|
|
|
|
|
VOTO-VISTA
O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA:
Trata-se de Apelação Criminal nº 0007995-74.2007.403.6119 interposta por Rogerio Maia contra a sentença que o condenou a 7 (sete) anos de reclusão, em regime inicial fechado, e 700 (setecentos) dias-multa, como incurso no artigo 33, caput, c.c. artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006.
O feito foi levado a julgamento na sessão de 04.12.2012. Em seu voto, o E. Relator Juiz Federal Convocado Paulo Domingues, afastou a preliminar de nulidade argüida pela Procuradoria Regional da República e negou provimento à apelação.
Pedi vista dos autos para melhor apreciar a questão preliminar.
Peço vênia ao E. Relator para acolher a preliminar de nulidade argüida pela Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra do DD. Procurador Regional da República Márcio Domene Cabrini, pelos seguintes fundamentos:
Retomo aqui o entendimento assentado em voto proferido no HC nº 2009.03.00.033589-7, referido no parecer do DD. Procurador Regional da República, sendo conveniente, antes de descer às minúcias do caso concreto, tecer algumas considerações de ordem geral.
A problemática do caráter sigiloso do acordo de réu colaborador, ou acordo de delação premiada, deve ser analisada sob duplo aspecto: por primeiro, o sigilo da própria existência do acordo e de seus termos; e em segundo lugar, o sigilo do conteúdo das declarações prestadas.
O caráter sigiloso das medidas de proteção à testemunhas, vítimas e réus colaboradores é estabelecida no §5º do artigo 2º da Lei nº 9.807/1999.
Dessa forma, tanto a própria existência do acordo de delação premiada quanto os termos e condições em que foi celebrado interessam somente ao réu colaborador, ao órgão da Acusação e ao Juízo.
Com efeito, a aceitação do acordo, os seus termos, e o seu cumprimento pelo réu colaborador têm influência apenas na aplicação da sanção penal, em nada afetando o direito de defesa dos supostos delatados, posto que não constituem prova que possa ser utilizada contra os corréus.
Quanto ao segundo aspecto, qual seja, o acesso dos réus delatados às declarações incriminadoras feitas com relação à sua pessoa, não há como sustentar a possibilidade de sigilo.
Se as declarações do réu delator servirão como prova, e terão influência no convencimento do Julgador, não há como negar o direito de acesso dos acusados, sob pena de frontal violação ao direito ao contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, assegurado pelo artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal.
Entendimento contrário, ou seja, admitir-se a legalidade de sigilo dos depoimentos incriminadores dos delatores corresponderia a dar foros de validade e possibilitar a condenação de alguém com base em "prova secreta".
Em outras palavras, o corréu delatado tem direito de conhecer os fatos que lhe são atribuídos pelo delator e a abrangência das declarações, com vistas a planejar da melhor maneira possível sua defesa, exercendo o contraditório da prova.
No sentido do caráter sigiloso do próprio acordo de delação premiada, mas não das declarações incriminadoras, situa-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:
No mesmo sentido já decidiu esta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no citado HC 2009.03.00.013589-7, de minha relatoria.
É certo que, admitida a necessidade de acesso dos réus delatados às declarações incriminadoras feitas pelo réu delator, a questão quanto ao sigilo da existência do acordo de delação premiada perde um pouco de sua substância.
Por óbvio, se não se pode negar o acesso do réu deletado às declarações incriminadoras feitas pelo réu delator, é certo que a existência da própria delação não pode ser ocultada. Assim, restará, no caso de necessidade de preservação da integridade do delator, diante de coações ou ameaças, a adoção das medidas de proteção previstas na Lei nº 9.807/1999, da mesma forma adotada com relação às testemunhas ou vítimas.
Portanto, ainda existente eventual acordo de delação premiada, a determinação de acesso à prova produzida (os depoimentos do delator) não significa quebrar o sigilo acerca da existência e dos termos e condições de eventual acordo, posto que eventual acordo, se realizado, é de ser feito em autos apartados da ação penal, até como forma de viabilizar a preservação do sigilo.
Assim, ao assegurar o direito de acesso da Defesa aos depoimentos do delator, não se está inviabilizando o instituto da delação premiada, mas apenas e tão somente assegurando o exercício do direito à ampla defesa dos demais corréus.
Ainda que assim não se entenda, no conflito entre o direito à ampla defesa, que implica em direito de acesso a todas as provas produzidas, e eventuais dificuldades práticas com relação à operacionalização da delação premiada, não tenho dúvidas em dar prevalência ao direito de ampla defesa.
Não é demais lembrar que o processo penal, do ponto de vista histórico, surge como uma limitação ao exercício do poder do Estado, e as limitações ao poder de punir são obviamente instituídas em favor do réu.
Do lado oposto, o réu colaborador é colaborador do Estado, no exercício do poder de punir. Não se olvida a necessidade de dar efetividade à repressão criminal e garantir a segurança dos cidadãos e da sociedade, mas essa efetividade não se pode dar às custas do direito à ampla defesa.
Isto posto, observo que no caso concreto assiste razão ao DD. Procurador Regional da República quanto à argumentação de que o auto de prisão em flagrante e a denúncia narram fatos divorciados da realidade, pois deliberadamente omitem que a prisão de Rogério Maia somente fora possível de realizar-se, bem assim a apreensão de droga em seu poder, em virtude da delação do corréu Eduardo.
É certo que as nulidades do inquérito não contaminam a ação penal, conforme consagrado entendimento jurisprudencial, anotado pelo E. Relator.
Mas, no caso dos autos, com a devida vênia, não se trata de nulidade apenas do auto de prisão em flagrante, mas também da denúncia, que deliberadamente omite que a localização de Rogério somente foi possível em razão das declarações de Eduardo.
Ademais, a nulidade também alcança a ação penal, em razão da "autorização" dada pelo Juízo às testemunhas, para que omitissem em seus depoimentos a existência das informações do delator, conforme consta da decisão de fls. 62 dos autos da Petição Criminal 2009.03.00.033248-4, em apenso, da lavra da MM. Juíza Federal Maria Isabel do Prado:
Com a devida vênia dos que entendem em sentido contrário, tenho para mim ser inconcebível que o Juiz combine antecipadamente com as testemunhas o teor do depoimento destas, ainda que com vistas a salvaguardar a segurança do réu delator.
O depoimento da testemunha deve ser ouvido pelo Juízo com vistas à busca da verdade; a credibilidade dos depoimentos e sua força de convencimento devem ser resultado do exame cuidadoso, pelo Julgador, de sua coerência com todo o conjunto probatório e de sua conformidade com as regras da experiência.
Se o Juiz acerta com a testemunha, antecipadamente, os termos de seu depoimento, "autorizando-a" a omitir determinados fatos, é porque já deu tal depoimento como fiel à realidade dos fatos; e assim, está irremediavelmente comprometido em sua parcialidade, diante da Defesa do réu que a nada teve acesso.
Ademais, tenho ainda para mim que é inconcebível, consoante o ordenamento jurídico pátrio vigente, que o juízo autorize qualquer testemunha a omitir fato ocorrido, porquanto a situação equivale a verdadeira manipulação da prova, expressamente vedada; e mais, equivale a uma autorização do juízo para que alguém pratique crime expressamente tipificado no artigo 342 do Código Penal, in verbis:
De outro vértice, se a intenção da medida de sigilo da existência de delação era a proteção do delator, a lei de proteção à testemunhas fornece diretrizes para tanto, conforme artigos 15 e 8º da Lei 9.807/1999:
Por estas razões, acolho a preliminar suscitada pela DD. Procuradoria Regional da República para anular o processo desde a denúncia, inclusive, e julgo prejudicado o recurso de apelação.
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | MARCIO SATALINO MESQUITA:10125 |
Nº de Série do Certificado: | 24FC7849A9A6D652 |
Data e Hora: | 01/03/2013 21:16:10 |
|
|
|
|
|
|
|
|
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, acolher a preliminar suscitada pela DD. Procuradoria Regional da República para anular o processo desde a denúncia, inclusive, e julgar prejudicado o recurso de apelação, nos termos do voto vista do Juiz Federal Convocado Márcio Mesquita, acompanhado, em retificação de voto, pelo Relator Juiz Federal Convocado Paulo Domingues e pela Desembargadora Federal Vesna Kolmar, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | MARCIO SATALINO MESQUITA:10125 |
Nº de Série do Certificado: | 24FC7849A9A6D652 |
Data e Hora: | 07/03/2013 20:30:37 |
|
|
|
|
|
RETIFICAÇÃO DE VOTO
Considerando as razões aduzidas pelo MM. Juiz Federal Convocado Márcio Mesquita, revejo meu posicionamento anterior e retifico meu voto para anular o processo desde a denúncia, inclusive, e julgar prejudicado o recurso de apelação, nos termos do voto vista apresentado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | PAULO SERGIO DOMINGUES:10112 |
Nº de Série do Certificado: | 5A3F5317054ABE2A |
Data e Hora: | 14/03/2013 20:02:55 |
|
|
|
|
|
VOTO
A Procuradoria Regional da República suscita a nulidade do processo por vício na lavratura do auto de prisão em flagrante. Sustenta que a denúncia oferecida não relata a existência da "delação" e apenas narra que a prisão do apelante decorreu da denúncia anônima e das diligências policiais. Argumenta que as declarações prestadas por Eduardo:
O Procurador Regional sustenta ainda, que "É certo que nos autos de petição criminal nº 2009.03.00.033248-4 há informação de que o sigilo da delação se justificou na necessidade de garantir a segurança do delator Eduardo Tsuguio Sato. Por isso, na decisão de fls. 68/69 daquele feito há permissão expressa para que as testemunhas omitam nos depoimentos prestados na presente ação penal a existência da referida delação. Para tanto, fundamentou-se nos arts. 8º e 15º, § 2º, ambos da Lei nº 9.807/99.
Contudo, o procedimento adotado não encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio. A Lei nº 9.807/99 não prevê a possibilidade de que eventual delação premiada seja mantida em segredo da defesa dos delatados. As medidas de proteção previstas para o réu colaborador estão previstas no art. 15 e no art. 7º da referida lei. Nesas, não se inclui a manutenção da delação como espécie de "prova secreta", como ocorreu no presente caso".
Não assiste razão ao órgão ministerial, como a seguir se demonstrará.
De acordo com o auto de prisão em flagrante, Eduardo Tsuguio Sato foi preso pela Polícia Federal no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, em 27/9/2007, após denúncia anônima de que desembarcaria de vôo procedente de Portugal com uma grande quantidade de substância entorpecente. Realmente, havia 4.255 gramas de maconha (skunk) em sua bagagem. A Polícia Federal, então, utilizou um número de telefone celular obtido com Eduardo para contatar a pessoa que receberia a droga no hotel Fórmula 1 de Alphaville, em Barueri/SP - onde a Polícia Federal encontrou Rogério Maia, ora apelante, que restou preso (fls. 7/24).
A petição criminal nº 2009.03.00033248-4, noticia que Eduardo Tsuguio Sato, ao ser preso em flagrante, resolveu "colaborar" com a Polícia Federal, almejando o benefício da delação premiada. Confessou que foi contratado por um brasileiro conhecido como Tio para buscar o skunk na Holanda, por R$ 10.000,00. Também, que no retorno ao Brasil, deveria dirigir-se ao hotel Fórmula 1 em Barueri/SP, onde se hospedaria, e contataria o traficante para entregar a droga.
O Delegado de Polícia Federal responsável pelo flagrante, visando garantir a segurança de Eduardo, cuja colaboração considerou fundamental para a identificação e prisão do proprietário da droga (Rogério Maia), determinou a formalização de autos em apartado ao inquérito policial 21.0315/07 (petição criminal nº 2009.03.00033248-4).
Encerrada a fase administrativa, Rogério Maia e Eduardo Tsuguio Sato foram denunciados pelo crime do artigo 33 c/c 40, I, da Lei 11.343/2006 (fls. 2/5).
A denúncia foi recebida em 21/12/2007 para Rogério Maia e em 1/2/2008 para Eduardo Tsuguio Sato (fls. 260/261 e 520/522).
O Ministério Público Federal requereu o desmembramento do feito, em prol da celeridade processual, tendo em vista a perícia médica solicitada pela defesa de Eduardo (fls. 572).
O processo foi desmembrado em 22/2/2008 (fls. 574).
Na audiência de instrução e julgamento realizada em 29/2/2008, a defesa de Rogério Maia insurgiu-se contra a cisão da ação penal, especialmente porque tinha interesse na oitiva de Eduardo Tsuguio Sato que ...teria realizado delação premiada... O Ministério Público Federal pugnou pelo indeferimento do pleito, alertando que o corréu Eduardo Tsuguio Sato poderia ser ouvido como testemunha do juízo, caso a defesa de Rogério Maia solicitasse, o que foi acolhido pelo Juízo a quo (fls. 577/580).
Percebe-se que, ao contrário do que afirma a Procuradoria Regional da República, a confissão/delação do corréu não constituiu assunto totalmente desconhecido e segregado da defesa de Rogério Maia, que divergiu - e continua divergindo - do desmembramento do processo, não havendo razão para que se acolha a alegação de vício no inquérito policial.
Com efeito, a dinâmica dos fatos demonstra que, se houve eventual vício cometido no inquérito policial, a situação foi superada no decorrer da ação penal, pois a defesa de Rogério Maia em nenhum momento questionou a existência da confissão/delação do corréu, mas sim a cisão processual.
De se lembrar antiga lição no sentido de que eventuais defeitos do inquérito - exceto os que atinem com o corpo de delito - não contaminam a relação processual que originou.
Nesse sentido é a posição jurisprudencial:
Ademais, não houve nenhuma nova prova fornecida a partir do depoimento de Eduardo que já não estivesse nos autos do inquérito ou do processo, ou seja, o apelido, o número do telefone e o local de encontro com o comprador da droga.
Afasto, portanto, a preliminar arguida pela Procuradoria Regional da República.
A defesa, por sua vez, requer a nulidade do processo por violação ao direito de prova, decorrente do desmembramento do feito e a nulidade da sentença, pois o flagrante foi preparado e as provas obtidas na busca e apreensão, realizada sem mandado judicial, são ilícitas.
Também não lhe assiste razão.
O caso dos autos retrata crime de narcotráfico internacional em estado de flagrância delitiva.
Como acima colocado, Eduardo Tsuguio Sato foi preso em flagrante no Aeroporto Internacional de São Paulo, ao regressar da Europa com 4.255 gramas de maconha (skunk) em sua bagagem. A Polícia Federal utilizou um número de telefone celular obtido com Eduardo para confirmar a informação de que a droga seria entregue no hotel Fórmula 1, em Barueri/SP. O próprio apelante Rogério Maia atendeu a chamada telefônica e combinou um encontro no apartamento 460, onde foi preso. Na mesma ocasião, foram apreendidos mais 1.235 gramas de maconha (skunk) que Rogério Maia guardava no cofre do apartamento 604 do hotel Comfort Suítes, em Barueri/SP, onde estava hospedado, além de grande quantidade de dinheiro em espécie (três mil e quinhentos euros, mil dólares americanos e seis mil e quinhentos reais), e em cheques de terceiros (quatro mil e duzentos reais) (fls. 7/24).
Ou seja, o encontro de Rogério Maia com a Polícia Federal, objetivando adquirir o entorpecente trazido do exterior, mais a maconha guardada no cofre do hotel Comfort Suítes, onde o apelante estava hospedado, caracterizam a dilação temporal do estado de flagrância permitida ao crime de narcotráfico internacional, que é permanente.
Nesse sentido é a jurisprudência do C. STJ:
Além do exposto, resta claro que não se tratou, aqui, de induzimento, pela polícia, à prática de um crime. A polícia simplesmente deu continuidade à diligência iniciada com a prisão de Eduardo, prosseguindo com os atos que se iriam realizar de todo modo caso prosseguisse a atividade criminosa.
Pelo mesmo motivo, não há que se falar em invasão de domicílio.
Segundo Giuliana Meschiati Milani, recepcionista do hotel Comfort Suites no dia dos fatos, Rogério Maia chegou com os policiais, que se identificaram e pediram para que ela os acompanhasse ao apartamento. A recepcionista afirmou que o apelante não se opôs a entrada no apartamento, onde presenciou a abertura do cofre e a retirada da maconha/skunk. (fls. 1060).
Como já afirmado, trata-se de flagrante de crime permanente, que dispensa mandado de busca e apreensão. Confira-se os julgados do C. STJ:
Quanto ao desmembramento do feito, também nada há a prover.
A medida derivou de requerimento do Ministério Público Federal, em prol da celeridade processual, tendo em vista a perícia médica solicitada pela defesa de Eduardo Tsuguio Sato. Ato contínuo, na audiência de instrução e julgamento de 29/2/2008, a defesa de Rogério Maia insurgiu-se contra a cisão, o que foi rechaçado pela acusação e pelo Juízo Federal. O mesmo tema foi retomando no habeas corpus impetrado em favor de Rogério Maia, denegado pela Primeira Turma dessa Corte, e nas alegações finais da defesa.
Ou seja, trata-se de assunto mais que repisado, na verdade, precluso.
Observa-se que ao contrário do que alega a defesa, a cisão processual foi determinada para beneficiar o apelante, a fim de evitar demora na finalização da instrução processual por conta de providência que em princípio só interessaria ao corréu. Ademais, o desmembramento deriva da discricionariedade do magistrado na forma do artigo 80 do Código de Processo Penal e desde que motivado - como ocorreu - inexiste nulidade. Nesse sentido:
Os outros temas abordados nas razões de apelação a título de nulidade - sem qualquer inovação - como o cerceamento de defesa decorrente do incidente de dependência toxicológica e o uso de algemas no interrogatório, já foram exaustivamente examinados e afastados, inclusive em sede de habeas corpus.
Enfim, inexiste nulidade na instrução processual e na sentença, que analisou detidamente o conjunto probatório e, após suficiente fundamentação, concluiu pela condenação, motivo pelo qual fica integralmente afastada a matéria preliminar arguida pela defesa.
No mérito, pretende-se a desclassificação da conduta para crime de uso de substância entorpecente ou a absolvição por inexistência de provas e de nexo causal entre as condutas do apelante e do corréu Eduardo Tsuguio Sato.
O pedido de desclassificação não procede.
Apesar das declarações das testemunhas de defesa de que Rogério Maia é um notório e contumaz consumidor de maconha - o que não se dúvida - a quantidade de droga e dinheiro encontrados em sua posse desmentem a condição de mero usuário.
Havia 1.235 gramas de maconha (skunk) no cofre do apartamento 604 do hotel Comfort Suítes, em Barueri/SP, onde Rogério Maia estava hospedado, além de muito dinheiro em espécie (três mil e quinhentos euros, mil dólares americanos e seis mil e quinhentos reais), e cheques de terceiros.
A situação como se deu o flagrante também não o favorece.
Eduardo Tsuguio Sato foi preso com 4.255 gramas de maconha (skunk), que seriam entregues no hotel Fórmula 1. A Polícia Federal interveio, passando-se pela mula para marcar o encontro, e foi prontamente atendida por Rogério Maia. O apelante chegou quinze minutos depois do contato telefônico e logo perguntou sobre o material encomendado, donde se subentende que ficaria com toda a droga ou parte dela. Acrescente-se que o número do telefone celular de Rogério Maia foi obtido com Eduardo Tsuguio Sato e esse detalhe - crucial - a defesa não explica.
Também não é crível que um mero usuário, que já possuía 1.235 gramas de skunk, mandasse trazer mais droga da Europa para consumo próprio. Seria um comportamento desmedido, mesmo para um viciado rico, o que não é o caso de Rogério Maia, pois, ao que consta nos autos sofreu um grande abalo financeiro após a morte do seu pai.
A testemunha de defesa Marcelo Cartocci declarou que manteve forte amizade com Rogério Maia entre 1989/1990 e 2004/2005, tanto que foi seu padrinho de casamento. Todavia, resolveu afastar-se do réu depois de ter um filho, pois o amigo era usuário de maconha. Afirmou que o vício arruinou a vida Rogério Maia, que se separou da mulher, com tem um filho, e dilapidou seu patrimônio, especialmente após o assassinato do pai (fls. 929/930).
Ou seja, o conjunto probatório indica que Rogério Maia, para sustentar o próprio vício, tornou-se narcotraficante.
Quanto ao nexo causal entre as condutas do apelante e do corréu, repito que a Polícia Federal só localizou Rogério Maia porque Eduardo Tsuguio Sato entregou seu número de telefone celular ao ser preso no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, com a droga que foi buscar em continente europeu.
No interrogatório, Rogério Maia admitiu que aguardava uma pessoa que lhe venderia maconha e, no dia dos fatos, recebeu um telefonema e marcou um encontro no hotel em Barueri/SP, para onde se dirigiu e foi preso (fls. 581/583).
Em igual sentido são os testemunhos dos policiais federais Marcos Morais e Maurício Manzolli, responsáveis pela prisão em flagrante do réu (fls. 584/586 e 735/746).
Saliente-se, no mais, a tese de crime impossível, decorrente de flagrante preparado, não persevera. Rogério Maia já mantinha em depósito 1.235 gramas de skunk, antes de comparecer ao hotel Fórmula 1, para apanhar mais entorpecente com a mula Eduardo Tsuguio Sato, o que caracteriza - como acima colocado - dilação temporal do estado de flagrância. Claramente estava ele em atividade criminosa, não se podendo cogitar de preparação espúria pela autoridade policial.
Fica, portanto, mantida a condenação de Rogério Maia pelo crime dos artigos 33, caput, c/c 40, I, da Lei nº 11.343/2006.
Quanto à dosimetria da pena, na primeira fase, considerou-se o disposto no artigo 42 da lei nº 11.343/06, em especial a natureza e a quantidade da droga apreendida, para a fixação da pena-base de 6 anos de reclusão.
Nenhum reparo a ser feito.
O réu mantinha em depósito 1.235 gramas de skunk e dirigiu-se ao hotel Fórmula 1, para receber todo ou parte do carregamento de 4.255 gramas da droga que a mula Eduardo trouxe da Europa.
Ademais, cuida-se de skunk, termo utilizado para designar a maconha que foi cultivada em condições especiais para potencializar a concentração de tetraidrocanabinol/THC, substância ativa com poder narcótico presente na planta (www.imesc.gov.sp.br).
Na segunda fase não houve incidência de agravantes e atenuantes.
Passando para a terceira e última fase, mantenho o aumento da pena em 1/6 (um sexto), com fulcro no artigo 40, I, da lei nº 11.343/2006, o que perfaz 7 anos de reclusão. A internacionalidade do tráfico está plenamente caracterizada, pois o réu valeu-se de terceira pessoa aliciada - uma mula - para trazer o skunk da Europa, lembrando que essa variedade da droga, laboratorial, originou-se na Holanda.
Ainda na terceira fase, apesar dos esforços da defesa, entendo pela não incidência do benefício do artigo 33, caput e §4º, da lei nº 11.343/2006. A pessoa que se dispõe a traficar substância entorpecente da maneira utilizada pelo réu, evidentemente age animada pela affectio de pertencer a uma organização criminosa, apta a aliciar mulas e custear as operações.
Diante do exposto, mantenho a pena privativa de liberdade de Rogério Maia em 7 anos reclusão.
Sem reparo a pena de multa de 700 dias-multa, no valor unitário mínimo legal, eis que calculada em estrita observância ao critério bifásico eleito no artigo 43 da lei nº 11.343/2006.
Por derradeiro, mantenho o regime prisional inicial fechado pelos fundamentos expostos na sentença, observando que há notícia nos autos que o apelante já progrediu para o regime semiaberto (fls. 1449).
Pelo exposto, afasto a matéria preliminar e nego provimento à apelação criminal.
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | PAULO SERGIO DOMINGUES:10112 |
Nº de Série do Certificado: | 5A3F5317054ABE2A |
Data e Hora: | 12/12/2012 18:39:29 |