Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 01/04/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005555-66.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.005555-7/SP
RELATORA : Desembargadora Federal CECILIA MELLO
APELANTE : GABY KABWAYA KABWAYA reu preso
ADVOGADO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00055556620114036119 4 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA

PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE ENTORPECENTES. AUTORIA E MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. TRANSNACIONALIDADE COMPROVADA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ARTIGO 33, §4º DA LEI DE DROGAS. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. IMPOSSIBILIDADE. REGIME INICIAL FECHADO.
I - No caso, GABY KABWAYA KABWAYA, congolês, diplomata, foi denunciado pelo MPF porque, no dia 29 de maio de 2011, nas dependências do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, ele foi preso em flagrante quando já estava no interior de aeronave da companhia aérea South African, com destino final em Joanesburgo/África do Sul, transportando, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros, 10.155 grs dez mil, cento e cinquenta e cinco gramas - massa líquida) de cocaína.
II - A materialidade é inconteste.
III - A autoria também é indiscutível. Não há que se falar em erro de tipo, tendo em vista o forte conjunto probatório que pesa contra o réu.
IV - Pena-base mantida acima do mínimo legal tendo em vista a expressiva quantidade de cocaína apreendida em poder do réu.
V - Causa de aumento relativa à internacionalidade mantida na fração mínima. Não é caso de aplicação da causa de diminuição do artigo 33, §4º, da lei de drogas.
VI - A substituição da pena privativa de liberdade pretendida pela defesa não se autoriza, eis que ausentes os requisitos do artigo 44 e incisos do CP.
VII - A pena de multa decorre do tipo penal e não é possível sua não aplicação.
VIII - Mantido o regime inicial fechado.
IX - Apelo improvido.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 19 de março de 2013.
Cecilia Mello
Desembargadora Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005555-66.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.005555-7/SP
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RELATÓRIO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO: O Ministério Público Federal denunciou GABY KABWAYA KABWAYA, congolês, diplomata, porque, no dia 29 de maio de 2011, nas dependências do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, ele foi preso em flagrante quando tentava embarcar em vôo da companhia aérea South African, com destino final em Joanesburgo/África do Sul, transportando, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros, 10.155 grs dez mil, cento e cinquenta e cinco gramas - massa líquida) de cocaína.

Tipificação: artigo 33, caput, c.c. artigo 40, I e III, todos da Lei nº 11.343/06.

Recebimento da denúncia (fls. 90/94): 12/08/2011.

Sentença (fls. 232/261vº): Julgou parcialmente procedente a denúncia para condenar o réu pelo crime do artigo 33, caput, c.c. artigo 40, I, da Lei nº 11.343/06 às penas de 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e o pagamento de 933 (novecentos e trinta e três) dias-multa, cada qual no valor mínimo.

A sentença foi publicada em Secretaria aos 11/05/2012 (fl. 262) e transitou em julgado para o MPF, que não recorreu.

Apelação da defesa (fls. 278/300vº): Em suas razões, requer: 1) a nulidade do processo uma vez que não teria sido aplicado o procedimento previsto no artigo 400 do CPP; 2) absolvição do réu por falta de provas; 3) a não utilização da quantidade de entorpecente como critério para aumentar a pena; 4) a existência de erro de tipo; 5) redução da pena-base para o mínimo legal; 6) delação premiada; 7) aplicação do artigo 33, §4º, da lei de drogas; 8) afastamento da transnacionalidade; 9) exclusão da pena de multa; 10) a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos; 11) aplicação do artigo 33 para a fixação do regime inicial de cumprimento da pena; 12) direito de recorrer em liberdade.

Com contrarrazões, subiram os autos.

Parecer do MPF (fls. 365/377): Opinou pelo provimento parcial do recurso reconhecendo a aplicação do artigo 33, §4º, da lei de drogas no mínimo legal.

É o relatório.

À revisão.


Cecilia Mello
Desembargadora Federal Relatora


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005555-66.2011.4.03.6119/SP
2011.61.19.005555-7/SP
RELATORA : Desembargadora Federal CECILIA MELLO
APELANTE : GABY KABWAYA KABWAYA reu preso
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VOTO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO: Preliminarmente, cumpre afastar a alegada nulidade processual em razão de o réu não ter sido interrogado nos termos das novas disposições trazidas pela Lei nº 11.719/08.

Com efeito, em que pese a nova legislação processual penal prever o interrogatório como último ato de instrução, a fim de ampliar o direito de defesa do réu, em se tratando de crime de tráfico de entorpecentes a Lei 11.343/2006 dispõe de forma diversa no artigo 57, tratando-se de norma especial em relação ao Código de Processo Penal, lei geral, que, portanto, não revoga a legislação especial, à luz do artigo 2º, § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil pátrio, verbis:

"Art. 2º. [...]
§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior".

Nesse sentido:


"PENAL. APELAÇÃO. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. PRELIMINARES REJEITADAS. INVERSÃO DA ORDEM DE OITIVAS. AUSÊNCIA DE TRADUTOR JURAMENTADO. MATERIALIDADE E AUTORIA CONFIGURADAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, §4º, DA LEI 11.343/06. ART. 2º, §1º, DA LEI 8.072/90. APLICABILIDADE. CRIME HEDIONDO. DESPROVIMENTO. 1. É cediço que a reforma do Código de Processo Penal efetuou o deslocamento do interrogatório do início da audiência de instrução para o seu término, nos termos da atual redação do art. 400. 2. Todavia, a despeito desta regra ser mais benéfica ao réu, face ao princípio da especialidade, aplica-se aos crimes de tráfico o rito da instrução estabelecido nos arts. 54 a 59, da Lei 11.343/06. [...] (ACR 2010.60.00001717-0 ACR - Relator(a) JUIZ COTRIM GUIMARÃES in DJF3 CJ1 DATA:30/06/2011 PÁGINA: 268)

Cumpre, também, antes de adentral à análise da materialidade e autoria, fazer algumas considerações a respeito da condição de diplomata do réu.

Sobre esse aspecto, cabe frisar que o fato de ser diplomata não confere ao réu imunidade, na medida em que ele estava no Brasil em viagem não oficial, ou seja, não integrava qualquer missão diplomática de seu país.

De fato, o próprio réu declarou que, após o falecimento de seu pai ocorrido poucos dias antes de sua viagem, pediu licença do serviço e decidiu vir ao Brasil, país pelo qual nutria paixão, para fazer turismo. Ressaltou, nas várias vezes em que foi indagado pelo magistrado a esse respeito, que não se tratava de missão oficial.

A condição de turista do acusado vem corroborada pelos documentos acostados às fls. 121/122: uma nota verbal expedida pelo Ministério das Relações Exteriores da República Democrática do Congo à Embaixada do Brasil solicitando expedição de visto de turismo para o réu (fl. 121) e a autorização de saída do réu, expedida pelo mesmo órgão, para visita turística ao Brasil (fl. 122).

Vencida as questões preliminares, ingresso no mérito.

No caso, GABY KABWAYA KABWAYA, congolês, diplomata, foi denunciado pelo MPF porque, no dia 29 de maio de 2011, nas dependências do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, ele foi preso em flagrante quando tentava embarcar em vôo da companhia aérea South African, com destino final em Joanesburgo/África do Sul, transportando, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros, 10.155 grs dez mil, cento e cinquenta e cinco gramas - massa líquida) de cocaína.

Materialidade e autoria:

A materialidade restou comprovada nos autos, foi detida e expressamente apreciada na sentença.

Não há que se falar em falta de prova da materialidade do delito, na medida em que é comum que o exame pericial seja feito por amostragem em pequena quantidade do entorpecente apreendido. Sobre a questão, o magistrado a quo já havia decidido com acerto. Confira-se:

"Inicialmente, verifica-se que no Laudo Preliminar (fl. 07) consta uma fotografia da balança com a quantidade bruta apreendida em poder do acusado: 12.520g (doze mil, quinhentos e vinte gramas), sendo que o perito signatário, após tirar as embalagens, mencionou que a quantidade líquida é de 10.155g (dez mil, cento e cinquenta e cinco gramas), o que constou do Auto de Apresentação e Apreensão de fls. 08/09.
O fato de o exame pericial definitivo ter sido realizado com base em 0,1g (um decigrama) da amostra de 9g (nove gramas) não acarreta nenhuma dúvida, pois as perícias de um modo geral são realizadas com base em amostras, de modo que eventuais divergências deveriam ter sido demonstradas pela defesa e não apenas alegadas."

Da mesma forma, a autoria é inconteste e recai sobre o réu.

Deveras. O acusado foi preso em flagrante dentro de aeronave com destino à África do Sul, porquanto foram localizados, dentro de sua mala, mais de dez quilogramas de cocaína, os quais estavam escondidos em fundos falsos de nove mochilas vazias. Segundo o réu, ele mesmo havia colocado as mochilas dentro da mala.

A prova da autoria é farta e indiscutível. E a sentença bem a apreciou, inclusive no que respeita ao alegado erro de tipo. Confiram-se excertos do decisum:

"(...) o acusado GABY KABWAYA KABWAYA informou, sobre aspectos pessoais, que é casado há 25 anos. Trabalha no Ministério das Relações Exteriores de seu país desde 1990. Começou como agente administrativo. Em 2006 passou a integrar o corpo diplomático do Congo. Disse ser Bacharel em Relações Internacionais, com dois diplomas na área diplomática. É chefe de gabinete da América Latina. Tem quatro filhos. Mora na casa do pai, que faleceu em 02/05. Pediu autorização do Governo para liberá-lo durante 10 dias e resolveu vir para o Brasil. (...) Ele é um funcionário de 3º escalão. (...) Recebe U$ 1.450,00. A partir de sua categoria ganha em dólares mesmo. Foi nomeado por um decreto presidencial.(...)
Sobre sua vinda ao Brasil, disse que já teve a intenção de vir para cá duas outras vezes, mas não deram certo. (...) Por causa do falecimento do pai, tinha uma licença de 30 dias, mas tem um ofício autorizando-o a se ausentar por 10 dias. Originalmente, tinha uma passagem para a namíbia, mas a trocou para vir ao Brasil. (...) Ele tinha uma paixão pessoal para conhecer o Brasil. No trabalho dele, algumas questões sobre o Brasil já faziam parte de seu trabalho. Essa viagem não foi oficial. Por causa de seu passaporte diplomático, não pode deixar o país sem uma autorização formalizada. Por isso não pode vir em outras situações. (...)
Indagado sobre o fato de ser um diplomata e seu país parecer não estar preocupada com sua situação, praticamente tê-lo esquecido aqui, o acusado falou que depois de 16 anos de guerra, até 2002 não havia instituições organizadas, sofrendo com a precariedade na comunicação com o país central. (...) Lá estão a par da situação dele, mas, como estão em época de eleições, talvez seja o motivo da falta de sincronização. (...)
Mais especificamente sobre a cocaína encontrada na sua mala, disse que chegou no dia 23 de maio à noite. Um colega de serviço foi para Caracas e passou por São Paulo. Voltou para Kinshasa e lhe indicou um hotel em São Paulo. (...) Ficou na região da Rua Teodoro Sampaio, onde tem o hospital e o cemitério. Teve um problema de comunicação com o pessoal do hotel. O colega que indicou o hotel tambpem indicou o Brás para fazer compras. Fez compras no Brás, voltou para o hotel, deixou as coisas no hotel e foi numa loja "Adidas", perto do hotel. Em uma dessas lojas conheceu um congolês, cuja família mora no Congo e ele vai e volta. Dessa vez estava no Brasil para tratar de assuntos da Copa. O nome dele é Mike Muto. O sujeito pagou a conta do acusado, no valor de R$ 11,00. O acusado perguntou como poderia pagar e o sujeito disse que não precisava se preocupar, que eram conterrâneos. (...) Depois que saíram da loja, falou onde estava hospedado. No dia seguinte, Mike foi ao hotel com uma mulher, de carro, e convidaram-no para jantar. No restaurante, tirou fotografias, inclusive do Mike. Foi ao banheiro para ver as fotos que já havia tirado. Mike ligou para a esposa e disse que não tinha dinheiro para mandar as mochilas, mas havia encontrado um diplomata que as levaria. Mike voltaria para seu país em dezembro. Não tinha reparado que Mike tinha apagado a foto dele da máquina do acusado. Na véspera da viagem, sábado, Mike colocou as mochilas dentro de uma sacola grande. Quando levantou a sacola, percebeu que era pesada. Havia papel dentro das mochilas, para preenchê-las. Então Mike os tirou e mostrou que estavam vazias. Mike foi embora e disse que voltaria no domingo, para levar o acusado ao aeroporto. Então, ás 14 hs, foi para o aeoporto. Despachou as malas e ficou andando pelo aeroporto. Entrou na sala de espera. Procurou um telefone para ligar para a esposa, mas não achou. Não conseguia se comunicar. Ante da decolagem, um fucnionário da South Africam o chamou, identificou-se e pediu para que ele o acompanhasse. Dois policiais estavam junto. Havia dulas malas, o policial perguntou qual era a dele e ele apontou. O policial perguntou se ele sabia tudo o que havia dentro e ele disse que sim. Insistiram e o acusado falou que havia coisas que uma pessoa pediu para levar para sua esposa. Queriam cortar a mala, o acusado pegou a chave e abriu. (...) Indagaram se ele já tinha visto cocaína e respondeu que não. Então os policiais mostratam para ele e começou a chorar (...).
Questionado sobre o fato de possuir 46 anos, trabalhar há mais de 20 no Ministério das Relações Exteriores, ter dois diplomas, o que lhe dá bastante instrução e, mesmo assim, ter aceitado levar mochilas sem saber o que havia dentro, disse que agiu de boa fé, passou um ano difícil, pois perdeu o avô e o pai.
A testemunha MARCO AURÉLIO LINS DE OLIVEIRA, Agente de Polícia Federal, ratificou o que disse quando da prisão em flagrante. Além disso, disse que ele mostrou-se muito nervoso, tentou desvencilha-se de algo que estava no bolso. Na delegacia, pediram para que ele abrisse a mala. No início ele tentou enrolar, dizendo que não tinha a chave. Depois tirou a chave do bolso e abriu a mala. As mochilas estavam por cima das roupas dele. Assim que abriram a mala, sentiram um cheiro forte. O peso de cada mochila estava desproporcional ao peso de uma mochila vazia. A testemunha perguntou se o telefone de contato da família estava no celular, o acusado disse que estava na agenda. A testemunha pegou a agenda e o acusado arrancou uma das folhas e a engoliu. Não conseguiram contato com mais ninguém. Em nenhum momento invoucou a condição de diplomata. O estado de ânimo ra nervoso, preocupado. Os contatos iniciais foram em inglês, ele dizia que não entendia, mas correspondia a tudo o que perguntaram.
A testemunha MONIQUE SILVA DE ASSIS disse que estava em serviço e um policial federal a chamou. Foi com eles até a delegacia, onde havia uma mala preta grande, sendo que dentro da mala havia 9 mochilas contendo cocaína. Percebeu que ele mexeu muito no bolso, estava muito agitado. Além disso, o policial deu uma agenda para o acusado e ele arrancou, amassou e engoliu um pedaço de papel. As mochilas estavam vazias e a droga foi encontrada no fundo das malas. O cheiro era muito forte.
Após a oitiva das testemunhas, o acusado foi reinterrogado. Acerca do que as testemunhas mencionaram sobre o odor forte característico da droga, o acusado falou que não havia cheiro quando abriram a mala, só depois que rasgaram os pacotes. Quando este Juízo insistiu que as testemunhas falaram que sentiram o cheiro logo na abertura da mala, o acusado disse que, se o cheiro fosse tão forte assim, poderia ter desconfiado de algo e aberto as mochilas. Como ficou tanto tempo fechado, pode ser que tenha ficado o cheiro. Ele mesmo tirou as mochilas da sacola e as acomodou na mala. O que ele estranhou foi o peso de cada mochila. Ele duvidou disso, mas não tinha como ligar para Mike. Questionado se, mesmo desconfiando, resolveu colocar na mala e levar, disse que desconfiou que havia caído numa armadilha. Mas, como Mike já havia ligado para a esposa e não tinha onde colocar as mochilas, colocou-as na mala. Sobre o fato de ter tentado se desfazer da chave da mala e ter engolido o papel, disse que estava procurando o celular e que realmente tinha o nome do Mike na agenda e o engoliu.Quanto ao telefone de Mike disse que o entregou para a polícia.
(...)
Primeiramente, chama atenção o fato de o acusado, casado há 25 anos e pai de quatro filhos, ter decidido viajar ao Brasil, sozinho, logo após a morte de seu pai, momento no qual, geralmente, prefer-se ficar ao lado dos familiares.
Além disso, o acusado afirmou que tinha "paixão" pelo Brasil, país que quaria muito conhecer. Realmente, muitos estrangeiros tem interesse em conhecer o Brasil e, na maioria das vezes, os locais mais procurados são o Rio de Janeiro, as praias do Nordeste e até mesmo a Floresta Amazônica e o Pantanal.
Além de ter escolhido a cidade de São Paulo, mais conhecida pelos negócios, gastronomia e vida noturna, o que já soa estranho considerando a situação do acusado, os únicos lugares por ele mencionados foram a Rua Teodoro Sampaio e o Brás.
(...)
Além desses lugares, o acusado não mencionou mais nada sobre restaurantes, passeios ou qualquer outra coisa que tenha feito em São Paulo, o que, obviamente, é bastante incomum para quem teria vindo a turismo.
Cumpre menionar, ainda, que o acusado afirmou que recebe US$ 1.450,00 por mês. Embora não se tenha cohecimento da exata situação financeira do acusado e de sua família, o fato é que ele é casado e pai de quatro filhos, o que, por si só, pressupõe inúmeras despesas.
Nesse cenário, também causa estranheza que ele tenha desembolsado grande quantia em dinheiro (passagem, hospedagem, alimentação, passeios, compras) para viajar sozinho ao Brasil.
Portanto, independentemente da função que o acusado exerce em seu país, todos esses pontos levantam uma grande suspeita acerca do prop´soito da viagem do acusado.
Contudo, ainda que se emprestasse a máxima credibilidade à versão dos fatos exposta pelo acusado em seu interrogatório judicial - ainda que desamparada de outros elementos de prova - tal não conduziria à configuração de erro de tipo, diante da presença, ao menos, do dolo eventual.
E isso porque o acusado aceitou levar do Brasil para o Congo, mochilas a pedido de um desconhecido, sem ter certeza do que havia dentro.
Frise-se que o próprio acusado afirmou que notou o peso desproporcional que as mochilas, aparentemente vazias, possuíam, desconfiou de alguma coisa e, mesmo assim, assumiu o risco."

Afigura-se correto, portanto, o decreto condenatório proferido contra o réu que fica mantido.

Dosimetria da pena:

Pena-base: Na primeira-fase, mormente em razão da espécie e quantidade da droga apreendida, o Juízo fixou a pena-base acima do mínimo legal, em 8 (oito) anos de reclusão.

Não vejo motivo para redução da pena para o mínimo legal como pretende a defesa, haja vista que a possibilidade de exasperação da pena em razão da natureza e quantidade do entorpecente transportado está expressamente prevista no artigo 42 da nova lei de drogas.

Confissão: não houve.

Transnacionalidade: A transnacionalidade restou comprovada nos autos devendo a respectiva causa de aumento (artigo 40, I, da lei de drogas) permanecer da forma como fixada pelo Juízo, na fração de 1/6 (um sexto), até porque não houve recurso do MPF buscando seu aumento.

Não há que se falar em bis in iden em relação ao verbo "exportar", na medida em que a ré responde pelo crime de "transportar" entorpecente, como se observa na simples leitura da denúncia.

Delação Premiada: o réu não faz jus ao benefício da delação premiada, uma vez que não forneceu detalhes que pudessem identificar os outros integrantes ou possibilitassem o desmantelamento da organização criminosa.

Artigo 33, §4º da lei 11.343/06: a sentença não reconheceu a causa de diminuição prevista no artigo 33, §4º, da lei de drogas. A defesa pugna sua fixação no patamar máximo.

Em casos análogos, vem decidindo esta Turma que, quando não restar comprovado que o agente integre, em caráter permanente e estável, a organização criminosa, mas possuindo ele a consciência de que está a serviço de um grupo com tal natureza, faz jus à causa de diminuição que, contudo, deve ser fixada no mínimo legal, ou seja, um sexto (1/6) e não na fração máxima prevista pelo artigo 33, §4º, de 2/3 (dois terços) da reprimenda, nitidamente reservada para casos menos graves, a depender da intensidade do auxílio prestado pelo réu.

No caso dos autos, entretanto, as circunstâncias indicam que não se está diante da chamada "mula" do tráfico de drogas. Não somente porque a quantidade de cocaína que ele transportava é grande, o que demonstra que ele contava com grande credibilidade por parte da organzação criminosa, mas também porque as testemunhas afirmaram que ele engoliu a página de sua agenda onde havia nomes e telefones de seus contatos no Brasil, com evidente finalidade de manter o anonimato de seus comparsas.

Dentro desse contexto, entendo que há fundados indícios de que o acusado integra a organização criminosa, razão pela qual não aplico a causa de diminuição da pena prevista no artigo 33, §4º, da Lei de Drogas.

Assim, a pena definitiva do réu permanece como fixada pela sentença, em 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão.

Pena pecuniária: A pena de multa decorre do tipo penal e não é possível sua não aplicação como pretende a defesa. Assim, fica mantida tal como fixada pela sentença, em 933 (novecentos e trinta e três) dias-multa, no valor unitário mínimo. Tal montante é compatível com o delito praticado e com a pena privativa aplicada ao réu.

Substituição da pena privativa de liberdade: A substituição da pena privativa de liberdade pretendida pela defesa não se autoriza no caso, eis que ausentes os requisitos do artigo 44 e incisos do CP.

Regime inicial: O regime inicial fechado fica mantido, tendo em vista que não estão presentes os requisitos para fixação de regime menos grave.

Direito de apelar em liberdade: É orientação consolidada nas Cortes Superiores que não tem o direito de recorrer em liberdade o acusado que permaneceu justificadamente preso durante a instrução criminal, por força de prisão em flagrante ou preventiva, ainda que seja primário e de bons antecedentes. No caso, o apelante foi preso em flagrante e assim permaneceu durante todo o desenrolar da ação penal.

Ante o exposto, nego provimento ao apelo.

É o voto.




Cecilia Mello
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Data e Hora: 21/03/2013 13:19:34