Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 04/04/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008285-89.2007.4.03.6119/SP
2007.61.19.008285-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : EVELYN GLORIA LA CRUZ NICHO
ADVOGADO : THIAGO ALVES DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00082858920074036119 2 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO. ARTIGO 304, C/C ARTIGO 297, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINAR REJEITADA. DESNECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO JUDICIAL QUE RECEBE A DENÚNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PASSAPORTE ADULTERADO. FALSIDADE NÃO GROSSEIRA. DOLO GENÉRICO. PLENA CIÊNCIA DA ACUSADA ACERCA DA ILICITUDE DE SEU COMORTAMENTO. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. REGIME ABERTO PARA CUMPRIMENTO INICIAL DE PENA. CABIMENTO DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR SUBSTITUTIVAS DE DIREITOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Não há que se falar em nulidade do feito, pois o ato judicial que recebe a denúncia não possui conteúdo decisório, ainda que haja um juízo positivo de admissibilidade da acusação, instaurando-se, assim, a ação penal, a substancial fundamentação revela-se desnecessária, bastando apenas que o magistrado manifeste a justa causa decorrente dos elementos dos autos, conforme jurisprudência consolidada na Suprema Corte e no E. Superior Tribunal de Justiça.
2. A materialidade delitiva ficou demonstrada através do Laudo de Exame Documentoscópico o qual comprovou que o passaporte da República do Paraguai, foi adulterado.
3. A tese defensiva de que a falsificação foi grosseira não se sustenta, uma vez que o próprio laudo constatou que o passaporte questionado, ao ser confrontado com similar autêntico, apresentava os elementos básicos de confecção e segurança, presentes em documentos da mesma natureza, sendo que sequer era falsificado, mas sim adulterado com a substituição da fotografia original contida na contracapa do documento, restando configurada a potencialidade lesiva da falsificação.
4. A autoria delitiva está igualmente demonstrada, pois o referido passaporte falso foi apreendido em poder da ré, que tentou embarcar no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP em vôo com destino à Milão/Itália, conforme auto de prisão em flagrante delito.
5. Os elementos carreados aos autos apontam para o fato de que o apelante agiu com livre e espontânea vontade, com plena consciência da ilicitude de sua conduta, conforme depoimento prestado em Juízo pela própria denunciada.
6. O elemento subjetivo do tipo penal de uso de documento falso é o dolo genérico, demonstrado através do próprio interrogatório da acusada, ocasião em que afirmou que o passaporte utilizado era realmente falso, tendo o obtido através de uma terceira pessoa mediante pagamento em dinheiro.
7. A acusada tinha plena ciência acerca da ilicitude de seu comportamento consistente na utilização de passaporte falso, emitido em nome de outrem, adulterado com o fim de entrar em país estrangeiro.
8. Não há qualquer consideração a ser feita acerca da dosimetria da pena, já que a pena-base foi fixada no mínimo legal, ausentes agravantes ou atenuantes e causas de aumento ou de diminuição, além da inexistência de insurgência referente ao quantum fixado e do princípio tantum devolutum quantum appellatum.
9. Não é idônea a fundamentação, para fixar o regime fechado para início de cumprimento da pena, no sentido de que a personalidade da ré lhe é desfavorável, em razão de ter "descumprido em ocasião passadas as condições impostas em razão da concessão a seu favor de liberdade provisória sem fiança", se a pena-base foi fixada no mínimo legal.
10. Tendo sido fixada a pena-base no mínimo legal, devem ser consideradas favoráveis os critérios descritos no artigo 59, do Código Penal, o que permite fixar o regime inicial aberto para cumprimento de pena.
11. A substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos é cabível no presente caso, ante as condições pessoais da acusada e a quantidade de pena aplicada, preenchendo assim todos os requisitos previstos no artigo 44, do Código Penal.
12. A pena privativa de liberdade deve ser substituída por duas restritivas de direitos, consistente em prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários mínimos, vigentes na data dos fatos, destinada à entidade pública ou privada com destinação social e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade ora substituída, na forma a ser estabelecida pelo Juízo da Execução.
13. Preliminar argüida pela defesa rejeitada e, no mérito, apelação parcialmente provida para alterar o regime inicial de cumprimento de pena para o aberto e substituir a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar argüida pela defesa e, no mérito, dar parcial provimento à apelação para alterar o regime inicial de cumprimento de pena da acusada para o aberto e substituir a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários mínimos, vigentes na data dos fatos, destinada à entidade pública ou privada com destinação social, nos termos do artigo 45, §1°, do Código Penal e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade ora substituída, na forma a ser estabelecida pelo Juízo da Execução, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 25 de março de 2013.
Antonio Cedenho
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008285-89.2007.4.03.6119/SP
2007.61.19.008285-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : EVELYN GLORIA LA CRUZ NICHO
ADVOGADO : THIAGO ALVES DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00082858920074036119 2 Vr GUARULHOS/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


Trata-se de apelação criminal interposta por EVELYN GLORIA LA CRUZ NICHO contra sentença que a condenou como incursa nas penas do artigo 304 c/c artigo 297, ambos do Código Penal.


Consta da denúncia (fls. 02/04) que Evelyn Gloria la Cruz Nicho, em 10 de outubro de 2007, no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, utilizou-se do passaporte paraguaio adulterado perante a empresa aérea TAM com o intuito de embargar em vôo com destino a Milão/Itália.


A denúncia foi recebida em 8 de novembro de 2007 (fl. 42).


Após regular instrução, foi publicada sentença em 10 de setembro de 2009 que julgou procedente a ação penal para condenar a ré Evelyn Glória La Cruz Nicho pela prática do crime previsto no artigo 304 c/c artigo 297, ambos do Código Penal, ao cumprimento da pena de 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato (fls. 349/359v).


Em razões recursais (fls. 400/413), a defesa alega, preliminarmente, nulidade do feito decorrente da falta de fundamentação da decisão que recebeu a denúncia e, no mérito, pugna pela absolvição do réu sob o argumento de que o documento possuía falsificação grosseira. Subsidiariamente, requer que a pena privativa de liberdade seja substituída por restritiva de direitos, bem como que seja alterado o regime inicial de cumprimento de pena para o aberto.


Foram apresentadas contrarrazões pelo Ministério Público Federal (fls. 415/424).


A Procuradoria Regional da Republica da 3ª Região opinou, em parecer, pelo desprovimento do recurso (fls. 427/430v).


É o relatório.


À revisão.


Antonio Cedenho
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008285-89.2007.4.03.6119/SP
2007.61.19.008285-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : EVELYN GLORIA LA CRUZ NICHO
ADVOGADO : THIAGO ALVES DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO : Justica Publica
No. ORIG. : 00082858920074036119 2 Vr GUARULHOS/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


Inicialmente, não há que se falar em nulidade do feito por ausência de fundamentação na decisão que recebeu a denúncia, conforme sustenta a defesa.


Considerando que o ato judicial que recebe a denúncia não possui conteúdo decisório, ainda que haja um juízo positivo de admissibilidade da acusação, instaurando-se, assim, a ação penal, a substancial fundamentação revela-se desnecessária, bastando apenas que o magistrado manifeste a justa causa decorrente dos elementos dos autos, conforme jurisprudência consolidada na Suprema Corte e no E. Superior Tribunal de Justiça:


"HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DECORRENTE DA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA: IMPROCEDÊNCIA. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA.
1. É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que o ato judicial que formaliza o recebimento da denúncia oferecida pelo Ministério Público não se qualifica nem se equipara, para os fins a que se refere o art. 93, inciso IX, da Constituição, a ato de caráter decisório. O juízo positivo de admissibilidade da acusação penal, ainda que desejável e conveniente a sua motivação, não reclama, contudo, fundamentação . Precedentes.
2. Ordem denegada."
(HC 101971, Relatora. Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 21/6/2011)
"HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ROUBO DUPLAMENTE CIRCUNSTANCIADO. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. ATO DESPIDO DE CONTEÚDO DECISÓRIO. DESNECESSIDADE DE SUBSTANCIAL FUNDAMENTAÇÃO. NOVA SISTEMÁTICA IMPLEMENTADA PELA LEI N.º 11.719/2008. RESPOSTA À ACUSAÇÃO. IMPRESCINDIBILIDADE DE MANIFESTAÇÃO DO JUIZ ACERCA DE SEU CONTEÚDO. NULIDADE CONFIGURADA. PRISÃO. EXCESSO DE PRAZO.
1. De acordo com o entendimento jurisprudencial sedimentado nessa Corte de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, o ato judicial que recebe a denúncia, ou seja, aquele a que se faz referência no art. 396 do CPP, por não possuir conteúdo decisório, prescinde de substancial fundamentação, na forma exigida pelo art. 93, inciso IX, da Constituição da República.
2. A reforma legislativa introduzida pela Lei n.º 11.719/2008, trouxe como consequência profunda alteração no que antes se definia como defesa prévia, consistente em manifestação de conteúdo limitado e reduzido, circunscrita basicamente à apresentação do rol de testemunhas do acusado.
3. A partir da nova sistemática, tem-se a previsão de uma defesa robusta, ainda que realizada em sede preliminar, na qual o acusado poderá "arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário." 4. Não haveria razão de ser na inovação legislativa se não se esperasse do magistrado a apreciação, ainda que sucinta e superficial, das questões suscitadas pela defesa na resposta à acusação.
5. No caso, o magistrado de piso, após recebida a resposta à acusação, em que se debatiam diversas questões, preliminares e de mérito, apenas proferiu despacho determinando a designação de audiência, concluindo, assim, pelo prosseguimento do feito, sem que se manifestasse minimamente sobre as teses defensivas, o que enseja inarredável nulidade.
6. Considerando que o paciente encontra-se preso desde 1º de maio de 2011, há mais de um ano e três meses, sem que fosse proferida sentença, e diante da nulidade aqui reconhecida, deve ser relaxada a custódia cautelar, ante o excesso de prazo na formação da culpa.
7. Ordem concedida para anular o processo de que se cuida a partir do despacho que designou a audiência de instrução e julgamento, devendo o juiz de primeiro grau manifestar-se fundamentadamente acerca da resposta à acusação, nos termos do art. 397 do CPP. De ofício, diante do excesso de prazo na formação da culpa, concede-se ao paciente o direito de aguardar em liberdade o julgamento do processo."
(HC 232.842/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 11/09/2012, DJe 30/10/2012)
"HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME PREVISTO NO ART. 217-A DO CÓDIGO PENAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DESPACHO DE RECEBIMENTO DE DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. ORDEM DENEGADA.
1. O entendimento firmado nesta Corte é no sentido de que, em regra, é desnecessária fundamentação complexa na decisão que recebe a denúncia, porquanto o referido ato é classificado como despacho meramente ordinatório, não se submetendo, assim, ao disposto no art.
93, IX, da Constituição Federal.
2. Ordem denegada."
(HC 189.486/ES, Rel. Ministro ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ), QUINTA TURMA, julgado em 14/08/2012, DJe 03/09/2012)

Portanto, rejeito a preliminar argüida pela defesa.


No mérito, os elementos dos autos permitem atribuir seguramente ao réu a prática do delito previsto no artigo 304 c/c artigo 297, ambos do Código Penal.


A materialidade delitiva ficou demonstrada através do Laudo de Exame Documentoscópico nº 4978/07 (fls. 67/68) o qual comprovou que o passaporte nº 004502316 da República do Paraguai, na cor azul, de titularidade de "Edith Noelia Rojas Lugo" foi adulterado.


Ademais, a tese defensiva de que a falsificação foi grosseira não se sustenta, uma vez que o próprio laudo constatou que o passaporte questionado, ao ser confrontado com similar autêntico, apresentava os elementos básicos de confecção e segurança, presentes em documentos da mesma natureza, sendo que sequer era falsificado, mas sim adulterado com a substituição da fotografia original contida na contracapa do documento, restando configurada a potencialidade lesiva da falsificação.


A autoria delitiva está igualmente demonstrada, pois o referido passaporte falso foi apreendido em poder da ré, que tentou embarcar no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, no vôo 8060 da companhia aérea TAM com destino à Milão/Itália, conforme auto de prisão em flagrante delito (fls. 06/09).


A testemunha da acusação Cintia Espolaor Pereira, Líder de Security da Companhia Aérea TAM, foi categórica ao afirmar:


"Que se recorda de que, na data dos fatos, a ré preparava-se para embarcar para Milão, apresentando ao ckeck-in da companhia aérea um passaporte paraguaio com indícios de falsificação; Que a depoente examinou o documento e, com base em treinamento que recebeu da empresa, suspeitou da regularidade formal do passaporte que a ré trazia consigo, motivo pelo qual solicitou a presença da polícia federal, que então a ré foi conduzida à delegacia, onde, após periciado o documento, foi lavrado o flagrante. Nada mais."

Os elementos carreados aos autos apontam para o fato de que o apelante agiu com livre e espontânea vontade, com plena consciência da ilicitude de sua conduta, conforme depoimento prestado em Juízo pela própria denunciada, verbis:


"(...) Inquirida sobre os fatos descritos na denúncia, a acusada declarou que são verídicos os fatos que lhe são imputados, confirmando que foi presa no aeroporto internacional de São Paulo, no dia 10 de outubro do ano passado, em razão de portar um passaporte de terceira pessoa, declarando que desejava viajar para a Itália, mas que é muito caro a obtenção do visto. A acusada declarou que obteve o passaporte por uma pessoa que lhe foi indicada por uma amiga, com quem fez um primeiro contato pelo telefone, declarando que encontrou esta pessoa duas vezes, sendo que na primeira entregou parte do dinheiro e na segunda recebeu o passaporte e pagou o restante do valor combinado. (...) A acusada declarou que pagou quinhentos dólares americanos pelo passaporte, sendo que pagou inicialmente duzentos e cinqüenta e quando recebeu o documento mais duzentos e cinqüenta dólares. (...) A acuasa declarou que pretendia ir para a Itália para trabalhar no que fosse possível, com propósito de ajudar sua família. (...) A acusada declarou que pretendia permanecer durante um ou dois anos na Itália, tempo suficiente para conseguir dinheiro para ajudar sua família. (...)"
(fls. 144/145)

Ademais, o elemento subjetivo do tipo penal de uso de documento falso é o dolo genérico, demonstrado através do próprio interrogatório da acusada, ocasião em que afirmou que o passaporte utilizado era realmente falso, tendo o obtido através de uma terceira pessoa mediante pagamento em dinheiro.


Assim, os elementos coligidos aos autos indicam a saciedade que a acusada tinha plena ciência acerca da ilicitude de seu comportamento consistente na utilização de passaporte falso, emitido em nome de outrem, adulterado com o fim de entrar em país estrangeiro.


Não há qualquer consideração a ser feita acerca da dosimetria da pena, já que a pena-base foi fixada no mínimo legal, ausentes agravantes ou atenuantes e causas de aumento ou de diminuição, além da inexistência de insurgência referente ao quantum fixado e do princípio tantum devolutum quantum appellatum.


O valor unitário de cada dia-multa deve ser mantido, já que fixado no mínimo legal.


Quanto ao regime inicial de cumprimento de pena, o quantum da pena privativa de liberdade fixada à acusada, 2 (dois) anos de reclusão, e a inexistência de notícia acerca de eventual reincidência, permitiria a ela, a princípio, cumpri-la em regime inicial aberto, nos termos do artigo 33, §2º, "c", do Código Penal.


Contudo, o MM Juízo a quo, ao analisar as circunstâncias judiciais na primeira fase da dosimetria da pena, considerou que a acusada possuía personalidade voltada para o crime, pois ao lhe ser concedida liberdade provisória deixou de cumprir injustificadamente as condições estabelecidas para tanto, mas fixou a pena-base no mínimo legal.


Como preceitua a Súmula 719, do Supremo Tribunal Federal: "A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.".


Porém, não considero idônea a fundamentação, para fixar o regime fechado para início de cumprimento da pena, no sentido de que a personalidade da ré lhe é desfavorável, em razão de ter "descumprido em ocasião passadas as condições impostas em razão da concessão a seu favor de liberdade provisória sem fiança", se a pena-base foi fixada no mínimo legal.


Assim, tendo sido fixada a pena-base no mínimo legal, devem ser consideradas favoráveis os critérios descritos no artigo 59, do Código Penal, o que permite fixar o regime inicial aberto para cumprimento de pena.


Nesse sentido:


"HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. DOSIMETRIA DA PENA. INIDONEIDADE DA FUNDAMENTAÇÃO JUDICIAL APRESENTADA PARA JUSTIFICAR A EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE, EM RELAÇÃO À CONDUTA SOCIAL E À PERSONALIDADE. PREJUDICIALIDADE NO RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA MENORIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 231 DESTA CORTE. AUMENTO DA REPRIMENDA, NA TERCEIRA FASE DA DOSIMETRIA, ACIMA DA RAZÃO MÍNIMA PREVISTA NA LEGISLAÇÃO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO CONCRETA. MERA UTILIZAÇÃO DE CRITÉRIO MATEMÁTICO (OBJETIVO). IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 443/STJ. ORDEM DE HABEAS CORPUS, NESTE PONTO, CONCEDIDA DE OFÍCIO. REGIME INICIAL FECHADO. ILEGALIDADE. SÚMULA N.º 440 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SÚMULAS N.os 718 E 719 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA QUANTO AO REGIME INICIAL E CONCEDIDA DE OFÍCIO QUANTO À PENA-BASE E À CAUSA DE AUMENTO NA TERCEIRA FASE DE APLICAÇÃO DA PENA.
1. O julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato, para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja necessária e suficiente para reprovação do crime.
2. Não pode o magistrado sentenciante majorar a pena-base fundando-se, tão somente, em referências vagas, genéricas, desprovidas de fundamentação objetiva para justificar a exasperação, tais como, "a gravidade do delito praticado", "a divisão de trabalhos entre os envolvidos" e "a frieza com que a vítima foi abordada e ameaçada".
3. Fixada a pena-base no mínimo legal, não incide a atenuante da menoridade, uma vez que, na esteira da jurisprudência pacífica deste Superior Tribunal de Justiça, cristalizada na Súmula n.º 231, "a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal".
4. A presença de mais de uma majorante no crime de roubo não é causa obrigatória de exasperação da punição em razão acima do mínimo legal previsto, exceto quando constatada a existência de circunstâncias que indiquem a necessidade da exasperação, o que não ocorrera na espécie.
5. Uma vez estabelecida a pena-base do Paciente, réu primário, no mínimo legal, porque ausentes circunstâncias judiciais desfavoráveis, não é cabível infligir regime prisional mais gravoso.
Inteligência do art. 33, §§ 2.º e 3.º, c.c. art. 59, ambos do Código Penal. Aplicação das Súmulas n.º 440 do Superior Tribunal de Justiça e n.os 718 e 719 do Supremo Tribunal Federal.
6. Ordem de habeas corpus concedida para estabelecer o regime inicial aberto de cumprimento de pena, conforme condições a serem estabelecidas pelo Juízo das Execuções Penais e reduzir, de ofício, a pena-base e a causa de aumento na terceira fase da aplicação da pena, ao patamar mínimo, fixando a pena privativa de liberdade do Paciente em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 06 (seis) dias-multa."
(HC 171.131/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 04/12/2012, DJe 11/12/2012)
"HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO TENTADO. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA. FORMA INTERMEDIÁRIA. PRETENDIDA IMPOSIÇÃO DO MODO ABERTO. POSSIBILIDADE. PENA-BASE. FIXAÇÃO NO MÍNIMO LEGALMENTE PREVISTO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. ART. 33, §§ 2º E 3º DO CÓDIGO PENAL. SÚMULAS 440 DESTE STJ E 718 E 719 DA SUPREMA CORTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA.
1. O art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal estabelece que o condenado à pena igual ou inferior a 4 (quatro) anos de reclusão poderá iniciar o cumprimento da reprimenda no regime aberto, observando-se os critérios do art. 59 do aludido diploma legal.
2. Fixada a pena-base no mínimo legal e sendo o acusado primário, não se justifica a imposição de regime prisional mais gravoso que o legalmente previsto.
3. A Suprema Corte, nos verbetes 718 e 719, sumulou o entendimento de que a opinião do julgador acerca da gravidade genérica do delito não constitui motivação idônea a embasar o encarceramento mais severo do sentenciado, e a exegese da Súmula 440 deste Superior Tribunal de Justiça é no mesmo norte.
SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA. PRETENDIDO DEFERIMENTO. POSSIBILIDADE. CRIME COMETIDO MEDIANTE GRAVE AMEAÇA. IRRELEVÂNCIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. AGENTE PRIMÁRIO. ILEGALIDADE CONSTATADA.
1. Atendidos os requisitos exigidos pelo art. 77, do Código Penal, afigura-se viável a concessão do benefício da suspensão condicional da pena (sursis) na hipótese, sendo irrelevante o fato de tratar-se de crime cometido mediante grave ameaça exercida com emprego de faca.
2. Ordem concedida para estabelecer o regime aberto como o inicial de cumprimento da sanção aplicada ao paciente, bem como para determinar a suspensão condicional da reprimenda, devendo o Juízo da Execução competente estabelecer as condições para o cumprimento do benefício, mantidos, no mais a sentença e o aresto impugnado."
(HC 245.372/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 02/10/2012, DJe 11/10/2012)

Pelos mesmos fundamentos, em relação à possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, verifica-se que é cabível no presente caso, ante as condições pessoais da acusada e a quantidade de pena aplicada, preenchendo assim todos os requisitos previstos no artigo 44, do Código Penal.


Pertinente se faz trazer a lição de Guilherme de Souza Nucci acerca da concessão de pena alternativa para estrangeiro: "se o estrangeiro possuir residência e visto de permanência no Brasil, inexiste qualquer óbice. Caso seja estrangeiro de passagem pelo país, poderia surgir a mesma polêmica que envolve o sursis. Nesta hipótese, como não tem vínculo com o Brasil, podendo ser expulso a qualquer tempo, não cumpriria pena alguma. Ainda que tal situação seja real, é preferível conceder a pena alternativa, quando preenchidos os requisitos do art. 44, ao estrangeiro de passagem pelo país, pois cuida-se de condenação a pena não elevada, por crime menos gravoso, constituindo medida exagerada determinar o seu encarceramento quando, para o brasileiro, em igual situação, seria possível a concessão da pena restritiva de direitos. Se o estrangeiro, beneficiado pela pena alternativa, for expulso ou retirar-se voluntariamente do Brasil, tanto melhor. Trata-se de melhor política criminal permitir que o estrangeiro, autor de crime considerado de menor importância, parta do território nacional do que mantê-lo encarcerado até que cumpra pena de curta duração." (Código penal comentado. 11. ed. ver., atual e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2012. p. 388-389)


Assim, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, nos termos do artigo 44, §2º, do Código Penal, consistente em prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários mínimos, vigentes na data dos fatos, destinada à entidade pública ou privada com destinação social, nos termos do artigo 45, §1°, do Código Penal e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade ora substituída, na forma a ser estabelecida pelo Juízo da Execução.


Por outro lado, ao Juízo da Execução Penal é facultado converter a pena restritivas de direitos, ora aplicada, em privativa de liberdade, caso ocorra descumprimento injustificado da restrição imposta, conforme prevê o §4º, do artigo 44, do Código Penal.


Ante o exposto, rejeito a preliminar argüida pela defesa e, no mérito, dou parcial provimento à apelação para alterar o regime inicial de cumprimento de pena para o aberto e substituir a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários mínimos, vigentes na data dos fatos, destinada à entidade pública ou privada com destinação social, nos termos do artigo 45, §1°, do Código Penal e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade ora substituída, na forma a ser estabelecida pelo Juízo da Execução.


É o voto.


Antonio Cedenho
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): ANTONIO CARLOS CEDENHO:10061
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Data e Hora: 26/03/2013 17:32:26