Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 19/03/2013
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0010924-44.2006.4.03.6110/SP
2006.61.10.010924-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : VILSON ROBERTO DO AMARAL
ADVOGADO : DENI EVERSON DE OLIVEIRA e outro
REU ABSOLVIDO : SILVANY BORGES RIBEIRO
No. ORIG. : 00109244420064036110 2 Vr SOROCABA/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME DE ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL. FRAUDE PRATICADA POR SERVIDOR DO INSS. CRIME INSTANTÂNEO DE EFEITOS PERMANENTES. PRESCRIÇÃO RETROATIVA. RECURSO IMPROVIDO.
1- A jurisprudência dos Tribunais havia se consolidado no sentido de que o crime de estelionato previdenciário era crime permanente e, portanto, a prescrição somente começaria a correr do dia em que cessou a permanência, nos termos do artigo 111, inciso III, do Código Penal, ou seja, do término do recebimento do benefício previdenciário.
2- O Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento do HC nº 86.467/RS (Tribunal Pleno, de relatoria do E. Ministro Marco Aurélio, DJ de 22/06/2007), alterou o entendimento no sentido de que o crime de estelionato previdenciário seria instantâneo de efeitos permanentes, iniciando-se o prazo prescricional com o recebimento da primeira prestação do benefício.
3- Recentemente, a Suprema Corte alterou novamente o entendimento, passando a diferenciar a situação jurídica daquele que comete a falsificação para permitir que terceiro receba o benefício fraudulento, caso em que o crime é instantâneo de efeitos permanentes, da situação em que a fraude é perpetrada pelo próprio beneficiário, caso em que o crime é permanente, atraindo a incidência do artigo 111, inciso III, do Código Penal (HC 104880 e RHC 105761).
4. No caso em questão, a denúncia narrar que Vilson Roberto do Amaral, em 12 de dezembro de 2001, concedeu irregularmente aposentadoria por tempo de contribuição a Silvany Borges Ribeiro, mediante inclusão de períodos de trabalho não comprovados, induzindo em erro o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, cujo pagamento ocorreu entre 02.01.2002 a 07.04.2006.
5. Apesar do acusado Vilson Roberto do Amaral ter sido condenado, o denunciado Silvany Borges Ribeiro foi absolvido por ausência de prova de que ele concorreu para a infração penal, uma vez que não restou comprovado o dolo necessário à caracterização da conduta criminosa a ele imposta, bem como a configuração do conluio entre os acusados e a necessária convivência com os atos condenáveis praticados pelo corréu Vilson Roberto do Amaral.
6. Não havendo recurso ministerial visando à reforma da sentença que absolveu Silvany Borges Ribeiro, é de rigor concluir que a fraude não foi perpetrada pelo próprio beneficiário, tratando-se, portanto, de crime instantâneo de efeitos permanentes, iniciando-se o prazo prescricional com recebimento indevido da primeira prestação.
7. Considerando que a sentença já transitou em julgado para a acusação, não sendo mais possível a majoração da pena do acusado, torna-se perfeitamente possível a análise da prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, com base na sanção penal concreta imposta pelo Juízo a quo ao denunciado, nos termos do artigo 110, § 1º, do Código Penal.
8. A pena de 2 (dois) anos de reclusão fixada na sentença enseja prazo prescricional de 4 (quatro) anos, nos termos do artigo 109, inciso V, do Código Penal, transcorrido entre a data dos fatos e do recebimento da denúncia.
9. Recurso em sentido estrito improvido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 11 de março de 2013.
Antonio Cedenho
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): ANTONIO CARLOS CEDENHO:10061
Nº de Série do Certificado: 07ED7848D1F21816
Data e Hora: 14/03/2013 10:26:38



RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0010924-44.2006.4.03.6110/SP
2006.61.10.010924-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO : VILSON ROBERTO DO AMARAL
ADVOGADO : DENI EVERSON DE OLIVEIRA e outro
REU ABSOLVIDO : SILVANY BORGES RIBEIRO
No. ORIG. : 00109244420064036110 2 Vr SOROCABA/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra decisão que declarou extinta a punibilidade de Vilson Roberto do Amaral pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal.


O Ministério Público Federal denunciou Vilson Roberto do Amaral e Silvany Borges Ribeiro pela prática do crime previsto no artigo 171, §3º, do Código Penal (fls. 157/159), nos seguintes termos:


"(...) Narram os autos que, no dia 12 de dezembro de 2001, na cidade de Salto/SP, SILVANY BORGES RIBEIRO deu entrada em requerimento para sua aposentadoria por tempo de contribuição, onde, no mesmo dia, o então servidor público responsável, de agência local do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, VILSON ROBERTO DO AMARAL, concedeu irregularmente a referida aposentadoria por tempo de contribuição, sob o nº 42/121.332.090-6 (fls. 04 e 40 do apenso).
Antes disso SILVANY BORGES RIBEIRO já havia requerido sua aposentadoria por tempo de serviço (fls. 196/317 do apenso), sob o nº 42/107.493.715-2, na agência do INSS em Salto/SP, em 15 de dezembro de 1997. No entanto, como seu pedido foi indeferido, recorreu à 14ª Junta de Recursos, que manteve o indeferimento do benefício, por falta de tempo de serviço (fls. 299/301 do apenso). Embora também tenha recorrido ao Conselho de Recursos da Previdência Social (fls. 311/313 do apenso), acabou apresentando desistência desse recurso em 12 de dezembro de 2001 (fls. 307 do apenso), mesma data em que efetuou o outro requerimento. Já mencionado, de aposentadoria por tempo de contribuição.
A autarquia federal verificou que informações falsas foram inseridas no sistema de previdência social, com a inclusão de determinados períodos na concessão do benefício, que não foram provados. Ademais, as datas de admissão e demissão nas Carteiras de Trabalho e Previdência Social também estavam rasuradas, num total de vinte e dois períodos de trabalho forjados (fls. 75/81 do apenso e 182/183 das cópias em anexo).
Apurou-se que o tempo de contribuição efetivo de SILVANY BORGES RIBEIRO foi de 27 anos, 01 mês e 18 dias, em 16 de dezembro de 1998, e 30 anos, 01 mês e 14 dias, em 12 de dezembro de 2001, mas, nesta última data, era necessário o mínimo de 31 anos, 01 mês e 22 dias de tempo de contribuição, para a concessão do benefício (fls. 188/189 do apenso).
Desse modo, sem o período ficto considerado, o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição concedido não era devido naquela ocasião. Assim, houve irregularidade na sua concessão e pagamento.
A aposentadoria noticiada a fls. 91/94 é por idade, e não por tempo de serviço ou contribuição.
Como já exposto, o servidor federal responsável por tal concessão indevida e fraudulenta foi VILSON ROBERTO DO AMARAL, conforme especialmente fls. 40/41 do apenso, demitido por fatos análogos aos aqui tratados, consoante fls. 193 das cópias anexas.
O pagamento do benefício foi cassado, resultando um recebimento indevido, de benefício mensal, no valor total indevido de R$ 114.543,09, pago de 02/01/2002 até o dia 07/04/2006 (fls. 178/185 e 188/189 do apenso e 62/86).
Portanto, conclui-se que VILSON ROBERTO DO AMARAL e SILVANY BORGES RIBEIRO obtiveram, para ambos, vantagem ilícita e indevida, induzindo e mantendo em erro o INSS/seus servidores, mediante fraude, em prejuízo do referido Instituto, autarquia federal. Tudo com vontade livre e consciente, em comunhão de desígnios (previamente ajustados)
Incide, portanto, o artigo 171, § 3º, do Código Penal.
(...)"

A denúncia foi recebida em 19 de setembro de 2008 (fl. 160).


Após regular instrução, sobreveio sentença (fls. 460/465), publicada em 30 de março de 2012 (fl. 466), que julgou parcialmente procedente a ação penal para absolver Silvany Borges Ribeiro da imputação que lhe foi carreada, com fundamento no artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal e condenar Vilson Roberto do Amaral pela prática do crime previsto no artigo 171, §3º, do Código Penal, ao cumprimento da pena de 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, e pagamento de 20 (vinte) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.


A sentença (fls. 460/465) transitou em julgado para o Ministério Público Federal em 18 de maio de 2012.


A defesa interpôs recurso de apelação (fl. 471).


Em seguida, o MM Juízo a quo declarou extinta a punibilidade do réu Vilson Roberto do Amaral pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, na modalidade retroativa, verificada entre a data do fato (12.12.2001) e do recebimento da denúncia (19.09.2008).


Inconformado, o Ministério Público Federal interpões recurso em sentido estrito, em cujas razões recursais (fls. 477v/478v) requer que a execução penal seja iniciada, sustentando que o crime é permanente, tendo se consumado até o dia 07.04.2006, razão pela qual não transcorreu o prazo prescricional de 4 (quatro) anos entre os marcos interruptivos.


Foram apresentadas contrarrazões pela defesa (fls. 483/486).


A Procuradoria Regional da 3ª Região, em parecer, opinou pelo desprovimento do recurso da acusação (fls. 488/489v).


É o relatório.


Dispensada a revisão nos termos regimentais.



VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


Inicialmente, cabe constatar que a jurisprudência dos Tribunais havia se consolidado no sentido de que o crime de estelionato previdenciário era crime permanente e, portanto, a prescrição somente começaria a correr do dia em que cessou a permanência, nos termos do artigo 111, inciso III, do Código Penal, ou seja, do término do recebimento do benefício previdenciário.


Contudo, o Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento do HC nº 86.467/RS (Tribunal Pleno, de relatoria do E. Ministro Marco Aurélio, DJ de 22/06/2007), alterou o entendimento no sentido de que o crime de estelionato previdenciário seria instantâneo de efeitos permanentes, iniciando-se o prazo prescricional com o recebimento da primeira prestação do benefício.


E, recentemente, a Suprema Corte alterou novamente o entendimento, passando a diferenciar a situação jurídica daquele que comete a falsificação para permitir que terceiro receba o benefício fraudulento, caso em que o crime é instantâneo de efeitos permanentes, da situação em que a fraude é perpetrada pelo próprio beneficiário, caso em que o crime é permanente, atraindo a incidência do artigo 111, inciso III, do Código Penal, conforme julgados que ora transcrevo:


"Habeas corpus. Recurso ordinário em habeas corpus. Penal. Crime de estelionato contra a Previdência Social. Artigo 171, § 3º, do Código Penal. Conduta praticada por particular que deu causa à inserção fraudulenta de dados no sistema do INSS, visando beneficiar terceiro. Crime instantâneo de efeitos permanentes. Prescrição. Termo inicial. Data do recebimento indevido da primeira prestação do benefício irregular. Prescrição retroativa consumada. Constrangimento ilegal verificado. Extinção da punibilidade declarada. Ordem concedida.
1. Em tema de estelionato previdenciário, o Supremo Tribunal Federal tem uma jurisprudência firme "quanto à natureza binária da infração. Isso porque é de se distinguir entre a situação fática daquele que comete uma falsidade para permitir que outrem obtenha a vantagem indevida, daquele que, em interesse próprio, recebe o benefício ilicitamente. No primeiro caso, a conduta, a despeito de produzir efeitos permanentes no tocante ao beneficiário da indevida vantagem, materializa, instantaneamente, os elementos do tipo penal. Já naquelas situações em que a conduta é cometida pelo próprio beneficiário e renovada mensalmente, o crime assume a natureza permanente, dado que, para além de o delito se protrair no tempo, o agente tem o poder de, a qualquer tempo, fazer cessar a ação delitiva" (HC nº 104.880/RJ, Segunda Turma, da relatoria do Min. Ayres Britto, DJe de 22/10/10).
2. Aplicando o entendimento desta Suprema Corte, verifica-se que, entre a data do recebimento indevido da primeira prestação do benefício (art. 111, inciso I, do Código Penal) e a data do recebimento da denúncia (art. 117, inciso I, do Código Penal), transcorreu, in albis, período superior a quatro anos, o que demonstra a ocorrência da prescrição retroativa da pretensão punitiva do paciente.
3. Ordem concedida."
(HC 101999, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJe 24-08-2011)
"PENAL. HABEAS CORPUS. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO (ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. CRIME PERMANENTE. BENEFICIÁRIO. PRAZO PRESCRICIONAL. INÍCIO DA CONTAGEM. CESSAÇÃO DA PERMANÊNCIA. PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA. TEMA NÃO APRECIADO NA ORIGEM. INCOGNOSCIBILIDADE. INSTITUTO NÃO ACOLHIDO PELO E. STF.
1. O agente que perpetra a fraude contra a Previdência Social recebe tratamento jurídico-penal diverso daquele que, ciente da fraude, figura como beneficiário das parcelas. O primeiro pratica crime instantâneo de efeitos permanentes; já o segundo pratica crime de natureza permanente, cuja execução se prolonga no tempo, renovando-se a cada parcela recebida da Previdência.
2. Consectariamente, em se tratando de crime praticado pelo beneficiário, o prazo prescricional começa a fluir da cessação da permanência. Precedentes: HC nº 99.112, rel. Min. Marco Aurélio, j. 20/4/2010, 1ª Turma; HC 101.481, rel. min. Dias Toffoli, j. 26/4/2011, 1ª Turma; HC 102.774/RS, rel. Min. Ellen Gracie, j. 14/12/2010, 2ª Turma, DJ de 7/2/2011.
3. In casu, narra a denúncia que a paciente participou não apenas da fraude à entidade de Previdência Social, por meio de conluio com servidores do INSS, mas figurou como destinatária dos benefícios previdenciários, que recebeu até 30/10/2006.
4. Dessa forma, forçoso reconhecer que o prazo prescricional teve início apenas na referida data, em que cessada a permanência.
5. A prescrição não submetida à instância a quo torna inviável o seu conhecimento em sede de writ impetrado perante a Suprema Corte, sob pena de supressão de instância. Precedentes: HC 100616 / SP - Relator Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, Julgamento em 08/02/2011, DJ de 14/3/2011; HC 103835/SP Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, Julgamento em 14/12/2010, DJ de 8/2/2011.
6. A prescrição em perspectiva, projetada ou antecipada, mercê da ausência de previsão legal, é inadmissível de ser conhecida e acolhida. (RE 602527 QO-RG/RS, rel. Min. Cezar Peluso, Plenário, DJ de 18/12/2009).
7. Parecer pela denegação da ordem.
8. Ordem denegada." (grifo nosso)
(HC 102491, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe 25-05-2011)
"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL. ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. AÇÃO PENAL. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS CRIMINAL E ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.
I - Nos crimes de estelionato previdenciário, a instauração da ação penal independe da conclusão do procedimento administrativo. Precedentes.
II - O crime de estelionato contra a Previdência Social, quando praticado pelo próprio beneficiário das prestações, tem caráter permanente, o que fixa como termo inicial do prazo prescricional a data da cessão da permanência.
III - O trancamento da ação penal é medida excepcional, que somente tem lugar quando exsurge indiscutível a ausência de justa causa para a ação penal, o que não se tem na espécie. IV - Recurso desprovido." (grifo nosso)
(RHC 105761, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe 01-02-2011)
"HABEAS CORPUS. CRIME MILITAR. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. BENEFICIÁRIO DAS PARCELAS INDEVIDAS. CRIME PERMANENTE. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. HIGIDEZ DA PRETENSÃO PUNITIVA. ORDEM INDEFERIDA.
1. Em tema de estelionato previdenciário, o Supremo Tribunal Federal tem uma jurisprudência firme quanto à natureza binária da infração. Isso porque é de se distinguir entre a situação fática daquele que comete uma falsidade para permitir que outrem obtenha a vantagem indevida, daquele que, em interesse próprio, recebe o benefício ilicitamente. No primeiro caso, a conduta, a despeito de produzir efeitos permanentes no tocante ao beneficiário da indevida vantagem, materializa, instantaneamente, os elementos do tipo penal. Já naquelas situações em que a conduta é cometida pelo próprio beneficiário e renovada mensalmente, o crime assume a natureza permanente, dado que, para além de o delito se protrair no tempo, o agente tem o poder de, a qualquer tempo, fazer cessar a ação delitiva. Precedentes.
2. No caso, o paciente, indevidamente, sacou os valores depositados na conta-corrente de sua falecida irmã no período de janeiro de 2000 a maio de 2005. É falar: em proveito próprio, ele cometeu a fraude contra a Administração Militar. Donde ressai a natureza permanente da infração, a atrair a incidência do inciso III do art. 111 do Código Penal.
3. Habeas corpus indeferido." (grifo nosso)
(HC 104880, Relator Min. Ayres Britto, Segunda Turma, DJe 22-10-2010)

No mesmo sentido, julgados desta E. Corte, inclusive de minha relatoria:


"PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME DE ESTELIONATO PRATICADO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL. REQUERIMENTO DE BENEFÍCIO A OUTREM INSTRUÍDO COM DOCUMENTOS FALSOS. CRIME INSTANTÂNEO DE EFEITOS PERMANENTES. PRESCRIÇÃO PELA PENA MÁXIMA EM ABSTRATO. ACUSADO MAIOR DE SETENTA ANOS À ÉPOCA DOS FATOS. PRESCRIÇÃO REDUZIDA DE METADE. RECURSO IMPROVIDO.
1. Necessário se faz diferenciar a situação jurídica daquele que comete a falsificação para permitir que terceiro receba o benefício fraudulento, caso em que o crime é instantâneo de efeitos permanentes, da situação em que a fraude é perpetrada pelo próprio beneficiário, caso em que o crime é permanente, atraindo a incidência do artigo 111, inciso III, do Código Penal, conforme julgados do Supremo Tribunal Federal.
(...)"
(RSE 00075500620034036181, Desembargador Federal Antonio Cedenho, 5ª Turma, e-DJF3 Judicial 1 de 02/10/2012)
"HABEAS CORPUS - ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL - RECEBIMENTO INDEVIDO DE BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO - NATUREZA BINÁRIA DA INFRAÇÃO - EFEITOS PERMANENTES PARA O BENEFICIÁRIO - CONSUMAÇÃO DO CRIME COM A CESSAÇÃO DO PAGAMENTO - ART. 111, INC. III, DO CÓDIGO PENAL - DELITO INSTANTÂNEO COM EFEITOS PERMANENTES PARA OS QUE PROPICIARAM A PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO - CONSUMAÇÃO NA DATA DO REQUERIMENTO DO BENEFÍCIO - PRESCRIÇÃO - TERMOS INICIAIS DISTINTOS - PRESCRIÇÃO NÃO OCORRIDA PARA A BENEFICIÁRIA - TERMO INICIAL DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL NA DATA DA CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO - ORDEM DENEGADA.
1. Beneficiária que obteve para si, com auxílio de terceiro, mediante fraude, aposentadoria por tempo de contribuição, através de aposição na Carteira de Trabalho e Previdência Social, de período de falso vínculo empregatício.
2. Distinção fática entre aquele que recebe indevidamente o benefício e aquele ou aqueles que propiciaram a sua percepção indevida. Para o primeiro, que recebeu as parcelas de pagamento, a consumação do crime persiste até a cessação do pagamento, tratando-se de benefício de natureza permanente, incidindo o prazo prescricional naquela data (cessação), conforme dispõe o art. 111, inc. III, do Código Penal. Contudo, o mesmo não ocorre em relação àqueles que participaram na forma de propiciar a percepção do benefício por parte de outrem. Para esses, o entendimento consolidado é o de que a conduta se materializa instantaneamente, com o requerimento do benefício, não obstante produzir efeitos permanentes no tocante ao beneficiário da indevida vantagem.
3. Em tema de estelionato previdenciário, o Supremo Tribunal Federal tem uma jurisprudência firme quanto à natureza binária da infração. Isso porque é de se distinguir entre a situação fática daquele que comete uma falsidade para permitir que outrem obtenha a vantagem indevida, daquele que, em interesse próprio, recebe o benefício ilicitamente. No primeiro caso, a conduta, a despeito de produzir efeitos permanentes no tocante ao beneficiário da indevida vantagem, materializa, instantaneamente, os elementos do tipo penal. Já naquelas situações em que a conduta é cometida pelo próprio beneficiário e renovada mensalmente, o crime assume natureza permanente, protraindo-se no tempo até cessar a ação delitiva. Precedentes.
4. Prazo prescricional não extrapolado em relação à paciente, porquanto ela foi quem recebeu mensalmente as parcelas indevidas do benefício, protraindo-se no tempo a consumação do crime.
5. Ordem denegada."
(HC 00030327120124030000, Desembargador Federal Luiz Stefanini, 5ª Turma, e-DJF3 Judicial 1 de 26/03/2012)

Em sessão realizada em 17 de janeiro de 2013, a E. Primeira Seção deste Tribunal decidiu, por unanimidade, negar provimento aos embargos infringentes autuado sob nº 0012670-83.2010.4.03.6181, de minha relatoria, em que se discutiu acerca do momento em que o crime de estelionato se consuma, tendo prevalecido o entendimento de que o delito, naquela situação, era permanente e, portanto, o termo inicial para a contagem do prazo prescricional é a cessação da permanência, conforme seguinte ementa:


"PENAL. PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL. ART. 171, § 3º, CP. FRAUDE PRATICADA PELO PRÓPRIO BENEFICIÁRIO. CRIME PERMANENTE. FRAUDE PRATICADA POR TERCEIRO. CRIME INSTANTÂNEO DE EFEITOS PERMANENTES. PRESCRIÇÃO RECONHECIDA. EMBARGOS INFRINGENTES A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1- A jurisprudência dos Tribunais havia se consolidado no sentido de que o crime de estelionato previdenciário era crime permanente e, portanto, a prescrição somente começaria a correr do dia em que cessou a permanência, nos termos do artigo 111, inciso III, do Código Penal, ou seja, do término do recebimento do benefício previdenciário.
2- O Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento do HC nº 86.467/RS (Tribunal Pleno, de relatoria do E. Ministro Marco Aurélio, DJ de 22/06/2007), alterou o entendimento no sentido de que o crime de estelionato previdenciário seria instantâneo de efeitos permanentes, iniciando-se o prazo prescricional com o recebimento da primeira prestação do benefício.
3- Recentemente, a Suprema Corte alterou novamente o entendimento, passando a diferenciar a situação jurídica daquele que comete a falsificação para permitir que terceiro receba o benefício fraudulento, caso em que o crime é instantâneo de efeitos permanentes, da situação em que a fraude é perpetrada pelo próprio beneficiário, caso em que o crime é permanente, atraindo a incidência do artigo 111, inciso III, do Código Penal (HC 104880 e RHC 105761).
4- Na presente hipótese, a fraude foi também praticada pela própria beneficiária e, portanto, o crime praticado tem natureza permanente e, como consequência, a prescrição somente começa a correr do dia em que cessou a permanência, nos termos do artigo 111, inciso III, do Código Penal, ou seja, do término do recebimento do benefício previdenciário.
5- A pena máxima cominada ao delito de estelionato contra a Previdência Social, acrescida da causa de aumento prevista no § 3º, do artigo 171, do Código Penal, é de 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão. Verifica-se, portanto, que não transcorreram mais de 12 (doze) anos (art. 109, III, CP) entre a data do término do recebimento do benefício previdenciário e a data do julgamento do recurso pela 2ª Turma desta E. Corte, que recebeu a denúncia.
6- Embargos infringentes a que se nega provimento."
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA SEÇÃO, EIFNU 0012670-83.2010.4.03.6181, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO, julgado em 17/01/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/01/2013)

Naquele caso, restou provado que a fraude foi também praticada pela própria beneficiária, razão pela qual o crime praticado tinha natureza permanente e, como conseqüência, a prescrição somente começaria a correr do dia em que cessou a permanência, ou seja, do término do recebimento do benefício previdenciário.


Já no caso em questão, a denúncia narrar que Vilson Roberto do Amaral, em 12 de dezembro de 2001, concedeu irregularmente aposentadoria por tempo de contribuição a Silvany Borges Ribeiro, mediante inclusão de períodos de trabalho não comprovados, induzindo em erro o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, cujo pagamento ocorreu entre 02.01.2002 a 07.04.2006.


Porém, apesar do acusado Vilson Roberto do Amaral ter sido condenado, o denunciado Silvany Borges Ribeiro foi absolvido por ausência de prova de que ele concorreu para a infração penal, nos termos do artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal, uma vez que não restou comprovado o dolo necessário à caracterização da conduta criminosa a ele imposta, bem como a configuração do conluio entre os acusados e a necessária convivência com os atos condenáveis praticados pelo corréu Vilson Roberto do Amaral.


Assim, não havendo recurso ministerial visando a reforma da sentença que absolveu Silvany Borges Ribeiro, é de rigor concluir que a fraude não foi perpetrada pelo próprio beneficiário, tratando-se, portanto, de crime instantâneo de efeitos permanentes, iniciando-se o prazo prescricional com recebimento indevido da primeira prestação.


Portanto, considerando que a sentença já transitou em julgado para a acusação, não sendo mais possível a majoração da pena do acusado, torna-se perfeitamente possível a análise da prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, com base na sanção penal concreta imposta pelo Juízo a quo ao denunciado, nos termos do artigo 110, § 1º, do Código Penal.


Assim, a pena de 2 (dois) anos de reclusão fixada na sentença enseja prazo prescricional de 4 (quatro) anos, nos termos do artigo 109, inciso V, do Código Penal, transcorrido entre a data dos fatos (02.01.2002) e do recebimento da denúncia (19.09.2008).


Diante do exposto, nego provimento ao recurso.


É o voto.


Antonio Cedenho
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): ANTONIO CARLOS CEDENHO:10061
Nº de Série do Certificado: 07ED7848D1F21816
Data e Hora: 14/03/2013 10:26:33