D.E. Publicado em 27/05/2013 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar, negar provimento à apelação de Oscar Yazbek e Ernani Ney da Silva e dar parcial provimento à apelação de José Carlos Gouveia Ferreira, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
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VOTO
Trata-se de apelação interposta pelos corréus OSCAR YAZBEK e ERNANI NEY DA SILVA, bem como JOSÉ CARLOS GOUVEIA LEITÃO FERREIRA, contra sentença que, com fundamento nos arts. 11, I, e 12, III, da Lei n. 8.429/92, os condenou pela prática, quando ocupavam, respectivamente, os cargos de Prefeito, Secretário de Finanças e Secretário de Saúde do Município de Embu das Artes, de atos de improbidade administrativa por violação aos princípios da legalidade e da moralidade, em razão da utilização de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS), oriundos do Fundo Nacional de Saúde, para pagamento de despesas diversas das permitidas pelas Leis ns. 8.080/90 e 8.142/90, aplicando-lhes as seguintes sanções: I) suspensão dos direitos políticos por 3 (três) anos; II) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo período de 3 (três) anos; e III) multa civil equivalente à última remuneração percebida em seus respectivos cargos na administração municipal; além da condenação ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 3.000,00 (três mil reais), para cada um, corrigidos desde a propositura da ação, conforme disposto na Resolução CJF n. 134/2010, à luz do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil.
Inicialmente, destaco a presença das condições da ação e dos pressupostos processuais, tendo sido observadas, na espécie, as garantias do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, cabendo lembrar, outrossim, que o ajuizamento de ação de improbidade administrativa independe da existência de processo administrativo anterior, de modo que eventuais irregularidades neste último não contaminam o processo judicial (cf. STJ: AgRg no REsp 1.066.838/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 04.02.2011; e REsp 1.119.568/PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 23/09/2010).
Anoto que os fatos foram apresentados ao juízo por petição apta, sendo irrelevante eventual capitulação legal imprecisa ou equivocada do ato ímprobo, porquanto suficiente a adequada correlação entre a causa de pedir e o pedido, não havendo, outrossim, prejuízo à defesa, uma vez que os réus sempre se defendem dos fatos e não de sua capitulação legal (cf. STJ: REsp 817.557/ES, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 10.02.2010; e REsp 1.014.161/SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 20.09.2010).
Calha lembrar que a causa petendi firma-se na descrição dos fatos pela inicial, não maculando o princípio da congruência entre o pedido e a sentença, a diversa qualificação jurídica dada aos fatos pelo magistrado sentenciante.
De outra parte, afasto a prejudicial de mérito referente à ocorrência de prescrição, suscitada pelo corréu JOSÉ CARLOS, porquanto rejeitada em decisão proferida antes da sentença, restando preclusa a matéria, ante a ausência de oportuna impugnação pelo interessado.
Aliás, ainda que se considere reavivada a questão na sentença, não se verifica a aventada prescrição, uma vez que a ação foi proposta no prazo previsto na legislação de regência.
Com efeito, consoante o estatuído na Lei n. 8.429/92, as ações destinadas à aplicação das sanções previstas em seu art. 12 estão sujeitas ao prazo prescricional de 05 (cinco) anos (art. 21, I e II), exceto no tocante ao ressarcimento ao erário, tendo em vista a imprescritibilidade prevista no art. 37, § 5º, da Constituição da República (cf. STJ: REsp 1.067.561/AM, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 27.02.2009; REsp 801.846/AM, Primeira Turma, Rel. Min. Denise Arruda, DJe 12.02.2009; AgRg no REsp 1.038.103/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 04.05.2009; REsp 1.107.833/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 18.09.2009; e REsp 1.089.492/RO, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 18.11.2010).
No que se refere ao termo inicial do prazo extintivo, conforme o disposto no art. 23, I, da Lei n. 8.429/92, as ações de improbidade administrativa podem ser propostas até 5 (cinco) anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança.
No caso sob exame, JOSÉ CARLOS deixou o cargo comissionado de Secretário de Saúde do Município de Embú das Artes/SP em 17.10.2000, sendo que a presente ação foi proposta em 12.09.2005 (fl. 02), ou seja, dentro do prazo prescricional de 5 (cinco) anos, previsto no art. 23, I, da Lei n. 8.429/92.
Destaque-se que o fato de a notificação ou citação do requerido e demais corréus ter ocorrido após o referido lapso temporal, não implica a ocorrência do prazo extintivo, porquanto, nos termos do art. 219, § 1º, do Código de Processo Civil, aplicável à espécie, a interrupção da prescrição retroage à data da propositura da ação, não podendo a demanda ajuizada tempestivamente ser prejudicada por eventual demora decorrente dos serviços judiciários (Súmula 106/STJ).
Nesse sentido é a orientação do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, consoante denotam as seguintes ementas:
Afastada a prejudicial suscitada, passo à apreciação do mérito propriamente dito.
A Constituição da República de 1988, ao dispor sobre a Administração Pública estabelece, em seu art. 37, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 19/1998, o seguinte:
Analisando o texto constitucional, no que diz com à natureza e o conceito de atos de improbidade administrativa, Alexandre de Moraes leciona:
A Lei n. 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), na esteira do disposto no art. 37, § 4º, da Constituição, enumera, de forma exemplificativa, as condutas dos agentes públicos que configuram atos de improbidade administrativa, distinguindo entre os que: a) importem enriquecimento ilícito (art. 9º); b) causem prejuízo ao Erário (art. 10); e c) atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), impondo, aos responsáveis, independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, as cominações do art. 12, incisos I, II e III, respectivamente, as quais podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato, considerando-se a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.
Reafirmando o disposto no art. 37, caput, da Constituição da República, em seu texto original, o art. 4º, da Lei n. 8.429/92, prescreve:
Cumpre anotar que, agente público, para efeitos da Lei de Improbidade Administrativa, é todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função, na administração direta, indireta ou fundacional de quaisquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território (Lei n. 8.429/92, arts. 1º e 2º).
Por sua vez, além dos agentes públicos, também está sujeito às disposições da Lei n. 8.429/92, aquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art. 3º).
No que se refere, especificamente, aos atos de improbidade administrativa que atentem contra os princípios da Administração Pública, o art. 11, I, da Lei n. 8.429/92, estabelece:
Por seu turno, o art. 12, III, da Lei n. 8.429/92, prevê as seguintes sanções ao responsável por ato de improbidade que atente contra os princípios da Administração Pública:
Impende destacar que, nos termos do art. 21, da Lei n. 8.429/92, com a redação dada pela Lei n. 12.120/09, a aplicação das sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa, independe, salvo quanto à pena de ressarcimento, da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público (inciso I), bem como da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas (inciso II).
Da interpretação dos dispositivos da Lei de Improbidade Administrativa extrai-se que a dispensa de ocorrência de dano ao patrimônio público, referida no art. 21, I, da Lei n. 8.429/92, tem a ver apenas com o aspecto material ou econômico deste, porquanto à luz do art. 5º, LXXIII, da Constituição e na esteira do art. 1º, § 1º, da Lei n. 4.717/65 (LAP), a concepção ampla de patrimônio público, no plano objetivo, diz com o conjunto de bens e direitos de natureza econômica, artística, estética, histórica, turística, cultural, ambiental e moral, todos eles, objeto de proteção.
A propósito das disposições contidas no art. 21 da Lei de Improbidade Administrativa, trago à colação o ensinamento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
Verifica-se que a ação ou omissão praticada pelo agente público, com violação, dentre outros, dos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, configura ato de improbidade administrativa (Lei n. 8.429/92, art. 11), independentemente da existência de enriquecimento ilícito do agente ou de dano ao patrimônio material ou econômico dos entes ou instituições.
De outra parte, dado o caráter sancionador da Lei n. 8.429/92, para a configuração do ato de improbidade administrativa é imprescindível a demonstração do elemento subjetivo na conduta do agente público, sob pena de caracterização de responsabilidade objetiva.
Nessa linha, trago, por oportuna, a lição de Marçal Justen Filho:
Nessa esteira, a noção de improbidade encontra-se associada às idéias de desonestidade, deslealdade e de má-fé do agente público.
A propósito, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça assentou entendimento de que para a configuração de ato de improbidade administrativa, previsto na Lei n. 8.429/92, é necessária a demonstração de que o agente público agiu com dolo, nas condutas que importem enriquecimento ilícito (art. 9º) e nas que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), e de que agiu, ao menos, culposamente, nas ações ou omissões que causem prejuízo ao Erário (art. 10). Confiram-se, dentre outros, os seguintes julgados da Corte Superior:
Assim, para a configuração dos atos de improbidade administrativa, que importem violação aos princípios da Administração Pública (Lei n. 8.429/92, art. 11), indispensável a comprovação do elemento subjetivo, ou seja, da intenção ou dolo, cabendo ressaltar, ser dispensada na hipótese, a existência de dolo específico, ou seja, intenção específica de violar princípios administrativos, porquanto suficiente, à caracterização de tais atos de improbidade, a demonstração de dolo genérico, consistente na violação voluntária e consciente dos deveres do agente, de forma injustificada (cf. STJ, EREsp 654.721/MT, Primeira Seção, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 01.09.2010).
A propósito, colha-se a orientação do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
No caso sob exame, os corréus foram condenados pela prática, quando administravam o Município de Embu das Artes, de atos de improbidade administrativa, por violação aos princípios da legalidade e da moralidade, nos termos do art. 11, I, da Lei n. 8.429/92, em razão da utilização de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS), recebidos do Fundo Nacional de Saúde, para pagamento de despesas da Municipalidade diversas das permitidas pelas Leis ns. 8.080/90 e 8.142/90.
Nos termos estabelecidos pela Constituição da República, a saúde é direito social fundamental (art. 6º), imbricado com o direito à vida (art. 5º, caput), devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício (art. 196), mediante ações e serviços, de competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 23, II), que integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de forma descentralizada, tendo direção única em cada esfera de governo, com a participação da comunidade, com vista ao atendimento integral, com prioridade às atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais (art. 198, I a III).
Considerando a relevância do bem jurídico envolvido, o legislador constituinte cuidou de assegurar o financiamento do Sistema Único de Saúde mediante a alocação de recursos provenientes, dentre outras fontes, do Orçamento da Seguridade Social, bem como dos orçamentos dos entes federativos, os quais devem aplicar em ações e serviços públicos de saúde, um percentual mínimo de suas receitas, em consonância com as diretivas constitucionais (CR/88, art. 198, §§ 1º, 2º e 3º, art. 77, do ADCT, acrescido pela EC n. 29/00 e Lei Complementar n. 141/12).
No âmbito infraconstitucional, a Lei n. 8.080/90 estabeleceu as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como a organização e o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS), diploma complementado pela Lei n. 8.142/90, que disciplinou a participação da comunidade na gestão do SUS e as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde.
Conforme prescreve a Lei n. 8.080/90, o Sistema Único de Saúde (SUS) é constituído pelo conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público (art. 4º), sendo sua direção exercida no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde e no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente (art. 9º, incisos I, II e III).
Nos termos do art. 16, da Lei n. 8.080/90, compete à direção nacional do SUS, dentre outras atribuições, prestar cooperação técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o aperfeiçoamento da sua atuação institucional (inciso XIII); bem assim promover a descentralização para as Unidades Federadas e para os Municípios, dos serviços e ações de saúde, respectivamente, de abrangência estadual e municipal (inciso XV).
Por seu turno, consoante o disposto no art. 18 do mesmo diploma normativo, cabe à direção municipal do SUS, a par de outras incumbências, planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde (inciso I), o que inclui a administração dos recursos orçamentários e financeiros destinados à área de saúde do Município (art. 15, II).
O Sistema Único de Saúde (SUS) conta, também, em cada esfera de governo, com instâncias colegiadas, entre as quais, os Conselhos de Saúde, órgãos de caráter permanente e deliberativo, compostos por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, com atuação na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros (Lei n. 8.142/90, art. 1º, § 2º).
De outra parte, a Lei n. 8.080/90 prescreve que os recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) devem ser depositados em conta especial, em cada esfera de sua atuação, e movimentados sob fiscalização dos respectivos Conselhos de Saúde (art. 33, caput).
Na esfera federal, os recursos para financiamento do SUS provêm do Orçamento da Seguridade Social, de outros Orçamentos da União, além de outras fontes, sendo administrados pelo Ministério da Saúde, através do Fundo Nacional de Saúde (art. 33, § 1º, da Lei n. 8.080/90).
Por sua vez, a Lei n. 8.142/90 prevê, dentre outras aplicações, a alocação dos recursos do Fundo Nacional de Saúde (FNS) como cobertura das ações e serviços de saúde a serem implementados pelos Municípios, Estados e Distrito Federal, para o fim de investimentos na rede de serviços, cobertura assistencial ambulatorial e hospitalar e demais ações de saúde (art. 2º, IV e parágrafo único).
Nos termos estabelecidos pelo art. 36 da Lei n. 8.080/90, no processo de planejamento e orçamento do Sistema Único de Saúde, devem ser ouvidos os órgãos deliberativos das respectivas esferas de governo, compatibilizando-se as necessidades da política de saúde com a disponibilidade de recursos, em planos de saúde (caput), os quais constituem a base das atividades e programações em cada nível de direção do SUS (§ 1º), sendo expressamente vedada a transferência de recursos para o financiamento de ações nele não previstas, exceto em situações emergenciais ou de calamidade pública, ainda assim, para emprego na própria área de saúde (§ 2º).
Remarcando a vedação da aplicação de recursos financeiros do SUS em outras áreas, a Lei n. 8.088/90 dispõe:
Verifica-se que o Sistema Único de Saúde (SUS), nos moldes em que normativamente estruturado, estabelece a vinculação dos recursos dos Fundos de Saúde à execução de ações e serviços de saúde especificados nos arts. 5º e 6º da Lei n. 8.080/92, cabendo ao Ministério da Saúde acompanhar, através de seu sistema de auditoria, a conformidade da aplicação dos recursos do Fundo Nacional de Saúde repassados a Estados e Municípios, prevendo a adoção das medidas legais pertinentes, em caso de malversação, desvio, ou não aplicação dos recursos (art. 33, § 4º, da Lei n. 8.080/90).
Consoante destacado na sentença, é fato incontroverso ter havido a utilização, pelo Município de Embu das Artes, de recursos destinados ao SUS, recebidos do Fundo Nacional de Saúde, depositados na conta-corrente n. 50041-4, da Gestão Plena do Sistema Municipal, para pagamento de despesas efetuadas pela Municipalidade para finalidades diversas das permitidas pelas Leis ns. 8.080/90 e 8.142/90.
Assim é que, consoante demonstrado nos autos, entre 08.07.1999 e 14.09.2000, foram utilizados R$ 71.278,40 da referida conta (fl. 59), para pagamento das seguintes despesas: a) desassoreamento de trechos do rio Embu Mirim e seus afluentes (08.07.1999 - fl. 557); b) levantamento e apuração da Dívida Ativa do Município (08.11.1999 - fl. 581); c) fornecimento de mão-de-obra para reforma geral do Centro Esportivo do Jardim São Marcos (08.11.1999 - fls. 583/585, 1167 e 1172); e d) locação de caminhão baú para atender à Secretaria do Meio Ambiente (14.09.2000 - fls. 571/574).
Embora os recursos tenham sido aplicados para pagamento de serviços prestados ao Município, tais serviços não constituem ações ou serviços de saúde, de modo que restaram contrariadas as diretivas constitucionais, bem como as disposições das Leis n. 8.080/90 e 8.142/90, caracterizando, dada a presença de dolo, adiante demonstrado, desvio de finalidade a configurar a ocorrência de improbidade administrativa, com ofensa ao dever de lealdade institucional e aos princípios da legalidade e da moralidade, não havendo, outrossim, justificativa apta a afastar a tipificação e a responsabilização estabelecidas nos arts. 11, caput e inciso I, e 12, III, da Lei n. 8.429/92.
Com efeito, consoante apontado, o art. 2º, IV e parágrafo único, da Lei n. 8.142/90, bem como os arts. 33, § 4º, 36, § 2º, e 52, da Lei n. 8.080/90, proíbem a utilização de recursos destinados às ações e serviços de saúde, para atender outras despesas da Administração, não servindo de justificativa, para o desvio de finalidade dos recursos, as alegações de atendimento a situação emergencial, necessidades inadiáveis da comunidade e dificuldades financeiras da Prefeitura, porquanto, a par de não comprovadas, a natureza das despesas realizadas não diz com situações excepcionais de emergência ou calamidade pública, mas sim com ineficiência na gestão dos recursos municipais.
A par da ilegalidade decorrente do desvio de finalidade, a aplicação dos recursos pertencentes à área da saúde, em favor de serviços prestados em outras áreas, revela-se, também, ante a aventada dificuldade financeira por que passava a Prefeitura, contrária à moralidade administrativa, na medida em que o pagamento dos fornecedores de tais serviços deu-se em detrimento ao das ações e serviços de saúde à população do Município de Embu das Artes, serviços estes, que se encontravam, na época, segundo apurado em auditoria realizada pelo Ministério da Saúde (fls. 24/98), com diversos problemas, dentre os quais, os seguintes:
A corroborar a precariedade dos serviços de saúde do Município no período enfocado, confira-se o seguinte trecho do depoimento da testemunha Geraldo Leite da Cruz, ex-Vereador e ex-Prefeito de Embu das Artes:
Ora, a situação de deficiência dos serviços de saúde prestados aos cidadãos no período em questão, pelo Município de Embu das Artes, não se coaduna com a opção pelo desvio para outras áreas, dos recursos de serviços constitucionalmente prioritários, atinentes ao direito à vida, configurando tal escolha, além de ilegal, verdadeira deslealdade institucional, contrária à moralidade administrativa.
Como bem anotado pelo magistrado sentenciante, o fato de os valores utilizados em outros serviços do Município terem sido, posteriormente, repostos pela Prefeitura, na conta específica destinada à saúde (fls. 268/269), diz com a inexistência de ocorrência de prejuízo ao Erário, porém não afasta a configuração da improbidade administrativa por ofensa aos princípios da Administração Pública, sendo impossível, outrossim, mensurar os prejuízos à saúde e vida dos munícipes prejudicados pela não aplicação dos recursos desviados naquela época.
No que se refere à consequente responsabilização, cumpre destacar que, na época em que praticados atos de improbidade em questão, os corréus OSCAR, JOSÉ CARLOS e ERNANI ocupavam, consoante retratado nos autos, respectivamente, os cargos de Prefeito, Secretário da Saúde e Secretário de Finanças do Município de Embú das Artes.
Conforme registrado na sentença, o corréu OSCAR, a quem foi aplicada a pena de confesso, não nega participação na liberação dos recursos financeiros do SUS para as finalidades apontadas, tal como descrito na inicial, limitando-se, assim como o corréu ERNANI, a trazer justificativas e a sustentar a inexistência de ato de improbidade.
De fato, os elementos probatórios coligidos dão conta de que os corréus OSCAR e ERNANI eram responsáveis pela movimentação das contas municipais (fls. 47 e 1494/1497), tendo tido participação direta e consciente, nos atos de improbidade administrativa sob exame, conforme devidamente esquadrinhado na sentença.
A propósito, da atuação do corréu OSCAR colham-se os seguintes trechos da sentença:
Por sua vez, quanto a atuação do corréu ERNANI, merece destaque a seguinte passagem da sentença:
Remarque-se não servir de justificativa para o desvio de recursos da área da saúde, expressamente proibido pelo art. 2º, IV e parágrafo único, da Lei n. 8.142/90, bem como pelos arts. 33, § 4º, 36, § 2º, e 52, da Lei n. 8.080/90, a alegação de dificuldades financeiras da Prefeitura e de necessidade de atendimento a situação emergencial ou de necessidades inadiáveis da comunidade, porquanto, além de não demonstrada a existência de situação de emergência ou calamidade pública, as despesas realizadas com os recursos desviados não possuem características de urgência.
Assim, verifica-se que os corréus OSCAR e ERNANI promoveram de forma voluntária, consciente e sem justificativa razoável, ou seja, com dolo ou má-fé, o desvio, proibido por lei, dos recursos oriundos do Fundo Nacional de Saúde destinados à cobertura das ações e serviços de saúde no Município de Embu das Artes, para pagamento de outras despesas da Municipalidade, contrariando o dever de lealdade institucional, bem como os princípios da legalidade e da moralidade, de modo a restar configurada a prática de 4 (quatro) atos de improbidade administrativa, nos termos previstos no art. 11, I, da Lei n. 8.429/92.
Nessa linha, não procede a alegação dos Apelantes, de ausência de má-fé, cabendo, ainda, sublinhar, que a configuração de ato de improbidade administrativa contra princípios que regem a Administração Pública independe de obtenção de vantagem indevida pelos agentes e da existência de prejuízo ao Erário.
De outra parte, também andou bem o Juízo "a quo" ao reconhecer que, embora não comprovado que o corréu JOSÉ CARLOS tenha agido no sentido de desviar os recursos da área de saúde para outras finalidades, restou caracterizado que o então Secretário de Saúde do Município incorreu em omissão configuradora de improbidade administrativa prevista no art. 11 da Lei n. 8.429/92, por deixar, tendo ciência dos fatos, de tomar as medidas que lhe eram exigíveis para evitar a ilegal utilização dos recursos da pasta da saúde, cujos serviços encontravam-se deficientes.
A propósito, confiram-se os seguintes trechos da sentença:
Com efeito, nos termos do arts. 9º, III; 15, II; e 18, I, da Lei n. 8.088/90, cabia a JOSÉ CARLOS, na condição de Secretário de Saúde, a direção municipal do SUS, competindo-lhe o planejamento, organização, controle e avaliação das ações e os serviços de saúde, bem com a gestão e execução dos serviços públicos de saúde, incluindo a administração dos recursos orçamentários e financeiros destinados à referida área.
Ademais, JOSÉ CARLOS também presidia, na época dos fatos, o Conselho Municipal de Saúde (fls. 1519 e 1546), órgão colegiado atuante na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde do Município, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros (Lei n. 8.142/90, art. 1º, § 2º).
Apesar de suas atribuições legais, JOSÉ CARLOS, não fez valer sua competência e, mesmo sabendo dos desvios dos recursos recebidos do Fundo de Saúde, para outras finalidades (cf. Atas de fls. 1519/1525, 1526/1534, 1535/1540), deixou de adotar as medidas que lhe eram exigíveis para evitar sua transferência ou utilização ilegal (arts. 4º e 2º, IV e parágrafo único, da Lei n. 8.142/90), assumindo o risco da ocorrência do evento danoso.
Ora, sendo característico da omissão a abstenção de ação determinada pela ordem jurídica, ao contrário do sustentado, há dolo e não culpa, quando o agente, como na espécie, consciente e voluntariamente se abstém do dever legal de agir na preservação de bem que pelo ordenamento jurídico tinha o dever de tutelar, causando-lhe dano ou assumindo o risco de sua ocorrência.
Por oportuno, colham-se da doutrina as seguintes lições:
Dessa forma, caracterizada, na espécie, omissão dolosa ou má-fé do então Secretário da Saúde, uma vez que, ainda que não quisesse provocar dano, tinha consciência que seu comportamento omissivo poderia resultar em prejuízo ao patrimônio econômico e aos serviços do SUS, sendo certo que os valores desviados foram recompostos ao Fundo de Saúde do Município somente em 2004 (fl. 268).
Nas referidas circunstâncias, a omissão intencional e consciente do corréu JOSÉ CARLOS em tomar as medidas que lhe eram exigíveis contra o desvio para outras finalidades dos recursos destinados à saúde, cujos serviços, inclusive, encontravam-se deficientes, configura ato de improbidade administrativa por violação ao dever de lealdade institucional e aos princípios da legalidade e da moralidade, consoante previsão do art. 11, caput, da Lei n. 8.429/92.
Cumpre anotar a relevância da omissão de JOSÉ CARLOS, para que os corréus OSCAR e ERNANI utilizassem, ilegalmente, para outras finalidades, as verbas destinadas à saúde, bem assim para recomposição tardia dos recursos.
Nesse quadro, configurada a prática, pelos corréus, dos apontados atos de improbidade administrativa contra princípios da Administração Pública (art. 11, da Lei n. 8.429/92), ficam os mesmos sujeitos, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, às cominações previstas no inciso III do art. 12 da Lei n. 8.429/92, as quais podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato, considerando-se a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.
Consoante anotado, na sentença foram aplicadas aos corréus as sanções de suspensão dos direitos políticos por três anos; proibição, pelo mesmo prazo, de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários; e multa civil equivalente à última remuneração percebida em seus respectivos cargos na administração municipal.
Destaque-se que as condutas ímprobas dos corréus foram perfeitamente individualizadas, justificando-se a aplicação das mesmas sanções, dada a equivalência, para o resultado, entre o desvalor da omissão e o das ações perpetradas, em face do dever de lealdade institucional e do atendimento aos princípios da legalidade e moralidade administrativa.
As sanções aplicadas na sentença encontram-se pautadas pelo prudente arbítrio do Juízo "a quo", em consonância com os princípios orientadores e critérios apontados na Lei de Improbidade Administrativa, impondo-se, de rigor, a sua manutenção.
Entretanto, merece parcial acolhida a apelação do corréu JOSÉ CARLOS, no que tange à condenação ao pagamento dos honorários de sucumbência em favor do Ministério Público Federal, em razão da vedação dos arts. 128, § 5º, II, "a", da Constituição da República; art. 44, I, da Lei n. 8.625/93; e art. 237, I, da Lei Complementar n. 75/93, mantendo-se, nos termos dos arts. 23 e 54, do Código de processo Civil, o pagamento da metade dos honorários fixados na sentença para União Federal, admitida como assistente litisconsorcial do Parquet.
Ante o exposto, REJEITO A MATÉRIA PRELIMINAR, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DE OSCAR YAZBEK E ERNANI NEY DA SILVA E DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DE JOSÉ CARLOS GOUVEIA FERREIRA, apenas para afastar a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência em favor do Ministério Público Federal, mantendo-se o pagamento da metade dos honorários fixados para União Federal, restando, no mais, mantida a sentença.
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