D.E. Publicado em 18/03/2013 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, para condenar o réu também como incurso no artigo 183 da Lei 9.472/1997, à pena de 02 anos de detenção, no regime inicial aberto, e 10 dias-multa, no valor unitário mínimo, em concurso material com a condenação pelo crime do artigo 334, caput, do Código Penal, à pena de 02 anos e 01 mês de reclusão, em regime inicial aberto, afastada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):
O Ministério Público Federal, em 03.06.2009, denunciou VALDEMIR ROSA DA SILVA, qualificado nos autos, nascido aos 22.09.1978, como incurso no artigo 334, caput, c.c. artigo 334, §1º, "b", do Código Penal e artigo 183, caput e parágrafo único, da Lei nº 9.472/97, em concurso material. Consta da denúncia:
A denúncia foi recebida em 08/06/2009 (fls. 67).
Após regular instrução, sobreveio sentença da lavra do MM. Juiz Federal Substituto Fábio Rubem David Müzel (fls. 234/239), publicada em 31.07.2009 (fls. 240), que julgou parcialmente procedente a denúncia e condenou o réu à pena de 02 (dois) anos e 01 (um) mês de reclusão, em regime inicial aberto, como incurso no artigo 334, caput, do Código Penal. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária de 2 (dois) salários-mínimos para entidade pública ou privada com destinação social.
A sentença foi absolutória em relação à imputação do artigo 183 da Lei 9.472/97, ao fundamento de que "a utilização do rádio comunicador foi o meio utilizado pelo acusado para praticar o crime previsto no artigo 334, caput, do Código Penal, conforme princípio da consunção, razão pela qual deve responder somente pelo crime de descaminho."
Apelação do Ministério Público Federal pretendendo a condenação do réu pela prática do artigo 183 da Lei 9.472/97 e o afastamento da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito. Sustenta a inocorrência de consunção entre o delito tipificado no artigo 183 da Lei 9.472/97 e o do artigo 334, caput, do Código Penal, pois aquele não é o meio necessário tampouco fase de preparação ou execução deste. Afirma que "frequentemente são flagrados sacoleiros importando irregularmente diversas mercadorias, seja em carro particular, seja em ônibus, sem a utilização de rádios comunicadores", a afastar a idéia de consunção. Alega que "o potencial lesivo do crime contra as telecomunicações não se extingue no contrabando/descaminho, ao revés, a lesividade permanece, pois o uso de rádio comunicador clandestino pode interferir em comunicações da polícia, bombeiro, aviões, etc, independentemente da existência do crime de contrabando". Argumenta que o crime contra as telecomunicações consumou-se em momento diverso do delito de contrabando.
Aduz também o MPF que o réu não preenche os requisitos do artigo 44, III, do Código Penal para a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, vez que a medida não é suficiente para a reprovação e prevenção do crime. Assevera que embora conste absolvição do réu na ação penal nº 2007.60.06.000662-0, em que se lhe imputava a prática do artigo 334 do Código Penal, é possível verificar que o ele ostenta maus antecedentes por infração aos artigo 213 e/ou 214 c.c. artigo 224, "a", do Código Penal, perante a Vara Única da Comarca de Eldorado/MS; bem assim, a circunstância judicial personalidade não lhe favorece porque quando menor incorreu por duas vezes na prática de ato infracional, relativo ao delito do artigo 155, caput, do Código Penal. Alega que a motivação do crime - lucro - e as circunstâncias do crime, com a apreensão de grande quantidade de cigarros, que expressam alto valor de tributos sonegados também são elementos indicativos de que a substituição da pena não é suficiente.
Intimada a defesa para apresentar contrarrazões (fls. 261), deixou o prazo transcorrer in albis (fls. 273).
A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da Dra. Ana Lúcia Amaral, opinou pelo provimento da apelação (fls. 276/282).
É o relatório.
À MM. Revisora.
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VOTO
O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):
1. Do crime do artigo 183 da Lei 9.472/1997: a conduta descrita na denúncia, de utilização de rádio comunicador instalado no veículo, sem a devida licença, configura a atividade clandestina de telecomunicação, amoldando-se ao artigo 183 da Lei 9.472/1997.
Cuida-se, pois, de operação clandestina de estação transmissora de radiocomunicação, a que se refere o artigo 162 da Lei n° 9.472/1997:
No serviço de radiocomunicação, a transmissão e recepção dos sons se dá em âmbito restrito, em um espectro de freqüência diverso dos serviços de radiodifusão, ao alcance dos aparelhos de rádio destinados ao público em geral, conforme se verifica do art.6° da Lei n° 4.117/1962:
No caso dos autos, não se trata portanto de estação de radiodifusão clandestina, mas sim de operação clandestina de radiocomunicação através de aparelho transmissor e receptor e assim, a conduta enquadra-se no artigo 183 da Lei nº 9.472/1997. Nesse sentido, aponto precedente deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
A materialidade delitiva restou comprovada nos autos.
O Auto de Apresentação e Apreensão de fls. 10/11 demonstra a apreensão de "um rádio-comunicador marca Yaesu, modelo FT-1802, com o respectivo PTT", na posse do réu.
As fotos anexadas às fls. 31/32 demonstram que o rádio comunicador estava instalado, de forma oculta, no caminhão conduzido pelo acusado, qual seja, Scania T112, placas ACC 7832, cuja documentação está em nome de Transportes Rodoviários Vale do Iguaçu Ltda (fls. 12).
Por outro lado, a Agência Nacional de Telecomunicações - Anatel informou que "em consulta aos nossos cadastros não encontramos autorização para operar Serviços de Telecomunicações em nome de VALDEMIR ROSA DA SILVA ou TRANSPORTES RODOVIÁRIOS VALE DO IGUAÇU LTDA" (fls. 159).
O Laudo de Exame de Equipamento Eletroeletrônico (Rádiocomunicação) de fls. 183/188 atesta a potencialidade do aparelho em causar interferência em sinais nas faixas de frequências adjacentes.
Ainda que assim não fosse, restaria configurado o crime, não sendo também o caso de aplicação do princípio da insignificância. A Constituição Federal de 1.988 dispõe, em seu artigo 21, inciso XI, com redação dada pela Emenda Constitucional n° 08/1995, que "compete à União: explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais". Por outro lado, a Lei nº 9.472/1997 estabelece em seus artigos 157 e 163:
Bem se vê, portanto, que a norma do artigo 183 da referida Lei 9.472/1997 protege não só a regularidade dos serviços de telecomunicações, mas também o monopólio, constitucionalmente atribuído à União, na exploração desses serviços.
Dessa forma, revelar-se-ia irrelevante para a configuração do crime a ausência de indicação de que o aparelho possa causar interferências.
De outro vértice, ao se admitir a aplicação do princípio da insignificância, ao argumento da baixa potência do aparelho, estar-se-ia, na verdade, descriminalizando a conduta em qualquer caso. Contudo, foi opção política do legislador proteger o monopólio constitucional da União mediante norma penal incriminadora.
No sentido da inaplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes de telecomunicação clandestina aponto precedentes dos Tribunais Regionais Federais:
A autoria restou comprovada nos autos. O réu Valdemir não possuía autorização para operar o rádio e em interrogatório admitiu ter usado o rádio instalado no veículo para comunicar-se com o "batedor" que seguia à frente do caminhão, em uma moto (fls. 173/174).
As testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa confirmaram a existência do rádio instalado no automóvel e que o aparelho prestava-se à comunicação com o "batedor" (fls. 175 e 176).
Não é cabível o reconhecimento da consunção entre os delitos de descaminho e desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação.
O comportamento descrito no artigo 183 da Lei 9.472/97 foi cometido de forma independente do cometimento do delito de descaminho de cigarros.
Assim, embora no caso concreto possa se vislumbrar que a utilização do rádio comunicador tenha por objetivo comunicar-se com o veículo "batedor" e permitir ao réu a escolha de rota livre de fiscalização para o transporte dos cigarros descaminhados, não estão as condutas em relação de meio e fim. Isto é, a prática de descaminho se dá autonomamente em relação ao desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação.
Como alegado no recurso, o descaminho é possível de ser praticado sem qualquer incursão no tipo do artigo 183 da Lei 9.472/1997.
Além disso, a potencialidade lesiva do desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação não se exaure na prática do descaminho. Ao revés, há a possibilidade de o equipamento continuar causando interferências e persiste também a usurpação do monopólio da União na exploração daquele atividade.
Portanto, afasto a tese da absorção. Nesse sentido, aponto precedentes do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
Dessa forma, comprovadas materialidade e autoria e afastada a tese da absorção, passo à dosimetria da pena.
Na primeira fase da dosimetria da pena, à luz da Súmula 444 do STJ, descabida a majoração da pena-base pautada em antecedentes e personalidade desfavoráveis.
Com efeito, os registros criminais apontados às fls. 90, 95, 108, 124, 169, 170, 179, 195 e 224/225 não traduzem condenação judicial definitiva.
Não se entrevê a desfavorabilidade das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, pelo que fixo a pena em 2 (dois) anos de detenção.
Na segunda fase, verifico a presença da atenuante da confissão, contudo, inaplicável a diminuição porque a pena-base foi fixada no mínimo, em consonância com a Súmula 231 do STJ.
Na terceira fase, não incidem causas de aumento ou de diminuição, pelo resulta defintiva a pena de 2 (dois) anos de detenção.
Da pena de multa: o órgão especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, na Arguição de Inconstitucionalidade Criminal nº 0005455-18.2000.403.6113, de Relatoria da E. Des. Federal Ramza Tartuce, declarou a inconstitucionalidade da expressão "de R$ 10.000,00" contida no preceito secundário do artigo 183 da Lei 9.472/97.
Assim, com fundamento no artigo 176 do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, procedo ao cálculo da pena de multa segundo os parâmetros do Código Penal, estabelecidos no artigo 49.
Considerando-se que a pena detentiva foi fixada no mínimo legal, sem qualquer acréscimo, fixo a pena de multa em 10 (dez) dias-multa, que torno definitiva.
O valor do dia-multa é de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos, tendo-se em vista a condição econômica do réu, que declarou em interrogatório trabalhar como servente de pedreiro (fls. 173/174).
Não obstante o concurso material entre o crime de descaminho ( pena de dois anos e um mês de reclusão) e o crime de desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação (pena de dois anos de detenção), não é cabível a soma das penas restritivas de liberdade de espécies distintas, devendo ser executada primeiramente a pena de reclusão, nos termos do artigo 69, parte final, do Código Penal.
Assim, para o crime do artigo 183 da Lei nº 9.472/1997 é de ser fixado o regime inicial aberto de cumprimento da pena de detenção.
2. Da substituição da pena por restritivas de direito: para que seja possível a substituição por pena restritiva de direitos, a pena privativa de liberdade imposta (aí considerando-se tanto a reclusão quanto a detenção) não pode ser superior a quatro anos, nos termos do artigo 44, inciso I, do Código Penal.
Assim, não mais preenchido o requisito do artigo 44, I, do Código Penal, é de ser afastada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito.
3. Da conclusão: Pelo exposto, dou provimento à apelação para condenar o réu também como incurso no artigo 183 da Lei 9.472/1997, à pena de 02 anos de detenção, no regime inicial aberto, e 10 dias-multa, no valor unitário mínimo, em concurso material com a condenação pelo crime do artigo 334, caput, do Código Penal, à pena de 02 anos e 01 mês de reclusão, em regime inicial aberto, afastada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito.
É como voto.
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Data e Hora: | 08/03/2013 18:50:11 |