Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 04/04/2013
HABEAS CORPUS Nº 0002951-88.2013.4.03.0000/SP
2013.03.00.002951-1/SP
RELATORA : Juíza Convocada TÂNIA MARANGONI
IMPETRANTE : PAULO BALTAZAR DINIZ
: IVAN PAULO ORTIZ PEREIRA
PACIENTE : PAULO BALTAZAR DINIZ
: IVAN PAULO ORTIZ PEREIRA
ADVOGADO : RODRIGO FERNANDO MACHADO CHAVES
IMPETRADO : PROCURADOR DA REPUBLICA EM SAO JOSE DO RIO PRETO ALVARO STIPP
No. ORIG. : 20.12.00028-5 DPF Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

EMENTA

HABEAS CORPUS - PENAL - PROCESSO PENAL - TRANCAMENTO INQUÉRITO POLICIAL - CIRCUNSTÂNCIAS EXCEPCIONAIS - INOCORRÊNCIA - AUSÊNCIA DE DOLO - IMPOSSIBILIDADE DO COMETIMENTO DO DELITO DE DESOBEDIÊNCIA POR SERVIDOR PÚBLICO - RESERVA DO POSSÍVEL - APROFUNDADO EXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO - VIA INADEQUADA - ORDEM DENEGADA.
1 - Uma vez constatada a existência de diversas ordens judiciais e requisições ministeriais não cumpridas e estabelecido que o cumprimento das ordens estaria entre as atribuições dos ora pacientes, não se mostra ilegal ou abusiva a instauração de inquérito para a apuração de eventual ocorrência do delito de desobediência ou similar.
2 - Por outro lado, a análise quanto à impossibilidade material para o cumprimento das determinações judiciais e a ausência do dolo para o cometimento do delito demanda um exame mais aprofundado das provas, o que se mostra inviável em sede de habeas corpus.
3 - Se mostra perfeitamente possível a prática do delito de desobediência por funcionário publico, sendo certo, ademais, que a conduta imputada aos pacientes poderia se adequar, em tese, a um tipo penal diverso, não se mostrando, no presente momento, patentemente atípica.
4 - Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, denegar a ordem, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 25 de março de 2013.
TÂNIA MARANGONI
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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HABEAS CORPUS Nº 0002951-88.2013.4.03.0000/SP
2013.03.00.002951-1/SP
RELATORA : Juíza Convocada TÂNIA MARANGONI
IMPETRANTE : PAULO BALTAZAR DINIZ
: IVAN PAULO ORTIZ PEREIRA
PACIENTE : PAULO BALTAZAR DINIZ
: IVAN PAULO ORTIZ PEREIRA
ADVOGADO : RODRIGO FERNANDO MACHADO CHAVES
IMPETRADO : PROCURADOR DA REPUBLICA EM SAO JOSE DO RIO PRETO ALVARO STIPP
No. ORIG. : 20.12.00028-5 DPF Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de ordem de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrada por PAULO BALTAZAR DINIZ e IVAN PAULO ORTIZ PEREIRA, em benefício próprio e representados por Rodrigo Fernando Machado Chaves, procurador federal, sob o argumento de que estariam submetidos a constrangimento ilegal por parte da Procuradoria da República em São José do Rio Preto - SP.

Consta dos autos, em síntese, que os Pacientes são servidores públicos federais e a autoridade impetrada teria requisitado a instauração de inquérito policial, com o fim de apurar a prática do delito de desobediência, descrito no artigo 330, do Código Penal, em razão do não atendimento de diversos ofícios contendo requerimentos ministeriais e ordens judiciais para que fossem realizadas fiscalizações pelo IBAMA em determinadas áreas.

Alegam os impetrantes que as fiscalizações não teriam sido realizadas em razão da inexistência de recursos financeiros, decorrente de contingenciamento por parte do Governo Federal e limitações orçamentárias, não havendo dolo por parte dos pacientes para a prática do delito de desobediência.

Afirmam que a determinação judicial não tem o condão de criar orçamento, aumentar o número de servidores do IBAMA ou fazer cessar o desmatamento da Amazônia, e sua obediência deve observar ao princípio da continuidade do serviço público e da reserva do possível.

Aduzem a impossibilidade de servidores públicos figurarem como sujeitos ativos do delito de desobediência.

Requereram a concessão da medida liminar para que se determine o trancamento do inquérito policial e, ao final, a concessão da ordem tornando definitiva a liminar concedida.

Juntaram os documentos de fls. 22/156.

A liminar foi indeferida às fls. 158/159verso.

As informações foram prestadas às fls. 163/165 e 167/170.

O parecer Ministerial é pela denegação da ordem (fls. 171/172)


VOTO

A ação de habeas corpus tem pressuposto específico de admissibilidade, consistente na demonstração primo ictu oculi da violência atual ou iminente, qualificada pela ilegalidade ou pelo abuso de poder, que repercuta, mediata ou imediatamente, no direito à livre locomoção, conforme previsão do art. 5º, inc. LXVIII, da Constituição Federal e art. 647 do Código de Processo Penal.

Ainda, cabe apontar que, tanto o Supremo Tribunal Federal, quanto o Superior Tribunal de Justiça já se manifestaram no sentido da excepcionalidade do trancamento do inquérito policial ou da ação penal, como segue:

"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ENCAMINHAMENTO DE DOCUMENTOS PARA A POLÍCIA FEDERAL E A OAB/SP. DEFICIÊNCIA NA INSTRUÇÃO DO WRIT. NÃO-CONHECIMENTO. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL . EXCEPCIONALIDADE. EVIDÊNCIA DE INOCÊNCIA, ATIPICIDADE OU EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO-CONFIGURADO. ORDEM NÃO-CONHECIDA. 1. O habeas corpus, em sua estreita via, deve vir instruído com todas as provas pré-constituídas que permitem sua análise, uma vez que não se admite dilação probatória. 2. Conforme pacífico magistério jurisprudencial, somente se admite o trancamento de inquérito policial ou da ação penal, por falta de justa causa, quando desponta, evidentemente, a inocência do indiciado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade. 3. Ordem não-conhecida."(HC 200901831619, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:29/03/2010.)
"EMENTA: HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL PARA APURAÇÃO DE LAVAGEM DE DINHEIRO. ATIPICIDADE DOS FATOS. IMPROCEDÊNCIA. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de só admitir o trancamento de ação penal e de inquérito policial em situações excepcionais. Situações que se reportem a conduta não-constitutiva de crime em tese, ou quando já estiver extinta a punibilidade, ou ainda, se inocorrentes indícios mínimos da autoria. Precedente: HC 84.232-AgR. 2. Todo inquérito policial é modalidade de investigação que tem seu regime jurídico traçado a partir da Constituição Federal, mecanismo que é das atividades genuinamente estatais de "segurança pública". Segurança que, voltada para a preservação dos superiores bens jurídicos da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, é constitutiva de explícito "dever do Estado, direito e responsabilidade de todos" (art. 144, cabeça, da C.F.). O que já patenteia a excepcionalidade de toda medida judicial que tenha por objeto o trancamento de inquérito policial . Habeas corpus indeferido. (HC 87310, CARLOS BRITTO, STF)

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O SEU PROSSEGUIMENTO. A AUTORIA E A MATERIALIDADE DO ILÍCITO. VIA ELEITA INADEQUADA. EXAME DE FATOS E PROVAS. 1. O trancamento da ação penal pela via do habeas corpus é medida de exceção que só se admite quando evidenciada, de plano, a atipicidade do fato, a ausência de indícios que fundamentem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade. 2. A verificação acerca da procedência ou improcedência da questão deduzida demanda inevitavelmente o exame aprofundado das provas, o que não se coaduna com o caminho eleito, que requer demonstrações inequívocas das alegações. 3. Ordem denegada.(HC 200500853099, OG FERNANDES, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:22/09/2008.)

No caso dos autos, depreende-se que os impetrantes pretendem o trancamento do inquérito policial, e alegam, em síntese, a impossibilidade do cumprimento das ordens judiciais em decorrência de restrições orçamentárias, de ausência de dolo e da impossibilidade do servidor público figurar como sujeito ativo de delito de desobediência.

Sem razão, contudo. Uma vez constatada a existência de diversas ordens judiciais e requisições ministeriais não cumpridas e estabelecido que o cumprimento das ordens estaria entre as atribuições dos ora pacientes, não se mostra ilegal ou abusiva a instauração de inquérito para a apuração de eventual ocorrência do delito de desobediência ou similar.

Por outro lado, a análise quanto à impossibilidade material para o cumprimento das determinações judiciais e a ausência do dolo para o cometimento do delito demanda um exame mais aprofundado das provas, o que se mostra inviável em sede de habeas corpus.

No que tange à possibilidade do servidor figurar como sujeito ativo do delito de desobediência, transcrevo o seguinte ensinamento de Guilherme de Souza Nucci, in verbis:

"Sujeitos ativo e passivo: o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, inclusive funcionário público. Nessa hipótese torna-se indispensável verificar se a ordem dada tem ou não relação com a função exercida, uma vez que, se tiver e não for cumprida, pode configurar-se o delito de prevaricação. Se o funcionário, que recebe ordem legal de outro, não pertinente ao exercício de suas funções, deixa de obedecer, é possível se configurar a desobediência, pois nessa hipótese, age como particular. Entretanto, se receber a ordem e for da sua competência realizar o ato, pode caracterizar-se outro tipo penal, como o supramencionado" (in Código Penal Comentado; Nucci, Guilherme de Souza; Editora Revista dos Tribunais; 11ª Edição; página 1188).

Nesse sentido já se decidiu:


EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. PREFEITO MUNICIPAL: DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL: CRIME DE RESPONSABILIDADE. D.L. 201/67, art. 1º, XIV. AÇÃO PENAL: TRANCAMENTO: IMPOSSIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA: INOCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO: INOCORRÊNCIA. Cód. Penal, art. 109, IV. I. O crime de desobediência somente é praticado por agente público quando este está agindo como particular. Cód. Penal, art. 330. II. - O prefeito municipal que, quando no exercício de suas funções, deixa de cumprir ordem judicial, não comete crime de desobediência e, sim, o denominado crime de responsabilidade, tipificado no art. 1º, XIV, do D.L. 201/67, que é, na verdade, crime comum (HHCC 69.428, 70.252 e 69.850). No caso, foi o prefeito denunciado por crime de desobediência. Todavia, como a sua conduta não é atípica, não deve a ação penal ser trancada, mesmo porque o réu se defende do fato que lhe é imputado, podendo ocorrer, no caso, a ratificação da denúncia mediante emendatio libelli. III. - Inocorrência de cerceamento de defesa, já que o paciente apresentou resposta à denúncia. Inocorrência, também, de prescrição, tendo em vista a pena cominada para o delito: D.L. 201/67, art. 1º, § 1º; Cód. Penal, art. 109, IV. IV. - H.C. indeferido.(HC 76888, CARLOS VELLOSO, STF)

Vê-se, pois, que se mostra perfeitamente possível a prática do delito de desobediência por funcionário publico, sendo certo, ademais, que a conduta imputada aos pacientes poderia se adequar, em tese, a um tipo penal diverso, não se mostrando, no presente momento, patentemente atípica.

Não se verifica, portanto, flagrante ilegalidade ou abuso de poder a ser sanado pela via do presente habeas corpus.

Diante do exposto, voto pela denegação da ordem.

É COMO VOTO.


TÂNIA MARANGONI
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): TANIA REGINA MARANGONI:63
Nº de Série do Certificado: 07DCF0B19573A1C9
Data e Hora: 19/03/2013 18:24:28