D.E. Publicado em 06/08/2013 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
Trata-se de apelação criminal interposta por MAURI BUENO em face da sentença que o condenou pela prática do delito previsto no artigo 1º, inciso I e artigo 12, I, ambos da Lei nº 8.137/90 c.c o artigo 71 do Código Penal.
Consta da denúncia que o réu, sócio-gerente e administrador da empresa TRANS CASTELO TRANSPORTES LTDA., de janeiro a dezembro de 1997, omitiu receitas e efetuou pagamentos sem causa, com a finalidade de reduzir e suprimir tributos.
Segundo a inicial, o denunciado manteve contas bancárias em que efetuava lançamentos de débitos e créditos referentes a sua empresa, os quais eram registrados nos livros empresariais Diário e Razão, mas deixou de lançar informações acerca de operações de crédito, o que levou-o a reduzir impostos e contribuições incidentes sobre referidas receitas, como IRPJ, Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido, COFINS e PIS.
A exordial relata ainda que o réu efetuou pagamentos sem causa com cheques e ordens bancárias a empresas diversas, sem contraprestação, criando condições para a supressão do pagamento de imposto de renda exclusivamente na fonte, omitindo rendimentos.
Foi apurado o crédito tributário total na cifra de R$2.547.874,64 (dois milhões, quinhentos e quarenta e sete mil, oitocentos e setenta e quatro reais e sessenta e quatro centavos).
A denúncia foi recebida em 13 de maio de 2005 (fl.122).
Após regular instrução, sobreveio sentença (fls.239/249) que julgou procedente a ação penal para condenar o réu à pena de 04 (quatro) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em inicial regime semiaberto, e pagamento de 30 (trinta) dias-multa, à razão de R$100,00 (cem reais).
Em apelação, sustenta o réu (fls.261/292):
a) preliminarmente, nulidade absoluta dos atos praticados ante a atuação deficitária do defensor dativo, ocasionando ausência de efetiva defesa técnica;
b) ocorrência de prescrição parcial.
No mérito, postula sua absolvição, alegando:
a) falta de prova da materialidade, baseada apenas em atuação fiscal fundada em presunção e sem contraditório;
b) atipicidade objetiva, inexistindo renda omitida, e consistindo o "efetuar pagamento sem causa" em ausência de fato gerador;
c) ausência de fraude, elementar objetiva do tipo;
d) dupla punição pelo mesmo fato, não constando o "efetuar pagamento sem causa" no rol de condutas incriminadas;
d) falta de dolo.
Pede, ainda, a redução da pena aplicada:
a) por ofensa à presunção de inocência ao considerar ações penais sem o trânsito em julgado;
b) porquanto indevida aplicação da causa especial de aumento de pena prevista no artigo 12 da lei 8.137/90, sendo o grave dano à coletividade já integrante do tipo penal;
c) porque indevida consideração das penas administrativas no prejuízo, configurando bis in idem.
d) por ofensa à taxatividade.
Pede aplicação da atenuante do artigo 65, III, d do Código Penal - confissão espontânea.
O Parquet Federal apresenta contraminuta (fls.299/305) a fim de ser negado provimento ao apelo defensivo.
Nesta Corte, o parecer da Procuradoria Regional da República é pelo parcial provimento do apelo para aplicar a Súmula 444 do STJ.
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR JOSÉ LUNARDELLI:
1. Do exaurimento da via administrativa. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do HC nº 81611 assentou que o exaurimento da via administrativa é condição de procedibilidade da ação penal nos crimes contra a ordem tributária, porquanto o delito previsto no artigo 1º, da Lei nº 8.137/90, é material ou de resultado.
Hodienarmente, a questão encontra-se sumulada. Confira-se a dicção da Súmula Vinculante nº 24:
No caso dos autos, é evidente a presença de tal condição vez que a constituição definitiva do crédito tributário se dera em 24 de fevereiro de 2002, como se depreende de fl.902 do apenso.
2. Dos fatos. Imputa-se ao apelante o cometimento do crime descrito no artigo 1º, inciso I, da Lei nº. 8.137/90, em continuidade delitiva, porque, na condição de sócio - gerente e administrador da empresa denominada TRANS CASTELO TRASPORTES LTDA, CNPJ nº. 71.689.848/0001-18, no período de janeiro a dezembro de 1997, omitiu receitas e efetuou pagamentos sem causa, com a finalidade de reduzir e suprimir tributos.
A peça acusatória assim descreve o modus operandi:
3. Das preliminares. Aduz a defesa, preliminarmente:
3.1. nulidade absoluta dos atos praticados em razão da atuação deficitária do defensor dativo, ocasionando ausência de efetiva defesa técnica.
Esteve o apelante acompanhado de defensor constituído no interrogatório realizado na fase indiciária (fl.57/58) e pelo mesmo advogado também na fase judicial (fls.172). Representado por defensor dativo, apresentou defesa prévia (fl.210) e alegações finais (fls.235/237).
Vê-se que o réu foi devidamente assistido por defensor em todos os atos processuais.
Constituindo novo advogado para interposição de recurso contra a sentença condenatória, entendeu que a defensora dativa não o defendeu a contento nos atos do processo em que atuou, tendo deixado a desejar em relação ao teor da defesa apresentada, carecedora de conteúdo técnico e robustez argumentativa.
No entanto, razão falece ao réu. A defesa prévia, como sói acontecer na maioria das vezes, é peça processual concisa. Além disso, embora sinteticamente, as alegações finais abordaram todas as teses defensivas, postulando a absolvição. O fato de não ser uma defesa prolixa não significa que não tenha poder de convencimento.
Por outro lado, conforme bem observado pelo Ministério Público Federal, nesta instância, "a nomeação de defensor dativo ocorreu em razão da mudança de endereço do apelante, sem comunicação ao juízo (fls.205), de modo que o reconhecimento da nulidade aproveitaria, em última análise, àquele que lhe deu causa".
Preliminar rejeitada.
3.2. Ocorrência de prescrição parcial considerando-se a pena aplicada na sentença.
Os fatos ocorreram de janeiro a dezembro de 1997.
O débito foi constituído definitivamente, com inscrição na Dívida Ativa, em 24 de fevereiro de 2002 (fl.902 do apenso).
A denúncia foi recebida em 13 de maio de 2005 (fl.122).
A sentença, publicada em 20 de novembro de 2009 (fl.250), estabeleceu a pena-base de 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão.
Nos termos do artigo 109, IV do Código Penal, a pena em comento prescreve em 08 (oito) anos, lapso não atingido entre os referidos marcos interruptivos.
Preliminar rejeitada.
Passo à análise do mérito.
4. Da materialidade. A materialidade encontra-se devidamente comprovada através dos Autos de Infração e respectivos demonstrativos de apuração e demonstrativo consolidado do crédito tributário, não havendo qualquer mácula a inquiná-la.
5. Da autoria. A autoria restou incontroversa. O conjunto probatório comprova que, ao tempo dos fatos, o acusado era sócio - gerente e administrador da empresa "Trans Castelo Transportes Ltda", disso dando conta os documentos oriundos da JUCESP acostados às fls.92/94 e as assertivas do acusado em Juízo:
Anoto, a título de esclarecimento, que o órgão ministerial e a defesa não arrolaram testemunhas.
6. Do dolo. O tipo penal descrito no artigo 1º da Lei nº 8.137/90 exige apenas o dolo genérico. Não é essencial o dolo específico ou especial fim de agir. O crime de sonegação fiscal consiste em reduzir ou suprimir tributo por meio de uma das condutas arroladas, e não em adotar uma daquelas condutas com o fim de suprimir ou reduzir tributo.
De qualquer modo, no caso destes autos, é inegável a vontade livre e consciente do réu de reduzir tributo, na forma narrada na peça acusatória. O escopo fraudulento, a intenção de fraudar o fisco foi amplamente comprovada, uma vez que, o acusado, responsável pela administração da empresa TRANS CASTELO TRANSPORTES LTDA. omitiu, de forma injustificada, rendimentos e outras informações nos documentos fiscais, ensejando a redução de pagamento de tributos, não havendo falar em atipicidade fática por ausência de dolo.
7. A defesa postula:
7.1. Absolvição por falta de prova da materialidade, baseada apenas em atuação fiscal fundada em presunção e sem contraditório.
O questionamento do lançamento arbitrado por auditor fiscal carece de acolhida, havendo presunção de veracidade em seus atos.
Os valores assim apontados e as irregularidades alçadas à condição de ilícito penal devem passar pelo crivo do contraditório para serem refutados, constituindo indícios suficientes da materialidade aptos a ensejarem o prosseguimento da ação penal. No transcurso da instrução processual caberia à defesa apontar as irregularidades ou eventuais inconsistências, o que não ocorreu.
Ademais, sequer houve impugnação ao procedimento administrativo que culminou no lançamento tributário, acomodando-se o réu ao resultado atingido.
7.2. Absolvição por atipicidade objetiva, inexistindo renda omitida, e consistindo o "efetuar pagamento sem causa" em ausência de fato gerador.
Não prospera a pretendida absolvição pela prática do crime insculpido no artigo 1º, I da lei 8.137/90, que preceitua:
O relatório fiscal elaborado pelos agentes que fiscalizaram a empresa Transcastelo Transportes Ltda. traz, de forma detalhada, a omissão de receitas (fls.28/29 - anexo):
Da mesma forma vem demonstrada a prática de "efetuar pagamento sem causa" (fl.29 - anexo):
Os diversos extratos bancários componentes dos volumes em anexo comprovam a constatação efetuada pelos agentes fiscais.
Em seu interrogatório em Juízo, o réu explanou as razões que levaram à quebra da empresa, donde se depreende claramente a ingerência e a responsabilidade penal do réu (fl.172):
Conforme declarado pelo interrogando, embora a empresa TRANS CASTELO TRANSPORTES LTDA. se utilizasse dos serviços de um escritório contábil para escrituração de suas atividades, certo é que um funcionário era mantido, sob as ordens do réu, com a função precípua de manuseio de documentos fiscais e seleção daqueles que seriam encaminhados ao escritório (fl.172):
O apelante narra a prática de efetuar pagamento sem causa, atribuindo-a a transferências realizadas com empresa coligada (fl.172):
O réu expressamente assente que sua inexperiência em negócios do gênero, ou seja, a má gestão deu causa à ruína da empresa:
Apurou-se, ademais, que através de tais subterfúgios contábeis, o réu logrou êxito em alçar a empresa TRANS CASTELO TRANSPORTES LTDA. no crédito tributário a seguir delineado (fls.03/04):
A conduta de efetuar pagamentos sem causa se subsume à figura típica do artigo 1º, inciso I, da Lei nº. 8.137/90, na medida em que contribuiu, e muito, para a diminuição injustificada da receita da empresa, fato que gera a incidência de tributos.
De outra banda, não tem o condão de desconstituir a materialidade delitiva alegação genérica de que a receita declarada teria sido resultado de empréstimo realizado junto à empresa "PG CÂMBIO E TURISMO", uma vez a defesa não se desincumbiu do ônus de provar o quanto alegado, nos termos do artigo 156, primeira parte, do Código de Processo Penal.
Nessa linha de raciocínio despicienda assertiva no sentido de que o empréstimo tomado junto à empresa de câmbio não consubstancia acréscimo patrimonial para fins da incidência do Imposto sobre a Renda.
7.3. Absolvição por ausência de fraude, elementar objetiva do tipo.
Os elementos de cognição coligidos no transcorrer da instrução criminal atestam, de forma cristalina, a omissão de rendimentos e outras informações relevantes nos documentos fiscais da empresa, conduta que subsume à figura típica do artigo 1º, inciso I, da Lei nº.8.137/90.
7.4. Absolvição ou redução da pena, ante a dupla punição pelo mesmo fato, não constando o "efetuar pagamento sem causa" no rol de condutas incriminadas.
A defesa alega que "(...) o apelante foi condenado por conduta penalmente atípica à luz do artigo 1º da Lei nº. 8.137/90, que não incrimina a conduta de 'efetuar pagamentos sem causa'; OU, foi duplamente condenado pelo mesmo fato, caso tenha tal conduta sido considerada como meio hábil à 'omissão de rendimentos', cuja prática também foi condenado".
Como outrora consignado, o fato não é atípico, porquanto a conduta de efetuar pagamentos sem causa resultou na diminuição injustificada da receita da empresa.
Tampouco há bis in idem, uma vez comprovada a redução de tributos ( IRPJ, IRRF, PIS, CSSL e COFINS) mediante omissão de receitas caracterizada pela ocorrência de saldo credor de caixa, conforme consignado no relatório fiscal.
A defesa não produziu qualquer prova apta a rechaçar o conjunto probatório e, portanto, provadas a materialidade e autoria delitivas, a manutenção da sentença condenatória é de rigor.
8. Da dosimetria. O Juízo " a quo" fixou a pena-base acima do piso legal - 02 ( dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão - em razão da personalidade do acusado que ostenta antecedentes.
No tocante à conseqüências do crime, assim dispôs:
Inicialmente, no tocante à pena-base não é possível agravar a pena com alusão ao desajuste na personalidade do acusado se tal avaliação se funda no registro de inquéritos policiais e ações penais, não havendo notícia acerca do trânsito em julgado, como é o caso dos autos, visto que tal juízo choca-se com o princípio da presunção de inocência.
Nessa linha, a Súmula 444 do STJ: "É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base".
A avaliação da personalidade do acusado e também da sua conduta social devem estar assentadas em elementos idôneos e devidamente demonstrados nos autos, não servindo para tal fim o registro supracitado. Essa é jurisprudência pacífica do STJ:
Destarte, reduzo a pena-base de 02 ( dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão para 02 ( dois) anos de reclusão. Mantida a majoração da pena-base de 1/3 em decorrência da causa de aumento estabelecida no artigo 12 da Lei nº.8.137/90 resulta na pena definitiva de 02 ( dois) anos e 08 ( oito) meses de reclusão.
A majoração da pena em virtude da aplicação da causa de aumento disciplinada no artigo 12 da Lei nº 8.137/90 resta motivada e fundamentada, não comportando reparos.
Deveras, estabelece o artigo 12 da Lei nº. 8.137/90:
A sonegação de vultosa quantia ( R$ 2.547.874,64) não está ínsita ao tipo penal, vale dizer, não consubstancia elementar da figura típica e justifica a incidência da majorante específica em comento, na terceira fase do sistema trifásico, disso não resultando bis in idem ou ofensa à taxatividade como quer fazer crer a defesa.
Nesse sentido:
Noutro vértice, inaplicável a atenuante da confissão espontânea, já que o acusado em nenhum momento da instrução criminal admitiu ter sonegado impostos mas, ao revés, quando instado, refutou as conclusões da autoridade fazendária.
A pretendida redução da pena pelo fato de a conduta de efetuar pagamentos sem causa restar absorvida pela conduta de omitir rendimentos não guarda amparo normativo, eis que o crime se configura com a prática de uma única ação, dentre aquelas disciplinadas no preceito primário do tipo penal.
Por fim, considerando a continuidade delitiva, nos moldes do artigo 71 do Código Penal, a sentença elevou a pena em ½ (metade), em razão de ter o réu praticado crimes idênticos, nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução, ou seja, de abril a dezembro de 1997, omitindo receitas com a finalidade de reduzir e suprimir tributos.
Elevo, por conseguinte, a pena, nos patamares especificados, que se torna definitiva em 04 (quatro) anos de reclusão.
A pena de multa não seguiu o critério da proporcionalidade com a pena privativa de liberdade, de forma que a reduzo de 30 (trinta) dias-multa para 19 (dezenove) dias multa, no valor unitário fixado pelo Juízo "a quo" de R$ 100,00 (cem reais), considerando a situação econômica do réu declarada no interrogatório judicial - vendedor autônomo.
O regime inicial da pena privativa de liberdade será o aberto, nos moldes do artigo 33, §2º, alínea "c", do Código Penal, cujo cumprimento se dará na forma e condições estabelecidas pelo Juízo das Execuções Penais.
Nos termos do artigo 44, §2º, do Código Penal substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos consistentes na prestação de serviços à comunidade ou à entidades públicas, pelo prazo da sanção corporal substituída, a ser cumprida na forma estabelecida pelo artigo 46 daquele Código e demais condições do Juízo das Execuções Penais, bem como na prestação pecuniária consistente no pagamento mensal de 01 (um) salário mínimo durante o período de 01 (um) ano, à entidade pública ou privada com destinação social cadastrada no Juízo das Execuções Penais.
Com tais considerações, REJEITO as preliminares argüidas e DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação tão somente para reduzir a pena aplicada para 04 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e pagamento de 19 (dezenove) dias-multa, mantido o valor unitário fixado na sentença recorrida, substituindo-se a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos consistentes na prestação de serviços à comunidade ou à entidades públicas, pelo prazo da sanção corporal substituída, a ser cumprida na forma estabelecida pelo artigo 46 do Código Penal e demais condições do Juízo das Execuções Penais, bem como na prestação pecuniária consistente no pagamento mensal de 01 (um) salário mínimo durante o período de 01 (um) ano, à entidade pública ou privada com destinação social cadastrada no Juízo das Execuções Penais.
É o voto.
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