Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 27/05/2013
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0020219-72.2005.4.03.6100/SP
2005.61.00.020219-7/SP
RELATORA : Desembargadora Federal REGINA COSTA
APELANTE : OSCAR YAZBEK e outro
: ERNANI NEY DA SILVA
ADVOGADO : MARIA FERNANDA PESSATTI DE TOLEDO e outro
APELANTE : JOSE CARLOS GOUVEIA LEITAO FERREIRA
ADVOGADO : MARINO PAZZAGLINI FILHO e outro
APELADO : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : MARCOS JOSE GOMES CORREA e outro
APELADO : Uniao Federal
ADVOGADO : TÉRCIO ISSAMI TOKANO
No. ORIG. : 00202197220054036100 2 Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). PREFEITURA MUNICIPAL. UTILIZAÇÃO DE VERBA RECEBIDA DO FUNDO NACIONAL DE SAÚDE PARA OUTRAS FINALIDADES. LEIS 8.088/90 E 8.142/90. PROIBIÇÃO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA DE DOLO. AÇÃO E OMISSÃO OFENSIVAS A PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ART. 11, CAPUT E INCISO I, DA LEI 8.429/92). DESNECESSIDADE DA OCORRÊNCIA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO OU DE DANO MATERIAL AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. SUJEIÇÃO DOS RESPONSÁVEIS ÀS SANÇÕES PREVISTAS NO ART. 12, III, DA LEI 8.429/92. DOSIMETRIA. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. HONORÁRIOS EM FAVOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE.
I - Afastada a alegação de ocorrência de prescrição, porquanto, além de preclusa a matéria, a ação foi proposta no prazo de 5(cinco) anos, previsto no art. 23, I, da Lei n. 8.429/92.
II - Nos termos do art. 219, § 1º do Código de Processo Civil, aplicável à espécie, a interrupção da prescrição retroage à data da propositura da ação, não podendo a demanda ajuizada tempestivamente ser prejudicada por eventual demora decorrente dos serviços judiciários (Súmula 106/STJ).
III - Para a configuração dos atos de improbidade administrativa, que importem violação aos princípios da Administração Pública (Lei n. 8.429/92, art. 11) é dispensada a comprovação de dolo específico, sendo suficiente à caracterização de tais atos a demonstração de dolo genérico, consistente na violação voluntária e consciente dos deveres do agente público.
IV - A ação ou omissão praticada pelo agente público, com violação, dentre outros, dos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade, configura ato de improbidade administrativa (Lei n. 8.429/92, art. 11), independentemente da existência de enriquecimento ilícito do agente ou de dano ao patrimônio material ou econômico dos entes ou instituições em que estes atuem.
V - Restou comprovado que o Município de Embu das Artes, utilizou, entre 08.07.1999 e 14.09.2000, recursos recebidos do Fundo Nacional de Saúde, para pagamento das seguintes despesas não permitidas pelas Leis ns. 8.080/90 e 8.142/90: a) desassoreamento de trechos do rio Embu Mirim e seus afluentes; b) levantamento e apuração da dívida ativa do Município; c) fornecimento de mão-de-obra para reforma geral do Centro Esportivo; e d) locação de caminhão baú para atender à Secretaria do Meio Ambiente.
VI - Embora os recursos tenham sido aplicados para pagamento de serviços prestados ao Município, tais serviços não constituem ações ou serviços de saúde, de modo que restaram contrariadas as disposições das Leis n. 8.080/92 e 8.142/90, caracterizando, dada a presença de dolo, desvio de finalidade a configurar a ocorrência de improbidade administrativa, com ofensa ao dever de lealdade institucional e aos princípios da legalidade e da moralidade, não havendo, outrossim, justificativa apta a afastar a tipificação e a responsabilização estabelecidas nos arts. 11, caput e inciso I, e 12, III, da Lei n. 8.429/92.
VII - Com efeito, as Leis ns. 8.142/90 (art. 2º, IV e parágrafo único) e 8.080/90 (arts. 33, § 4º, 36, § 2º, e 52), proíbem a utilização de recursos destinados às ações e serviços de saúde, para atender outras despesas da Administração, não servindo de justificativa, para o desvio de finalidade dos recursos, as alegações de atendimento a situação emergencial, necessidades inadiáveis da comunidade e dificuldades financeiras da Prefeitura, porquanto, a par de não comprovadas, a natureza das despesas realizadas não diz com situações excepcionais de emergência ou calamidade pública, mas sim com a ineficiência na gestão dos recursos públicos municipais.
VIII - Verifica-se que o Prefeito e o Secretário de Finanças do Município, na época dos fatos, promoveram de forma voluntária, consciente e sem justificativa razoável, ou seja, com dolo ou má-fé, o desvio, proibido por lei, dos recursos oriundos do Fundo Nacional de Saúde, destinados à cobertura das ações e serviços de saúde no Município de Embu das Artes, para pagamento de outras despesas da Municipalidade, contrariando o dever de lealdade institucional, bem como os princípios da legalidade e da moralidade, de modo a restar configurada a prática de atos de improbidade administrativa, nos termos previstos no art. 11, I, da Lei n. 8.429/92.
IX - De outra parte, embora não comprovado que o então Secretário de Saúde e Presidente do Conselho de Saúde do Município tenha agido no sentido de desviar os recursos, restou caracterizada sua omissão voluntária e consciente em tomar as medidas que lhe eram exigíveis para evitar a transferência ou a ilegal utilização dos recursos destinados à saúde, cujos serviços, inclusive, encontravam-se deficientes (Lei n. 8.080/90, arts. 5º, 6º, 9º, III; 15, II; 18, III; 33, caput; 36, caput e Lei n. 8.142/90, arts. 4º e 2º, IV e parágrafo único),
X - Ora, sendo característico da omissão a abstenção de ação determinada pela ordem jurídica, há dolo e não culpa, quando o agente consciente e voluntariamente se abstém do dever legal de agir na preservação de bem que pelo ordenamento jurídico tinha o dever de tutelar, causando-lhe dano ou assumindo o risco de sua ocorrência.
XI - Assim, nas circunstâncias em que ocorrida, a omissão dolosa do então Secretário da Saúde configura ato de improbidade administrativa por violação ao dever de lealdade institucional e aos princípios da legalidade e da moralidade, consoante previsão do art. 11, caput, da Lei n. 8.429/92, uma vez que, ainda que não quisesse provocar dano, tinha consciência que seu comportamento omissivo poderia resultar em prejuízo ao patrimônio econômico e aos serviços do SUS, sendo certo a relevância da conduta omissiva para a perpetração dos desvios pelo outros corréus, bem como para a tardia recomposição dos valores desviados, ao Fundo de Saúde do Município.
XII - Configurada a prática, pelos apelantes, dos apontados atos de improbidade administrativa contra princípios da Administração Pública (art. 11, da Lei n. 8.429/92), ficam os mesmos sujeitos às cominações previstas no inciso III do art. 12 da Lei n. 8.429/92, devendo ser mantidas as sanções de suspensão dos direitos políticos por três anos; proibição, pelo mesmo prazo, de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário; e multa civil equivalente à última remuneração percebida em seus respectivos cargos na administração municipal.
XIII - As sanções aplicadas na sentença encontram-se em consonância com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, tendo as condutas ímprobas dos corréus sido perfeitamente individualizadas, justificando-se as mesmas sanções, dada a equivalência para a ocorrência do resultado, entre o desvalor da omissão e o das ações perpetradas, em face do dever de lealdade institucional e do atendimento aos princípios da legalidade e moralidade administrativa.
XIV - Reforma parcial da sentença, apenas para afastar, ante a expressa vedação constante dos arts. 128, § 5º, II, "a", da Constituição da República; art. 44, I, da Lei n. 8.625/93; e art. 237, I, da Lei Complementar n. 75/93, a condenação dos corréus ao pagamento de honorários em favor do Ministério Público Federal, mantendo-se, nos termos dos arts. 23 e 54, do Código de processo Civil, o pagamento da metade dos honorários fixados na sentença, para a União Federal, assistente litisconsorcial do Parquet.
XV - Matéria preliminar afastada. Sentença parcialmente reformada.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar, negar provimento à apelação de Oscar Yazbek e Ernani Ney da Silva e dar parcial provimento à apelação de José Carlos Gouveia Ferreira, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 16 de maio de 2013.
REGINA HELENA COSTA
Desembargadora Federal Relatora


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0020219-72.2005.4.03.6100/SP
2005.61.00.020219-7/SP
RELATORA : Desembargadora Federal REGINA COSTA
APELANTE : OSCAR YAZBEK e outro
: ERNANI NEY DA SILVA
ADVOGADO : MARIA FERNANDA PESSATTI DE TOLEDO e outro
APELANTE : JOSE CARLOS GOUVEIA LEITAO FERREIRA
ADVOGADO : MARINO PAZZAGLINI FILHO e outro
APELADO : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : MARCOS JOSE GOMES CORREA e outro
APELADO : Uniao Federal
ADVOGADO : TÉRCIO ISSAMI TOKANO
No. ORIG. : 00202197220054036100 2 Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Cuida-se de ação civil pública ajuizada em 12.09.2005, pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, em face de OSCAR YAZBEK, JOSÉ CARLOS GOUVEIA LEITÃO FERREIRA e ERNANI NEY DA SILVA, respectivamente, ex-Prefeito, ex-Secretário da Saúde e ex-Secretário de Finanças, do Município de Embú das Artes/SP, para que sejam condenados, pela prática de atos de improbidade administrativa a que se referem os arts. 10, XI, e 11, I, da Lei n. 8.429/92, aplicando-se-lhes as seguintes sanções: I) suspensão dos direitos políticos; II) pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano; III) proibição de contratar com o poder público, bem como receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta, ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de 5 (cinco) anos; e IV) multa civil calculada sobre o valor da última remuneração percebida nos respectivos cargos, conforme previsto no art. 12, II e III, da Lei n. 8.429/92.
Alega que, mediante auditoria efetivada por agentes do Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (SUS) - DENASUS, do Ministério da Saúde, no Município de Embu das Artes/SP, foram detectadas diversas irregularidades no funcionamento do sistema de saúde local, dentre as quais a utilização de recursos do SUS, oriundos do Fundo Nacional de Saúde, para pagamento de despesas diversas das permitidas pelas Leis ns. 8.080/90 e 8.142/90, decorrentes dos seguintes serviços: a) desassoreamento de trechos do rio Embu Mirim e seus afluentes; b) levantamento e apuração da dívida ativa do Município; c) fornecimento de mão-de-obra para reforma geral do Centro Esportivo do Jardim São Marcos; e d) locação de caminhão baú para atender à Secretaria do Meio Ambiente.
Aduz que os desvios na aplicação dos recursos destinados à área da saúde configuram a prática de atos de improbidade administrativa, devendo ser aplicadas aos requeridos, responsáveis, à época, pela administração municipal e desvio dos recursos, as sanções previstas no art. 12, II e III, da Lei n. 8.429/92.
À inicial foram acostados os documentos de fls. 18/586.
Notificados para os fins do art. 17, § 7º, da Lei n. 8.429/92, os requeridos OSCAR YAZBEK, ERNANI NEY DA SILVA e JOSÉ CARLOS GOUVEIA LEITÃO FERREIRA apresentaram defesa prévia, respectivamente às fls. 687/761, 652/658 e 793/810, esta última acompanhada dos documentos de fls. 811/1330.
A União Federal integrou a lide na qualidade de assistente litisconsorcial do Autor (fls. 662/663 e 664).
Mediante decisão de fls. 1332/1336, o Juízo singular afastou as preliminares aventadas e recebeu a petição inicial.
Regularmente citados, os réus OSCAR, ERNANI e JOSÉ CARLOS, ofertaram contestação às fls. 1347/1359, 1389/1399 e 1402/1436, respectivamente.
O Ministério Público Federal e a União Federal apresentaram réplica (fls. 1439/1444 e 1450/1460).
Instados a especificar provas (fl. 1461), o Ministério Público Federal requereu a oitiva de testemunhas (fls. 1464/1465), e a União Federal o depoimento pessoal dos réus, bem assim a oitiva das testemunhas arroladas pelo Parquet (fl. 1499).
Os réus ERNANI e OSCAR manifestaram-se respectivamente às fls. 1468/1480 e 1481/1486, apresentando documentos.
O réu JOSÉ CARLOS apresentou documentos e requereu o seu depoimento pessoal, a oitiva de testemunhas que arrolou, bem como a expedição de ofícios, aos órgãos estadual e municipal de saúde indicados, para que estes encaminhassem cópias das atas de reuniões realizadas no período de 1999 a 2000 (fls. 1487/1497).
Em saneador, foram rejeitadas as preliminares suscitadas, assim como a alegação de prescrição, tendo sido deferidos os requerimentos de produção de provas formulados pelas partes, bem como designada data para audiência de instrução para coleta dos depoimentos pessoais dos corréus e oitiva das testemunhas arroladas (fls. 1501/1504).
Às fls. 1514/1600, foi juntado ofício expedido pela Prefeitura de Embu das Artes, com cópias das atas das reuniões realizadas no período de 1999 a 2000, na Secretaria de Saúde do Município.
Na audiência de instrução restou aplicada, nos termos do § 1º, do art. 343, do Código de Processo Civil, a pena de confesso ao réu OSCAR, por não ter comparecido nem justificado sua ausência (fls. 1645/1647). Na sequência foram colhidos os depoimentos pessoais dos réus JOSÉ CARLOS (fls. 1648/1649) e ERNANI (fls. 1650/1650v.), bem como das testemunhas Edward Ladislau Ludkiewicz Neto (fls. 1651/1651v.), João de Deus Soares (fls. 1652/1652v.), Rita Florentina Santos (fls.1653/1654 ) e Cleisse Rodrigues (fls. 1655/1655v.), arroladas pelo Ministério Público Federal, e das testemunhas Neide Gonçalves Menoita Russo (fls. 1657/1657v.), Geraldo Leite da Cruz (fls. 1658/1659), Philippe Raymond Louis Giacobini (fls. 1660/1660v.) e Chirley Aparecida V. S. de Oliveira (fls. 1661/1661v.), arroladas pelo corréu José Carlos.
O Ministério Público Federal apresentou suas alegações finais (fls. 1665/1679), as quais foram encampadas pela União Federal (fls. 1694/1694v.).
As alegações finais também foram apresentadas pelos réus OSCAR e ERNANI (fls. 1695/1704), bem como pelo réu JOSÉ CARLOS (fls. 1706/1728).
O MM. Juízo "a quo" reiterou o afastamento das preliminares arguidas, bem como da aventada prescrição, e julgou parcialmente procedente o pedido, resolvendo o mérito com fulcro no art. 269, I, do Código de Processo Civil, para condenar os réus 1) OSCAR YAZBEK, 2) JOSÉ CARLOS GOUVEIA LEITÃO FERREIRA e 3) ERNANI NEY DA SILVA, por prática de improbidade administrativa, nos termos dos arts. 11, caput e inciso I, e 12, inciso III, da Lei n. 8.429/92, às seguintes sanções: I) suspensão dos direitos políticos por três anos; II) pelo mesmo prazo, proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário; e III) multa civil equivalente à última remuneração percebida em seus respectivos cargos na administração municipal de Embu.
Considerando a sucumbência mínima da parte autora, o magistrado sentenciante, condenou, ainda, cada um dos réus, ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 3.000,00 (três mil reais), corrigidos desde a propositura da ação, conforme disposto na Resolução CJF n. 134/2010, à luz do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil (fls. 1730/1740v).
Inconformados, os réus OSCAR e ERNANI interpuseram recurso de apelação, sustentando que a confissão ficta admite contraprova e que os elementos probatórios amealhados evidenciam a ausência de má-fé, bem como de obtenção de vantagem indevida e de prejuízo ao Erário. Asseveram que os recursos somente foram utilizados por causa de dificuldades financeiras da Prefeitura, mesmo assim, para a realização de ações inadiáveis em benefício da comunidade. Alegam a inexistência de prática de atos de improbidade a que se refere o art. 11 da Lei n. 8.429/92, requerendo a reforma da sentença, para julgar totalmente improcedente o pedido (fls. 1742/1758).
O réu JOSÉ CARLOS também interpôs recurso de apelação, reiterando a alegação de ocorrência de prescrição, suscitada em contestação, aduzindo que deixou o cargo em comissão, de Secretário de Saúde do Município de Embu das Artes, em 17.10.2000, sendo que o despacho que recebeu a inicial e determinou a citação dos requeridos foi proferido somente em 16.06.2008, ou seja, depois de escoado o prazo extintivo de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 23, I, da Lei n. 8.429/92 combinado com o art. 202, I, do Código Civil. No mais, sustenta a inexistência de ato de improbidade administrativa a ele imputável, porquanto a prova dos autos evidencia a ausência de má-fé ou dolo de sua parte, sendo que na própria sentença ficou reconhecido que ele não geria os recursos da Secretaria da Saúde, nem participou dos apontados desvios de verbas para outras áreas. Assevera, outrossim, que não tendo acesso às contas nem meios de exercer a correta fiscalização, não pode ser condenado pela prática de ato de improbidade com base no art. 11 da Lei n. 8.429/92, sendo que a imputada omissão, quanto ao dever de comunicar os desvios às autoridades competentes, configuraria, no máximo, negligência ou desídia, as quais não caracterizam dolo, nem mesmo eventual, indispensável na espécie. Alega, também, a desproporcionalidade das sanções, porquanto foi condenado, sem a devida individualização, nas mesmas penas dos demais corréus. Aduz, ainda, a impossibilidade de condenação ao pagamento de honorários, uma vez que a parte contrária é o Ministério Público Federal. Por fim, requer o provimento do recurso, para reformar a sentença, julgando-se improcedente a ação, em razão da prescrição ou da inexistência de ato de improbidade administrativa ou, ao menos, para reformar a sentença no que se refere às sanções aplicadas, bem como para excluir a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios (fls. 1760/1793).
O Ministério Público Federal apresentou contrarrazões, pugnando pelo improvimento total do recurso interposto pelos réus OSCAR e ERNANI, e pelo provimento parcial do recurso do réu JOSÉ CARLOS, apenas no tocante à impossibilidade de arbitramento de honorários advocatícios ao Parquet (fls. 1798/1828).
A União Federal também apresentou contrarrazões (fls. 1829/1835 e 1836/1842), requerendo o improvimento dos recursos interpostos.
Relatado o processo, submeto os autos à apreciação do Revisor, na forma regimental.


REGINA HELENA COSTA
Desembargadora Federal Relatora


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Data e Hora: 15/04/2013 15:36:52



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0020219-72.2005.4.03.6100/SP
2005.61.00.020219-7/SP
RELATORA : Desembargadora Federal REGINA COSTA
APELANTE : OSCAR YAZBEK e outro
: ERNANI NEY DA SILVA
ADVOGADO : MARIA FERNANDA PESSATTI DE TOLEDO e outro
APELANTE : JOSE CARLOS GOUVEIA LEITAO FERREIRA
ADVOGADO : MARINO PAZZAGLINI FILHO e outro
APELADO : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : MARCOS JOSE GOMES CORREA e outro
APELADO : Uniao Federal
ADVOGADO : TÉRCIO ISSAMI TOKANO
No. ORIG. : 00202197220054036100 2 Vr SAO PAULO/SP

VOTO

Trata-se de apelação interposta pelos corréus OSCAR YAZBEK e ERNANI NEY DA SILVA, bem como JOSÉ CARLOS GOUVEIA LEITÃO FERREIRA, contra sentença que, com fundamento nos arts. 11, I, e 12, III, da Lei n. 8.429/92, os condenou pela prática, quando ocupavam, respectivamente, os cargos de Prefeito, Secretário de Finanças e Secretário de Saúde do Município de Embu das Artes, de atos de improbidade administrativa por violação aos princípios da legalidade e da moralidade, em razão da utilização de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS), oriundos do Fundo Nacional de Saúde, para pagamento de despesas diversas das permitidas pelas Leis ns. 8.080/90 e 8.142/90, aplicando-lhes as seguintes sanções: I) suspensão dos direitos políticos por 3 (três) anos; II) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo período de 3 (três) anos; e III) multa civil equivalente à última remuneração percebida em seus respectivos cargos na administração municipal; além da condenação ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 3.000,00 (três mil reais), para cada um, corrigidos desde a propositura da ação, conforme disposto na Resolução CJF n. 134/2010, à luz do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil.

Inicialmente, destaco a presença das condições da ação e dos pressupostos processuais, tendo sido observadas, na espécie, as garantias do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, cabendo lembrar, outrossim, que o ajuizamento de ação de improbidade administrativa independe da existência de processo administrativo anterior, de modo que eventuais irregularidades neste último não contaminam o processo judicial (cf. STJ: AgRg no REsp 1.066.838/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 04.02.2011; e REsp 1.119.568/PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 23/09/2010).

Anoto que os fatos foram apresentados ao juízo por petição apta, sendo irrelevante eventual capitulação legal imprecisa ou equivocada do ato ímprobo, porquanto suficiente a adequada correlação entre a causa de pedir e o pedido, não havendo, outrossim, prejuízo à defesa, uma vez que os réus sempre se defendem dos fatos e não de sua capitulação legal (cf. STJ: REsp 817.557/ES, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 10.02.2010; e REsp 1.014.161/SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 20.09.2010).

Calha lembrar que a causa petendi firma-se na descrição dos fatos pela inicial, não maculando o princípio da congruência entre o pedido e a sentença, a diversa qualificação jurídica dada aos fatos pelo magistrado sentenciante.

De outra parte, afasto a prejudicial de mérito referente à ocorrência de prescrição, suscitada pelo corréu JOSÉ CARLOS, porquanto rejeitada em decisão proferida antes da sentença, restando preclusa a matéria, ante a ausência de oportuna impugnação pelo interessado.

Aliás, ainda que se considere reavivada a questão na sentença, não se verifica a aventada prescrição, uma vez que a ação foi proposta no prazo previsto na legislação de regência.

Com efeito, consoante o estatuído na Lei n. 8.429/92, as ações destinadas à aplicação das sanções previstas em seu art. 12 estão sujeitas ao prazo prescricional de 05 (cinco) anos (art. 21, I e II), exceto no tocante ao ressarcimento ao erário, tendo em vista a imprescritibilidade prevista no art. 37, § 5º, da Constituição da República (cf. STJ: REsp 1.067.561/AM, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 27.02.2009; REsp 801.846/AM, Primeira Turma, Rel. Min. Denise Arruda, DJe 12.02.2009; AgRg no REsp 1.038.103/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 04.05.2009; REsp 1.107.833/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 18.09.2009; e REsp 1.089.492/RO, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 18.11.2010).

No que se refere ao termo inicial do prazo extintivo, conforme o disposto no art. 23, I, da Lei n. 8.429/92, as ações de improbidade administrativa podem ser propostas até 5 (cinco) anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança.

No caso sob exame, JOSÉ CARLOS deixou o cargo comissionado de Secretário de Saúde do Município de Embú das Artes/SP em 17.10.2000, sendo que a presente ação foi proposta em 12.09.2005 (fl. 02), ou seja, dentro do prazo prescricional de 5 (cinco) anos, previsto no art. 23, I, da Lei n. 8.429/92.

Destaque-se que o fato de a notificação ou citação do requerido e demais corréus ter ocorrido após o referido lapso temporal, não implica a ocorrência do prazo extintivo, porquanto, nos termos do art. 219, § 1º, do Código de Processo Civil, aplicável à espécie, a interrupção da prescrição retroage à data da propositura da ação, não podendo a demanda ajuizada tempestivamente ser prejudicada por eventual demora decorrente dos serviços judiciários (Súmula 106/STJ).

Nesse sentido é a orientação do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, consoante denotam as seguintes ementas:


"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DECRETAÇÃO DE PRESCRIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RETROAÇÃO DOS EFEITOS DA CITAÇÃO À DATA DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. SÚMULA Nº 106/STJ. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. ART. 17, § 7º, DA LEI Nº 8.429/92. ATRIBUIÇÃO DO MAGISTRADO. PRERROGATIVA DE FORO. PRONUNCIAMENTO DO STF SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DA NOVEL REDAÇÃO DO ART. 84 DO CPP (LEI 10.628/02). CISÃO DE JULGAMENTOS.
1. O § 1º do art. 219 do CPC dispõe que 'A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação', a fortiori, a demanda ajuizada tempestivamente não pode ser prejudicada pela decretação de prescrição em razão da mora atribuível exclusivamente aos serviços judiciários.
2. Incidência da Súmula nº 106/STJ, verbis: 'Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência.'.
(...)
9. Recurso especial provido para afastar a prescrição, determinando o retorno dos autos ao juízo singular de origem, onde fora a ação inicialmente proposta, para seu regular processamento e julgamento de mérito."
(STJ, REsp 819.837/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 12.11.2007, p. 164 - destaques meus).
"ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - NOTIFICAÇÃO DE DEFESA PRÉVIA - ART. 17, § 7º, DA LEI 8.429/1992 - PRESCINDIBILIDADE - PRESCRIÇÃO - NÃO-OCORRÊNCIA - EX-PREFEITO - FORO PRIVILEGIADO - ADI 2797/DF - INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 10.628/2002 DECRETADA.
1. A falta da notificação prevista no art. 17, § 7º, da Lei 8.429/1992 não invalida os atos processuais ulteriores, salvo quando ocorrer efetivo prejuízo. Precedentes do STJ.
2. A citação válida do réu, ainda que ausente de notificação para defesa, interrompe o prazo prescricional, retroagindo, nos termos do art. 219, § 1º, do CPC, à data da propositura da ação.
3. Hipótese em que o mandato do ex-Prefeito se encerrou em 31.12.1996 e a ação civil pública foi proposta em 19.12.2001 (fl. 2), antes de expirado o quinquênio prescricional.
4. Em razão do julgamento da ADIn 2797 pelo STF, na qual foi declarada a inconstitucionalidade da Lei 10.628/2002, os autos devem retornar ao juiz de primeira instância, a quem caberá dar o impulso oficial para o processamento da ação movida contra ex-Prefeito.
5. Recurso especial provido."
(STJ, REsp 812.162/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 25.06.2009 - destaquei).

Afastada a prejudicial suscitada, passo à apreciação do mérito propriamente dito.

A Constituição da República de 1988, ao dispor sobre a Administração Pública estabelece, em seu art. 37, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 19/1998, o seguinte:

"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
§ 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento." (destaques meus).

Analisando o texto constitucional, no que diz com à natureza e o conceito de atos de improbidade administrativa, Alexandre de Moraes leciona:


"Atos de improbidade administrativa são aqueles que, possuindo natureza civil e devidamente tipificados em lei federal, ferem direta ou indiretamente os princípios constitucionais e legais da administração pública, independentemente de importarem enriquecimento ilícito ou de causarem prejuízo material ao erário público."
(Direito Constitucional, 24ª ed., São Paulo, Atlas, 2009, p. 366 - destaquei).

A Lei n. 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), na esteira do disposto no art. 37, § 4º, da Constituição, enumera, de forma exemplificativa, as condutas dos agentes públicos que configuram atos de improbidade administrativa, distinguindo entre os que: a) importem enriquecimento ilícito (art. 9º); b) causem prejuízo ao Erário (art. 10); e c) atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), impondo, aos responsáveis, independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, as cominações do art. 12, incisos I, II e III, respectivamente, as quais podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato, considerando-se a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

Reafirmando o disposto no art. 37, caput, da Constituição da República, em seu texto original, o art. 4º, da Lei n. 8.429/92, prescreve:


"Art. 4° Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos." (destaquei).

Cumpre anotar que, agente público, para efeitos da Lei de Improbidade Administrativa, é todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função, na administração direta, indireta ou fundacional de quaisquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território (Lei n. 8.429/92, arts. 1º e 2º).

Por sua vez, além dos agentes públicos, também está sujeito às disposições da Lei n. 8.429/92, aquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art. 3º).

No que se refere, especificamente, aos atos de improbidade administrativa que atentem contra os princípios da Administração Pública, o art. 11, I, da Lei n. 8.429/92, estabelece:


"Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;" (destaquei).

Por seu turno, o art. 12, III, da Lei n. 8.429/92, prevê as seguintes sanções ao responsável por ato de improbidade que atente contra os princípios da Administração Pública:


"Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).
(...)
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente." (destaques meus).

Impende destacar que, nos termos do art. 21, da Lei n. 8.429/92, com a redação dada pela Lei n. 12.120/09, a aplicação das sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa, independe, salvo quanto à pena de ressarcimento, da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público (inciso I), bem como da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas (inciso II).

Da interpretação dos dispositivos da Lei de Improbidade Administrativa extrai-se que a dispensa de ocorrência de dano ao patrimônio público, referida no art. 21, I, da Lei n. 8.429/92, tem a ver apenas com o aspecto material ou econômico deste, porquanto à luz do art. 5º, LXXIII, da Constituição e na esteira do art. 1º, § 1º, da Lei n. 4.717/65 (LAP), a concepção ampla de patrimônio público, no plano objetivo, diz com o conjunto de bens e direitos de natureza econômica, artística, estética, histórica, turística, cultural, ambiental e moral, todos eles, objeto de proteção.

A propósito das disposições contidas no art. 21 da Lei de Improbidade Administrativa, trago à colação o ensinamento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:


"No que diz respeito ao inciso II, referente ao Tribunal de Contas, a norma é de fácil compreensão. Se forem analisadas as competências do Tribunal de Contas, previstas no artigo 71 da Constituição, vai-se verificar que o julgamento das contas das autoridades públicas não esgota todas as atribuições daquele colegiado, estando previsto nos incisos I e II; a apreciação das contas obedece a critérios políticos e não significa a aprovação de cada ato isoladamente considerado; as contas podem ser aprovadas, independentemente de um ou outro ato ou contrato ser considerado ilegal. Além disso, como o Tribunal de Contas não faz parte do Poder Judiciário, as suas decisões não têm força de coisa julgada, sendo sempre passíveis de revisão pelo Poder Judiciário, com fundamento no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição.
Já a hipótese prevista no inciso I do artigo 21, que dispensa a ocorrência de dano para aplicação das sanções da lei, merece meditação mais cautelosa. Seria inconcebível punir-se uma pessoa se de seu ato não resultasse qualquer tipo de dano. Tem-se que entender que o dispositivo, ao dispensar o 'dano ao patrimônio público' utilizou a expressão patrimônio público em seu sentido restrito de patrimônio econômico. Note-se que a lei de ação popular (Lei nº 4.717/65) define patrimônio público como 'bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico' (art. 1º, § 1º), para deixar claro que, por meio dessa ação, é possível proteger o patrimônio público nesse sentido mais amplo. O mesmo ocorre, evidentemente, com a ação de improbidade administrativa, que protege o patrimônio público nesse sentido mais amplo.
Assim, o quis dizer o legislador, com a norma do art. 21, I, é que as sanções podem ser aplicadas mesmo que não ocorra dano ao patrimônio econômico. É exatamente o que ocorre ou pode ocorrer com os atos de improbidade previstos no art. 11, por atentado aos princípios da Administração Pública. A autoridade pode, por exemplo, praticar ato visando fim proibido em lei ou diverso daquele previsto na regra de competência (inciso I do art. 11); esse ato pode não resultar em qualquer prejuízo para o patrimônio público, mas ainda assim, constituir ato de improbidade, porque fere o patrimônio moral da instituição, que abrange as idéias de honestidade, boa-fé, lealdade, imparcialidade."
(Direito Administrativo, 22ª ed., São Paulo, Atlas, 2009, p. 821/822 - destaques meus).

Verifica-se que a ação ou omissão praticada pelo agente público, com violação, dentre outros, dos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, configura ato de improbidade administrativa (Lei n. 8.429/92, art. 11), independentemente da existência de enriquecimento ilícito do agente ou de dano ao patrimônio material ou econômico dos entes ou instituições.

De outra parte, dado o caráter sancionador da Lei n. 8.429/92, para a configuração do ato de improbidade administrativa é imprescindível a demonstração do elemento subjetivo na conduta do agente público, sob pena de caracterização de responsabilidade objetiva.

Nessa linha, trago, por oportuna, a lição de Marçal Justen Filho:


"A improbidade administrativa consiste na ação ou omissão intencionalmente violadora do dever constitucional de moralidade no exercício da função pública, tal como definido por lei."
(Curso de Direito Administrativo, 3ª ed. rev. e atual., São Paulo, Saraiva, 2008, p. 828 - destaquei).

Nessa esteira, a noção de improbidade encontra-se associada às idéias de desonestidade, deslealdade e de má-fé do agente público.

A propósito, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça assentou entendimento de que para a configuração de ato de improbidade administrativa, previsto na Lei n. 8.429/92, é necessária a demonstração de que o agente público agiu com dolo, nas condutas que importem enriquecimento ilícito (art. 9º) e nas que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), e de que agiu, ao menos, culposamente, nas ações ou omissões que causem prejuízo ao Erário (art. 10). Confiram-se, dentre outros, os seguintes julgados da Corte Superior:


"ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PREFEITO. ORDEM JUDICIAL. DESCUMPRIMENTO. VIOLAÇÃO AO ART. 11 DA LEI N. 8.429/92. AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO DO DOLO.
1. A jurisprudência atual desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade. A improbidade é a ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Assim, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92 é indispensável, para a caracterização de improbidade, que o agente tenha agido dolosamente e, ao menos, culposamente, nas hipóteses do artigo 10. Os atos de improbidade administrativa descritos no artigo 11 da Lei nº 8429/92, como visto, dependem da presença do dolo genérico, mas dispensam a demonstração da ocorrência de dano para a Administração Pública ou enriquecimento ilícito do agente.
(...)
3. Agravo regimental não provido."
(STJ, AgRg no REsp 1.352.541/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 14.02.2013 - destaques meus).
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EXIGÊNCIA DO DOLO, NAS HIPÓTESES DO ARTIGO 11 DA LEI 8.429/92 E CULPA, PELO MENOS, NAS HIPÓTESES DO ART. 10. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE CONSIGNA AUSÊNCIA DE CULPA E DE DOLO, AINDA QUE GENÉRICO, A CARACTERIZAR ATOS DE IMPROBIDADE. ALTERAÇÃO DAS PREMISSAS FÁTICAS CONSIGNADAS PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 7/STJ.
1. O STJ ostenta entendimento uníssono segundo o qual, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10. Precedentes: AgRg no AREsp 20.747/SP, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 23/11/2011; REsp 1.130.198/RR, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 15/12/2010; EREsp 479.812/SP, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, DJe 27/9/2010; REsp 1.149.427/SC, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 9/9/2010; e EREsp 875.163/RS, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 30/6/2010.
(...)
4. Agravo regimental não provido."
(STJ, AgRg no AREsp 55.315/SE, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 26.02.2013 - destaquei).

Assim, para a configuração dos atos de improbidade administrativa, que importem violação aos princípios da Administração Pública (Lei n. 8.429/92, art. 11), indispensável a comprovação do elemento subjetivo, ou seja, da intenção ou dolo, cabendo ressaltar, ser dispensada na hipótese, a existência de dolo específico, ou seja, intenção específica de violar princípios administrativos, porquanto suficiente, à caracterização de tais atos de improbidade, a demonstração de dolo genérico, consistente na violação voluntária e consciente dos deveres do agente, de forma injustificada (cf. STJ, EREsp 654.721/MT, Primeira Seção, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 01.09.2010).

A propósito, colha-se a orientação do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:


"ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONVÊNIO. UTILIZAÇÃO DA VERBA EM DESCONFORMIDADE COM O PREVISTO. ATO ÍMPROBO POR VIOLAÇÃO DOS DEVERES DE HONESTIDADE E LEGALIDADE E ATENTADO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DOLO OU CULPA. APLICAÇÃO DAS SANÇÕES COMINADAS ÀS HIPÓTESES DO ART. 11 DA LEI 8.429/1992.
1. Trata-se, na origem, de Ação Civil Pública ajuizada pelo MPMG contra o então Presidente da Associação de Integração Social de Itajubá, em razão de desvio de verbas públicas, para quitação de verbas trabalhistas, recebidas por meio de convênio celebrado com a Secretaria de Estado de Saúde - SUS/MG, no valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais). A destinação inicial do dinheiro era o custeio de atendimento de emergência do Hospital da Faculdade de Medicina de Itajubá.
2. Hipótese em que o Tribunal de origem reconheceu que foram realizados pagamentos fora do objeto do convênio.
3. A conduta do recorrido amolda-se aos atos de improbidade censurados pelo art. 11 da Lei 8.429/1992, pois vai de encontro aos princípios da moralidade administrativa e da legalidade.
4. De acordo com o entendimento da Segunda Turma, a configuração dos atos de improbidade que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11) exige a comprovação de dolo genérico.
5. O dano ao Erário não é elementar à configuração de ato de improbidade, na forma do art. 11 da Lei 8.429/1992. Precedentes do STJ.
6. O acórdão recorrido deixou de analisar, de maneira suficiente, os fatos relevantes à dosimetria da sanção a ser aplicada. Assim, caberá ao egrégio Tribunal a quo fixar as penas incidentes concretamente.
7. Recurso Especial parcialmente provido.
(STJ, REsp 1.141.721/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 19.05.2010 - destaques meus).

No caso sob exame, os corréus foram condenados pela prática, quando administravam o Município de Embu das Artes, de atos de improbidade administrativa, por violação aos princípios da legalidade e da moralidade, nos termos do art. 11, I, da Lei n. 8.429/92, em razão da utilização de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS), recebidos do Fundo Nacional de Saúde, para pagamento de despesas da Municipalidade diversas das permitidas pelas Leis ns. 8.080/90 e 8.142/90.

Nos termos estabelecidos pela Constituição da República, a saúde é direito social fundamental (art. 6º), imbricado com o direito à vida (art. 5º, caput), devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício (art. 196), mediante ações e serviços, de competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 23, II), que integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de forma descentralizada, tendo direção única em cada esfera de governo, com a participação da comunidade, com vista ao atendimento integral, com prioridade às atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais (art. 198, I a III).

Considerando a relevância do bem jurídico envolvido, o legislador constituinte cuidou de assegurar o financiamento do Sistema Único de Saúde mediante a alocação de recursos provenientes, dentre outras fontes, do Orçamento da Seguridade Social, bem como dos orçamentos dos entes federativos, os quais devem aplicar em ações e serviços públicos de saúde, um percentual mínimo de suas receitas, em consonância com as diretivas constitucionais (CR/88, art. 198, §§ 1º, 2º e 3º, art. 77, do ADCT, acrescido pela EC n. 29/00 e Lei Complementar n. 141/12).

No âmbito infraconstitucional, a Lei n. 8.080/90 estabeleceu as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como a organização e o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS), diploma complementado pela Lei n. 8.142/90, que disciplinou a participação da comunidade na gestão do SUS e as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde.

Conforme prescreve a Lei n. 8.080/90, o Sistema Único de Saúde (SUS) é constituído pelo conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público (art. 4º), sendo sua direção exercida no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde e no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente (art. 9º, incisos I, II e III).

Nos termos do art. 16, da Lei n. 8.080/90, compete à direção nacional do SUS, dentre outras atribuições, prestar cooperação técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o aperfeiçoamento da sua atuação institucional (inciso XIII); bem assim promover a descentralização para as Unidades Federadas e para os Municípios, dos serviços e ações de saúde, respectivamente, de abrangência estadual e municipal (inciso XV).

Por seu turno, consoante o disposto no art. 18 do mesmo diploma normativo, cabe à direção municipal do SUS, a par de outras incumbências, planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde (inciso I), o que inclui a administração dos recursos orçamentários e financeiros destinados à área de saúde do Município (art. 15, II).

O Sistema Único de Saúde (SUS) conta, também, em cada esfera de governo, com instâncias colegiadas, entre as quais, os Conselhos de Saúde, órgãos de caráter permanente e deliberativo, compostos por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, com atuação na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros (Lei n. 8.142/90, art. 1º, § 2º).

De outra parte, a Lei n. 8.080/90 prescreve que os recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) devem ser depositados em conta especial, em cada esfera de sua atuação, e movimentados sob fiscalização dos respectivos Conselhos de Saúde (art. 33, caput).

Na esfera federal, os recursos para financiamento do SUS provêm do Orçamento da Seguridade Social, de outros Orçamentos da União, além de outras fontes, sendo administrados pelo Ministério da Saúde, através do Fundo Nacional de Saúde (art. 33, § 1º, da Lei n. 8.080/90).

Por sua vez, a Lei n. 8.142/90 prevê, dentre outras aplicações, a alocação dos recursos do Fundo Nacional de Saúde (FNS) como cobertura das ações e serviços de saúde a serem implementados pelos Municípios, Estados e Distrito Federal, para o fim de investimentos na rede de serviços, cobertura assistencial ambulatorial e hospitalar e demais ações de saúde (art. 2º, IV e parágrafo único).

Nos termos estabelecidos pelo art. 36 da Lei n. 8.080/90, no processo de planejamento e orçamento do Sistema Único de Saúde, devem ser ouvidos os órgãos deliberativos das respectivas esferas de governo, compatibilizando-se as necessidades da política de saúde com a disponibilidade de recursos, em planos de saúde (caput), os quais constituem a base das atividades e programações em cada nível de direção do SUS (§ 1º), sendo expressamente vedada a transferência de recursos para o financiamento de ações nele não previstas, exceto em situações emergenciais ou de calamidade pública, ainda assim, para emprego na própria área de saúde (§ 2º).

Remarcando a vedação da aplicação de recursos financeiros do SUS em outras áreas, a Lei n. 8.088/90 dispõe:


"Art. 52. Sem prejuízo de outras sanções cabíveis, constitui crime de emprego irregular de verbas ou rendas públicas (Código Penal, art. 315) a utilização de recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) em finalidades diversas das previstas nesta lei."

Verifica-se que o Sistema Único de Saúde (SUS), nos moldes em que normativamente estruturado, estabelece a vinculação dos recursos dos Fundos de Saúde à execução de ações e serviços de saúde especificados nos arts. 5º e 6º da Lei n. 8.080/92, cabendo ao Ministério da Saúde acompanhar, através de seu sistema de auditoria, a conformidade da aplicação dos recursos do Fundo Nacional de Saúde repassados a Estados e Municípios, prevendo a adoção das medidas legais pertinentes, em caso de malversação, desvio, ou não aplicação dos recursos (art. 33, § 4º, da Lei n. 8.080/90).

Consoante destacado na sentença, é fato incontroverso ter havido a utilização, pelo Município de Embu das Artes, de recursos destinados ao SUS, recebidos do Fundo Nacional de Saúde, depositados na conta-corrente n. 50041-4, da Gestão Plena do Sistema Municipal, para pagamento de despesas efetuadas pela Municipalidade para finalidades diversas das permitidas pelas Leis ns. 8.080/90 e 8.142/90.

Assim é que, consoante demonstrado nos autos, entre 08.07.1999 e 14.09.2000, foram utilizados R$ 71.278,40 da referida conta (fl. 59), para pagamento das seguintes despesas: a) desassoreamento de trechos do rio Embu Mirim e seus afluentes (08.07.1999 - fl. 557); b) levantamento e apuração da Dívida Ativa do Município (08.11.1999 - fl. 581); c) fornecimento de mão-de-obra para reforma geral do Centro Esportivo do Jardim São Marcos (08.11.1999 - fls. 583/585, 1167 e 1172); e d) locação de caminhão baú para atender à Secretaria do Meio Ambiente (14.09.2000 - fls. 571/574).

Embora os recursos tenham sido aplicados para pagamento de serviços prestados ao Município, tais serviços não constituem ações ou serviços de saúde, de modo que restaram contrariadas as diretivas constitucionais, bem como as disposições das Leis n. 8.080/90 e 8.142/90, caracterizando, dada a presença de dolo, adiante demonstrado, desvio de finalidade a configurar a ocorrência de improbidade administrativa, com ofensa ao dever de lealdade institucional e aos princípios da legalidade e da moralidade, não havendo, outrossim, justificativa apta a afastar a tipificação e a responsabilização estabelecidas nos arts. 11, caput e inciso I, e 12, III, da Lei n. 8.429/92.

Com efeito, consoante apontado, o art. 2º, IV e parágrafo único, da Lei n. 8.142/90, bem como os arts. 33, § 4º, 36, § 2º, e 52, da Lei n. 8.080/90, proíbem a utilização de recursos destinados às ações e serviços de saúde, para atender outras despesas da Administração, não servindo de justificativa, para o desvio de finalidade dos recursos, as alegações de atendimento a situação emergencial, necessidades inadiáveis da comunidade e dificuldades financeiras da Prefeitura, porquanto, a par de não comprovadas, a natureza das despesas realizadas não diz com situações excepcionais de emergência ou calamidade pública, mas sim com ineficiência na gestão dos recursos municipais.

A par da ilegalidade decorrente do desvio de finalidade, a aplicação dos recursos pertencentes à área da saúde, em favor de serviços prestados em outras áreas, revela-se, também, ante a aventada dificuldade financeira por que passava a Prefeitura, contrária à moralidade administrativa, na medida em que o pagamento dos fornecedores de tais serviços deu-se em detrimento ao das ações e serviços de saúde à população do Município de Embu das Artes, serviços estes, que se encontravam, na época, segundo apurado em auditoria realizada pelo Ministério da Saúde (fls. 24/98), com diversos problemas, dentre os quais, os seguintes:

"- Unidades Básicas de Saúde mal equipadas e instalações impróprias para uso.
- Carga horária dos médicos incompatível com as necessidades da população.
- Não tem Central para marcação de consultas.
- As Farmácias das Unidades são desorganizadas, com presença de medicamentos vencidos.
- Ausência de controle do quantitativo de recursos humanos que atua na rede.
- Programa de Controle de Carência Nutricional é administrado equivocadamente pelo Fundo Social de Solidariedade e não faz a cobertura prevista na portaria.
- O Programa de Controle de Carência Nutricional não distribui óleo de soja.
- Os indicadores de atendimento à Saúde da Mulher no ano de 2000 foram inferiores ao ano de 1999.
- Não possui Laboratório de Análises Clínicas, os exames são feitos no Hospital Regional de Pirajussara.
- Cobrança indevida de procedimento do Grupo 17 (SAI) Mapeamento Ambulatorial da Pressão Arterial.
- Número insuficiente de leitos para maternidade (02).
- Não existe referência que garanta o local para realização dos partos para as mulheres que fizeram pré natal na Rede.
- No ano de 2000 o índice de cárie em crianças menores de 5 anos piorou em relação ao ano de 1997, devido principalmente a falta de recursos humanos.
- Assistência odontológica está voltada basicamente às ações de prevenção, atingindo a minoria dos escolares.
- Não há indicadores confiáveis para avaliar a Saúde Bucal." (fl. 96).

A corroborar a precariedade dos serviços de saúde do Município no período enfocado, confira-se o seguinte trecho do depoimento da testemunha Geraldo Leite da Cruz, ex-Vereador e ex-Prefeito de Embu das Artes:


"...que a qualidade dos serviços de saúde do município de Embu na época do prefeito Oscar era ruim, sendo que quase sofreu intervenção do Ministério da Saúde e do Governo do Estado." (fls. 1658/1659).

Ora, a situação de deficiência dos serviços de saúde prestados aos cidadãos no período em questão, pelo Município de Embu das Artes, não se coaduna com a opção pelo desvio para outras áreas, dos recursos de serviços constitucionalmente prioritários, atinentes ao direito à vida, configurando tal escolha, além de ilegal, verdadeira deslealdade institucional, contrária à moralidade administrativa.

Como bem anotado pelo magistrado sentenciante, o fato de os valores utilizados em outros serviços do Município terem sido, posteriormente, repostos pela Prefeitura, na conta específica destinada à saúde (fls. 268/269), diz com a inexistência de ocorrência de prejuízo ao Erário, porém não afasta a configuração da improbidade administrativa por ofensa aos princípios da Administração Pública, sendo impossível, outrossim, mensurar os prejuízos à saúde e vida dos munícipes prejudicados pela não aplicação dos recursos desviados naquela época.

No que se refere à consequente responsabilização, cumpre destacar que, na época em que praticados atos de improbidade em questão, os corréus OSCAR, JOSÉ CARLOS e ERNANI ocupavam, consoante retratado nos autos, respectivamente, os cargos de Prefeito, Secretário da Saúde e Secretário de Finanças do Município de Embú das Artes.

Conforme registrado na sentença, o corréu OSCAR, a quem foi aplicada a pena de confesso, não nega participação na liberação dos recursos financeiros do SUS para as finalidades apontadas, tal como descrito na inicial, limitando-se, assim como o corréu ERNANI, a trazer justificativas e a sustentar a inexistência de ato de improbidade.

De fato, os elementos probatórios coligidos dão conta de que os corréus OSCAR e ERNANI eram responsáveis pela movimentação das contas municipais (fls. 47 e 1494/1497), tendo tido participação direta e consciente, nos atos de improbidade administrativa sob exame, conforme devidamente esquadrinhado na sentença.

A propósito, da atuação do corréu OSCAR colham-se os seguintes trechos da sentença:


"Em sua contestação, o réu não nega participação na liberação dos recursos da saúde irregularmente, tal como descrito na inicial, pretendendo apenas justificar sua conduta com base em suposta inexigibilidade de conduta diversa diante da grave situação financeira vivida pelo município de Embu quando do início de sua gestão.
No entanto, esta suposta excludente de ilicitude não foi comprovada pelo réu e nem meras dificuldades financeiras justificariam, como já antes registrado, a opção de desviar recursos da saúde para outras áreas (...)
No mais, a testemunha Rita Florentina Santos (fls. 1693-1694) asseverou que 'as ordens de pagamento relacionadas às contas do município eram dadas apenas pelo secretário de finanças ou pelo secretário adjunto daquela pasta, sendo que, na ausência destes, diretamente pelo prefeito; que cartões de assinatura para fins bancários existiam em nome do prefeito e do secretário de finanças', o que confirma a participação direta do então prefeito nos atos administrativos ímprobos verificados.
Tal fato foi corroborado também pelas testemunhas Cleisse Rodrigues (fls. 1695-1696) e Neide Gonçalves Menoita Russo (fls. 1697 frente e verso.), sendo que esta deixou claro que 'as liberações de recursos na administração do prefeito Oscar Yasbek eram centralizadas no gabinete do prefeito e na secretaria de finanças.'" (fl. 1737v.).

Por sua vez, quanto a atuação do corréu ERNANI, merece destaque a seguinte passagem da sentença:


"Era Secretário de Finanças na época dos fatos, sendo um dos indicados para movimentar contas pelo ente, incluindo as contas do Fundo Municipal de Saúde (fl. 42).
Em seu depoimento pessoal (fls. 1650 frente e verso), foi categórico a reconhecer a prática dos atos de improbidade, dizendo: 'os recursos da saúde do município eram utilizados apenas com esta finalidade como regra, sendo que, no caso específico em discussão nesta ação, foi necessário utilizar recursos da saúde para outras obras emergenciais, tais como: desassoreamento do rio Embu Guaçu, locação de caminhão para auxílio no desassoreamento e o levantamento da dívida do município'.
Apesar de, neste depoimento pessoal, dizer que não sabia de quem partiu a ordem de utilizar as verbas da saúde para outras finalidades, as testemunhas já antes referidas, tal como disseram quanto ao prefeito, confirmam a participação do secretário de finanças em tais liberações.
O corréu, em sua contestação, assume ter a Administração municipal ter feito conscientemente tais desvios de recursos da saúde para outras despesas descritas na inicial.
Ademais, foram as testemunhas firmes ao registrarem que 'apenas o secretário de Finanças e o Prefeito é que determinavam aos funcionários a forma e as contas a serem utilizadas para pagamento de despesas' (fl. 264, confirmada no depoimento judicial)." (fls. 1739/1740).

Remarque-se não servir de justificativa para o desvio de recursos da área da saúde, expressamente proibido pelo art. 2º, IV e parágrafo único, da Lei n. 8.142/90, bem como pelos arts. 33, § 4º, 36, § 2º, e 52, da Lei n. 8.080/90, a alegação de dificuldades financeiras da Prefeitura e de necessidade de atendimento a situação emergencial ou de necessidades inadiáveis da comunidade, porquanto, além de não demonstrada a existência de situação de emergência ou calamidade pública, as despesas realizadas com os recursos desviados não possuem características de urgência.

Assim, verifica-se que os corréus OSCAR e ERNANI promoveram de forma voluntária, consciente e sem justificativa razoável, ou seja, com dolo ou má-fé, o desvio, proibido por lei, dos recursos oriundos do Fundo Nacional de Saúde destinados à cobertura das ações e serviços de saúde no Município de Embu das Artes, para pagamento de outras despesas da Municipalidade, contrariando o dever de lealdade institucional, bem como os princípios da legalidade e da moralidade, de modo a restar configurada a prática de 4 (quatro) atos de improbidade administrativa, nos termos previstos no art. 11, I, da Lei n. 8.429/92.

Nessa linha, não procede a alegação dos Apelantes, de ausência de má-fé, cabendo, ainda, sublinhar, que a configuração de ato de improbidade administrativa contra princípios que regem a Administração Pública independe de obtenção de vantagem indevida pelos agentes e da existência de prejuízo ao Erário.

De outra parte, também andou bem o Juízo "a quo" ao reconhecer que, embora não comprovado que o corréu JOSÉ CARLOS tenha agido no sentido de desviar os recursos da área de saúde para outras finalidades, restou caracterizado que o então Secretário de Saúde do Município incorreu em omissão configuradora de improbidade administrativa prevista no art. 11 da Lei n. 8.429/92, por deixar, tendo ciência dos fatos, de tomar as medidas que lhe eram exigíveis para evitar a ilegal utilização dos recursos da pasta da saúde, cujos serviços encontravam-se deficientes.

A propósito, confiram-se os seguintes trechos da sentença:

"Com efeito, não há provas demonstrando que o corréu José Carlos geria de fato os serviços da área de saúde, sendo que, ao que parece, apenas atuava solicitando material e investimentos, bem como indicando as necessidades, sendo que as demais atividades de contratação e liberação de verbas eram feitas pelos outros órgãos acima descritos.
(...)
No entanto, de outro lado, há omissão imputável neste caso, tendo em vista que, como Secretário de Saúde, cabia-lhe fiscalizar a aplicação dos recursos específicos do Fundo de Saúde. Era, na verdade, o principal responsável por tal controle ao lado do prefeito.
Apesar disso, a testemunha RITA disse em seus dois depoimentos acima mencionados que o corréu 'tinha conhecimento do pagamento de despesas alheias à sua pasta com recursos do SUS' (fl. 246), nada tendo sido por ele feito para evitar ou tentar fazer com que não fossem feitos os desvios dos recursos de sua pasta.
De fato, não há como deixar de reconhecer que o Secretário de Saúde, conforme atas de reuniões de fls. 1517-1600), tinha pleno conhecimento de que verbas da saúde foram utilizadas para despesas de outras áreas.
Diante de tais ilegalidades, tinha o então secretário o dever de comunicar os desvios às autoridades competentes, como corolário de sua obediência aos princípios da legalidade e da moralidade pública.
Afinal, como responsável pela área da Saúde do município de Embu na época dos fatos narrados na inicial, deveria ser o primeiro a evitar toda e qualquer má aplicação dos recursos da pasta, cujos serviços à população, como visto, estavam 'sucateado'." (fls. 1738/1739 - destaques meus).

Com efeito, nos termos do arts. 9º, III; 15, II; e 18, I, da Lei n. 8.088/90, cabia a JOSÉ CARLOS, na condição de Secretário de Saúde, a direção municipal do SUS, competindo-lhe o planejamento, organização, controle e avaliação das ações e os serviços de saúde, bem com a gestão e execução dos serviços públicos de saúde, incluindo a administração dos recursos orçamentários e financeiros destinados à referida área.

Ademais, JOSÉ CARLOS também presidia, na época dos fatos, o Conselho Municipal de Saúde (fls. 1519 e 1546), órgão colegiado atuante na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde do Município, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros (Lei n. 8.142/90, art. 1º, § 2º).

Apesar de suas atribuições legais, JOSÉ CARLOS, não fez valer sua competência e, mesmo sabendo dos desvios dos recursos recebidos do Fundo de Saúde, para outras finalidades (cf. Atas de fls. 1519/1525, 1526/1534, 1535/1540), deixou de adotar as medidas que lhe eram exigíveis para evitar sua transferência ou utilização ilegal (arts. 4º e 2º, IV e parágrafo único, da Lei n. 8.142/90), assumindo o risco da ocorrência do evento danoso.

Ora, sendo característico da omissão a abstenção de ação determinada pela ordem jurídica, ao contrário do sustentado, há dolo e não culpa, quando o agente, como na espécie, consciente e voluntariamente se abstém do dever legal de agir na preservação de bem que pelo ordenamento jurídico tinha o dever de tutelar, causando-lhe dano ou assumindo o risco de sua ocorrência.

Por oportuno, colham-se da doutrina as seguintes lições:


"Modernamente, o conceito de dolo alargou-se, convergindo a doutrina no sentido de caracterizá-lo na conduta antijurídica, sem que o agente tenha o propósito de prejudicar. Abandonando a noção tradicional do animus nocendi (ânimo de prejudicar), aceitou que a sua tipificação delimita-se no procedimento danoso, com a consciência do resultado. Para a caracterização do dolo não há mister perquerir se o agente teve o propósito de causar o mal. Basta verificar se dele procedeu consciente de que o seu comportamento poderia ser lesivo." (Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade Civil, 3ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1992, p. 66).
"Mas tem-se entendido que a omissão adquire relevância jurídica, e torna o omitente responsável, quando este tem o dever jurídico de agir, de praticar um ato para impedir o resultado, dever, esse, que pode advir da lei, do negócio jurídico ou de uma conduta anterior do próprio omitente, criando o risco da ocorrência do resultado, devendo, por isso, agir para impedi-lo.
Em casos tais, não impedir o resultado significa permitir que a causa opere. O omitente coopera na realização do evento com uma condição negativa, ou deixando de movimentar-se, ou não impedindo que o resultado se concretize (Paulo José da Costa Jr., Curso de Direito Penal, v. I/66, Saraiva, 1991).
Em suma, só pode ser responsabilizado por omissão quem tinha o dever jurídico de agir, vale dizer, estiver numa situação jurídica que o obrigue a impedir a ocorrência do resultado." (Sérgio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil, 9ª ed., São Paulo, Atlas, 2010, p. 24/25).

Dessa forma, caracterizada, na espécie, omissão dolosa ou má-fé do então Secretário da Saúde, uma vez que, ainda que não quisesse provocar dano, tinha consciência que seu comportamento omissivo poderia resultar em prejuízo ao patrimônio econômico e aos serviços do SUS, sendo certo que os valores desviados foram recompostos ao Fundo de Saúde do Município somente em 2004 (fl. 268).

Nas referidas circunstâncias, a omissão intencional e consciente do corréu JOSÉ CARLOS em tomar as medidas que lhe eram exigíveis contra o desvio para outras finalidades dos recursos destinados à saúde, cujos serviços, inclusive, encontravam-se deficientes, configura ato de improbidade administrativa por violação ao dever de lealdade institucional e aos princípios da legalidade e da moralidade, consoante previsão do art. 11, caput, da Lei n. 8.429/92.

Cumpre anotar a relevância da omissão de JOSÉ CARLOS, para que os corréus OSCAR e ERNANI utilizassem, ilegalmente, para outras finalidades, as verbas destinadas à saúde, bem assim para recomposição tardia dos recursos.

Nesse quadro, configurada a prática, pelos corréus, dos apontados atos de improbidade administrativa contra princípios da Administração Pública (art. 11, da Lei n. 8.429/92), ficam os mesmos sujeitos, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, às cominações previstas no inciso III do art. 12 da Lei n. 8.429/92, as quais podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato, considerando-se a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

Consoante anotado, na sentença foram aplicadas aos corréus as sanções de suspensão dos direitos políticos por três anos; proibição, pelo mesmo prazo, de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários; e multa civil equivalente à última remuneração percebida em seus respectivos cargos na administração municipal.

Destaque-se que as condutas ímprobas dos corréus foram perfeitamente individualizadas, justificando-se a aplicação das mesmas sanções, dada a equivalência, para o resultado, entre o desvalor da omissão e o das ações perpetradas, em face do dever de lealdade institucional e do atendimento aos princípios da legalidade e moralidade administrativa.

As sanções aplicadas na sentença encontram-se pautadas pelo prudente arbítrio do Juízo "a quo", em consonância com os princípios orientadores e critérios apontados na Lei de Improbidade Administrativa, impondo-se, de rigor, a sua manutenção.

Entretanto, merece parcial acolhida a apelação do corréu JOSÉ CARLOS, no que tange à condenação ao pagamento dos honorários de sucumbência em favor do Ministério Público Federal, em razão da vedação dos arts. 128, § 5º, II, "a", da Constituição da República; art. 44, I, da Lei n. 8.625/93; e art. 237, I, da Lei Complementar n. 75/93, mantendo-se, nos termos dos arts. 23 e 54, do Código de processo Civil, o pagamento da metade dos honorários fixados na sentença para União Federal, admitida como assistente litisconsorcial do Parquet.

Ante o exposto, REJEITO A MATÉRIA PRELIMINAR, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DE OSCAR YAZBEK E ERNANI NEY DA SILVA E DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DE JOSÉ CARLOS GOUVEIA FERREIRA, apenas para afastar a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência em favor do Ministério Público Federal, mantendo-se o pagamento da metade dos honorários fixados para União Federal, restando, no mais, mantida a sentença.



REGINA HELENA COSTA
Desembargadora Federal Relatora


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