Juízo das Execuções Criminais Penais e ao Ministério da Justiça.
É como voto.
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