D.E. Publicado em 18/03/2013 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso do Ministério Público Federal, para majorar a pena-base e afastar a causa de aumento da pena do artigo 33, §4º, da lei 11.343/06, fixando a pena definitiva em 07 (sete) anos de reclusão e 700 (setecentos) dias-multa, bem como para afastar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, comunicando-se o Ministério do Trabalho, o Ministério da Justiça e o Juízo de origem, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O Juiz Federal Convocado MARCIO MESQUITA (Relator):
O Ministério Público Federal, em 09/12/2011, denunciou MPHO AGNES CHAKACHE, sul-africana, qualificada nos autos, nascida em 11/08/1966, como incursa no artigo 33, caput, c.c. o artigo 40, I, da Lei nº 11.343/2006. Consta da denúncia:
A denúncia foi recebida em 04/06/2012 (fls. 140/141).
Após instrução, sobreveio sentença, da lavra do MM. Juiz Federal Substituto Guilherme Roman Borges e publicada em 06/08/2012 (fls. 216/229 e 237), condenando a ré à pena de 03 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e o pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, cada um no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, como incursa no artigo 33, caput, c.c. o artigo 40, I, da Lei nº 11.343/2006, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana. Foi concedido o direito de apelar em liberdade. A sentença determinou ainda a expedição de ofício ao Ministério do Trabalho para que expeça CTPS em favor da ré, autorizando-a a trabalhar enquanto permanecer no país, e ao Ministério da Justiça, para que emita visto temporário em favor da ré.
Expedido alvará de soltura em 13.08.2012 e cumprido em 14.08.2012 (fl. 286).
A sentença transitou em julgado para a defesa em 12.09.2012, conforme certificado à fl. 303.
Recurso do Ministério Público Federal insurgindo-se em relação à dosimetria da pena. Requer, em síntese:
a) o aumento da pena-base, considerada a natureza da droga e a expressiva quantidade da droga aprendida em poder da acusada, bem como as circunstâncias judiciais do motivo da obtenção de lucro fácil, além da má conduta social e a personalidade voltada ao crime;
b) a fixação da causa de aumento da pena do artigo 40, I, da Lei 11.343/06 em patamar superior ao mínimo, considerado o inequívoco intuito de sair do país transportando entorpecente;
c) o afastamento da causa de redução da pena do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/06, considerado que resta evidente que a ré integra organização criminosa, ou sua aplicação no patamar mínimo;
d) o não reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, dada a ausência de vontade sincera do agente, presa em flagrante;
e) a aplicação da agravante do artigo 62, IV, do Código Penal, pois executou o crime mediante paga ou promessa de recompensa;
f) a não substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, considerado o disposto no artigo 44, inciso III, do Código Penal (fls. 239/249).
Contrarrazões da defesa pugnando pelo desprovimento do recurso ministerial às fls. 287/298.
A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da Dra. Maria Iraneide Olinda Santoro Facchini opinou pelo parcial provimento do recurso da Acusação, para aumentar a pena-base, afastar a incidência do artigo 33 §4º, aumentar o patamar da internacionalidade e afastar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (fls. 287/297).
É o relatório.
Ao MM. Revisor.
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VOTO
O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):
Não obstante a ausência de insurgência em relação à materialidade, autoria e dolo do crime de tráfico de drogas, verifico que a materialidade delitiva restou comprovada pelo laudo pericial de fls. 6 e 109/112 e a autoria e dolo pelo interrogatório da acusada e dos depoimentos dos policiais na fase judicial (fls. 200/202 e mídia de fl. 204).
Quanto à pena-base, o Magistrado a quo fixou-a no mínimo legal, em 05 (cinco) anos de reclusão, tendo sido considerado que a quantidade apreendida não era excessiva, bem como considerada a ausência de demais circunstâncias desfavoráveis.
Não procede a pretensão da Acusação da majoração da pena, considerada o motivo do lucro fácil, a má conduta social e a personalidade voltada ao crime.
O motivo de lucro fácil integra-se ao tipo, porque a intenção de lucro é ínsita ao comportamento delituoso no caso concreto.
No que tange à personalidade voltada para a prática de delitos e conduta social desfavorável, dada a ausência de certidão de sentença condenatória transitada em julgado nos autos (Súmula 444 do STJ), não podem ser considerados para majorar a pena com a simples menção a disposição de cruzar fronteiras internacionais para angariar dinheiro.
Contudo, procede o apelo quanto à pretensão de majoração da pena-base em razão da natureza e quantidade da droga.
O artigo 42 da Lei 11.343/2006 estabelece expressamente que, no crime de tráfico de drogas, a natureza e a quantidade da substância, a personalidade e a conduta social do agente devem ser considerados na fixação das penas, com preponderância sobre o previsto no artigo 59 do Código Penal. Saliente-se que o objeto jurídico tutelado no crime de tráfico de entorpecente é a saúde pública e, portanto, quanto maior a quantidade da droga traficada maior o potencial lesivo e o perigo de dano à saúde pública, a justificar uma maior reprovabilidade da conduta empreendida e, conseqüentemente, a elevação da pena-base.
Nesse sentido situa-se a orientação do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
Dessa foram, verifico que a potencialidade lesiva inerente à natureza da droga apreendida, aliada à expressiva quantidade (3.025 gramas de cocaína) justificam a exasperação da pena-base além do patamar mínimo.
Nesse raciocínio, reputo adequado e suficiente a fixação da pena-base em 06 anos de reclusão e 600 dias-multa.
Na segunda fase da dosimetria da pena, foi considerada a ausência de agravantes e atenuantes.
Na procede o apelo quanto ao requerimento da incidência da agravante constante do artigo 62, IV, do Código Penal.
A prática do crime de tráfico mediante paga ou promessa de recompensa constitui elemento do próprio tipo penal, haja vista a redação do caput do artigo 33 da Lei 11.343/2006, que prevê como crime o transporte de substância entorpecente "ainda que gratuitamente".
Não há interesse da Acusação no pleito de não aplicação da circunstância atenuante da confissão, pois esta não foi reconhecida na sentença. De qualquer forma, é realmente incabível, não pelos motivos apontados no recurso - prisão em flagrante - mas pelo simples fato de que não se verifica sua ocorrência, pois a ré permaneceu calada no interrogatório policial e em seu interrogatório judicial negou ter ciência que havia droga em sua bagagem.
Na terceira fase, o magistrado aumentou a pena em 1/6 (um sexto) por conta da causa de aumento da transnacionalidade do delito, considerando que a ré foi flagrada na iminência de embarcar em vôo com destino a Lisboa/Portugal, exclusivamente. Não procede o apelo quanto à pretensão de elevação do patamar da referida causa de aumento.
Com a devida vênia, observo que o artigo 40 da Lei nº 11.343/2006 apresenta um rol de sete causas de aumento para o crime de tráfico, a serem fixadas em patamar de um sexto a dois terços. Cada uma das causas de aumento descreve circunstâncias de fato que não são mutuamente excludentes (com exceção talvez das constantes dos incisos I e V, cuja aplicação cumulativa é duvidosa).
Dessa forma, entendo que a aplicação da causa de aumento em patamar superior ao mínimo deve ser reservada quando caracterizado o concurso de causas de aumento constantes do aludido artigo 40 da Lei nº 11.343/2006.
No caso dos autos, cogitando-se apenas da internacionalidade, ou transnacionalidade do delito, é de rigor a fixação da causa de aumento em seu patamar mínimo de 1/6. Nesse sentido, aponto precedentes desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
Dessa forma, também com a devida vênia, são irrelevantes considerações de ordem geográfica. Acrescento que a causa de aumento é relativa à internacionalidade, ou transnacionalidade, e essa característica é invariante com relação à distância geográfica - em outras palavras, ela resta caracterizada se o tráfico transcende as fronteiras nacionais, seja de ou para um país estrangeiro vizinho, seja de ou para um país estrangeiro distante.
Destarte, mantenho o aumento no patamar de 1/6 (um sexto), resultando na pena de 7 anos de reclusão e 700 dias-multa.
Ainda na terceira fase da dosimetria da pena, foi aplicada a causa de diminuição da pena do artigo 33, §4º, da Lei 11.343/06, no patamar de 1/3 (um terço), contra a qual insurge-se a Acusação, ou pedindo sucessivamente a redução de seu patamar.
Quanto à causa de diminuição de pena do traficante ocasional, observo que dispõe o artigo §4° do artigo 33 da Lei 11.343/2006 sobre a possibilidade de redução da pena no crime de tráfico de drogas, de um sexto a dois terços, "desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa".
Tais requisitos são exigíveis cumulativamente e, portanto, a ausência de qualquer deles implica a inexistência de direito ao benefício da diminuição da pena.
Não me parece que o citado §4° do artigo 33 da Lei n° 11.343/06 deva ser interpretado de modo a possibilitar a sua aplicação às assim chamadas "mulas" do tráfico de drogas, porquanto tal interpretação favoreceria sobremaneira a operação das organizações criminosas voltadas para o tráfico internacional, o que certamente contraria a finalidade do citado diploma legal, que visa à repressão dessa atividade.
A atividade daquele que age como "mula", transportando a droga de sua origem ao destino, na verdade pressupõe a existência de uma organização criminosa, com diversos membros, cada qual com funções específicas. Quem transporta a droga em sua bagagem, ou em seu corpo, cumpre uma função dentro de um esquema maior, que pressupõe alguém para comprar, ou de alguma forma obter a droga na origem, e alguém para recebê-la no destino, e providenciar a sua comercialização.
Se aquele que atua como "mula" desconhece quem sejam os integrantes da organização criminosa - circunstância que não põe esta em risco de ser desmantelada - e foi aliciado de forma aleatória, fortuita e sem qualquer perspectiva de ingressar na "associação criminosa", muitas vezes em face da situação de miserabilidade econômica e social em que se encontra, outras em razão da ganância pelo lucro fácil, não há como se entender que faça parte do grupo criminoso, no sentido de organização. Mas o certo é que é contratado por uma organização criminosa para servir como portador da droga e, portanto, integra essa organização.
Acresce-se que não se exige o requisito da estabilidade na integração à associação criminosa; se existente tal estabilidade ou permanência nessa integração, estaria o agente cometendo outro crime, qual seja, o de associação para o tráfico, tipificado no artigo 35 da Lei nº 11.343/2006, em concurso material com o crime de tráfico, tipificado no artigo 33 do mesmo diploma legal.
E, ainda que se entenda que o traficante que atue como "mula" não integra a organização criminosa, é certo que o benefício não alcança aqueles que se dedicam à atividades criminosas, ou seja, aqueles que se ocupam do tráfico, como meio de subsistência, ainda que de forma não habitual.
Se o agente, sem condições econômicas próprias, dispende vários dias de viagem, para obter a droga, e dirigir-se ao exterior, com promessa de pagamento pelo serviço de transporte, sem que comprove ter outro meio de subsistência, forçoso é concluir que faz do tráfico o seu meio de subsistência, não fazendo jus portanto à aplicação da causa de diminuição da pena.
Nesse sentido aponto precedentes do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e desta primeira Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região:
No caso dos autos há elementos que permitem concluir que a ré dedicava-se a atividades criminosas: a quantidade da droga apreendida (3.025 gramas de cocaína); a inexistência de prova de ocupação lícita; conforme relato em interrogatório judicial, além do registro de inúmeras viagens internacionais registradas em seu passaporte, sem explicação plausível, para rotas conhecidas do narcotráfico (Índia, Holanda, Vietnã, Suriname).
Com efeito, não é crível que a alegação da acusada de que trabalhava como investigadora particular para o governo da África do Sul no departamento fiscal, dada sua formação contábil, tendo efetuado as viagens internacionais para a Índia, Suriname e Vietnã pelo governo sul-africano para fazer cursos de atendimento ao cliente de serviço alfandegário e auditoria geral, ficando ainda por 8 dias na Holanda em trânsito, vindo de Suriname para a África do Sul.
Ademais, depreende-se da certidão de movimentação migratória (fls. 11/12) que ela já havia realizado duas viagens ao Brasil, sendo todas as viagens, inclusive a presente, a convite de um sul-africano de nome "Duti", que a premiava como vários presentes, conforme declarou em seu interrogatório.
Todas essas circunstâncias conduzem à conclusão de que a ré integrava organização criminosa ou, caso assim não se entenda, que dedicava-se a atividades criminosas, e portanto não faz jus à causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4° da Lei n° 11.343/06.
Assim, a pena resta definitiva em 07 (sete) anos de reclusão e 700 (setecentos) dias-multa, mantido o valor unitário mínimo.
Da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito: o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus 972556/RS, declarou a inconstitucionalidade das vedações à substituição constantes da Lei 11.343/2006 (STF, Pleno, HC 97256/RS, Rel.Min. Ayres Britto, j. 01/09/2010, DJe 15/12/2010).
No caso dos autos, contudo, a acusada não faz jus à substituição da pena de reclusão por penas restritivas de direitos, uma vez que não preenchido o requisito do inciso I do artigo 44 do Código Penal.
Quanto ao regime inicial de cumprimento da pena, o DD. Magistrado a quo fixou o regime aberto. À míngua de recurso da acusação quanto ao ponto e em virtude da proibição da reformatio in pejus, não obstante a pena final de 07 anos de reclusão, é de ser mantido o regime inicial aberto.
Por estas razões, dou parcial provimento ao recurso do Ministério Público Federal para majorar a pena-base e afastar a causa de aumento da pena do artigo 33, §4º da lei 11.343/06, fixando a pena definitiva em 07 (sete) anos de reclusão e 700 (setecentos) dias-multa, bem como para afastar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, comunicando-se o Ministério do Trabalho, o Ministério da Justiça e o Juízo de origem.
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | MARCIO SATALINO MESQUITA:10125 |
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Data e Hora: | 12/03/2013 19:16:04 |