Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 11/04/2013
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0009316-21.2009.4.03.6105/SP
2009.61.05.009316-6/SP
RELATORA : Juíza Federal Convocada TÂNIA MARANGONI
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : GILDESIO COSTA DA SILVA
ADVOGADO : GUILHERME ELIAS DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00093162120094036105 9 Vr CAMPINAS/SP

EMENTA

PENAL - PROCESSUAL PENAL - CRIME DE RADIOFUSÃO CLANDESTINA - CONFLITO APARENTE DE NORMAS - ARTIGO 70 DA LEI 4.117/62 - ARTIGO 183 DA LEI 9.472/97 APLICÁVEL AO CASO DOS AUTOS - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE DETERMINOU O REGULAR PROCESSAMENTO DA AÇÃO PENAL - IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE TRANSAÇÃO PENAL EM VIRTUDE DE CORRETA CAPITULAÇÃO JURÍDICA - RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO.
1. O MM. Juiz Federal da 9ª Vara de Campinas/SP entendeu que os fatos narrados no inquérito policial se subsumem ao delito previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472/97 e não ao previsto no artigo 70 da Lei n.º 4.117/62, determinando o prosseguimento do feito e tornando sem efeito o despacho de fls. 96, onde determinava a realização de audiência preliminar de transação, na forma do artigo 76 da Lei n.º 9.099/95 (fls. 100/101).
2. Analiso a questão relativa a capitulação jurídica correta a ser emprestada à conduta desenvolvida pelo recorrido, em face do conflito aparente de normas entre a figura típica prevista no "caput" do artigo 183 da Lei 9.472/97 e a infração prevista no artigo 70 da Lei 4.117/62.
3. O entendimento já pacificado na 5ª Turma desta Egrégia Corte Regional é no sentido de que, após o advento da Lei 9.472/97, a atividade ilegal de radiodifusão deve ser submetida ao artigo 183 desse diploma legislativo, e não mais ao artigo 70 da Lei 4.117/62, restando a este último, aplicabilidade apenas no que se refere aos fatos cometidos anteriormente à vigência da Lei 9.472/97. Precedentes.
4. Com efeito, a Lei 9.612/98, que dispõe sobre rádio comunitária, em seu artigo 2º, faz a ressalva de que é aplicável, no que couber, os dispositivos da Lei 4.117/62, o que encerra a discussão sobre o fato de o artigo 70 da aludida lei ter sido recepcionado pela Constituição Federal.
5. Por sua vez, é descabida a interpretação de que, com a edição da Emenda Constitucional nº 08/95, o termo telecomunicação deve ser entendido como algo distinto da radiodifusão, abrangendo somente os serviços de telefonia. Precedente desta E. Corte Regional.
6. Portanto, é diante de cada caso concreto, levando-se em conta o princípio do tempus regit actum, que o intérprete buscará qual a norma que deve ser aplicada, o artigo 70 da Lei 4.117/62 ou o artigo 183 da Lei 9.472/97.
7. Na hipótese dos autos, entende-se aplicável o artigo 183 da Lei 9.472/97, visto constar do termo circunstanciado que a apreensão dos equipamentos da emissora de rádio clandestina ocorreu em 07 de outubro de 2009.
8. Assim, o artigo 183 da Lei 9.472/97 é o que deve ser aplicado ao presente caso, em que pese a posição do Ilustre Procurador da República em suas Razões de Recurso, no sentido de que o artigo 70 da Lei 4.117/62 é o que deve prevalecer.
09. Recurso ministerial desprovido, determinando o normal prosseguimento da ação penal, em seus ulteriores termos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, em negar provimento ao recurso em sentido estrito, determinando o normal prosseguimento da ação penal, em seus ulteriores termos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 25 de março de 2013.
TÂNIA MARANGONI
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): TANIA REGINA MARANGONI:63
Nº de Série do Certificado: 07DCF0B19573A1C9
Data e Hora: 08/04/2013 15:45:18



RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0009316-21.2009.4.03.6105/SP
2009.61.05.009316-6/SP
RELATORA : Juíza Federal Convocada TÂNIA MARANGONI
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : GILDESIO COSTA DA SILVA
ADVOGADO : GUILHERME ELIAS DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00093162120094036105 9 Vr CAMPINAS/SP

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA TÂNIA MARANGONI:

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra decisão proferida pelo MM. Juiz Federal da 9ª Vara de Campinas/SP que, entendendo que os fatos narrados no inquérito policial se subsumem ao delito previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472/97 e não ao previsto no artigo 70 da Lei n.º 4.117/62, determinou o prosseguimento do feito e tornou sem efeito o despacho de fls. 96, onde determinava a realização de audiência preliminar de transação, na forma do artigo 76 da Lei n.º 9.099/95.

Consta do termo circunstanciado de fls. 24/27 que, no dia 07/10/09, na cidade de Campinas/SP, agentes de fiscalização da Anatel em conjunto com a Polícia Militar, surpreenderam e apreenderam em poder do ora recorrido GILDESIO COSTA DA SILVA, um transmissor de FM sem marca, modelo ou n.º de série aparentes e um receptor de link sem marca, modelo ou n.º de série aparente, sem a devida autorização legal, tendo sido verificado que o transmissor operava na freqüência de 96,1Mhz, com potência de operação aferida em 540 Watts (Parecer Técnico de fls. 28/31).

À fl. 81, o órgão do Parquet Federal sustentou que, em tese, teria o réu cometido infração penal de menor potencial ofensivo (artigo 70 da Lei n.º 4.117/62), requerendo a designação de Audiência Preliminar para eventual aplicação dos institutos despenalizadores da Lei n.º 9.099/95.

O MM. Juízo de Primeira Instância acatou o pedido e designou audiência preliminar de transação para o dia 16 de junho de 2011, conforme decisão de fl. 96.

O Juízo, posteriormente, mudou de entendimento e determinou o prosseguimento do feito, sob os seguintes fundamentos:

"A Jurisprudência majoritária dos Tribunais Pátrios enquadra a conduta imputada ao investigado - operar estação de rádio clandestinamente - no tipo previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472/97.
Nesse sentido:
(...)
Com a devida vênia dos respeitáveis entendimentos em sentido diverso, que tipificam a conduta no artigo 70 da Lei n.º 4.117/62, filio0me à corrente majoritária, que capitula a conduta no artigo 183 da Lei n.º 9.472/97.
Como conseqüência, resta inaplicável ao presente caso a Lei n.º 9.099/95, na medida em que a pena máxima prevista no mencionado artigo 183 é superior a dois anos.
Diante do exposto, determino o prosseguimento do feito e torno sem efeitos o despacho de f. 96 dos autos.
(...)" (fls. 100/101) (grifei).

Em razões recursais (fls. 105/110), o Ministério Público Federal, insurgindo-se contra tal decisão, argumenta, basicamente, que o artigo 70 da Lei n.º 4.117/62 continua vigente e deve ser aplicado ao caso dos autos, uma vez que o delito investigado não se subsume ao tipo penal do artigo 183 da Lei n.º 9.472/97, como entendido pelo Juízo.

Pugna o recorrente pela reforma da decisão, dando-se provimento ao recurso, para que seja remarcada a audiência para oferecimento da proposta de transação penal.

Em contra-razões (fls. 120/121), a defesa do recorrido pugnou pelo provimento do recurso.

Logo após, os autos vieram a esta E. Corte Regional, onde o parecer da Ilustre Procuradora Regional da República, Rosane Cima Campiotto, foi pelo desprovimento do recurso ministerial (fls. 126/129vº).

Foi dispensada a revisão, na forma regimental.

É O RELATÓRIO.



TÂNIA MARANGONI
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): TANIA REGINA MARANGONI:63
Nº de Série do Certificado: 07DCF0B19573A1C9
Data e Hora: 15/03/2013 18:02:09



RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0009316-21.2009.4.03.6105/SP
2009.61.05.009316-6/SP
RELATORA : Juíza Federal Convocada TÂNIA MARANGONI
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : GILDESIO COSTA DA SILVA
ADVOGADO : GUILHERME ELIAS DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00093162120094036105 9 Vr CAMPINAS/SP

VOTO

A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA TÂNIA MARANGONI:

Nestes autos, o MM. Juiz Federal da 9ª Vara de Campinas/SP entendeu que os fatos narrados no inquérito policial se subsumem ao delito previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472/97 e não ao previsto no artigo 70 da Lei n.º 4.117/62, determinando o prosseguimento do feito e tornando sem efeito o despacho de fls. 96, onde determinava a realização de audiência preliminar de transação, na forma do artigo 76 da Lei n.º 9.099/95 (fls. 100/101).

Em um primeiro momento, dirijo minha atenção à questão relativa à capitulação jurídica correta a ser emprestada à conduta desenvolvida pelo recorrido, em face do conflito aparente de normas entre a figura típica prevista no "caput" do artigo 183 da Lei 9.472/97 e a infração prevista no artigo 70 da Lei 4.117/62.

O entendimento já pacificado na 5ª Turma desta Egrégia Corte Regional é no sentido de que, após o advento da Lei 9.472/97, a atividade ilegal de radiodifusão deve ser submetida ao artigo 183 desse diploma legislativo, e não mais ao artigo 70 da Lei 4.117/62, restando a este último, aplicabilidade apenas no que se refere aos fatos cometidos anteriormente à vigência da Lei 9.472/97.

Nesse sentido, já se manifestou reiteradamente esta Colenda Turma, como se pode observar dos julgados abaixo transcritos, da relatoria da Eminenete Desembargadora Federal Ramza Tartuce, como segue:


"PENAL - CONSTITUCIONAL - CONFLITO APARENTE DE NORMAS - ARTIGO 70 DA LEI 4.117/62 E ARTIGO 183 DA LEI 9.472/97 - REVOGAÇÃO - "TEMPUS REGIT ACTUM" - AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS AMPLAMENTE COMPROVADAS - RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO - SENTENÇA INTEGRALMENTE MANTIDA.
No presente caso, a conduta desenvolvida pelo agente se subsume ao tipo penal previsto no artigo 183 da Lei 9.427/97, haja vista que o delito foi praticado quando já se encontrava em vigor a Lei 9.472/97. Aplicação do princípio geral do tempus regit actum.
A Lei 9.472/97 é mais gravosa, se comparada ao regime jurídico penal previsto na Lei 4.117/62, pois, como se vê do simples cotejo entre as leis, houve sensível aumento da repressão estatal na Lei 9.472/97.
A Lei 4.117/62 não se encontra mais em vigor no que pertine ao crime de atividade ilegal de radiofusão, conforme se depreende do inciso I do artigo 215 da Lei 9.472/97. Apesar dos artigos 70 da Lei 4.117/62 e 183 da Lei 9.472/97 possuírem redação legislativa distinta, tratam da repressão estatal relativa a uma mesma conduta penalmente relevante, qual seja, a prática da atividade ilegal de telecomunicações, aí se encontrando, indiscutivelmente, a radiofusão.
Após o advento da Lei 9.472/97, a atividade ilegal de radiofusão deve ser submetida ao artigo 183 deste diploma legislativo, e não mais ao artigo 70 da Lei 4.117/62, restando a este último dispositivo aplicabilidade apenas no que se refere aos fatos cometidos anteriormente à vigência da Lei 9.472/97.
Materialidade delitiva comprovada pelo Auto de Apresentação e Apreensão, pelo Laudo e pelo Parecer Técnico que afastam a dúvida sobre a existência do crime.
Autoria comprovada pela confissão e pela prova testemunhal e documental colhida.
Recurso a que se nega provimento. Sentença de primeiro grau mantida."
(TRF3 - APELAÇÃO CRIMINAL 14602 - Proc. 1999.60.00.007852-4/MS - 5ª TURMA, j. 30/05/2005, DJU 21/06/2005, p. 433)
"PENAL - PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS - CRIME DE RADIOFUSÃO CLANDESTINA - ARTIGO 70 DA LEI 4.117/62 - ARTIGO 183 DA LEI 9.472/97 - CONFLITO APARENTE DE LEIS NO TEMPO - ULTRATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS BENÉFICA E APLICAÇÃO IMEDIATA DA LEI PENAL MAIS GRAVOSA - "TEMPUS REGIT ACTUM" - CONDUTA PRATICADA APÓS A ENTRADA EM VIGOR DA LEI 9.472/97, QUE POR ISSO, DEVE INCIDIR NA HIPÓTESE - PENA MÁXIMA DE 04 (QUATRO) ANOS DE DETENÇÃO QUE NÃO PERMITE A APLICAÇÃO DOS INSTITUTOS DESPENALIZADORES DA LEI 9.099/95 - MAGISTRADO QUE DISCORDA DA PROPOSTA DE TRANSAÇÃO PENAL OFERECIDA PELO "PARQUET" - POSSIBILIDADE - CONTROLE DE LEGALIDADE DOS PRESSUPOSTOS DA TRANSAÇÃO PENAL - ORDEM DENEGADA.
Conforme entendimento já consagrado nesta Egrégia 5ª Turma, a conduta praticada pelo paciente - considerado os seus marcos temporais - deve se subsumir ao artigo 183 da Lei nº 9.472/97, e não ao artigo 70 da Lei 4.117/62.
Analisando-se os diplomas legislativos supracitados, verifica-se que, no presente caso, a conduta do agente se amolda ao tipo penal previsto no artigo 183 da Lei 9.472/97, que já se encontrava em vigor na época dos fatos. O Auto de Prisão em Flagrante foi lavrado aos 18/02/2003. Aplicação do princípio geral do "tempus regit actum".
Aliás, registra-se que a Lei 9.472/97 caracteriza-se, notadamente, como lei posterior mais gravosa, se comparada ao regime jurídico penal previsto na Lei 4.117/62, pois, como se pode inferir do simples cotejo entre as referidas leis, houve sensível aumento da repressão estatal com a entrada em vigor da Lei 9.472/97, estabelecendo o legislador pátrio um aumento da pena mínima de 01 (hum) para 02 (dois) anos de detenção para a conduta aqui mencionada. E a pena máxima passou a 04 (quatro) anos de detenção.
E não se diga que a Lei 4.117/62 encontra-se ainda em vigor no que diz respeito ao crime de atividade ilegal de radiodifusão, conforme entendem alguns, com esteio no inciso I do artigo 215 da Lei 9.472/97, que estabelece: "Art. 215. Ficam revogados: I- a Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962, salvo quanto à matéria penal não tratada nesta Lei e quanto aos preceitos relativos à radiodifusão; (...)". Apesar de os artigos 70 da Lei 4.117/62 e 183 da Lei 9.472 possuírem redação legislativa distinta, tratam eles da repressão estatal de uma mesma conduta penalmente relevante, qual seja, a prática de atividade ilegal de telecomunicações, aí se encontrando, indiscutivelmente, a radiodifusão. Após o advento da Lei 9.472/97, a atividade ilegal de radiodifusão deve ser submetida ao artigo 183 deste diploma legislativo, e não mais ao artigo 70 da Lei 4.117/62, restando a este último, aplicabilidade apenas no que se refere aos fatos cometidos anteriormente à vigência da Lei 9.427/97.
A interpretação mais equilibrada do inciso I do artigo 215 da Lei 9.472/97 aponta no sentido de que não houve revogação da Lei 4.117/62 no que se refere aos dispositivos penais que não foram disciplinados pela nova Lei, o que, à evidência, não é a hipótese dos autos, eis que, como acima ressaltou-se, a conduta anteriormente disciplinada pelo artigo 70 da Lei 4.117/62 foi inequivocadamente substituída pelo regramento firmado pelo artigo 183 da Lei 9.472/97, que, inclusive, estabeleceu uma majoração da pena mínima abstratamente cominada ao delito, tendo em vista a necessidade de uma maior repressão estatal ao exercício irregular do direito de antena em solo nacional.
Portanto, é diante de cada caso concreto, levando-se em conta o princípio do "tempus regit actum", que o intérprete buscará qual a norma que deve ser aplicada, o artigo 70 da Lei 4.117/62 ou o artigo 183 da Lei 9.472/97. Na hipótese dos autos, aplicável o artigo 183 da Lei 9.472/97. Precedentes desta Turma.
(...)
(...)
(...)
(...)"
(TRF3 - HC 23013 - Proc. 2005.03.00.091023-1/SP - 5ª TURMA, j. 10/04/2006, DJU 06/06/2006, p. 302)

No mesmo sentido, transcrevo precedente desta Egrégia Turma, da relatoria do Eminente Desembargador Federal André Nabarrete:

""Habeas corpus" que objetiva o trancamento da ação penal a que respondem os pacientes pela prática, em tese, do crime definido no artigo 183 da lei nº 9472/97 - ajuizamento de mandado de segurança para discutir a matéria.
1-) Os pacientes são acusados de operar a rádio Consolata FM, em São Manuel, sem autorização da autoridade competente.
(...)
7-) Os artigos 2º e 6º da Lei nº 9.612, de 19.02.98, requerem da rádio comunitária a obtenção de autorização do poder executivo, sem exceção alguma.
8-) Não há contraste ou não se repelem as Leis nºs 9.472/97 e 9.612/98, porque ambas cuidam do serviço de telecomunicações. A segunda estabelece apenas sanções de natureza administrativa e a outra as penais no artigo 183.
9-) A Lei nº 4.117/62 foi revogada pela Lei nº 9.472/97, na parte relativa ao tipo penal do artigo 70, a teor dos artigos 183 e 215 do diploma legal posterior.
10-) Ordem denegada. "
(TRF3 - 5ª turma; HC 1999.03.00.047525-1; j. 04/04/2000; v.u., Publicado no DJU de 16/05/2000, p.688)

Com efeito, a Lei 9.612/98, que dispõe sobre rádio comunitária, em seu artigo 2º, faz a ressalva de que é aplicável, no que couber, os dispositivos da Lei 4.117/62, o que encerra a discussão sobre o fato de o artigo 70 da aludida lei ter sido recepcionado pela Constituição Federal.

Por sua vez, é descabida a interpretação de que, com a edição da Emenda Constitucional nº 08/95, o termo telecomunicação deve ser entendido como algo distinto da radiodifusão, abrangendo somente os serviços de telefonia.

Sobre o tema, merece ser transcrito o seguinte julgado, cuja lavra é do Eminente Desembargador Federal André Nekatschalow:


"PENAL. SERVIÇOS DE RADIODIFUSÃO. FALTA DE AUTORIZAÇÃO, PERMISSÃO OU CONCESSÃO. TIPICIDADE. LEI N. 4.117/62, ART. 70. LEI N. 9.472/97, ART. 183. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DE PENSAMENTO. EXERCÍCIO DE DIREITOS CULTURAIS. PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA. RÁDIOS COMUNITÁRIAS. LEI N. 9.612/98. BUSCA E APREENSÃO.
1. Os serviços de telecomunicações caracterizam-se pela comunicação à distância, compreendendo os serviços de radiodifusão, que se resolve na comunicação à distância por intermédio de ondas eletromagnéticas. O exercício de serviços de radiodifusão configura tipo penal, seja o art. 70 da Lei n. 4.117, de 27.08.62, seja o art. 183 da Lei n. 9.472, de 16.07.97, a qual revogou a legislação anterior por força do seu art. 215, I.
2. A Emenda Constitucional n. 8, de 15.08.95, deu nova redação ao art. 21 da Constituição da República, de modo que os serviços de telecomunicações encontram-se regulados no seu inciso XI, ao passo que os serviços de radiodifusão no seu inciso XII, a. A alteração da norma constitucional, porém, tende a possibilitar a exploração daqueles serviços por particulares, sem contudo alterar a natureza mesma desses serviços, de maneira que os serviços de radiodifusão, na esteira da hermenêutica anterior, continuam compreendidos pelos serviços de telecomunicações.
3. A necessidade de autorização, permissão ou concessão para os serviços de radiodifusão é imposta pela própria Constituição da República (CR, art. 21, XII, a), inclusive para as rádios comunitárias (CR, art. 223). A Lei n. 9.612, de 19.02.98, art. 6º, igualmente exige autorização estatal para a exploração dos serviços de radiodifusão comunitária. Os requisitos legais não são abusivos, razão pela qual a norma não conflita com o Pacto de San José da Costa Rica, promulgado pelo Decreto n. 678, de 06.11.92, em especial seu art. 13, n. 1 a 3. 4. A Constituição da República garante a liberdade de expressão (CR, art. 5º, IX) e de manifestação do pensamento (CR, art. 220), assegurando também o exercício de direitos culturais. Mas não é incompatível com tais garantias a exigibilidade de autorização estatal para os serviços de radiodifusão, pois esta é estabelecida pela própria Constituição da República, em cujos termos devem ser desfrutadas as faculdades por ela asseguradas.
5. Os fatos objeto de investigação policial configuram, em tese, o delito disposto no art. 183 da Lei n. 9.472/97.
6. A apreensão cautelar de equipamentos de telecomunicação clandestina encontra previsão no inciso II do art. 184 da Lei n. 9.472/97 e nos arts. 240 e seguintes do Código de Processo Penal.
7. A necessidade de busca e apreensão de equipamentos de radiodifusão é manifesta, haja vista que seu exercício sem autorização legal implica risco de interferência nas atividades regulares de telecomunicações, e na navegação aérea, além de possibilitar a venda ilegal de entorpecente.
8. Apelação provida.
(TRF3 - ACR 17035/SP, 5ª Turma, Relator Desembargador Federal André Nekatschalow, DJU 09/05/2006, p. 518).

Portanto, é diante de cada caso concreto, levando-se em conta o princípio do tempus regit actum, que o intérprete buscará qual a norma que deve ser aplicada, o artigo 70 da Lei 4.117/62 ou o artigo 183 da Lei 9.472/97. Na hipótese dos autos, entende-se aplicável o artigo 183 da Lei 9.472/97, visto constar do termo circunstanciado que a apreensão dos equipamentos da emissora de rádio clandestina ocorreu em 07 de outubro de 2009.

Assim, o artigo 183 da Lei 9.472/97 é o que deve ser aplicado ao presente caso, em que pese a posição do Ilustre Procurador da República em suas Razões de Recurso, no sentido de que o artigo 70 da Lei 4.117/62 é o que deve prevalecer.

Nesse sentido, como bem ponderado pela Ilustre Procuradora Regional da República, em seu parecer, às fls.127/129, in verbis:

"(...) No que se refere ao mérito recursal, tem-se que não merecem ser acolhidos os argumentos trazidos à baila pelo Ministério Público Federal.
Como é cediço, a conduta de operar serviço de radiodifusão sonora sem a devida autorização se amolda perfeitamente ao tipo penal previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472/97.
Com efeito, confrontando a descrição da conduta constante de ambos os dispositivos é possível verificar que, no artigo 70 da Lei n.º 4.117/62, encontra-se descrita a conduta consistente na 'instalação ou utilização de telecomunicações, sem observância do disposto nesta Lei e nos regulamentos', ao passo que no artigo 183 da Lei n.º 9.472/97, está tipificada a conduta de 'desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação'.
Frise-se que, quando da edição da Lei n.º 9.472/97, em seu artigo 215, inciso I, o legislador determinou a expressa revogação da Lei n.º 4.117/62, com a ressalva de que deveriam permanecer em vigor os dispositivos relativos à matéria penal não tratada pela nova lei.
Assim, de acordo com o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência, resta evidente que o art. 70 da Lei n.º 4.117/62 ainda subsiste no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista que as condutas descritas nas referidas disposições tutelam bens jurídicos diversos.
Acerca desse assunto já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, conforme pode ser observado na seguinte ementa:
(...)
Destarte, tendo em vista que Gildésio Costa da Silva explorou serviço de telecomunicações sem a devida autorização da Administração Pública, resta evidente que a sua conduta se subsume ao fato delitivo descrito na norma estabelecida no artigo 183 da Lei n.º 9.472/97.
Impende registrar, ademais, que, conforme preconiza o artigo 21, inciso XII, alínea a, da Constituição Federal, compete à União explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão os serviços de radiodifusão. Disto conclui-se que a exploração do mencionado serviço pelo recorrido era feito de forma clandestina, considerando que foi realizada de forma oculta, sem a devida delegação do serviço público.
Por outro lado, a conduta descrita no artigo 70 da Lei n.º 4.117/62 se refere ao exercício de radiodifusão 'sem observância do disposto nos regulamentos', ou seja, existe autorização, concessão ou permissão por parte do Poder Público, para que o particular instale ou utilize o serviço de telecomunicação, sendo que, entretanto, o agente passa a atuar de forma contrária às regras atinentes à exploração do referido serviço. Assim, o ilícito reside no exercício irregular do serviço, de forma a extrapolar as regras constantes do regulamento.
Portanto, a conduta capitulada no artigo 70 da Lei n.º 4.117/62 caracteriza-se como sendo uma conduta que é contrária aos preceitos legais e regulamentares que regem a matéria, embora haja autorização para a exploração do serviço de telecomunicação, enquanto que o tipo penal previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472/97 consubstancia-se pelo fato do agente ativo desenvolver atividades de telecomunicação de forma clandestina, isto é, sem autorização do Poder Público.
Dessa forma, em razão do recorrido ter operado serviços de radiodifusão sem a devida delegação do Poder Público, deve incidir a regra constante no artigo 183 da Lei n.º 9.472/97.
(...)." (o negrito é no original).

Assim sendo, deve prevalecer a decisão ora guerreada, devendo o feito seguir seu regular andamento.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso ministerial, determinando o prosseguimento da ação penal, em seus ulteriores termos.

É COMO VOTO.


TÂNIA MARANGONI
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): TANIA REGINA MARANGONI:63
Nº de Série do Certificado: 07DCF0B19573A1C9
Data e Hora: 08/04/2013 15:45:14