Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 18/03/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000478-95.2009.4.03.6006/MS
2009.60.06.000478-4/MS
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : Justica Publica
APELADO : VALDEMIR ROSA DA SILVA
ADVOGADO : EDSON MARTINS e outro

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE DESCAMINHO E DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO EM CONCURSO MATERIAL. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INAPLICÁVEL. MONOPÓLIO CONSTITUCIONAL DA UNIÃO. CONSUNÇÃO ENTRE OS DELITOS: INCABÍVEL. DOSIMETRIA. SOMA DAS PENAS RESTRITIVAS DE LIBERDADE DE ESPÉCIES DISTINTAS: IMPOSSIBILIDADE. AFASTADA A SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE.
1. Apelação da Acusação contra sentença que julgou parcialmente procedente a denúncia e condenou o réu à pena de 02 anos e 01 mês de reclusão, como incurso no artigo 334, caput, do Código Penal e que absolveu o réu em relação à imputação do artigo 183 da Lei 9.472/97.
2. A conduta descrita na denúncia, de utilização de rádio comunicador instalado no veículo, sem a devida licença, configura operação clandestina de estação transmissora de radiocomunicação. Não se trata de estação de radiodifusão clandestina, mas sim de operação clandestina de radiocomunicação através de aparelho transmissor e receptor e assim, a conduta enquadra-se no artigo 183 da Lei nº 9.472/1997. Precedente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
3. A autoria e a materialidade delitiva restaram comprovadas nos autos, não sendo o caso de aplicação do princípio da insignificância. A norma do artigo 183 da referida Lei 9.472/1997 protege não só a regularidade dos serviços de telecomunicações, mas também o monopólio, constitucionalmente atribuído à União, na exploração desses serviços, sendo irrelevante para a configuração do crime a ausência de indicação de que o aparelho possa causar interferências.
4. Ao se admitir a aplicação do princípio da insignificância, estar-se-ia descriminalizando a conduta em qualquer caso. Contudo, foi opção política do legislador proteger o monopólio constitucional da União mediante norma penal incriminadora. Precedentes dos Tribunais Regionais Federais.
5. Não é cabível o reconhecimento da consunção entre os delitos de descaminho e desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação.Embora a utilização do rádio comunicador tenha por objetivo comunicar-se com o veículo "batedor" e permitir ao réu a escolha de rota livre de fiscalização para o transporte dos cigarros descaminhados, não estão as condutas em relação de meio e fim. A prática de descaminho se dá autonomamente em relação ao desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação.
6. Além disso, a potencialidade lesiva do desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação não se exaure na prática do descaminho. Ao revés, há a possibilidade de o equipamento continuar causando interferências e persiste também a usurpação do monopólio da União na exploração daquele atividade. Precedentes do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
7. Na primeira fase da dosimetria da pena, à luz da Súmula 444 do STJ, descabida a majoração da pena-base pautada em antecedentes e personalidade desfavoráveis. Embora presente a atenuante da confissão, é inaplicável a diminuição porque a pena-base foi fixada no mínimo, em consonância com a Súmula 231 do STJ.
8. O órgão especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, na Arguição de Inconstitucionalidade Criminal 0005455-18.2000.403.6113, declarou a inconstitucionalidade da expressão "de R$ 10.000,00" contida no preceito secundário do artigo 183 da Lei 9.472/97. Assim, procede-se ao cálculo da pena de multa segundo os parâmetros do Código Penal.
9. Não obstante o concurso material entre o crime de descaminho e o crime de desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação, não é cabível a soma das penas restritivas de liberdade de espécies distintas, devendo ser executada primeiramente a pena de reclusão, nos termos do artigo 69, parte final, do Código Penal.
10. Não mais preenchido o requisito do artigo 44, I, do Código Penal, é de ser afastada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito.
11. Apelo provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, para condenar o réu também como incurso no artigo 183 da Lei 9.472/1997, à pena de 02 anos de detenção, no regime inicial aberto, e 10 dias-multa, no valor unitário mínimo, em concurso material com a condenação pelo crime do artigo 334, caput, do Código Penal, à pena de 02 anos e 01 mês de reclusão, em regime inicial aberto, afastada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 12 de março de 2013.
MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000478-95.2009.4.03.6006/MS
2009.60.06.000478-4/MS
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : Justica Publica
APELADO : VALDEMIR ROSA DA SILVA
ADVOGADO : EDSON MARTINS e outro

RELATÓRIO

O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):


O Ministério Público Federal, em 03.06.2009, denunciou VALDEMIR ROSA DA SILVA, qualificado nos autos, nascido aos 22.09.1978, como incurso no artigo 334, caput, c.c. artigo 334, §1º, "b", do Código Penal e artigo 183, caput e parágrafo único, da Lei nº 9.472/97, em concurso material. Consta da denúncia:

... No dia 16 de maio de 2009, por volta das 10h00min, no posto de gasolina denominado Auto Posto Fronteira, localizado no perímetro urbano do município de Itaquiraí/MS, o denunciado VALDEMIR ROSA DA SILVA, dolosamente e ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua condutas, foi surpreendido por Policiais Federais introduzindo em território nacional, adquirindo e transportando grande quantidade de cigarros de origem estrangeira, adquiridos do Paraguai, em desacordo com a legislação aduaneira vigente, iludindo o pagamento de tributos federais (Imposto de Importação, Imposto Sobre Produtos Industrializados, PIS e COFINS) devidos pela entrada da mercadoria no país, lesando o erário, bem como inobservando a legislação que proíbe tal tipo de importação.
(...)
Os cigarros apreendidos consistem em 797 (setecentos e noventa e sete) caixas, contendo 50 (cinqüenta) pacotes cada caixa, das marcas EURO e MERIDIAN (fls.10), cujos valores de mercado, bem como dos tributos iludidos serão esclarecidos com a juntada do Laudo Merceológico, bem como do Tratamento Tributário dos Cigarros.
(...)
No dia 16 de maio de 2009, momentos antes de ser preso, quando seguia pela BR 163, próximo ao município de Itaquiraí/MS, o denunciado VALDEMIR ROSA DA SILVA dolosamente e ciente a ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, desenvolveu clandestinamente atividade de telecomunicações, bem como concorreu de forma direta para o desenvolvimento de atividade clandestina de telecomunicações.
Ressalte-se que após a apreensão dos cigarros depositados no veículo, em vistoria no caminhão, a Polícia Federal encontrou instalado na cabine, devidamente camuflado, um equipamento de rádio-comunicação marca Yaesu, modelo FT 1802, com o respectivo PTT.
Ressalte-se que o denunciado VALDEMIR ROSA DA SILVA, quando questionado sobre o aparelho, admitiu que o utilizava para falar com um batedor que seguia à frente em uma motocicleta Titan (fls.08 do IPL), contudo não apresentou a licença da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) para operar o aludido aparelho (...)

A denúncia foi recebida em 08/06/2009 (fls. 67).

Após regular instrução, sobreveio sentença da lavra do MM. Juiz Federal Substituto Fábio Rubem David Müzel (fls. 234/239), publicada em 31.07.2009 (fls. 240), que julgou parcialmente procedente a denúncia e condenou o réu à pena de 02 (dois) anos e 01 (um) mês de reclusão, em regime inicial aberto, como incurso no artigo 334, caput, do Código Penal. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária de 2 (dois) salários-mínimos para entidade pública ou privada com destinação social.

A sentença foi absolutória em relação à imputação do artigo 183 da Lei 9.472/97, ao fundamento de que "a utilização do rádio comunicador foi o meio utilizado pelo acusado para praticar o crime previsto no artigo 334, caput, do Código Penal, conforme princípio da consunção, razão pela qual deve responder somente pelo crime de descaminho."

Apelação do Ministério Público Federal pretendendo a condenação do réu pela prática do artigo 183 da Lei 9.472/97 e o afastamento da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito. Sustenta a inocorrência de consunção entre o delito tipificado no artigo 183 da Lei 9.472/97 e o do artigo 334, caput, do Código Penal, pois aquele não é o meio necessário tampouco fase de preparação ou execução deste. Afirma que "frequentemente são flagrados sacoleiros importando irregularmente diversas mercadorias, seja em carro particular, seja em ônibus, sem a utilização de rádios comunicadores", a afastar a idéia de consunção. Alega que "o potencial lesivo do crime contra as telecomunicações não se extingue no contrabando/descaminho, ao revés, a lesividade permanece, pois o uso de rádio comunicador clandestino pode interferir em comunicações da polícia, bombeiro, aviões, etc, independentemente da existência do crime de contrabando". Argumenta que o crime contra as telecomunicações consumou-se em momento diverso do delito de contrabando.

Aduz também o MPF que o réu não preenche os requisitos do artigo 44, III, do Código Penal para a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, vez que a medida não é suficiente para a reprovação e prevenção do crime. Assevera que embora conste absolvição do réu na ação penal nº 2007.60.06.000662-0, em que se lhe imputava a prática do artigo 334 do Código Penal, é possível verificar que o ele ostenta maus antecedentes por infração aos artigo 213 e/ou 214 c.c. artigo 224, "a", do Código Penal, perante a Vara Única da Comarca de Eldorado/MS; bem assim, a circunstância judicial personalidade não lhe favorece porque quando menor incorreu por duas vezes na prática de ato infracional, relativo ao delito do artigo 155, caput, do Código Penal. Alega que a motivação do crime - lucro - e as circunstâncias do crime, com a apreensão de grande quantidade de cigarros, que expressam alto valor de tributos sonegados também são elementos indicativos de que a substituição da pena não é suficiente.

Intimada a defesa para apresentar contrarrazões (fls. 261), deixou o prazo transcorrer in albis (fls. 273).

A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da Dra. Ana Lúcia Amaral, opinou pelo provimento da apelação (fls. 276/282).


É o relatório.

À MM. Revisora.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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Data e Hora: 01/02/2013 14:59:30



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000478-95.2009.4.03.6006/MS
2009.60.06.000478-4/MS
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : Justica Publica
APELADO : VALDEMIR ROSA DA SILVA
ADVOGADO : EDSON MARTINS e outro

VOTO

O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):



1. Do crime do artigo 183 da Lei 9.472/1997: a conduta descrita na denúncia, de utilização de rádio comunicador instalado no veículo, sem a devida licença, configura a atividade clandestina de telecomunicação, amoldando-se ao artigo 183 da Lei 9.472/1997.

Cuida-se, pois, de operação clandestina de estação transmissora de radiocomunicação, a que se refere o artigo 162 da Lei n° 9.472/1997:


Art. 162. A operação de estação transmissora de radiocomunicação está sujeita à licença de funcionamento prévia e à fiscalização permanente, nos termos da regulamentação.
§ 1º Radiocomunicação é a telecomunicação que utiliza freqüências radioelétricas não confinadas a fios, cabos ou outros meios físicos.

No serviço de radiocomunicação, a transmissão e recepção dos sons se dá em âmbito restrito, em um espectro de freqüência diverso dos serviços de radiodifusão, ao alcance dos aparelhos de rádio destinados ao público em geral, conforme se verifica do art.6° da Lei n° 4.117/1962:


Art. 6º Quanto aos fins a que se destinam, as telecomunicações assim se classificam:
...
d) serviço de radiodifusão, destinado a ser recebido direta e livremente pelo público em geral, compreendendo radiodifusão sonora e televisão;

No caso dos autos, não se trata portanto de estação de radiodifusão clandestina, mas sim de operação clandestina de radiocomunicação através de aparelho transmissor e receptor e assim, a conduta enquadra-se no artigo 183 da Lei nº 9.472/1997. Nesse sentido, aponto precedente deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região:


PENAL E PROCESSUAL PENAL . DESENVOLVIMENTO DE ATIVIDADE CLANDESTINA DE TELECOMUNICAÇÃO. TRANSMISSOR E RECEPTOR DE RÁDIO PORTÁTIL SEM AUTORIZAÇÃO LEGAL. LEI N.º 9.472/1997, ART. 183. DENÚNCIA. FATO TÍPICO. PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA. DENÚNCIA RECEBIDA. 1. O uso, sem autorização do poder público, de aparelho de rádio transmissor e receptor configura o delito previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472/1997. Precedentes deste Tribunal. 2. Imputada a prática de fato penal mente típico e havendo prova da materialidade e indícios de autoria, é de rigor o recebimento da denúncia. 3. Recurso ministerial provido.
TRF 3ª Região, 2ª Turma, RSE 0008081-37.2010.403.6120, Rel. Des.Fed. Nelton dos Santos, j. 20/03/2012, DJe 29/03/2012

A materialidade delitiva restou comprovada nos autos.

O Auto de Apresentação e Apreensão de fls. 10/11 demonstra a apreensão de "um rádio-comunicador marca Yaesu, modelo FT-1802, com o respectivo PTT", na posse do réu.

As fotos anexadas às fls. 31/32 demonstram que o rádio comunicador estava instalado, de forma oculta, no caminhão conduzido pelo acusado, qual seja, Scania T112, placas ACC 7832, cuja documentação está em nome de Transportes Rodoviários Vale do Iguaçu Ltda (fls. 12).

Por outro lado, a Agência Nacional de Telecomunicações - Anatel informou que "em consulta aos nossos cadastros não encontramos autorização para operar Serviços de Telecomunicações em nome de VALDEMIR ROSA DA SILVA ou TRANSPORTES RODOVIÁRIOS VALE DO IGUAÇU LTDA" (fls. 159).

O Laudo de Exame de Equipamento Eletroeletrônico (Rádiocomunicação) de fls. 183/188 atesta a potencialidade do aparelho em causar interferência em sinais nas faixas de frequências adjacentes.

Ainda que assim não fosse, restaria configurado o crime, não sendo também o caso de aplicação do princípio da insignificância. A Constituição Federal de 1.988 dispõe, em seu artigo 21, inciso XI, com redação dada pela Emenda Constitucional n° 08/1995, que "compete à União: explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais". Por outro lado, a Lei nº 9.472/1997 estabelece em seus artigos 157 e 163:


Art. 157. O espectro de radiofreqüências é um recurso limitado, constituindo-se em bem público, administrado pela Agência.
Art. 163. O uso de radiofreqüência, tendo ou não caráter de exclusividade, dependerá de prévia outorga da Agência, mediante autorização, nos termos da regulamentação.

Bem se vê, portanto, que a norma do artigo 183 da referida Lei 9.472/1997 protege não só a regularidade dos serviços de telecomunicações, mas também o monopólio, constitucionalmente atribuído à União, na exploração desses serviços.

Dessa forma, revelar-se-ia irrelevante para a configuração do crime a ausência de indicação de que o aparelho possa causar interferências.

De outro vértice, ao se admitir a aplicação do princípio da insignificância, ao argumento da baixa potência do aparelho, estar-se-ia, na verdade, descriminalizando a conduta em qualquer caso. Contudo, foi opção política do legislador proteger o monopólio constitucional da União mediante norma penal incriminadora.

No sentido da inaplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes de telecomunicação clandestina aponto precedentes dos Tribunais Regionais Federais:


PENAL E PROCESSUAL PENAL - DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADES DE TELECOMUNICAÇÃO - OPERAÇÃO DE ESTAÇÃO DE RADIOFREQÜÊNCIA - ART. 183 DA LEI 9.472/97 - NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO DO PODER PÚBLICO - EXIGÊNCIA PREVISTA NOS ARTS. 21, XI, E 223 DA CF/88 E NOS ARTS. 19, IX, 157 E 163 DA LEI 9.472/97 - INAPLICABILDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - INDÍCIOS SUFICIENTES DA AUTORIA E DEMONSTRAÇÃO DA MATERIALIDADE DO DELITO - REJEIÇÃO DA DENÚNCIA - DESCABIMENTO - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO. I - A utilização clandestina de serviços de telecomunicação amolda-se ao tipo penal do art. 183 da Lei 9.472/97, consoante a jurisprudência do egrégio STJ: "1. Aquele que instala ou utiliza de serviços de telecomunicações sem prévia autorização do órgão regulador está sujeito às penas cominadas no art. 183 da Lei 9.472/97. 2. Ordem denegada." (STJ, HC 77.887/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, unânime, DJU de 07/02/2008, p. 1) II - A operação de estação de radiofreqüência constitui atividade de telecomunicação, sujeita a outorga pela ANATEL, na forma do art. 21, XI, da CF/88 e dos arts. 19, IX, 157 e 163, §§ 1º e 2º, da Lei 9.472/97. III - O princípio da insignificância não se aplica ao crime do art. 183 do Código penal , que é formal, de perigo abstrato, e tem, como bem jurídico tutelado, a segurança dos meios de comunicação, IV - Demonstrados, na denúncia, suficientes indícios de autoria e a materialidade do delito, com preenchimento dos requisitos constantes do art. 41 do Código de Processo penal , impõe-se o seu recebimento, mormente em face da prevalência, nessa fase processual, do princípio in dubio pro societate. V - Recurso provido.
TRF 1ª Região, 3ª Turma, RSE 0000176-95.2011.4.01.3308, Rel. Juiz Fed.Conv. Murilo Fernandes de Almeida, j. 14/05/2012, DJe 25/05/2011
PENAL . DELITO DO ARTIGO 183 DA LEI 9.472/97. TIPICIDADE. PROVA. PENA. MULTA. - Preliminares rejeitadas. - É dispensável, para um juízo positivo de criminalidade do fato, a ocorrência de danos a terceiros, circunstância esta que é prevista como causa de aumento de pena e não se configura como pressuposto da modalidade simples do delito. - O tipo penal e a liberdade de expressão e comunicação são institutos com campos próprios e distintos de atuação, não havendo incompatibilidade entre a proibição e o regime de liberdades insculpido no Texto Maior. - Baixa potência do equipamento que é irrelevante, sendo suficiente à caracterização do delito o exercício da atividade de telecomunicações desprovida de autorização não importa em que grau uma vez que o bem jurídico tutelado é insuscetível de mensuração. Inaplicabilidade do princípio da insignificância em delitos da espécie. - Pedido de instauração de incidente de uniformização de jurisprudência quanto à aplicabilidade ou não do princípio da insignificância em delitos da espécie que se rejeita. Referidos precedentes no sentido da aplicabilidade do princípio de direito penal que se revelam isolados. - Fatos imputados que se amoldam à definição do delito contida no artigo 183 da Lei 9.472/97. Precedentes. - Materialidade e autoria dolosa comprovadas no conjunto processual. - Pena privativa de liberdade aplicada que é superior a um ano. Impossibilidade de aplicação de uma só pena substitutiva. - Pena de multa no valor de dez mil reais cominada no artigo 183 da Lei 9.472/97 declarada inconstitucional pelo Órgão Especial desta Corte no julgamento da Argüição de Inconstitucionalidade Criminal nº 2000.61.13.005455-1. Redução para dez dias-multa, fixado o valor unitário em 1/3 do salário mínimo. Inteligência do artigo 60 do Código penal . - Determinação de perda dos equipamentos utilizados na consecução do delito mantida. Inteligência do artigo 184, inciso II, da Lei 9.742/97. - Recurso parcialmente provido para fins de redução da pena de multa.
TRF 3ª Região, 2ª Turma, ACR 00022401120074036106, Rel. Des.Fed. Peixoto Junior, j. 07/02/2012, DJe 16/02/2012
PENAL . ARTIGO 183 DA LEI 9472/97. RÁDIO DIFUSORA CLANDESTINA. MATERIALIDADE. AUTORIA. PROVA. TESTEMUNHAS. CONDUTA TÍPICA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO LEGAL. DOSIMETRIA DA PENA. MANUTENÇÃO INTEGRAL DA SENTENÇA. APELAÇÃO IMPROVIDA. O apelante foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 70 da Lei nº 4.117/62, por desenvolver atividade de telecomunicação, por meio da instalação da emissora de radiodifusão denominada " rádio Ativa FM", sem a devida autorização do poder concedente, operando na faixa de freqüência modulada 92,7 Mhz. MM. Juiz "a quo" aplicou o disposto no artigo 383, do Código de Processo penal para alterar a capitulação legal do tipo descrito na denúncia e condenar o ora apelante pela prática do delito previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/97. Autoria e materialidade comprovadas. Conduta típica. A política legislativa favoreceu o estabelecimento de rádio s comunitárias, todavia, para o funcionamento destas rádio s, é imprescindível a concessão, permissão ou autorização, do poder público concedente, consoante o art. 223 da Constituição Federal. O tipo penal em exame independe de resultado danoso, uma vez que é de natureza formal, configurando-se com a simples instalação e utilização de equipamentos de telecomunicações, sem a devida autorização do órgão competente. O eventual caráter comunitário não justifica utilização clandestina de radiodifusão ante a necessidade de expressa autorização estatal. Inaplicabilidade do princípio da insignificância. O delito ora em comento é formal, de perigo abstrato, e tem como bem jurídico tutelado a segurança dos meios de comunicação. Não há que se falar em mera irregularidade administrativa. A conduta se subsume ao tipo penal definido no artigo 183 da Lei nº 9.472/97. Mantida a r. sentença condenatória. Dosimetria da pena. Pena privativa de liberdade e multa fixadas no mínimo legal. Substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos. Impossibilidade de redução das penas aquém do limite legal. Prestação pecuniária, de ofício revertida para a União Federal. Apelação a que se nega provimento.
TRF 3ª Região, 1ª Turma, ACR 00046403520054036181, Rel. Des.Fed. Vesna Kolmar, j. 13/12/2011, DJe 10/01/2012

A autoria restou comprovada nos autos. O réu Valdemir não possuía autorização para operar o rádio e em interrogatório admitiu ter usado o rádio instalado no veículo para comunicar-se com o "batedor" que seguia à frente do caminhão, em uma moto (fls. 173/174).

As testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa confirmaram a existência do rádio instalado no automóvel e que o aparelho prestava-se à comunicação com o "batedor" (fls. 175 e 176).


Não é cabível o reconhecimento da consunção entre os delitos de descaminho e desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação.

O comportamento descrito no artigo 183 da Lei 9.472/97 foi cometido de forma independente do cometimento do delito de descaminho de cigarros.

Assim, embora no caso concreto possa se vislumbrar que a utilização do rádio comunicador tenha por objetivo comunicar-se com o veículo "batedor" e permitir ao réu a escolha de rota livre de fiscalização para o transporte dos cigarros descaminhados, não estão as condutas em relação de meio e fim. Isto é, a prática de descaminho se dá autonomamente em relação ao desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação.

Como alegado no recurso, o descaminho é possível de ser praticado sem qualquer incursão no tipo do artigo 183 da Lei 9.472/1997.

Além disso, a potencialidade lesiva do desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação não se exaure na prática do descaminho. Ao revés, há a possibilidade de o equipamento continuar causando interferências e persiste também a usurpação do monopólio da União na exploração daquele atividade.

Portanto, afasto a tese da absorção. Nesse sentido, aponto precedentes do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:


PENAL. CRIME DE TELECOMUNICAÇÕES. LEI N.º 9.472/1997, ARTIGO 183. RÁDIO AMADOR. OPERAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO DO PODER COMPETENTE. UTILIZAÇÃO PARA A PRÁTICA DE DESCAMINHO. INEXISTÊNCIA DE CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA DAS PENAS.
1. A utilização de aparelhos de rádio amador, sem autorização do poder competente, configura o crime previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472/1997.
2. Se o crime previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472/1997 foi praticado para facilitar ou assegurar a execução do crime tipificado no artigo 334 do Código Penal, não há falar em consunção; longe disso, tal circunstância enseja o agravamento da pena, nos termos do artigo 61, inciso II, alínea "b", do Código Penal.
3. A operação de rádio amadores sem autorização do poder competente é crime que não enseja a aplicação do princípio da insignificância, máxime se não se tratar de equipamentos com potência ínfima. Precedente do tribunal.
4. Comprovadas a materialidade e a autoria do crime previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472/1997, é imperiosa a condenação dos réus.
5. Recurso ministerial provido.
(TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, ACR 0004377-16.2009.4.03.6002, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, julgado em 30/10/2012, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/11/2012)
PENAL. PROCESSO PENAL. ART. 334 DO CÓDIGO PENAL. ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO. ART. 70 DA LEI N. 4.117/62 E ART. 183 DA LEI N. 9.472/97. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. ATIVIDADE CLANDESTINA DE TELECOMUNICAÇÃO. CRIME FORMAL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. ATIVIDADE CLANDESTINA DE TELECOMUNICAÇÃO. CONTRABANDO. DESCAMINHO. INAPLICABILIDADE. AUTORIA. MATERIALIDADE.
1. O exercício de atividade de telecomunicação desprovida de adequada autorização, concessão ou permissão constitui ilícito penal. O fato era tipificado pelo art. 70 da Lei n. 4.117, de 27.08.62, e atualmente pelo art. 183 da Lei n. 9.472, de 16.07.97, cuja aplicação decorre da revogação dos dispositivos da lei anterior, nos termos do art. 215, I, da nova lei. Cumpre esclarecer que a Lei n. 4.117/62 foi revogada "salvo quanto a matéria penal não tratada" na Lei n. 9.472/97, como diz o último dispositivo mencionado. Logo, como há tipo penal que rege a matéria, entende-se que o anterior ficou superado, incidindo tão-somente quanto aos fatos ocorridos anteriormente à nova lei, por ser esta mais gravosa (CP, art. 2º).
2. Não é aplicável o princípio da insignificância ao crime de atividade clandestina de telecomunicações, pois, independentemente de grave lesão ou dolo, trata-se de crime de perigo, com emissão de sinais no espaço eletromagnético à revelia dos sistemas de segurança estabelecidos pelo Poder Público. O simples funcionamento de aparelho de telecomunicação sem autorização legal, independentemente de ser em baixa ou alta potência, coloca em risco o bem comum e a paz social.
3. O delito do art. 183 da Lei n. 9.472/97 se consuma com a participação em atividade de telecomunicações, sem autorização do órgão competente, sendo irrelevante a apresentação ou não de laudo pericial.
4. O crime do art. 183 da Lei n. 9.472/97 tem natureza formal, de modo que prescinde de resultado naturalístico para a sua consumação. É despiciendo, assim, que a conduta do agente cause efetivo prejuízo a outrem. O delito se consuma com o mero risco potencial de lesão ao bem jurídico tutelado, qual seja, o regular funcionamento do sistema de telecomunicações, bastando para tanto a comprovação de que o agente desenvolveu atividade de radiocomunicação, espécie de telecomunicação, sem a devida autorização do órgão competente.
5. A consumação do crime do art. 334 do Código Penal independe da utilização de equipamentos de telecomunicações usados clandestinamente, os quais servem apenas para facilitar a troca de informações, a qual poderia se das por outro meio, de modo que não há como ser aplicado o princípio da consunção.
6. A materialidade e a autoria dos delitos restaram suficientemente demonstradas.
7. Preliminares rejeitadas. Apelação desprovida.
(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, ACR 0000766-09.2010.4.03.6006, Rel. JUÍZA CONVOCADA LOUISE FILGUEIRAS, julgado em 25/07/2011, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/08/2011 PÁGINA: 614)

Dessa forma, comprovadas materialidade e autoria e afastada a tese da absorção, passo à dosimetria da pena.

Na primeira fase da dosimetria da pena, à luz da Súmula 444 do STJ, descabida a majoração da pena-base pautada em antecedentes e personalidade desfavoráveis.

Com efeito, os registros criminais apontados às fls. 90, 95, 108, 124, 169, 170, 179, 195 e 224/225 não traduzem condenação judicial definitiva.

Não se entrevê a desfavorabilidade das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, pelo que fixo a pena em 2 (dois) anos de detenção.

Na segunda fase, verifico a presença da atenuante da confissão, contudo, inaplicável a diminuição porque a pena-base foi fixada no mínimo, em consonância com a Súmula 231 do STJ.

Na terceira fase, não incidem causas de aumento ou de diminuição, pelo resulta defintiva a pena de 2 (dois) anos de detenção.

Da pena de multa: o órgão especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, na Arguição de Inconstitucionalidade Criminal nº 0005455-18.2000.403.6113, de Relatoria da E. Des. Federal Ramza Tartuce, declarou a inconstitucionalidade da expressão "de R$ 10.000,00" contida no preceito secundário do artigo 183 da Lei 9.472/97.

Assim, com fundamento no artigo 176 do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, procedo ao cálculo da pena de multa segundo os parâmetros do Código Penal, estabelecidos no artigo 49.

Considerando-se que a pena detentiva foi fixada no mínimo legal, sem qualquer acréscimo, fixo a pena de multa em 10 (dez) dias-multa, que torno definitiva.

O valor do dia-multa é de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos, tendo-se em vista a condição econômica do réu, que declarou em interrogatório trabalhar como servente de pedreiro (fls. 173/174).

Não obstante o concurso material entre o crime de descaminho ( pena de dois anos e um mês de reclusão) e o crime de desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação (pena de dois anos de detenção), não é cabível a soma das penas restritivas de liberdade de espécies distintas, devendo ser executada primeiramente a pena de reclusão, nos termos do artigo 69, parte final, do Código Penal.

Assim, para o crime do artigo 183 da Lei nº 9.472/1997 é de ser fixado o regime inicial aberto de cumprimento da pena de detenção.

2. Da substituição da pena por restritivas de direito: para que seja possível a substituição por pena restritiva de direitos, a pena privativa de liberdade imposta (aí considerando-se tanto a reclusão quanto a detenção) não pode ser superior a quatro anos, nos termos do artigo 44, inciso I, do Código Penal.

Assim, não mais preenchido o requisito do artigo 44, I, do Código Penal, é de ser afastada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito.


3. Da conclusão: Pelo exposto, dou provimento à apelação para condenar o réu também como incurso no artigo 183 da Lei 9.472/1997, à pena de 02 anos de detenção, no regime inicial aberto, e 10 dias-multa, no valor unitário mínimo, em concurso material com a condenação pelo crime do artigo 334, caput, do Código Penal, à pena de 02 anos e 01 mês de reclusão, em regime inicial aberto, afastada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito.

É como voto.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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